Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4702/15.9T8MTS.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE VIDA
ANULABILIDADE
CADUCIDADE
DECLARAÇÃO INEXACTA
DECLARAÇÃO INEXATA
OMISSÃO
QUESTIONÁRIO
ÓNUS DA PROVA
ERRO
DOLO
ABUSO DO DIREITO
Data do Acordão: 06/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGOCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / FALTA E VÍCIOS DA VONTADE / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / ÓNUS DA PROVA.
Doutrina:
- Inocêncio Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, p. 84, 85, 110 e 111;
- Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, p. 237, 238 e 261;
- Moitinho de Almeida, Contrato de Seguro, p. 73 e ss.;
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 388, 389 e 339.
Legislação Nacional:
REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO (RJCS): - ARTIGOS 25.º, N.º 1 E 26.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 254.º E 342.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 21-11-2001, ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 10/2001, IN DR 298, SÉRIE I-A, DE 27-12-2001;
- DE 04-03-2004, IN CJSTJ I/2004, P. 103;
- DE 17-11-2005, IN CJSTJ III/2005, P. 120;
- DE 06-07-2011, PROCESSO N.º 2617/03.2TBAVR.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - O elemento decisivo para a celebração do contrato é o questionário apresentado ao segurado, na medida em que se presume não serem aí feitas perguntas inúteis e, através dele, é o próprio segurador que indica ao tomador quais as circunstâncias que julga terem influência no contrato.

II - O questionário traduz-se numa facilitação concedida pelo segurador ao segurado e não parece justo, assim, que possa redundar em prejuízo daquele

III - As respostas ao questionário são o repositório das declarações de risco da pessoa segura em que a seguradora deve confiar e em função das quais aceita o não o contrato e fixa as respectivas condições, não se concebendo a formulação de perguntas inúteis ou irrelevantes.

IV - A sanção da anulabilidade do contrato de seguro, contemplada no artigo 25º nº 1 do RGCS não é mais que a previsão de um caso de erro vício de vontade.

V - Trata-se de uma particularização do regime da anulabilidade do erro causada por dolo, previsto em geral no artº 254º do Código Civil.

VI – Cabe à seguradora o ónus de provar o erro, a sua relevância e a existência do dolo (artº 342º nº 2, do Código Civil.

VII - Qualquer um dos vícios referidos no artigo 25º do RJCS (omissões ou inexactidões dolosas) e no artigo 26º (omissões ou inexactidões negligentes) refere-se à formação do contrato de seguro e não ao seu desenvolvimento.

VIII - A expressão contida no artigo 25º nº 1 do RJCS no sentido de que “o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro”, apenas significa que é dispensado o recurso a juízo para operar esse efeito em relação ao contrato.

IX - O sentido normativo que resulta da letra do nº 1 daquele artigo 25º é o de que a anulabilidade do contrato pode fazer-se por declaração à outra parte.

X - Não é de assacar qualquer violação de boa–fé contratual à conduta da ré seguradora, nem se vislumbra que exista também abuso de direito na conduta que praticou, pois, não constitui abuso de direito o facto de a seguradora, num dado momento inicial e sem qualquer verificação sobre informações do segurado:

- não ter solicitado a apresentação de qualquer exame médico ou informação clínica para a celebração do contrato de seguro e nem ter exigido a realização de exames médicos em serviços clínicos por si contratados.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I - RELATÓRIO


AA, viúva, e seus filhos, BB, CC, e DD, intentaram acção com processo comum, contra EE, S.A., com sede na Av. … nº …, … …, efectuando os seguintes pedidos:

“- Requer-se que a ré, EE S.A., seja condenada a pagar ao Banco FF (Portugal) SA, a quantia de € 48.365,32 correspondente aos créditos hipotecários – nº101.9…97 e nº101.9…05, à data do óbito do falecido GG, com quem a autora foi casada, sendo que, uma vez que o crédito continua a ser pago pelos autores, ao Banco FF (Portugal) SA que à data já acumula o valor 6.684,23€, sendo que, a ré terá de pagar o montante que à data do trânsito da presente acção os autores tiverem pago ao Banco referido, cujos créditos estavam garantidos pelo seguro ramo vida através das apólices identificadas.

- Para além do dano patrimonial supra citado, deve ainda esta ré ser condenada no pagamento aos autores de todos os danos patrimoniais tidos na sequência do não pagamento pela ré das supra mencionadas quantias, desde logo na quantia de 1.500,00 € conforme o alegado no item 50 entre outros, e ainda deverá ser condenada a ressarcir os autores em quantia não inferior a 7.500,00 €, de todos os danos de natureza não patrimonial atento o alegado nos itens 51 a 56 entre outros.

- Mais se requer, que todas as quantias sejam acrescidas dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.”


Alegaram, em síntese, que a 1ª autora, juntamente com GG, com quem era casada, tinha contraído em 1998 um empréstimo junto do Banco FF (Portugal), S.A., anteriormente designado HH Portugal, S.A. No âmbito desse contrato subscreveram um seguro do ramo vida, junto da ré. O GG faleceu em 10 de Outubro de 2013, mas a seguradora não aceitou pagar o montante da dívida junto daquele Banco (€48.365,32), invocando que o falecido tinha prestado falsas declarações aquando da celebração do contrato de seguro.

Mais alegaram que antes da celebração do contrato de seguro não foram explicadas as cláusulas, tendo-se limitado o falecido a subscrever as propostas.


Contestou a ré seguradora, invocando a anulabilidade do contrato de seguro, por ter sido deliberadamente omitida a situação clínica pré-existente do segurado e no mais impugnando os factos alegados pelos autores e pugnando pela improcedência da acção.


Após convite do tribunal nesse sentido, vieram os autores requerer a intervenção principal provocada do Banco FF (Portugal), incidente que foi admitido.

O interveniente, que incorporou por fusão a sociedade HH Portugal, S.A. apresentou articulado, invocando ser um terceiro de boa-fé na relação contratual estabelecida entre os mutuários e a ré, pelo que não poderá ver o seu direito prejudicado por alegadas falsas declarações daqueles a esta e pedindo que a acção seja considerada procedente, e, consequentemente, a ré condenada a pagar ao interveniente os montantes que se encontrem em dívida quanto ao contrato de mútuo com hipoteca consigo celebrado.


Após convite do tribunal nesse sentido, veio o interveniente responder à matéria de excepção invocada pela ré na sua contestação, invocando a caducidade do direito de invocação de tal anulabilidade.


Igualmente vieram os autores responder a tal matéria, invocando o decurso do prazo de um ano para invocação da referida anulabilidade do contrato.


Foram autores e ré notificados para esclarecerem se, na sequência do envio da carta junta aos autos com a petição inicial, datada de 5 de Setembro de 2013, em que a ré, dirigindo-se à 1ª autora, invocou a anulabilidade do contrato de seguro, por omissão do dever de declaração inicial do risco, continuaram a ser pagos pela 1ª autora e recebidos pela ré, os prémios de seguro, referentes ao seguro em causa.

Nessa sequência, veio a ré dizer que todos os prémios recebidos, quer com data anterior, quer com data posterior a 05.09.2013, foram devolvidos ao tomador do seguro, na medida em que a partir dessa data a apólice foi anulada por omissão do dever de declaração inicial de risco.


Veio ainda a ré responder à invocada excepção de caducidade de invocação do direito de invocação da anulabilidade, pugnando pela sua improcedência.


Foi proferida sentença em 13.03.2018 (fls. 263-279) com o seguinte dispositivo:

“Com fundamento no atrás exposto julgo a presente acção parcialmente procedente e em consequência:

a) Condeno a ré EE, S.A. a pagar ao interveniente Banco FF (Portugal), S.A., a quantia em dívida à data de hoje, referente ao contrato de mútuo com hipoteca celebrado entre o interveniente e a primeira autora e seu falecido marido.

b) Condeno a ré a pagar aos autores as quantias que estes continuaram a suportar (a pagar ao interveniente), desde a data do óbito do marido da primeira autora até à data de hoje, em montante a liquidar em ulterior incidente de liquidação.

c) A tais quantias acrescerão os juros de mora vencidos e vincendos, desde a data da citação para a presente acção e até efectivo e integral pagamento.

d) Absolvo a ré do restante peticionado”.


A ré EE, SA interpôs recurso de apelação e a Relação, por acórdão de 15.01.2019, julgando a apelação procedente, revogou a sentença recorrida e absolveu a ré do pedido.


Não se conformando com aquele acórdão, dele recorreram os autores, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

1ª - Não merecendo censura a decisão proferida em 1º instância, a Relação deveria ter confirmado que a ré/seguradora não tinha fundamento para invocar a anulabilidade do contrato e que, ainda que se verificasse tal fundamento, tal direito havia caducado.

2ª - Os autores/recorrentes não acompanham, assim, o julgado e decidido pelo acórdão da Relação, pois, contém erro de interpretação dos artigos 24°, 25° e 26° do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (Lei 72/2008, de 16/04).

3ª - Não deverá, desde logo, o contrato de seguro ser anulado, pois não se provou que o tomador de segurado tenha agido dolosamente, ocultando informações na fase negocial, afastando-se a aplicabilidade do nº 1 do artigo 25º do citado diploma legal, não podendo a ré/seguradora que aceitou o contrato, e provada a ausência de dolo, prevalecer-se da eventual omissão de resposta a pergunta do questionário (não provado), nos termos da aliena a), do nº 3 do artigo 24º.

4ª - Não se tendo provado que foi o falecido marido da 1ª autora/recorrente quem preencheu o questionário médico em questão, nem se apurou que o mesmo tenha ocultado qualquer informação para o preenchimento do mesmo, e que o tenha feito omitindo deliberadamente a sua situação clínica prévia quando subscreveu a proposta de seguro em Abril de 2012, inexistem factos que possam consubstanciar o incumprimento doloso ou negligente referido no artigo 24º nº 1 do Regime Jurídico do contrato de seguro (Decreto-Lei 72/2008, de 16/04), pelo que o contrato de seguro em causa não é anulável (afastando-se, assim, a norma do artigo 25º da citada Lei, tendo ainda por referência o artigo 253º do C.C.).

5ª - Não se provou que o falecido marido da 1ª autora, tanto nos preliminares, como na formação do contrato, tenha utilizado ou usado de artifícios e sugestões para induzir em erro a ré seguradora encontrando-se, assim, afastado, um dos requisitos do dolo - artigo 253º do C.C.

6ª - A ré/seguradora não provou que o tomador do seguro tenha usado de artifícios ou embustes aquando da celebração do contrato, ou seja, não conseguiu provar a relevância que as informações omitidas tinham para a apreciação do risco ou mesmo para a vontade de contratar e a consciência que o falecido marido da 1ª autora tinha dessa mesma relevância.

7ª - Na ausência do “dolus malus”, a que reporta especificamente o nº 1 do artigo 25º do RJCS, fica igualmente afastada a possibilidade de invocar a anulabilidade do contrato de seguro.

8ª - É sobre a ré seguradora que pendia o ónus de provar o erro, a sua relevância e a existência de dolo (nº 2 do artigo 342º do Código Civil), mormente, no que ao erro diz respeito, aferir se o mesmo foi factor determinante da declaração negocial emitida – essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro – e se o falecido marido da 1ª autora conhecia ou devia conhecer essa essencialidade - requisitos comuns de anulabilidade exigidos para o erro-vício e para o erro na declaração, por remissão do artº 251º para o artº 247º, ambos do Código Civil.

9ª - Ou seja, cumpria à ré/seguradora não só alegar, mas também demonstrar factos que sustentassem as alegadas omissões ou inexactidões dolosas praticadas pelo segurado, aquando da declaração inicial do risco prestada, relevantes para apreciação do risco, e a respectiva essencialidade para a celebração do negócio jurídico, no caso, o contrato de seguro.

10ª - Ainda que se tenha provado que à data em que o falecido marido da 1ª autora subscreveu a proposta já sabia que era possuidor de um quadro clínico que não era normal face à descrição constante do relatório médico (ponto 40) - não se provando que foi o falecido marido da 1ª autora a preencher tal questionário e que foi o mesmo a responder negativamente a todas as questões omitindo deliberadamente a sua situação clínica -, a verdade é que não está provado que, não fora o erro provocado, o contrato não teria sido celebrado.

11ª - O que ficou assente e dado como provado no ponto 41 dos factos provados foi uma alternativa, isto é, provou-se que a ré seguradora se soubesse ou conhecesse, à data da contratação do seguro a situação clínica do falecido marido da 1ª autora, não teria aceite o seguro ou, em alternativa, sujeitá-lo-ia a um sobre prémio, o que, por si só, é suficiente para a improcedência da excepção de anulabilidade, por falta de prova da essencialidade do erro.

12ª - Nesse sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-11-2018 – processo 399/14.1TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt:

“VI. Subsumidos os factos ao direito, na demonstração de que se a seguradora tivesse conhecimento que o segurado, omitiu declarações relevantes para apreciação do risco, outrossim, que ao conhecê-las não teria aceitado celebrar o seguro proposto ou teria, pelo menos, exigido um agravamento do prémio para segurar os riscos associados à pessoa segurada, temos de convir pela improcedência da excepção de anulabilidade do seguro, pela não demonstração de factos que traduzam a necessária essencialidade do erro, face à enunciada alternativa colocada pela seguradora – a não aceitação do contrato, ou agravamento do prémio a estabelecer.

13ª - E ainda Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-06-2017 - processo nº 225/14.1TBTND.C1.S1, in www.dgsi.pt.” Resultando apenas provado que : “Se a ré tivesse tido conhecimento das doenças do falecido, e dependendo da evolução ao tempo, não teria aceitado celebrar o contrato de seguro ou, pelo menos, e após o pedido de exames médicos com avaliação clínica, teria aplicado um sobre prémio para o risco morte ou recusado cobrir determinados riscos” – e não que, não fora o erro provocado pelo dolo, o contrato não teria sido celebrado –, tal é insuficiente para a procedência da excepção de anulabilidade do seguro, por falta de prova da essencialidade do erro”.

14ª - Acresce que, ao contrário do entendimento da Relação, a simples aposição da assinatura do tomador de seguro no questionário de saúde – não se provando que o tenha preenchido – não corresponde a uma manifestação de concordância com o respectivo teor e com o que estava preenchido, pois uma coisa é a assinatura dos papéis que são entregues pela seguradora ao subscritor do seguro para que sejam assinados e, outra coisa bem diferente, é a informação específica que a seguradora deve fornecer acerca do conteúdo dos mesmos e de certas cláusulas em concreto, nomeadamente as de exclusão.

15ª - In casu, a ré seguradora para além de não ter provado que o tomador do seguro violou dolosamente o dever de declarar com exactidão as circunstâncias significativas para a apreciação do risco, certo é que, não estando formulados os quesitos pela positiva pelo facto de não se ter dado como provado que o mediador da ré ou seu intermediário na contratualização não leu as cláusulas contratuais gerais e especiais dos contratos à autora e ao falecido marido, nem tão pouco as explicou, não pode considerar-se provado que o falecido foi informado pela ré das clausulas contratuais, designadamente daquelas que excluem a responsabilidade da seguradora, motivo pelo qual deverão ter-se por excluídas do contrato, nos termos do artigo 8º, alíneas a) e b) da Lei das condições Gerais do Contrato (Decreto-lei 446/85, de 25/10), por violação dos seus artigos 5º (dever de comunicação) e 6º (dever de explicação) do mesmo diploma legal.

16ª - Ademais, não pode o tomador de seguro responder pela violação de deveres de cuidado na prestação da informação à seguradora, quando esta, estando vinculada aos deveres de informação e comunicação previstos nos artigos 5º e 6º do DL 446/85, de 25 de Outubro, não provou que o seu mediador, Sr. II, prestou toda a informação respeitante à declaração inicial do risco e que explicou as clausulas contratuais gerais e especiais dos contratos, incluindo as clausulas de exclusão de responsabilidade, explicando os seus conteúdos, deveres esses reforçados pelo dever de esclarecimento consagrado no artº 24º, nº 4 do RJCS.

17ª - Resta ainda dizer que ao arguir a anulabilidade do contrato de seguro, a ré seguradora violou os mais elementares princípios da boa-fé contratual, actuando com abuso de direito, na modalidade de “ venire contra factum proprium”.

18ª - Na medida em que se provou que a ré seguradora não solicitou a apresentação de qualquer exame médico ou informação clínica para a celebração do contrato de seguro; não exigiu a realização de exames médicos em serviços clínicos por si contratados (pontos 12 e 13 dos factos provados).

19ª - nem tão pouco – e mais relevante - tentou obter esclarecimentos junto do tomador do seguro durante mais de um ano após a celebração do contrato, constituindo um verdadeiro “venire contra factum proprium”, invocar agora essas omissões e inexactidões de um questionário de saúde que não se provou que tenha sido preenchido pelo falecido marido da 1ª autora, nem que o mesmo tenha omitido deliberadamente a sua situação clinica prévia quando subscreveu a proposta de seguro.

20ª - Negligência grosseira (Pedro Romano Martinez, in Lei do Contrato de Seguro Anotada, p. 154) da ré seguradora que ao incumprir com o seu dever de diligência e de boa-fé tanto nos preliminares como na formação do contrato (artº 227º do C.C.) não pode ser beneficiada com a anulabilidade do contrato de seguro.

21ª - Violou a Relação o disposto no artigo 287º nº 1 do C.C. ao considerar tempestiva a arguição da ré seguradora da anulabilidade do contrato de seguro.

22ª - Nos termos do nº 1 do artigo 287º do C.C. “só têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei estabelece, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento”.

23ª - Determinando o nº 2 do mesmo preceito legal que “ enquanto, porém, o negócio não estiver cumprido, pode a anulabilidade ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção, como por via de excepção”.

24ª - Ora, ainda que se entendesse – o que não se aceita – que existiram omissões ou inexactidões dolosas aquando da celebração do contrato de seguro – sendo tal facto do conhecimento da Ré/Seguradora pelo menos desde 05 de Setembro de 2013 (data da carta enviada à 1ª autora, declinando a responsabilidade e invocando que o contrato é anulável, por omissão do dever de declaração inicial de risco atenta a patologia prévia), e tendo a contestação, invocando a anulabilidade, apresentada a juízo em Novembro de 2015, já havia decorrido o prazo de um ano para arguir a anulabilidade nos termos do n.º 1 do artigo 287º do C.C.

25ª - Descurando tal procedimento no prazo de um ano, não pode a ré/seguradora vir agora invocar a anulabilidade por via de excepção, violando para além do nº 1 do artigo 287º do C.C., merecendo os autores/recorrentes, indiscutivelmente, a protecção baseada na tutela da confiança e na boa fé nos termos gerais de direito.

26ª - Errou a Relação ao considerar que a ré seguradora poderia invocar a anulabilidade nos termos do nº 2 do artigo 287º do C.C. “ a anulabilidade pode ser arguida sem dependência de prazo enquanto o negócio não estiver cumprido” – já que o contrato se considera cumprido, como bem se diz no Acórdão da Relação de Guimarães, de 29/10/2015 – processo n.º 2007/12.6TJVNF.G1, in www.dgsi.pt: “com a formalização e aceitação do mesmo por parte da seguradora e o pagamento do prémio por parte do segurado, pois é nesse momento que a seguradora assume o risco contra o pagamento do prémio e este é o verdadeiro sinalagma de um contrato desta natureza”.

27ª - O argumento da Relação de que a ré seguradora podia invocar a anulabilidade contrato, sem dependência de prazo porquanto o negócio ainda não estaria cumprido, já que apenas ocorreria quando realizasse a prestação a que está vinculado (artº 762º nº 1 do C.C.) que, no caso, seria o pagamento das prestações em dívida ao interveniente “Banco FF” que concedeu o empréstimo ao segurado, viola o princípio da segurança e da confiança jurídica, na medida em que o contrato se formalizou com aceitação do mesmo por parte da seguradora e o pagamento do prémio por parte do segurado, pois é nesse momento que a seguradora assume o risco contra o pagamento do prémio e este é o verdadeiro sinalagma de um contrato desta natureza,

28ª - Sob pena das causas de anulabilidade do negócio se poder perpetuar quase indefinidamente, sendo invocáveis muitos anos após a sua plena cognoscibilidade pelo interessado.

29ª - Assim perfilhou este Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 02/10/2014, in. www.dgsi.pt:

”A imposição de um prazo curto para a parte se prevalecer de um alegado erro-vício da vontade tem na sua base a necessidade de garantir o princípio fundamental da segurança jurídica e da confiança no tráfico, evitando que as possíveis causas de anulabilidade (ou seja, de invalidade potestativa, total ou parcial) de um negócio se possam perpetuar – e afectando-se retroactivamente, com o reconhecimento da invalidade congénita do acto, a estabilidade da regulação de interesses nele plasmada.”

30ª - Assim, tendo a ré seguradora conhecimento das alegadas declarações inexactas pelo menos em 05 de Setembro de 2013, é inquestionável que teve tempo mais do que suficiente para intentar a respectiva acção de anulabilidade, não podendo ser agora injustamente beneficiada pelo seu descuido e negligência processual, invocando a anulabilidade mais de dois anos após ter conhecimento dos alegados fundamentos.

31ª - Em suma, tendo decorrido mais de dois anos sobre o momento em que a ré seguradora tomou conhecimento do vício sem que tivesse promovido a anulação do contrato, e sendo certo que nada de concreto alegou em ordem a provar que o negócio, ao longo de todo esse lapso de tempo, não foi cumprido,

32ª - Tem de concluir-se, à vista do disposto no citado artigo 287º nºs 1 e 2, do CC, que se operou a convalidação do seguro contratado entre a ré seguradora e o tomador de seguro, o que, à luz do nº 1 do artigo 287º do Código Civil, implica a caducidade do seu direito à anulação do contrato.

33ª - Ao decidir como decidiu, o douto acórdão recorrido violou, entre outros, o disposto nos artigos 24°, 25º e 26º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo DL nº 72/2008, de 16 de Abril, bem como os artigos 227°, 247°, 251° e 253° nº 1, e 287º, nº 1 e 2, todos do Código Civil.


Termina, pedindo que seja julgado procedente o presente recurso, alterando-se a decisão do acórdão recorrido, condenando a ré seguradora nos exactos termos consignados na sentença da primeira instância.


Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO


A) Fundamentação de facto

Mostram-se provados os seguintes factos.

1º - A autora foi casada em primeiras núpcias sob o regime da comunhão de adquiridos com GG, falecido à data de 19 de Outubro de 2013, na freguesia e concelho de … – Cfr fls 39 a 42.

2º - O segundo, terceiro e quatro autores, são filhos daquele falecido GG.

3º - Sucedeu àquele falecido GG a 1ª autora e restantes autores seus filhos, sendo estes, os seus únicos herdeiros, sendo certo que, não fez qualquer testamento ou outra disposição de última vontade.

4º - Os autores habilitaram-se como herdeiros do falecido, por escritura pública outorgada aos 20 de Janeiro de 2014, no Cartório Notarial da Notária Licenciada JJ, sito na Rua …, número … … sala …, na cidade da …, tal escritura é composta por uma folha, escritas frente e verso, extraída da escritura lavrada de folhas 73 do Livro de Notas para Escrituras Diversas número 54-A – A daquele Cartório.

5º - O falecido GG, trabalhava na empresa KK - Comércio e Indústria de Peixe Fresco e Congelado, Lda, com sede na Rua … n.º … na Freguesia e Concelho de …, da qual era gerente.

6º - O falecido GG era …., … de peixe congelado, sendo este quem geria a empresa que é familiar, e era o responsável por tudo quanto fosse necessário para o decurso da actividade comercial e financeira da empresa.

7º - O falecido e a sua esposa tinham um mútuo bancário que se encontrava, e encontra, seguro em caso de morte ou invalidez permanente, pois que, a seguradora respectiva, em caso de vigência do contrato à data da verificação de qualquer destas causas, assumia os encargos vincendos do respectivo empréstimo.

8º - Aquele falecido tinha contrato de seguro de vida com a ré, quer na qualidade de tomador do seguro, quer na qualidade de pessoa segura.

9º - A aqui ré não assumiu a sua responsabilidade, tendo declinado a mesma.

10º - Alegando que o falecido havia prestado falsas declarações aquando da celebração do contrato em questão.

11º - O falecimento de GG, e o que o levou a ser portador de uma deficiência, conferindo uma incapacidade permanente global de 80% em 09/07/2013 e consequente reforma por invalidez em 06/09/2012, foi este ser portador de uma Neoplasia Maligna da Traqueia, Brônquios e Pulmão, que o levou a falecer no Hospital de … no dia 19 de Outubro de 2013, sem necessidade de realização de autópsia.

12º - A ré não solicitou a apresentação de qualquer exame médico ou informação clínica para a celebração do contrato de seguro.

13º - Nem tão pouco exigiu a realização de exames médicos em serviços clínicos por si contratados.

14º - O falecido marido da 1ª autora assinou as propostas de seguro.

15º - Os contratos de seguro foram apresentados pelo Sr. II, mediador de seguros, no local de trabalho do falecido, na Rua … n.º … … .

16º - O falecido GG e esposa, só aceitaram o seguro, pois já possuíam um seguro à data com MM Seguros, porque o seguro da ré que foi apresentado pelo Sr. II (agente 37597 da ré) era muito mais barato.

17º - A Autora e o seu falecido marido, à data de 14 de Agosto de 1998, para aquisição da sua habitação própria que é a fracção autónoma “AI” que é um T4 no 4º andar sito na Praceta …. … freguesia de …, Concelho de …, prédio esse, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 1225 aí registado a favor daqueles e inscrito na matriz predial urbana sob o art. 9772 da União de Freguesias de …, …. e …, contraíram junto do Banco FF (Portugal) SA, anteriormente designado por HH Portugal SA, com o NIPC 50…1, um empréstimo no montante de dezoito mil contos, o correspondente a € 89.783,62, sendo certo que, dezasseis mil contos destinou-se à compra da habitação e dois mil contos se destinou ao pagamento de obras de beneficiação do mencionado prédio.

18º - O dito empréstimo, foi realizado através de escritura pública de mútuo com hipoteca, outorgada no 6º Cartório Notarial do Porto, perante o licenciado LL, Notário daquele Cartório, escritura essa composta de 3 folhas, extraída de fls. 5 a fls. 7 verso do livro de notas para escrituras diversas nº 167-G, e respectivo documento complementar.

19º - Tal empréstimo, foi concedido ao abrigo das normas para o crédito à habitação e deveria ser liquidado no prazo de 25 anos em 12 prestações mensais sendo que a primeira se venceu 30 dias após a realização, tendo a autora e o seu falecido marido se confessado devedores ao Banco FF (Portugal) SA, anteriormente designado por HH Portugal SA, da importância de dezoito mil contos, o correspondente a € 89.783,62.

20º - Aquele Banco FF (Portugal) SA, anteriormente designado por HH Portugal SA, para assegurar o bom pagamento da importância mutuada acrescida dos juros que fossem devidos e ainda das despesas judiciais e extra judiciais que aquele banco tivesse de fazer no caso de ir a juízo para manter e assegurar o seu crédito e acessórios, em qualquer processo, constituiu hipoteca a seu favor sobre o prédio supra identificado.

21º - O referido empréstimo e hipoteca obedeceu aos termos do documento complementar que ficou anexo a tal escritura.

22º - Documento complementar esse, que estipula quais as cláusulas pelo qual se regula aquele empréstimo concedido pelo Banco FF (Portugal) SA, anteriormente designado por HH Portugal SA, ao abrigo da legislação em vigor para transferência de crédito à habitação e crédito de beneficiação de habitação própria.

23º - Uma das cláusulas daquele documento complementar obrigava os mutuários – autora e o falecido marido – a manter um seguro de imóvel sobre o prédio hipotecado, a saber: Cláusula Nona “O(s) mutuário(s) obriga(m)-se a manter, a favor do Banco, dois contratos de seguros, já constituídos, sendo um do ramo multirriscos habitação, sobre o imóvel ora hipotecado, e outro do ramo vida, ambos pelo valor do crédito concedido.”

24º - Face à obrigação decorrente de tal documento – documento complementar daquela escritura -, a autora e o falecido marido subscreveram com MM Seguros, um contrato de seguro.

25º - Posteriormente, em 03/04/2012, a 1ª autora e seu falecido marido contrataram com a ré, um seguro do ramo vida e invalidez, sendo certo que, o produto era: seguro de vida na modalidade 8…–TAR–COVER.

26º - O prémio trimestral pago por aqueles à ora ré era no montante de 95,46€ +113,18€ a ser debitado na conta 0019…57, e correspondia à apólice nº 80…76 e 80…77.

27º - À data do óbito de GG, este era devedor, Banco FF (Portugal) SA, da quantia total de € 48.365,32, correspondente aos créditos hipotecários para construção e para obras (duas), contraídos por aquele e pela sua mulher, a ora autora, correspondente aos contratos outorgados com o Banco FF (Portugal) S.A., nº101.9…97 (prestação mensal a rondar os 30,00€) nº101.9…05 (prestação mensal a rondar os 220,00.

28º - Apesar de muito esforço financeiro, a autora nunca deixou de pagar as prestações mensais, tendo para tal requerido um período de carência, tendo desde o datado óbito até à data liquidado cerca de 6.684,23€.

29º - Após a determinação da doença que veio a vitimar o falecido, este, com a ajuda dos autores, requereu junto da ré o pagamento do crédito hipotecário ao Banco FF (Portugal) SA.

30º - A ré requereu uma lista de exames, que foram todos entregues.

31º - Após, por carta datada de 5 de Setembro de 2013, a ré informou que não iria proceder a qualquer pagamento à autora, declinando o sinistro participado, nos termos do art. 4º das Exclusões, por concluir que a pessoa segura possuía patologia prévia à data da contratação da apólice e que foi omitida na contratação da apólice. Mais, afirmou a ré em tal carta que “…lamentamos informar que declinamos o sinistro participado, não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização, considerando-se o contrato de seguro em causa anulável por omissão de dever de declaração inicial do risco.”

31º - A) Na data em que foi preenchida e assinada a proposta de seguro – 2 de Abril de 2012 – o tomador do seguro declarou que tomou conhecimento, tal como se refere na própria proposta de seguro, de todas as informações a que se referem os artigos 18º a 21º e 185º do DL 72/2208 de 16 de Abril, que constam das Informações Pré-contratuais anexas à proposta, que lhe foram entregues, relativas à modalidade de seguro subscrita.

32º - Mais se refere na proposta, que a mesma foi preenchida pela e/ou na presença da pessoa segura que declara ter lido o seu conteúdo antes de a assinar, que esta corresponde fielmente às respostas declaradas, sabendo que a não declaração de todas as circunstâncias que conheça e que razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pela EE, S.A., podem acarretar a perda parcial ou total dos direitos resultantes do seguro.

33º - Não houve necessidade de pedir exames médicos na medida em que o questionário de saúde estava preenchido e nele estavam respondidas negativamente todas as questões, apenas explicitando na questão 9 “rotina – resultados normais”.

34º - O questionário ou formulário sobre a situação pessoal do proponente, revela-se determinante na formação do contrato, por ser este o meio ou instrumento criado para avaliar o risco que a seguradora vai assumir.

35º - É através de tal questionário que a seguradora faz saber ao candidato “as circunstâncias concretas em que se baseia para assumir o risco”.

36º - A Mediadora do contrato era a sociedade NN - Mediação de Seguros, S.A., através do referido Sr. II.

37º - Em 30.08.2013 (fls 82 e 83) a ré recebeu um relatório do médico de família do qual resulta, entre outros:

# diabetes mellitus desde 2005;

# hipertensão arterial desde 2005;

# dislipidemia desde 2005;

# doença arterial periférica desde 2012;

# doença de Peyronie desde 2012;

38º - O falecido conhecia a sua situação clínica desde 2005.

39º - Contrastando o questionário da proposta de seguro, verifica-se que não foi respondido afirmativamente, quanto às questões do ponto 5 do questionário, quanto às patologias pré-existentes à data da respectiva subscrição.

40º - À data em que o tomador de seguro subscreveu a proposta de seguro já sabia que era possuidor de um quadro clínico que não era exactamente normal, face à descrição constante do relatório médico.

41º - Se a ré soubesse, ou conhecesse, à data da contratação do seguro, a situação clínica da pessoa segura, tal como a mesma resulta do relatório médico do seu médico assistente, não teria aceite o seguro, ou quando muito, sujeitá-lo-ia a um sobre prémio.

42º - O interveniente incorporou, por fusão, a sociedade HH Portugal, S.A.

43º - Por contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca celebrado por escritura pública outorgada em 14 de Agosto de 1998, a sociedade com a firma HH Portugal, S.A., à qual o interveniente sucedeu nos seus direitos e obrigações, mutuou a GG e à autora AA, a quantia de 18.000.000$00 (correspondente, aproximadamente, a € 89.783,62), pelo prazo de 25 anos, amortizável em 300 prestações mensais e sucessivas, de 104.703$00 (correspondente, aproximadamente, a € 522,20).

44º - Em garantia do bom e integral cumprimento das obrigações assumidas pelos mutuários junto do HH, estes constituíram, a favor do mesmo, hipoteca voluntária sobre a fracção autónoma designada pelas letras “AI”, correspondente a habitação no quarto andar esquerdo, do prédio sito na Rua …, … a …, n.º …, freguesia de …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 1225 e inscrito na matriz sob o artigo 9772 da União das Freguesias de …, … e … .

45º - No contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca celebrado entre as partes, os mutuários, para além do mais, obrigaram-se a manter, a favor do mutuante, 2 (dois) contratos de seguro, já constituídos à data da outorga da escritura, sendo um do ramo multirriscos habitação sobre o prédio hipotecado, e outro do ramo vida, ambos pelo valor do montante mutuado, conforme resulta da alínea a) da cláusula oitava do contrato celebrado entre as partes.

46º - Por outro lado, obrigaram-se, ainda, a não alterar, transferir ou anular os seguros ou alterar as suas cláusulas, sem prévia autorização do mutuante, conforme resulta da alínea c) da mencionada cláusula do contrato celebrado entre as partes.

47º - Aquando da outorga da escritura pública acima referida, os contratos de seguro que os mutuários se obrigaram a celebrar foram subscritos junto da MM Seguros Vida, S.A..

48.º Posteriormente, os mutuários, por sua iniciativa e sem qualquer indicação ou intervenção do interveniente para o efeito, celebraram um contrato de seguro vida com a ré EE, S.A., ao qual foram atribuídas as Apólices n.º 80…77/1 e n.º 80…76/0.

49º - Uma vez que tais Apólices foram apresentadas ao interveniente como válidas e eficazes, e o interveniente figura nas mesmas como beneficiário irrevogável até ao montante em dívida por parte dos mutuários, não tinha o interveniente fundamento para não aceitar tal alteração.

50º - O interveniente é beneficiário irrevogável do contrato de seguro de vida celebrado com a ré e tomou-o como válido, por inexistirem quaisquer fundamentos para assim não ser.

51º - A ré apresentou a sua contestação nestes autos a 20 de Novembro de 2015.


II. Factos não provados.


Não se provou nomeadamente:

- A situação económica do falecido e sua família antes do seu óbito;

- Que o mediador da ré ou seu intermediário na contratualização não leu as cláusulas contratuais gerais e especiais dos contratos à aqui autora e/ou ao falecido GG, nem tão pouco as explicou.

- Que as propostas foram integralmente preenchidas pelo representante ou mediador da ré.

- Não foi lida qualquer cláusula de exclusão de responsabilidade, dos contratos celebrados com a ré.

- O Sr. II (mediador) conhecia o falecido GG e esposa, assim como os outros trabalhadores da empresa, sabia os hábitos e problemas do falecido, pois este era uma “livro aberto”, sempre falou dos seus problemas de saúde a tudo e a todos.

- O Sr. II aliciou-os com uma mensalidade muito mais baixa de seguro, tendo para tal preenchido os formulários com o seu próprio punho, fazendo todas as questões que bem entendeu ao falecido GG e esposa, e apresentando a simulação.

- Foi condição na transferência do seguro a mensalidade ser mais baixa, ficando o Sr. II encarregue de conseguir que a ré fizesse uma prestação inferior ao actual seguro MM Seguros.

- Sem que para isso tenha tido a influência dos autores ou do falecido, pois foi este que, mais uma vez reiterando, quem preencheu todo o formulário tendo apresentado para assinar à esposa/autora e falecido GG.

- Que o prémio de seguro fosse mensal.

- Que despesas os autores tiveram com o presente processo;

- Os autores vivem amargurados, preocupados com a presente situação.

- Vivem envergonhados, sentem-se humilhados.

- Os autores tiveram de se privar de tudo na sua vida atendendo à sua débil situação económica, pois, vivem no limiar da sobrevivência.

- Que foi o falecido marido da 1ª autora quem preencheu o questionário de saúde.

- Que foi o falecido marido da 1ª autora quem respondeu negativamente a todas as questões, apenas explicitando na questão 9 “rotina – resultados normais”.

- O falecido omitiu deliberadamente a sua situação clínica prévia quando subscreveu a proposta de seguro em Abril de 2012.

- O tomador do seguro e pessoa segura, não respondeu afirmativamente, quanto às questões do ponto 5 do questionário, quanto às patologias pré-existentes à data da respectiva subscrição.

- As propostas de seguro foram integralmente preenchidas pelo representante ou mediador da ré, tendo o falecido e esposa se limitado a subscrever tais propostas.

- O falecido GG prestou todas as informações ao mediador da ré, não ocultando nenhum dado clínico.

- O falecido GG e esposa, não tiveram intenção de adulterar a informação clínica.

- O mediador da ré (Sr. II) para conseguir apresentar um seguro mais “barato” que aquele que os autores possuíam junto da MM, preencheu o questionário ocultando as informações prestadas pelos autores, para que desta forma os autores realizassem a transferência de seguro.

- O Seguro da MM era bem mais caro que o da ré, uma vez que tinha os agravamentos da situação clínica do falecido GG.

- O que o mediador da ré sabia e usou para influenciar o valor do prémio a ser pago à ré.


B) Fundamentação de direito

As questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, consistem em saber se o contrato de seguro é anulável e se caducou o direito de invocação da anulabilidade.


O artigo 24º (Declaração inicial do risco) do DL nº 72/2008, de 16 de Abril, que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro, dispõe no seu nº 1 que “ o tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador”.


O artigo 25º (Omissões ou inexactidões dolosas), prescreve no seu nº 1 que “em caso de incumprimento doloso do dever referido no nº 1 do artigo anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro”.


O artigo 26º (Omissões ou inexactidões negligentes), preceitua no seu nº 1 o seguinte:

“ Em caso de incumprimento com negligência do dever referido no nº 1 do artigo 24º, o segurador pode, mediante declaração a enviar ao tomador do seguro, no prazo de três meses a contar do seu conhecimento:

a) Propor uma alteração do contrato, fixando um prazo, não inferior a 14 dias, para o envio da aceitação ou, caso a admita, da contraproposta;

b) Fazer cessar o contrato, demonstrando que, em caso algum, celebra contratos para a cobertura de riscos relacionados com o facto omitido ou declarado inexactamente”.


O elemento decisivo para a celebração do contrato é o questionário apresentado ao segurado, na medida em que se presume não serem aí feitas perguntas inúteis e, através dele, é o próprio segurador que indica ao tomador quais as circunstâncias que julga terem influência no contrato.


Ou seja, tal como se mostra provado nos pontos nºs 34º e 35º da Fundamentação de facto:

“34º - O questionário ou formulário sobre a situação pessoal do proponente, revela-se determinante na formação do contrato, por ser este o meio ou instrumento criado para avaliar o risco que a seguradora vai assumir.

35º - É através de tal questionário que a seguradora faz saber ao candidato “as circunstâncias concretas em que se baseia para assumir o risco”.


Como escreve Moitinho de Almeida,[1] "uma falsa declaração concernente ao risco pode influir na balança de ambas as prestações, levando à fixação de um prémio inferior ao que seria estabelecido conhecida a realidade, ou mesmo determinando a aceitação pelo segurador de um contrato que, de modo algum não aceitaria".

E, mais à frente, acrescenta que "o questionário traduz-se numa facilitação concedida pelo segurador ao segurado e não parece justo, assim, que possa redundar em prejuízo daquele".


O tomador do seguro, qual bonus pater familiae, tem a obrigação de declarar o que deve conhecer, em termos de normalidade da vida.


No caso dos autos, o núcleo essencial da matéria de facto é o seguinte:


- Em 03/04/2012, a 1ª autora e seu falecido marido contrataram com a ré um seguro do ramo vida e invalidez, sendo certo que, o produto era: seguro de vida na modalidade 8…–TAR–COVER – (25º).

- O tomador do seguro, GG, que era marido da 1ª autora e pai dos restantes demandantes, faleceu em 19 de Outubro de 2013 – (1º, 2º, 3º e 4º e doc. fls 42).

- A seguradora declinou qualquer responsabilidade pelo pagamento do capital seguro na apólice, alegando que o falecido havia prestado falsas declarações aquando da celebração do contrato em questão – (9º e 10º).

- Por carta datada de 5 de Setembro de 2013, a ré informou que não iria proceder a qualquer pagamento à autora, declinando o sinistro participado, nos termos do artº 4º das Exclusões, por concluir que a pessoa segura possuía patologia prévia à data da contratação da apólice e que foi omitida na contratação da apólice. Mais, afirmou a ré em tal carta que “…lamentamos informar que declinamos o sinistro participado, não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização, considerando-se o contrato de seguro em causa anulável por omissão de dever de declaração inicial do risco” – (31º).

- Em 30.08.2013 (fls 82 e 83) a ré recebeu um relatório do médico de família do qual resulta, entre outros:

# diabetes mellitus desde 2005;

# hipertensão arterial desde 2005;

# dislipidemia desde 2005;

# doença arterial periférica desde 2012;

# doença de Peyronie desde 2012 – (37º).

- No questionário de saúde (reproduzido a fls. 81/82), perguntava-se no nº 4: “Tem valores alterados de tensão arterial ou de colesterol e/ou encontra-se sob tratamento?”

No nº 5 perguntava-se se “padece ou padeceu de algumas das seguintes doenças?” Em seguida enunciava um conjunto de doenças, entre as quais:

- “Doenças do metabolismo ou do sangue (diabetes), anemia (…) colesterol elevado ou outra?”

- “Doenças do aparelho cárdio-vascular (enfarte do miocárdio, arritmias, hipertensão ou outras?”

Em todas as respostas foi assinalado o quadro correspondente ao “não”.

- O falecido conhecia a sua situação clínica desde 2005 (38º).

- Contrastando o questionário da proposta de seguro, verifica-se que não foi respondido afirmativamente, quanto às questões do ponto 5 do questionário, quanto às patologias pré-existentes à data da respectiva subscrição – (39º).

- À data em que o tomador de seguro subscreveu a proposta de seguro já sabia que era possuidor de um quadro clínico que não era exactamente normal, face à descrição constante do relatório médico – (40º).

- Se a ré soubesse, ou conhecesse, à data da contratação do seguro, a situação clínica da pessoa segura, tal como a mesma resulta do relatório médico do seu médico assistente, não teria aceite o seguro, ou quando muito, sujeitá-lo-ia a um sobre prémio – (41º).

- O questionário ou formulário sobre a situação pessoal do proponente, revela-se determinante na formação do contrato, por ser este o meio ou instrumento criado para avaliar o risco que a seguradora vai assumir – (34º).


Desta factualidade decorre que, quando o falecido GG subscreveu a proposta de seguro e respondeu ao questionário clínico apresentado pela seguradora tinha conhecimento de que padecia de enfermidade que o vitimou, exarando nas respostas ao dito questionário declarações falsas de factos ou circunstâncias dele conhecidas, susceptíveis de influir sobre a formação do contrato e as condições deste, enquanto relacionadas com a avaliação do risco a assumir pela seguradora.


A doutrina costuma distinguir entre erro (absolutamente) essencial, causal ou determinante - ou seja, aquele que levou o errante a concluir o negócio em si mesmo e não apenas nos termos em que foi concluído - e erro incidental (ou relativamente essencial), isto é, aquele que influiu tão-somente nos termos do negócio, por forma a que o errante sempre contrataria embora noutras condições, naturalmente mais favoráveis. E do mesmo modo distingue entre dolo causal, essencial ou determinante e entre dolo incidental. Defendendo que, em princípio, somente o erro ou o dolo essencial produzirá a anulabilidade do negócio. O erro ou o dolo incidental não sendo irrelevante, leva, no entanto, a considerar-se feito validamente o negócio, nos termos em que ele teria sido concluído sem o erro. Mas quando não se possa ajuizar desses termos com segurança ou, pelo menos, com bastante probabilidade e ainda se a contraparte os teria acolhido, deverá ter lugar também a anulabilidade[2].


Lê-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça uniformizador de jurisprudência nº 10/2001, de 21-11-2001,[3] que “sendo fundamental, no contrato de seguro, a confiança nas declarações emitidas pelos contraentes, para prevenir as eventuais tentativas de fraude, a lei sanciona com a invalidade os contratos em que tenha havido declarações inexactas, incompletas ou prestadas com reticências, com omissões por parte do tomador do seguro e que influam sobre a existência ou condições do contrato, sendo inócua a intenção do segurado. A avaliação do que sejam declarações inexactas, ou omissões relevantes, determinantes do regime de invalidade do negócio terá de ser feita caso a caso”.


Incidindo sobre a própria formação do contrato, as declarações falsas ou as omissões relevantes impedem a formação da vontade real da contraparte (seguradora), pois que essa formação assenta em factos ou circunstâncias ignorados, por não revelados ou deficientemente revelados.


Qualquer um dos vícios referidos no artigo 25º do RJCS (omissões ou inexactidões dolosas) e no artigo 26º (omissões ou inexactidões negligentes) refere-se à formação do contrato de seguro e não ao seu desenvolvimento[4].


Imprescindível à anulabilidade é apenas a omissão ou a declaração inexacta que sejam susceptíveis de influenciar a seguradora na decisão de contratar, irrelevando que o óbito venha a ocorrer devido a outra doença e, por isso, que exista ou não nexo causal entre a doença omitida nas declarações prestadas na proposta e a que efectivamente se revelou letal[5].


A declaração inexacta traduz-se num facto impeditivo ou extintivo da validade do contrato, cuja prova compete à seguradora, por força do disposto no artigo 342º nº 2 do Código Civil.

Por outro lado, também incumbe à seguradora a prova de que as declarações contidas nas respostas ao questionário clínico influíram na celebração do contrato de seguro em causa.

Dito de outra forma, provou-se que “se a ré soubesse, ou conhecesse, à data da contratação do seguro, a situação clínica da pessoa segura, tal como a mesma resulta do relatório médico do seu médico assistente, não teria aceite o seguro, ou quando muito, sujeitá-lo-ia a um sobre- prémio” – (41º).


Deste modo, podemos ajuizar, em face desta factualidade provada, que a seguradora, sem o erro provocado pelo dolo do segurado, não teria querido em absoluto o contrato, ou quando muito, sujeitá-lo-ia a um sobre - prémio; assim, não podemos deixar de concluir pela anulabilidade do contrato de seguro em apreço.


Tendo a ré seguradora logrado essa prova, resta concluir pela verificação do circunstancialismo previsto no artigo 25º nº 1 do DL 72/2008, de 16 de Abril, ou seja, pela anulabilidade do contrato de seguro em causa, com base no carácter doloso das declarações inexactas feitas pelo segurado.



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Acabámos de dizer que se mostram preenchidos os pressupostos da anulabilidade do contrato de seguro, tal como prevista no artigo 25º nº 1 do RJCS.


Resta analisar a questão principal, que se reporta à caducidade do direito de invocação dessa anulabilidade.


Mostra-se provado que:

“Após, por carta datada de 5 de Setembro de 2013, a ré informou que não iria proceder a qualquer pagamento à autora, declinando o sinistro participado, nos termos do art. 4º das Exclusões, por concluir que a pessoa segura possuía patologia prévia à data da contratação da apólice e que foi omitida na contratação da apólice. Mais, afirmou a ré em tal carta que “…lamentamos informar que declinamos o sinistro participado, não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização, considerando-se o contrato de seguro em causa anulável por omissão de dever de declaração inicial do risco” – (31º).


Mais se provou que:

“Em 30.08.2013 (fls 82 e 83) a ré recebeu um relatório do médico de família do qual resulta, entre outros:

# diabetes mellitus desde 2005;

# hipertensão arterial desde 2005;

# dislipidemia desde 2005;

# doença arterial periférica desde 2012;

# doença de Peyronie desde 2012” – (37º).


E ainda que:

O falecido conhecia a sua situação clínica desde 2005 – (38º).


Tendo havido incumprimento doloso do dever referido no nº 1 do artigo 24º[6], o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro.


Essa carta foi dirigida à autora AA, viúva do tomador do seguro, o falecido GG – doc fls. 59.


A expressão contida no artigo 25º nº 1 do RJCS no sentido de que “o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro”, apenas significa que é dispensado o recurso a juízo para operar esse efeito em relação ao contrato.

O sentido normativo que resulta da letra do nº 1 daquele artigo 25º é o de que a anulabilidade do contrato pode fazer-se por declaração à outra parte.


Voltando ao caso concreto, podemos concluir que a carta de 05 de Setembro de 2013 foi enviada pela ré seguradora à autora AA logo após ter tido conhecimento, em 30 de Agosto de 2013, dos fundamentos para invocar a anulação do contrato de seguro – Cfr factos provados sob os nºs 31 e 37.

Daí resulta a tempestividade da arguição da anulabilidade do contrato de seguro, improcedendo a caducidade do direito de invocar aquela anulabilidade.



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Argumentam ainda os recorrentes que a ré, ao arguir a anulabilidade do contrato de seguro, violou os mais elementares princípios da boa-fé contratual, actuando com abuso de direito, na modalidade de “ venire contra factum proprium”.

Na medida em que se provou que a ré seguradora não solicitou a apresentação de qualquer exame médico ou informação clínica para a celebração do contrato de seguro e não exigiu a realização de exames médicos em serviços clínicos por si contratados. Nem tão pouco tentou obter esclarecimentos junto do tomador do seguro durante mais de um ano após a celebração do contrato, constituindo um verdadeiro “venire contra factum proprium”, invocar agora essas omissões e inexactidões de um questionário de saúde que não se provou que tenha sido preenchido pelo falecido marido da 1ª autora, nem que o mesmo tenha omitido deliberadamente a sua situação clinica prévia quando subscreveu a proposta de seguro.


Cumpre decidir.

Ao contrário do pretendido pelos recorrentes, não é de assacar qualquer violação de boa–fé contratual à conduta da ré, nem se vislumbra que exista também abuso de direito na conduta que praticou, pois, não constitui abuso de direito o facto de a seguradora, num dado momento inicial e sem qualquer verificação sobre informações do segurado:

- não ter solicitado a apresentação de qualquer exame médico ou informação clínica para a celebração do contrato de seguro – (12º).

- nem ter exigido a realização de exames médicos em serviços clínicos por si contratados – (13º).


A ré seguradora recebeu o questionário clínico subscrito pelo segurado, o falecido GG, nada havendo no contexto do mesmo de molde a indiciar qualquer irregularidade que obstasse, à luz do princípio da boa-fé, que a mesma anuísse ao negócio, pelo que não se lhe pode assacar qualquer responsabilidade.

É certo que, no momento de honrar os seus compromissos, a seguradora acabou por encontrar o vício que inquinava o contrato de seguro e que se subsumia à anulabilidade por incumprimento doloso do dever de declaração com exactidão de todas as circunstâncias que o segurado conhecia e que se deixaram descritas.

Todavia, isto não integra qualquer abuso de direito, atenta a confiança que lhe criou o segurado, que actuou sem lisura e zelo, prestando falsas declarações ao preencher o questionário clínico.


Valem aqui as palavras de Moitinho de Almeida acima transcritas:

"o questionário traduz-se numa facilitação concedida pelo segurador ao segurado e não parece justo, assim, que possa redundar em prejuízo daquele".


Aliás, face ao disposto no artigo 188º nº 1 do RJCS, nada obsta a que a seguradora se prevaleça de situações referentes a omissões ou inexactidões na declaração inicial do risco, desde que não tenham decorrido dois anos sobre a celebração do contrato de seguro.


Não actuou a seguradora com abuso de direito.



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Argumentam ainda os recorrentes na conclusão 15ª, que a ré seguradora para além de não ter provado que o tomador do seguro violou dolosamente o dever de declarar com exactidão as circunstâncias significativas para a apreciação do risco, certo é que, não estando formulados os quesitos pela positiva pelo facto de não se ter dado como provado que o mediador da ré ou seu intermediário na contratualização não leu as cláusulas contratuais gerais e especiais dos contratos à autora e ao falecido marido, nem tão pouco as explicou, não pode considerar-se provado que o falecido foi informado pela ré das clausulas contratuais, designadamente daquelas que excluem a responsabilidade da seguradora, motivo pelo qual deverão ter-se por excluídas do contrato, nos termos do artigo 8º, alíneas a) e b) da Lei das Condições Gerais do Contrato (Decreto-lei 446/85, de 25/10), por violação dos seus artigos 5º (dever de comunicação) e 6º (dever de explicação) do mesmo diploma legal.


Cumpre decidir.


Não cumpre resolver esta questão submetida à apreciação deste Supremo Tribunal de Justiça, pois a sua decisão está prejudicada pela solução dada às restantes, nos termos do disposto no artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil.


Nesta conformidade, improcedem todas as conclusões das alegações do recurso.



**



III - DECISÃO


Atento o exposto, nega-se provimento à revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 19 de Junho de 2019


Ilídio Sacarrão Martins (Relator)

Nuno Manuel Pinto Oliveira

Paula Sá Fernandes

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[1] Contrato de Seguro, pág. 73 e ss.

[2] Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, pág. 388/389 e 339; Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, pág. 237 e 238 nota 3 e 261, e Inocêncio Galvão Telles, in Manual dos Contratos em Geral, pág. 84/85 e 110/111).

[3] DR 298, Série I-A, de 27-12-2001.

[4] Ac STJ de 17.11.2005, in CJSTJ III/2005, pág. 120. Cfr ainda o Ac STJ de 04.03.2004, in CJSTJ I/2004, pág. 103.

[5] Ac STJ de 06-07-2011, Proc.º nº 2617/03.2TBAVR.C1.S1, in www.dgsi.pt./jstj

[6] Dever do segurado de declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.