Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8249/16.8T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA PINTO
Descritores: ASSÉDIO MORAL
CONTRATO DE TRABALHO
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO
ÓNUS DA PROVA
PODER DE DIREÇÃO
Data do Acordão: 09/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / SUJEITOS / IGUALDADE E NÃO DISCRIMINAÇÃO / PROIBIÇÃO DE ASSÉDIO.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / ÓNUS DA PROVA.
Doutrina:
- António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 18.ª Edição, Edição Especial Comemorativa dos 40 anos, Almedina, p. 242 a 248;
- J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, anotada, Iº Volume, Coimbra Editora, p. 456;
- Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, p. 428 a 442;
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 4.ª Edição, revista e atualizada, Almedina, p. 188 a 190;
- Pedro Barrambana Santos, Do Assédio Laboral, Almedina, 2017, p. 75.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 29.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 342.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 25.º, N.º 1.
Referências Internacionais:
DIRETIVA 2006/54/CE, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 05 DE JULHO DE 2006.
DIRETIVA 2000/43/CE, DO CONSELHO, DE 29 DE JUNHO DE 2000.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 01-10-2014, PROCESSO N.º 420/06.7TTLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 03-12-2014, PROCESSO N.º 712/12.6TTPRT.P1.S1;
- DE 09-05-2018, PROCESSO N.º 532/11.5TTSTR.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I. O assédio moral implica comportamentos, real e manifestamente, humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador, aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração; e determinadas consequências.

II. De acordo com o disposto no artigo 29.º, n.º 1, do CT, no assédio não tem de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adotado pelo “assediante”.

III. Apesar de o legislador ter (deste modo) prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas de determinado comportamento, o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem em regra associado um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável.

IV. Sendo a resolução do contrato, efetuada pelo trabalhador, apenas com fundamento no assédio moral, e não se provando o mesmo, essa resolução é ilícita por inexistência de justa causa.

V. Não sendo o assédio moral invocado discriminatório, o ónus da sua prova compete ao trabalhador, nos termos gerais da repartição do ónus da prova estabelecida no artigo 342º, do Código Civil.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 8249/16.8T8PRT.P1.S1[1]

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


                - Relatório[2]

I


                AA intentou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Tribunal do Porto – Juiz 3, em 18/04/2016, a presente ação, com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra a Ré “BB” pedindo que, julgada procedente e provada, seja:

- Declarada a procedência da justa causa, por si, invocada para a resolução do seu contrato de trabalho com a R. e, em consequência, seja esta,

- Condenada a pagar-lhe:

a. A indemnização de antiguidade prevista nos nºs 1 e 2 do artigo 396º do CT, calculada considerando 30 dias de retribuição base e diuturnidades, a qual ascende a € 30.542,00;

b. As retribuições referidas e liquidadas no seu articulado, no total de € 3.806,75;

c. Juros de mora calculados à taxa legal sobre as importâncias mencionadas nas alíneas a) e b), desde a citação e até integral e efetivo pagamento;

d. Uma indemnização para ressarcimento dos danos não patrimoniais que lhe foram provocados, no montante de € 5.000,00.

               Fundamentou o seu pedido alegando, em síntese, que foi admitida, por contrato de trabalho celebrado com a Ré, para desempenhar as funções de ..., ao qual, fruto de condutas, levadas a cabo pela Direção da Ré e subsumíveis à figura do assédio moral, pôs termo, por resolução, invocando justa causa.

                Mais, alegou que sofreu danos morais com a conduta da Ré e, ser credora de determinados montantes, devidos na sequência do contrato.


****


                Realizada a audiência de partes, não houve conciliação.


****

               Tendo sido a Ré notificada para contestar, o que fez, alegou que não houve, por parte da sua Direção, qualquer intenção de desautorizar a Autora, nem esta foi efetivamente desautorizada, não tendo existido qualquer fundamento para resolver o contrato invocando justa causa.

                Conclui que deve a ação ser julgada totalmente improcedente e, em consequência, ser absolvida do pedido;

               Ou, se assim se não entender, deve ser absolvida da indemnização peticionada.


****

                Em sede de audiência preliminar, foi proferido despacho a ordenar a apensação a estes autos do processo nº 8817/16.8T8PRT-J2, no âmbito dos quais a aqui Ré peticionava, contra a ora Autora, o pagamento de uma indemnização devida pela não verificação de justa causa para a resolução do contrato de trabalho que as uniu.

               Fixou-se à ação o valor de € 39.348,75, proferiu-se saneador tabelar e fixou-se o objeto do litígio e os temas de prova.

               Realizada a audiência de julgamento, foi, em 18.12.2017, proferida a seguinte sentença:

               “Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:

a. Reconheço a verificação de justa causa para a resolução, levado a cabo pela Autora, AA, do contrato de trabalho que firmou com a Ré, “BB”, em 2 de janeiro de 2004;

b. Condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de € 30 542 (trinta mil quinhentos e quarenta e dois euros) a título de indemnização pela operada resolução do contrato de trabalho, à qual deverão acrescer juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação, até efetivo e integral pagamento;

c. Mais condeno a Ré a pagar à Autora, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 5 000 (cinco mil euros);

d. Absolvo a Autora e a Ré do restante peticionado;

e. Condeno a Autora e a Ré nas custas do processo, na proporção de dez por cento para a primeira e de noventa por cento para a segunda.”



II


                Inconformada com esta decisão, a Ré interpôs recurso de apelação que, por acórdão de 07.12.2018, foi julgada procedente e, consequentemente, revogada a sentença recorrida e a Ré absolvida de todos os pedidos formulados contra ela pela Autora.

                Acresce que a matéria de facto foi alterada, tendo a Relação eliminado totalmente o ponto 56) e eliminado parcialmente o ponto 57), tendo este ficado, após, com a seguinte redação:

- 57) “Como consequência do sucedido, a situação tornou-se penosa para a Autora, no plano psicológico e emocional, e perturbado da sua vida privada e familiar”.

Como fundamento desta decisão consta no acórdão recorrido o seguinte:
                                                                                         
               “No caso em apreço, afigura-se-nos que estamos perante um típico conflito laboral que se gerou por causa da atual Direção ter pretendido reorganizar os serviços e ter conhecimento do que se passava na Ré. Direito legítimo da mesma, compreendido no seu poder de direção, e de forma alguma impeditivo da continuação da relação laboral, estabelecida com a Autora, não se vislumbrando que os factos provados permitam imputar-lhe qualquer objetivo final ilícito ou eticamente reprovável, o que obsta a que o conflito laboral, em causa, possa ser enquadrado na figura do assédio moral.
               Logo, não tendo a A. logrado provar, como lhe competia, os factos consubstanciadores do assédio moral e dos danos morais (alegadamente) por si sofridos, só resta declarar que o contrato de trabalho foi resolvido pela mesma, sem justa causa, procedendo, deste modo a apelação, com prejuízo da apreciação da última questão, supra enunciada.
               Tudo porque, no caso, a resposta àquela questão, colocada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, supra transcrito, é positiva. Está indemonstrada uma situação de assédio moral, tendo o contrato de trabalho sido resolvido sem justa causa.”



III

               Inconformada ficou, agora, a Autora que interpôs recurso de revista.

                Termina a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. “O acórdão sob recurso considerou que os atos praticados pela Recorrida, pelo menos aparentemente, subsumem-se aos poderes de direção e de organização de empresa, que lhe cabem, “dentro dos limites do contrato de trabalho firmado entre as partes e das normas que o regem” (n/sublinhado).
Ora

2. Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/3/2014, citado nestas alegações, importará na análise do caso considerar os deveres secundários e os deveres acessórios de conduta das partes no âmbito da relação obrigacional complexa que é o contrato de trabalho.

3. Tais deveres, ainda segundo o mencionado acórdão, revestem “natureza instrumental/auxiliar no tocante à realização positiva do fim da relação obrigacional (…) mediante a proteção dos interesses das partes conexas com o contrato que, à luz dos princípios da boa-fé e da confiança, mereçam tutela” e que, em função do seu âmbito é possível reconduzir às categorias de “deveres de proteção da pessoa e/ou património da contraparte”, “deveres de lealdade” e “deveres de esclarecimento”.
Posto isto

4. A Recorrente foi admitida pela Recorrida para dirigir toda a atividade da instituição (direção e coordenação), tendo sob a sua responsabilidade toda a estrutura de serviços da instituição, que geria (factos 2, 3, 4, 6 e 7).

5. Agia sob as ordens da Direção, que lhe atribuíra autoridade total por delegação (facto 5).

6. A Recorrente tinha uma carreira profissional de 32 anos, tinha 55 anos à data dos factos, tinha como habilitações literárias o curso superior de …, concluído em ..., e uma Pós-Graduação em “...”, concluída já ao serviço da Recorrente na ..., Faculdade de ...(factos 14, 15, 16 e 17).

7. A Direção da Recorrida em exercício iniciara funções em 1 de Janeiro de 2015 e pretendia reorganizar os serviços da instituição (factos 68 e 69).

8. A Recorrente, admitindo que um tal propósito pudesse colidir com o seu posto e cargo, e para evitar conflitos, manifestou, aquando da eleição e no início de funções, que estava disponível para encarar a sua não continuidade, o que foi declinado pela nova direção (v. facto 9).
Mas

9. Em resposta à carta da Recorrente de 15 de Abril de 2015, a Recorrida, oralmente, perguntou-lhe quanto pretendia que lhe fosse pago e, obtida a informação, por escrito, deixou-a sem resposta (factos 10, 12 e 13).

10. As anteriores Direções tinham uma intervenção residual na direção executiva da instituição, daí terem contratado um Diretor/Diretor Geral com o poder e a autoridade que os factos apurados evidenciam.

11. A nova direção entendeu ser um órgão mais executivo e começou a ocupar o “espaço” da ..., começando a competir com esta, sem qualquer articulação, na execução de várias e, progressivamente, cada vez mais tarefas.

12. Ao ponto de (facto 54) o Presidente da Direção exprimir por escrito a colaboradores o seu pensamento de que “… nós temos de saber de tudo e muitas vezes, para não dizer sempre, antes da ...” numa autêntica expressão de desconsideração e de desconfiança relativamente a esta.

13. Na mesma comunicação aponta à Recorrente ao dizer aos colaboradores “nada disto pode ser decidido pela ... sem conhecimento da direção” (facto 54).

14. Resulta demonstrada a atividade para que a Recorrente foi contratada e, com mais detalhe a que desenvolvia, sendo certo que a mesma, em princípio, devia exercer as funções correspondentes a tal atividade, nos termos do nº 1 do artº 118º do Código do Trabalho.

15. Nunca a Recorrida encarregou a Recorrente de exercer, temporária ou definitivamente, funções não compreendidas na citada atividade, nas condições definidas no artº 120º do Código do Trabalho ou noutras.

16. A Recorrida entendeu que a instituição deixara de precisar de um diretor geral e, como tal, a Recorrente deixaria de o ser, não se dignando informá-la, propor-lhe ou definir o que pretendia que ela fizesse no futuro.

17. No que se pode qualificar de “decisão surpresa”, com toda a propriedade, a direção da Recorrida, que partilhava a sala de trabalho com a Recorrente, comunicou-lhe, numa reunião de coordenação, que a instituição não precisava de uma ... e que ela o deixaria de ser (facto 22).

18. Sem sequer a informar previamente, deu-lhe conhecimento da sua decisão, nessa reunião, diante de 10 pessoas cuja atividade era até então dirigida pela Recorrente, que tomaram conhecimento da destituição ao mesmo tempo que esta.

19. Para além da desconsideração, do desrespeito, da má educação e da deslealdade da atitude da Recorrida, releva o desprezo dos membros da direção desta ao informarem os presentes que a Recorrente passaria a ser ..., sem que soubessem dizer que novas funções seriam essas (aliás, nunca o viriam a fazer).

20. Uma pessoa bem formada só pode entender um tal comportamento como um ato de humilhação, necessariamente consciente, para afetar o visado, neste caso a Recorrente.

21. O acórdão sob recurso ao integrar tal conduta no que designa “relação profissional dura” revela não ter apreendido convenientemente o sucedido, ou seguramente não teria procedido a tal qualificação.

22. Muito relevante é o facto de a direção da Recorrida nunca ter dito à Recorrente que novas funções pensava atribuir-lhe (facto 26), o que permite concluir que não tinha qualquer interesse sério na sua manutenção.

23. E tudo isto foi logo sabido na instituição e fora dela por colaboradores, por pessoas e instituições exteriores, pedindo estas explicações à Recorrente para o que se estava a passar (factos 29, 42, 58, 59 e 63).

24. A Recorrente passou a ser olhada nos termos que a Recorrida precisamente pretendeu que fosse vista dentro e fora da instituição – como uma pessoa que fora destituída, a quem tinham sido retirados os poderes de direção e de coordenação de que dispunha – (facto 42).

25. Como vem demonstrado, as consequências foram devastadoras: a Directora Geral, segunda figura da hierarquia da instituição imediatamente abaixo da direção desta, foi vexada, desconsiderada, desautorizada e diminuída aos olhos dos colaboradores que dirigia e na presença destes pela própria direção (facto 41) foi prejudicada profissionalmente pelo conhecimento do caso (facto 58), foi confrontada por pessoas e instituições exteriores que lhe pediam explicações do sucedido (facto 63).

26. Como o julgamento da matéria de facto exaustiva e esclarecidamente apurou tudo isto perturbou a Recorrente (facto 41), foi penoso no plano psicológico e emocional, perturbador da vida privada e familiar (facto 57) trouxe-a durante meses angustiada e envergonhada, causando-lhe tristeza e desconforto (facto 60), obrigou-a a recorrer a medicação para dormir em virtude do estado de ansiedade e angústia (facto 61), levou-a a perder o prazer que sentia no trabalho, passando a ser penoso o simples ato de se dirigir ao local de trabalho em cada dia, não sabendo como encarar os colaboradores nem o que iria suceder nesse dia (facto 62).

27. Conseguir designar tudo isto, como o faz o acórdão sob recurso, de “caracterização subjetiva efetuada pelo trabalhador em relação a comportamentos da empregadora, que até poderiam deixá-lo desagradado (n/sublinhado) que não preenchem o conceito de assédio moral” é objetivamente contrariar o julgamento da matéria de facto feito e ignorar as evidências que dele resultam.

28. Impunha-se que a direção da Recorrida tivesse uma relação de respeito e de colaboração com a Recorrente, que tivesse articulado com esta a progressiva ocupação do seu “espaço” e competências.

29. Impunha-se que a Recorrida tivesse procurado com a Recorrente uma solução para o seu futuro profissional, dentro ou fora da instituição, e, se outra solução não fosse reciprocamente desejada e obtida, promovesse unilateralmente a cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho.

30. A direção da Recorrida, contudo, enveredou por criar à Recorrente todas as condições para que esta se sentisse a mais, desconsiderada, progressivamente destituída de poderes, envergonhada, só e isolada, como que um corpo estranho (v. factos 9, 13, 18, 20, 21, 22, 24, 25, 26, 27 e 64), o que foi completamente ignorado pelo acórdão sob recurso.

31. Significativamente, a tal relação que o acórdão recorrido impropriamente designa como “relação profissional dura” é corporizada apenas e tão só na Recorrente, sendo esta o único alvo da direção da Recorrida.

32.  Esta, designadamente, passa a competir com a Recorrente, retirando-lhe grandes e pequenas tarefas, da realização das reuniões semanais dos coordenadores dos diversos serviços, reuniões que a Recorrente instituíra (factos 18 e 37), à elaboração do mapa de férias (facto 38), da escolha e contratação de pessoal (factos 47 e 48) a meros assuntos correntes (39 e 40), alterando o modo de comunicação instituído com os colaboradores a propósito dos assuntos de serviço (factos 43 e 44) e o mais que resulta da matéria apurada.

33. Admitindo o poder da direção da instituição, está, relativamente a alguns destes procedimentos, em causa não só o objetivo final pretendido pela Recorrida mas sobretudo o modo de atuação escolhido, ostensivamente em confronto com a Recorrente.

34. Como é fácil constatar há um “carácter repetitivo dos comportamentos, a permanência de uma hostilidade”, a transformação do que poderia ter-se como um conflito pontual num assédio moral.

35. E esse carácter repetitivo e de permanência de conflito, de hostilidade explica a ilicitude do comportamento da Recorrida.

36. Quanto às consequências, que completam as três notas características do assédio, sobre a saúde (física e psíquica) da Recorrente e o emprego desta, elas são esclarecedoras pela devastação.

37. O comportamento adoptado pela Recorrida lesou a dignidade e a personalidade da Recorrente, conduziu-a a um processo de exclusão profissional, afetou-lhe a carreira e levou-a a perder o emprego.

38. O assédio realizado foi o meio mais expedito e económico que a Recorrida encontrou para se desembaraçar de um trabalhador que era o ativo mais caro da instituição, que não pretendia manter, levando-o ao extremo de resolver o seu contrato de trabalho, quando é certo que, pela sua idade, carreira, condições de remuneração e situação profissional, tal trabalhador não tinha, à partida, interesse ou vantagem nessa cessação.

39. A Recorrida adotou para com a Recorrente comportamentos humilhantes, vexatórios e atentatórios da sua dignidade, com a duração e as consequências passíveis de serem apreendidas da matéria de facto que inelutavelmente devem configurar o assédio moral.

40. Todo o comportamento adotado pela Recorrida relativamente à Recorrente e aqui em causa ofendeu os princípios da boa-fé e da confiança e violam deveres acessórios de conduta das partes do contrato de trabalho aqui em causa, nomeadamente de lealdade e de esclarecimento.

41. O comportamento da Recorrida violou o direito à integridade moral da Recorrente previsto no artº 15º do Código do Trabalho e deve entender-se como configurando prática de assédio, nos termos do nº 2 do artº 29º do Código do Trabalho.

42. É assim forçoso concluir pela verificação de uma situação de assédio moral culposo que, pela sua gravidade e consequências, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, pelo que se deve considerar como lícita a resolução operada pela Recorrente com fundamento em justa causa, nos termos da alínea f) do nº 2 do artº 394º do Código do Trabalho.

43. Desse modo o acórdão sob recurso interpretou e aplicou erradamente ao caso as disposições legais mencionadas, devendo por isso ser revogado, ficando a prevalecer, nos seus precisos termos, a sentença proferida em 1ª instância.”


                Termina as conclusões, pedindo que o presente recurso de Revista deve ser julgado procedente e, em consequência, revogar-se o acórdão recorrido e manter-se a sentença proferida em 1ª instância.

               A Ré respondeu ao recurso da Autora, concluindo da seguinte forma:

1) “Atendendo à matéria de facto dada como provada, o Mmº Tribunal a quo decidiu bem ao julgar a apelação procedente e revogar a sentença recorrida e, em consequência, absolver a Ré, aqui recorrida, dos pedidos formulados pela A., Recorrente.

2) Pelo que, o douto acórdão da Relação do Porto não merece qualquer reparo.

3) Bem decidiu o Tribunal a quo ao considerar que os factos provados não são suficientes, nem deles se soe extraem, conforme se decidiu, que a Autora fosse vítima de comportamentos mobbizantes, lesivos da sua dignidade, lesivos da sua dignidade e integridade moral, enquanto trabalhadora e pessoa, perpetrados pela sua atividade patronal”.

4) Acrescentando, com muita relevância: “é lógico que se admite alguma tensão entre as partes, devido à atuação da nova direção, diferente do que a A. estava habituada mas, isso não é suficiente para podermos dizer que estamos perante um comportamento de assédio”.

5) É aqui que está a substancial diferença: a Recorrente vê assédio em factos e comportamentos da direção da Recorrida que mais não são que seu legítimo exercício do poder de organização de trabalho.

6) “De acordo com o entendimento perfilhado pela generalidade da doutrina, pode dizer-se, numa formulação sintética, que o assédio moral implica comportamentos (em regra oriundos do empregador ou de superiores hierárquicos do visado) real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador, aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração; e determinadas consequências. Ora, é patente que uma abordagem do art.º 29.º, n.º 1, do CT, apenas assente no seu elemento literal, se revela demasiado abrangente, pelo que se impõe um esforço adicional para adequadamente delimitar a sua esfera de proteção. Com efeito, como enfatiza Monteiro Fernandes, “a definição do art.º 29º não parece constituir o instrumento de diferenciação que é necessário”, uma vez que “nela cabem, praticamente, todas as situações que o mau relacionamento entre chefes e empregados pode gerar”.

E, como realça Júlio Manuel Vieira Gomes, “importa (…) advertir que nem todos os conflitos no local de trabalho são, obviamente, um “mobbing”, sendo (…) importante evitar que a expressão assédio se banalize. Nem sequer todas as modalidades de exercício arbitrário do poder de direção são necessariamente um “mobbing”, quer porque lhes pode faltar um carácter repetitivo e assediante, quer porque não são realizados com tal intenção” (ac. STJ de 12/03/2014, no Proc. n.º 712/12.6 TTPRT.P1.S1, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Mário Belo Morgado (in www.dgsi.pt).

7) Insiste-se que como ensina o Prof. Júlio Gomes (in “Direito do Trabalho”), o que caracteriza o assédio moral são três facetas: a prática de determinados comportamentos; a sua duração e as consequências destes.

8) “Daí a referência a uma polimorfia do assédio e, por vezes, a dificuldade em distingui-lo dos conflitos normais em qualquer relação de trabalho (...) tais comportamentos são, frequentemente, ilícitos, mesmo quando isoladamente considerados; mas sucede frequentemente que a sua ilicitude só se compreende, ou só se compreende na sua plena dimensão atendendo ao seu carácter repetitivo. E esta é a segunda faceta que tradicionalmente se aponta no mobbing... é normalmente o carácter repetitivo dos comportamentos, a permanência de uma hostilidade, que transforma um mero conflito pontual num assédio moral, A terceira nota característica do assédio, pelo menos para um sector da doutrina, consiste nas consequências deste designadamente sobre a saúde física e psíquica da vítima e sobre o seu emprego. O assédio pode produzir um amplo leque de efeitos negativos sobre a vítima que é lesada na sua dignidade e personalidade, mas que pode também ser objeto de um processo de exclusão profissional, destruindo-se a sua carreira e mesmo acabando por pôr-se em causa o seu emprego..."( Ac. STJ de 29/03/2012, (in www.dgsi.pt).

9) Ou, como se diz no sumário daquele douto acórdão do STJ “(… dado o seu prolongamento no tempo ao longo de vários anos)”.

10) Como bem entendeu o douto acórdão recorrido, neste tipo de ação “somente os factos invocados na comunicação de resolução e não quaisquer outros podem integrar a causa de pedir … A causa de pedir que fundamenta a pretensão da licitude da resolução do contrato e respetivas consequências legais, está sustentada no assédio moral a que a A. considerou ter sido sujeita pela Ré”.

11) Acrescentado que “atento o teor da carta de resolução, a trabalhadora não indica a violação de qualquer dever da empregadora ou de direito seu, em concreto, os previstos nos arts. 127º e 129º do Código do Trabalho, mas tão só, “caracteriza” subjetivamente determinados comportamentos e procedimentos da direção da Ré …”

12) Concorda-se, pois, inteiramente, com a conclusão do Mmº Tribunal a quo segundo a qual “ainda que se admita que a Autora ficou incomodada, por não estar habituada a que a direção da R. tivesse uma atuação tão ativa e estar habituada a que todas as decisões acontecessem por sua indicação, daí a considera-se que ocorreu algum esvaziamento de funções ou ter sido arredada de muitas tomadas de decisão ou participação nos processos decisórios e considerarmos estar perante um caso de assédio, vai uma distância enorme”.

13) Diga-se: uma distância tão grande que não pode ser transposta pelas mui doutas alegações da Recorrente no presente recurso.”


                No final, pede que se negue provimento ao recurso, e, em consequência, que se mantenha o acórdão recorrido.


IV


                - Fundamentação:

        Lei adjetiva aplicável:

               Tendo a ação sido proposta em 18.04.2016 e o acórdão recorrido proferido em 07.12.2018, são aplicáveis os Códigos de Processo Civil[3] e do Processo de Trabalho[4] nas suas versões atuais.


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                Questão colocada:

a) – Existência de assédio moral por parte da Ré em relação à Autora – artigo 29, nº 1, do CT;

b) – Existência de justa causa para a Autora ter resolvido unilateralmente o seu contrato de trabalhoartigo 394º, n.º 2, alínea f), do CT.


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                Parecer do Ministério Público:

               Neste Supremo Tribunal de Justiça o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, ao abrigo do disposto no artigo 87º, n.º 3, do CPT, no sentido de negar a revista porque “da materialidade assente não resulta que a Ré tenha tido para com a Recorrente, qualquer comportamento suscetível de integrar uma atitude vexatória ou humilhante, nem mesmo censurável e, muito menos, que a Recorrente haja sido vítima de assédio moral (…).”

                Notificado o “Parecer” às partes, a Autora sustentou a sua posição, e a Ré, respondendo, também, à pronúncia da Autora, defende quer o teor quer a conclusão a que naquele se chegou.

V

                - Da matéria de facto:

               As instâncias deram como provada a seguinte factualidade:

1) “A R. é uma instituição particular de solidariedade social que tem por objeto a prestação de serviços de apoio direto ao cidadão com deficiência mental inseridos no seu processo de desenvolvimento, a prestação de serviços complementares e ainda de serviços sócio-psico-pedagógicos de formação e informação no apoio à família e à pessoa com deficiência mental, criando para o efeito as estruturas e os equipamentos suscetíveis de levar a cabo a execução de tais serviços;

2) Em janeiro de 2004 a R. admitiu a A. para, sob as suas ordens e direção e contra remuneração, lhe prestar a atividade de diretora, conforme se infere do contrato de trabalho cuja cópia consta de fls. 45 e 45 v.º, que aqui se dá por integralmente reproduzido;

3) No âmbito daquela atividade, a A., sob responsabilidade direta e imediata da Direção da R., dirigia toda a atividade da instituição;

4) As funções de “Diretora” foram, aquando da contratação da A., definidas como de direção e coordenação da BB de Vila Nova de Gaia;

5) A A. agia sob as ordens e orientação da direção da R., que lhe atribuíra autoridade total por delegação;

6) A A. respondia diretamente perante a Direção e tinha sob a sua responsabilidade toda a estrutura de serviços da instituição;

7) A A. geria os serviços da instituição R., planeava as atividades desta, propondo-as à Direção daquela, representava a R. nas suas relações com terceiros, designadamente com entidades públicas e privadas, participava nas reuniões da Direção, preparando a sua ordem de trabalhos, cumpria e fazia cumprir as estratégias e metodologias aprovadas no âmbito do “Sistema de Gestão da Qualidade”;

8) A A., em 23 de abril de 2015, dirigiu um escrito à R., que o recebeu no dia imediato, no qual lhe comunicava a resolução do seu contrato de trabalho nos termos que resultam do respetivo texto, que se reproduz: “Exmºs Senhores: Venho por este meio declarar a resolução do contrato de trabalho que mantenho com V. Exªs, nos termos dos nºs 1 e 2 alínea b) do art.º 394º do Código do Trabalho, dado considerar ter ocorrido justa causa que a motiva e indicando sucintamente os respetivos factos. Fui admitida como ... da “BB” em Janeiro de 2004, vindo desde então a desempenhar as respetivas funções. De entre estas destaco: a) gestão dos serviços da instituição; b) colaboração com a Direção na definição da política da Associação; c) planeamento das atividades da Direção e sua proposta à Direção; d) representação da associação nas suas relações com terceiros, designadamente entidades públicas e privadas; e) participação nas reuniões de Direção, preparando a sua ordem de trabalhos; f) cumprir e fazer cumprir as estratégias e metodologias aprovadas no âmbito do Sistema de Gestão de Qualidade. Da minha ficha de funções integrante do manual de funções aprovado pela Direção da instituição, para todos os colaboradores, resulta tudo quanto refiro e ainda que a minha autoridade é total, por delegação da Direção. No dia 25 de Março p.p. na reunião semanal realizada entre os coordenadores e a ..., estiveram também presentes os assistentes sociais e o técnico de integração profissional, estes últimos sob convocação da Direção. A reunião realizou-se a hora diversa da habitual a pedido da Direção e para viabilizar a presença de dois dos seus membros. E nela a Direção informou os presentes que a signatária deixaria de ser ... e passaria a “...”, acentuando “apenas técnica”, dizendo que a instituição não precisava de uma .... O Presidente e o Vice-Presidente, no caso os diretores presentes, tão pouco explicaram, no momento ou posteriormente, o que entendiam que seria o conteúdo dessa direção técnica. A signatária não fora informada, antes da reunião, da decisão que então foi comunicada, nem a Direção posteriormente deu qualquer informação ou explicação para o sucedido ou quanto ao que entendia que seriam as futuras funções da signatária. Portanto, a Direção da instituição entendeu por bem e achou adequado dar conta da cessação das minhas funções no contexto que descrevi, perante dez pessoas cuja atividade é por mim dirigida. O assunto foi imediatamente conhecido em toda a instituição pelos seus colaboradores em termos que equivaleram a que a signatária tinha sido destituída do cargo de ... pela Direção. Continuo hoje sem saber quais são as funções que me estão reservadas na instituição, isto não obstante eu ser a pessoa imediatamente abaixo da sua Direção, em termos de hierarquia. Desde então sou, no plano do serviço, ignorada pela Direção que se relaciona diretamente com toda a estrutura como se não houvesse uma .... No dia imediato, 26 de Março p.p., o Presidente da Direção pediu explicações à signatária a propósito de uma importância que lhe é paga, não documentada no recibo, a título de vencimento e que ascende a € 150,00 em 14 prestações mensais. A signatária deu essa explicação oralmente e foi intimada a fazê-lo por escrito, assim tendo procedido. A instituição, no seu exclusivo interesse, desde sempre assim procedeu, designadamente quando a pessoa que produziu a interpelação era membro da sua Direção e quando outros atuais integrantes da Direção eram membros. No final do mês a signatária continuou sem receber a referida importância, como sucede desde que a atual Direção entrou em funções. Tomei conhecimento que a Direção chamou a si a responsabilidade pelas reuniões de coordenadoras. No dia 30 de Março p.p. uma assistente social informou que uma mãe pediu autorização para o uso do símbolo da instituição numa recolha de fundos e, quando pretendi esclarecer as circunstâncias de tal uso, fui informada por aquela que a Direção já tinha autorizado o aludido uso. No dia 13 de Abril p.p. tomei conhecimento pelos serviços que a Direção tinha mandado fazer o mapa de férias, atribuição que me competia. Esta situação tem antecedentes, que tentei desvalorizar na expectativa de que a Direção acabasse por respeitar-me enquanto colaboradora da instituição. Logo em janeiro p.p. entendeu a Direção, oralmente e por escrito, manifestar aos colaboradores da instituição que se lhe dirigissem diretamente, relativamente a qualquer assunto ou pedido de serviço. Quando alguns colaboradores referiram que o continuariam a fazer através ou com conhecimento dos coordenadores e da ..., como era habitual, a Direção desvalorizou a necessidade de tais procedimentos passarem pela hierarquia. Sabiam V. Exªs que o procedimento instituído era o de essas questões serem colocadas aos superiores hierárquicos e ao diretor geral, pelo que o apelo a uma comunicação direta evidenciou uma manifestação de desconfiança na hierarquia instituída e um propósito de a tornar irrelevante. Em regra a contratação de pessoal sempre foi uma competência da Direção, sob proposta da ... e através de processos de seleção internos. Ou seja, sempre fui eu, enquanto ..., que assinalei as necessidades de pessoal da instituição, com base em informação por mim recebida e que eu própria constatava. Daí que tenha sido surpreendida pela contratação de um novo colaborador, pessoa que casualmente encontrei nas instalações e a quem perguntei o que dali desejava. Quando perguntei como tinha sido possível contratar alguém ultrapassando a pessoa que é ... da instituição e sem sequer lhe ter sido dado conhecimento, foi-me respondido que se tinham esquecido. Acresce que a pessoa em causa era um “faz tudo” e que havia sido selecionada por indicação do Vice-Presidente da Direção, seu amigo. O colaborador em causa foi então chamado à presença do Presidente que mo apresentou. Ainda em Janeiro foi transmitido aos coordenadores que deviam comunicar diretamente com a Direção. Tal equivalia a que os coordenadores deixassem de reportar à ... e que o passassem a fazer à Direção. Ainda naquele mês e a propósito do convívio entre deficientes mais profundos e menos profundos nos lares residenciais, o Presidente da Direção respondeu que iria consultar técnicos exteriores à instituição, ignorando quer o meu parecer técnico, quer o de outros técnicos da instituição. Ainda nesse mesmo mês o Presidente da Direção entendeu ter uma conversa com a nova coordenadora do lar, na sala que ocupo com ele. Quando entrei na sala disse-me se eu não me importava de sair porque pretendia ter essa conversa em privado. Em 9 de Fevereiro p.p. o mesmo Senhor Presidente escreveu um mail, que dirigiu à signatária e a outros dois colaboradores da instituição em que dizia: “Parece-me evidente, e eu pelo menos não sabia deste assunto que nada disto pode ser decidido pela ... sem conhecimento da direção. Somos nós elementos da direção que decidimos sobre esta matéria. Como já disse, e penso poder falar em nome da direção nós temos que saber de tudo e muitas vezes, para não dizer sempre, antes da .... Para isso as pessoas têm telemóvel da casa e têm mails institucionais, para não ultrapassarem a direção. Será que ainda não deu para entender que há coisas que nós queremos mudar???? [sic].” O mail foi produzido porque houve uma informação de serviço da coordenadora do lar à Direção com conhecimento à ... a propósito da atividade dos lares no fim de semana. Estes factos, que reputo igualmente graves, visam tão só enquadrar o relacionamento que a Direção veio criando com a signatária após a sua entrada em funções. Os procedimentos adotados para comigo configuram comportamentos de assédio pois têm o objetivo de me perturbar, constranger e afetar a minha dignidade, criando um ambiente humilhante e desestabilizador. Em consequência do sucedido não tenho condições pessoais nem profissionais para me manter por mais tempo na instituição, estando esta situação a ser penosa para mim no plano psicológico e emocional e profundamente perturbadora da minha vida privada e familiar. Está também a prejudicar-me profissionalmente, dado que o caso é conhecido dentro e fora da instituição e eu tenho uma carreira profissional de 32 anos a defender. São comportamentos assumidos deliberadamente com o mencionado propósito, dado que quem os adota tem consciência das consequências produzidas pelos mesmos e visa-os. Assim, declaro a resolução do meu contrato de trabalho com fundamento em justa causa, tendo como consequência a prevista no nº 1 do art.º 396º do Código do Trabalho. De V. Exªs. Atentamente:”;

9) Aquela comunicação fora precedida de uma outra, entregue pela A. à R. em 13 de abril de 2015, que se reproduz: “Exmos Senhores: Aquando da eleição dos órgãos sociais em Outubro de 2014 manifestei ao Senhor Presidente da Direção que punha o meu lugar à disposição, na eventualidade de não pretenderem a minha continuidade como ... da Instituição. Aquando do início do exercício de funções, em Janeiro pp, repeti ao Senhor Presidente da Direção essa minha disponibilidade. Nas duas situações foi-me transmitido que contavam comigo para a execução do vosso projeto nas funções que vinha desempenhando. O meu procedimento assentou na circunstância de considerar que não é possível deixar de existir total sintonia e confiança entre a Direção da Instituição e a sua .... Ao pôr à disposição o meu lugar pretendi referir que aceitaria a cessação da minha relação de trabalho, sem qualquer resistência, salvaguardados que fossem os meus direitos laborais. Pois bem, no atual contexto da nossa relação acho que teria sido preferível a Direção ter assumido que não pretendia a minha continuidade e ter cessado por acordo o meu contrato de trabalho. Julgo que não era minimamente merecedora da sucessão de procedimentos que estão a adotar comigo e que são gravemente violadores dos deveres que a Instituição, como empregadora, tem. Não vou indicar nesta comunicação um único de tais procedimentos porquanto não só esse não é o objetivo pretendido como devo presumir que a Direção sabe o que faz e com que objetivos. Destina-se esta comunicação a dar conta que preferia não abrir qualquer litígio contra a instituição e que reitero a minha disponibilidade a fazer cessar por acordo a minha relação laboral. As condições que proponho para tal acordo são as que resultam da lei, admitindo que a Direção pretende suprimir o posto de trabalho da ..., ou seja o pagamento da compensação prevista bem assim como dos créditos de final do contrato. Aguardarei por uma resposta de V. Exas até ao dia 17 do corrente”;

10) Na sequência da referida carta, a R., no dia 15 do mesmo mês, solicitou oralmente à A. que especificasse o que pretendia que lhe fosse pago por via da cessação proposta na carta anterior;

11) A. estivera em gozo de férias nos dias 7, 8, 9 e 10 de abril de 2015 e entrou novamente em gozo de férias no dia 17 e até ao dia 23, inclusive, ambos do mês de abril;

12) Na sequência do pedido que lhe fora formulado pela R., a A. enviou-lhe, em 17 de abril, uma nova carta, pela mesma recebida no dia 20 de abril de 2015, na qual lhe manifestava: “Exmºs Senhores: Na sequência do pedido formulado por V. Exªs no passado dia 15, venho manifestar o que pretendo me seja pago, tendo em vista a cessação do meu contrato de trabalho por acordo. Pretendo que me seja paga a compensação prevista no art.º 5º da Lei 69/2013 de 30 de Agosto e os créditos de final do contrato – férias vencidas em 1/1/2015, respetivo subsídio, proporcionais de férias, subsídio de férias e de 13º mês de 2015. Pretendo ainda que me seja pago o vencimento do mês de Abril até ao dia da cessação, os saldos de horas existentes – 153,12 de 2014 e 24,40 de 2015 – e os € 150,00 suprimidos desde Janeiro p.p., relativos a todo o período que decorreu até ao presente. Gostaria que a resposta me fosse dada até ao próximo dia 22 e que um eventual acordo estivesse concluído até essa data, ainda que os pagamentos nele previstos ocorram posteriormente. Faço notar que este meu propósito de acordo não implica, se não for bem sucedido, a minha renúncia a uma decisão unilateral fundada nos procedimentos a que aludo na minha comunicação anterior. De V. Exªs. Atentamente,”;

13) A R. não deu resposta à comunicação referida em 12);

14) A A. nasceu em ...;

15) A A. concluiu o curso superior de ...em ...;

16) O referido curso tem os efeitos correspondentes a licenciatura;

17) A A., já ao serviço da R., concluiu na Faculdade de ...da ... o curso de Pós-Graduação em ...;

18) A A. instituíra uma reunião semanal com os coordenadores dos diversos serviços;

19) A anterior Direção, em regra, não participava nessas reuniões por sua decisão e opção;

20) Na reunião ocorrida no dia 25 de março de 2015 a Direção da R. esteve representada por dois dos seus membros, o presidente e o vice-presidente;

21) Para essa reunião foram convocados pela Direção da R. os assistentes sociais da instituição e o técnico de integração profissional;

22) Nessa reunião a Direção informou os presentes que a signatária deixaria de ser ... e passaria a ..., referindo que a instituição não precisava de uma ...;

23) Foi frisado que a A. passaria a ser ...;

24) Não obstante, nem nesse momento, nem posteriormente, foi explicado aos presentes e à A. o que seria essa direção técnica;

25) A A. não fora previamente informada do que veio a ser transmitido na citada reunião;

26) E também, posteriormente, não foi dada à A. qualquer explicação para o sucedido ou qualquer esclarecimento quanto às suas novas funções;

27) Na citada reunião, excluindo os membros da Direção da R. e a A., estavam presentes dez pessoas, cuja atividade era dirigida pela segunda;

28) O que se passou na reunião foi logo conhecido pelos demais colaboradores da instituição, em razão da divulgação que os presentes fizeram do sucedido;

29) O que foi apreendido e transmitido foi que a A. havia sido destituída de ... pela Direção;

30) No dia 26 de março de 2015 o presidente da Direção pediu explicações à A. a propósito de uma importância que lhe era paga, não documentada no recibo;

31) Tal importância, desde que a A. foi admitida até janeiro de 2013, inclusive, ascendia a € 150, destinava-se ao pagamento dos quilómetros efetuados em deslocações ao serviço da R., e era paga catorze vezes em cada ano civil, contra a apresentação dos respetivos comprovativos;

32) A A. prestou oralmente tal informação, tendo sido intimada a prestá-la por escrito;

33) A A. assim procedeu, como resulta do documento de fls. 49, rececionado pelo presidente da Direção;

34) O atual presidente da Direção da R. integrou a Direção que instituiu o procedimento referido em 31);

35) O pagamento da mencionada importância era documentado com despesas do correspondente valor;

36) A R., desde janeiro de 2015 e até à cessação do contrato, não pagou a prestação a que se aludiu em 31) à A., tendo liquidado, a partir de fevereiro de 2013 e até àquela cessação, verbas variáveis correspondentes aos quilómetros por a mesma declarados;

37) A Direção da R. chamou a si a responsabilidade pela realização das reuniões semanais com os coordenadores dos diversos serviços;

38) A Direção deu ordens aos serviços para a elaboração do mapa de férias, função que anteriormente era feita sob orientação da A.;

39) Uma assistente social pediu autorização à A. para o uso do símbolo da instituição por uma mãe numa recolha de fundos;

40) Quando a A. foi esclarecer o pedido, constatou que a Direção já o concedera;

41) O descrito em 37) a 40) provocou perturbação na A., que se sentia desautorizada e diminuída aos olhos dos colaboradores que dirigia;

42) A A. passou a ser olhada como uma pessoa que perdera o poder de que dispunha;

43) Em data, que não foi possível concretizar, do primeiro trimestre de 2015, a Direção, oralmente e por escrito, manifestou aos colaboradores da instituição que poderiam dirigir-se diretamente àquela, relativamente a qualquer assunto ou pedido de serviço;

44) A Direção da R. sabia que o procedimento instituído era o de as questões serem colocadas aos superiores hierárquicos e ao diretor geral;

45) A contratação de pessoal sempre foi uma competência da Direção, sob proposta da ... e através de processos de seleção internos;

46) Sempre foi a A., enquanto ..., que assinalou as necessidades de pessoal da instituição, com base em informações por si recebidas e que a própria constatava;

47) A A. encontrou casualmente nas instalações uma pessoa que desconhecia e a quem perguntou o que dali desejava, tendo sido informada pela própria de que era um novo colaborador;

48) Quando a A. perguntou à Direção da R. como tinha sido possível contratar alguém ultrapassando a pessoa que era ... da instituição e sem lhe ter sido dado conhecimento, foi-lhe respondido por aquela que se tinham esquecido;

49) A pessoa em causa era um “faz tudo”;

50) O dito colaborador foi então chamado à presença do presidente, que o apresentou à A.;

51) No mês de janeiro de 2015 e a propósito do convívio entre deficientes mais profundos e menos profundos nos lares residenciais, o presidente da Direção da R. informou que iria consultar técnicos exteriores à instituição;

52) Em data que não foi possível em concreto apurar do primeiro trimestre de 2015, o presidente da Direção entendeu ter uma conversa profissional com a nova coordenadora do lar, na sala que a A. ocupava com aquele;

53) Quando a A. entrou na sala foi-lhe dito pelo mesmo se não se importava de sair porque pretendia ter essa conversa em privado;

54) Em 9 de fevereiro de 2015 o presidente da Direção da R. escreveu um email, que dirigiu à A. e a outros dois colaboradores da instituição, em que dizia: “Parece-me evidente, e eu pelo menos não sabia deste assunto que nada disto pode ser decidido pela ... sem conhecimento da direção. Somos nós elementos da direção que decidimos sobre esta matéria. Como já disse, e penso poder falar em nome da direção nós temos que saber de tudo e muitas vezes, para não dizer sempre, antes da .... Para isso as pessoas têm telemóvel da casa e têm mails institucionais, para não ultrapassarem a direção. Será que ainda não deu para entender que há coisas que nós queremos mudar???? [SIC].”;

55) O email mencionado em 54) foi produzido porque houve uma informação de serviço, com conhecimento à ..., a propósito da atividade dos lares no fim de semana;

56) Tais procedimentos adotados para com a A. tiveram o objetivo de a perturbar, constranger e afetar a sua dignidade - (Eliminado pelo Tribunal da Relação):

57) Como consequência do sucedido, a situação tornou-se penosa para a Autora, no plano psicológico e emocional, e perturbado da sua vida privada e familiar”.- (Alterado pelo Tribunal da Relação);

58) Estava também a prejudicá-la profissionalmente, dado que o caso estava a ser conhecido dentro e fora da instituição e a A. tinha uma carreira profissional de trinta e dois anos a defender;

59) Os episódios com ela ocorridos foram sendo conhecidos dos demais colaboradores da instituição, que se aperceberam que a A. perdera o poder que detinha anteriormente;

60) Essa situação trouxe durante meses a A. angustiada e envergonhada, o que lhe provocou tristeza e desconforto;

61) A A. passou a recorrer a medicação para dormir, por já não o conseguir fazer de outra forma, em virtude do estado de ansiedade e de angústia em que se encontrava;

62) A A., que anteriormente sentia prazer no seu trabalho, passou a sentir penosidade no simples ato de se dirigir ao seu local de trabalho em cada dia, não sabendo como encarar os seus colaboradores, nem o que é que iria suceder nesse mesmo dia;

63) A A. era confrontada com o conhecimento que pessoas e instituições exteriores à R. tinham do que estava a suceder, pessoas essas que lhe pediam explicações para tal, o que constrangia e incomodava a A.;

64) A Direção da R. nunca procurou esclarecer a A. a propósito do seu futuro na instituição, nem procurou resolver a situação que criou à A.;

65) Na R. existia um saldo de horas que correspondia a horas trabalhadas para além da duração do trabalho diário;

66) Tais horas poderiam ser gozadas pelos colaboradores que as tivessem prestado;

67) A A., aquando do aludido em 8), auferia o vencimento mensal de € 2 650, acrescido de € 42 a título de diuturnidades;

68) A atual Direção da R. iniciou funções em 1 de janeiro de 2015;

69) A atual Direção da R. pretendia reorganizar os serviços e ter conhecimento do que se passava na I.P.S.S.;

70) Durante o mandato da atual Direção da R., a A. sempre respondeu diretamente perante esta;

71) A A. colaborou na definição do organograma que a R. pretendia desenvolver, designadamente quanto ao conteúdo funcional de cada setor;

72) As quantias pagas pela R. e a que se aludiu em 31) correspondiam a despesas suportadas pela A., designadamente nas deslocações em serviço;

73) A Direção da R. realizou várias reuniões com os coordenadores, na presença da A.;

74) O gabinete de trabalho da A. sempre foi a sala de reuniões da própria Direção.”

                Factos considerados não provados:

                Com relevo para a decisão da causa, nada mais foi dado como provado, designadamente que:

a) “O segundo período de férias a que se aludiu em 11) tenha sido gozado pela A. a pedido da R.;

b) A reunião a que se aludiu em 20) haja sido marcada, a pedido da Direção, para uma hora compatível com a presença dos respetivos presidente e vice-presidente, para nela poderem participar;

c) A Direção da R. tenha excluído a A. das reuniões semanais referenciadas em 37);

d) A A. tenha tomado conhecimento do referido em 38), não pela Direção, mas pelos serviços da R.;

e) Na sequência do descrito em 43) e quando alguns colaboradores referiram que o continuariam a fazer através ou com conhecimento dos coordenadores e da ..., a Direção tenha desvalorizado a necessidade de tais procedimentos passarem pela hierarquia;

f) A pessoa referida em 47) tenha sido selecionada por indicação do vice-presidente da Direção, seu amigo;

g) Os coordenadores da R., fruto do descrito em 54) hajam deixado de reportar à ... e tenham passado a fazê-lo à Direção;

h) Com a atuação descrita em 51) a R. tenha ignorado quer o parecer técnico da A., quer o de outros técnicos da instituição;

i) O comportamento da Direção da R. dado como provado tenha sido delineado e prosseguido por aquela com vista ao afastamento da A. da instituição;

j) A A. tivesse um saldo de horas relativo ao ano de 2014 de 153,12 horas e de 24,40 horas relativo ao ano de 2015, que não haja gozado;

k) Na data da cessação do contrato de trabalho as funções desempenhadas pela A. fossem definidas por delegação da direção da R., em cada momento, não havendo um grupo de funções definido, concretizado e permanente, o qual podia ser alterado, conforme fossem delegados à A. determinados poderes próprios da direção da R., ou esta entendesse conveniente exercê-los diretamente, em determinadas situações concretas;

l) As funções referidas em k) não fossem em exclusivo desempenhadas pela, podendo ser desempenhadas por membros dos órgãos sociais, quando tal fosse entendido como conveniente;

m) A R. haja sempre manifestado interesse na manutenção da relação de trabalho;

n) A referência da Direção da R. à “...” fosse no sentido de que pretendia que esta se dedicasse mais ao acompanhamento das respostas sociais, principalmente junto do pessoal técnico (assistentes sociais, professores e psicólogos, por exemplo), libertando-a de tarefas relacionadas com os aspetos administrativo/financeiros que ficariam autonomizados e dependentes da Direção;

o) A Direção da R., com o descrito em 48), não tenha pretendido desautorizar a A.;

p) Nunca a Direção da R. tenha pretendido que os coordenadores das respostas sociais da I.P.S.S. deixassem de reportar à A. o que entendessem por conveniente;

q) A Direção da R. não estivesse obrigada a convocar a A. para todas as reuniões que realizasse, designadamente com os coordenadores dos serviços;

r) Com a atual Direção da R., o mapa de férias tenha sido elaborado de acordo com a informação recolhida e disponibilizada pela A.;

s) O gozo de férias dos trabalhadores não haja afetado o funcionamento dos serviços da R.;

t) Apenas a A. se tenha sentido melindrada com a atuação mencionada em 51);

u) A Direção sempre tenha entendido que a A. tinha condições pessoais e profissionais para se manter ao serviço da R.”


VI


            - Do direito:

                Como, se disse, o que está em causa, nesta revista, consiste em saber se os factos provados, e praticados, pela empregadora integram assédio moral para com o trabalhador, e, em caso afirmativo, se são graves em si mesmo e nas suas consequências, e se tornam impossível a manutenção da relação de trabalho celebrada com a sua empregadora, ou seja, se é exigível ao trabalhador manter o seu contrato de trabalho.


*****

                Tendo em conta a data dos factos é aqui aplicável o Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua versão original, ou seja, anterior à da Lei n.º 73/2017, de 16 de agosto, que alterou o seu artigo 29º.


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         1) - Do assédio moral:

                a) - O fenómeno do assédio:

               

                O Assédio Moral no Trabalho não é um fenómeno novo e nem um fenómeno exclusivamente jurídico, correspondendo a um questão oriunda de ciências afins das jurídicas, seja da psicologia, da psiquiatria e da sociologia.  


                Daí, a primeira abordagem científica ao fenómeno ter sido feita por essas ciências e não pelo direito.

                Como diz Pedro Barrambana Santos[5], citando Isabel Ribeiro Parreira, “[o]s trabalhadores assediados queixam-se e os psiquiatras e os psicólogos ouvem-nos, procuram tratá-los e transmitem a mensagem ao sociólogo”, acrescentando aquele que, e numa perspetiva cronológica, cabe “ao jurista o último lugar nessa cadeia de  análise.  Assim, atalhando caminho, dir-se-á que é deste “meeting pot” científico que resulta a profusão terminológica utilizada para identificar a mesma realidade ou, quando muito, concretos aspetos da mesma realidade”.

               

               Na verdade, um dos grandes obstáculos inerentes ao estudo do assédio laboral, prende-se com a dificuldade em encontrar uma definição unanimemente aceite.

               

               Por outro lado, sendo o assédio moral um fenómeno relacionado com a cultura, a forma como acontece e a maneira como é percebido varia, ou seja, não é um fenómeno igual em todos os países e nem em todos os locais.

                Este facto faz com que cada país utilize o seu próprio termo para identificar esta realidade, que é o assédio laboral, gerando-se uma confusão terminológica, o que dificulta o encontro de uma definição unanimemente aceite.
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                Assim:

· Nos países escandinavos [Dinamarca, Finlândia e Suécia], na Suíça, e na Alemanha o assédio moral no trabalho é designado por Mobbing - termo que surgiu, pela primeira vez, através de KONRAD LORENZ para abordar os comportamentos de determinados animais da mesma espécie, mas mais débeis, que se uniam em grupo como forma de afastarem outro animal mais forte e mais perigoso que os demais elementos do grupo. O médico sueco PETER-PAUL HEINEMANN, utilizou este termo, nos anos setenta, a propósito dos comportamentos hostis praticados entre as crianças nas escolas [violência infantil em grupo]. Nos anos oitenta foi utilizado por HEINZ LEYMANN para, pioneiramente, se referir “ao assédio nas organizações”, servindo de veículo para outros investigadores que trabalham na área do “stresse” profissional.

· Na Inglaterra, nos Estados Unidos e noutros países de língua inglesa o assédio é designado por “Bullying” - termo que inicialmente não se aplicava no mundo laboral pois era mais comumente utilizado para descrever fenómenos de violência verificados em contexto escolar entre crianças.

O conceito foi adotado por LAZARUS, em 1984, no seu estudo sobre o “stresse”, incluindo o “bullying” no que classificou como “sresse” social.

Para MARIE-FRANCE HIRIGOYEN o “bullying” é um termo mais amplo do que o “mobbbing” porque compreende, sobretudo, comportamentos de violência individuais tais como a troça, a exclusão, condutas abusivas e agressões físicas, ao passo que este se refere mais a atos de violência organizacional.

Entre nós o “bullying” é um termo habitualmente usado para descrever fenómenos de violência verificados, no contexto escolar, entre as crianças.

· No Japão adotou-se o termo “ijime” para definir o assédio no trabalho, tendo-se como objetivo  moldar os indivíduos aquando a sua inclusão no seio do grupo.

Na verdade, o Japão é um país em que se cultivou, na sociedade, ao longo das gerações a ideia de que se deve atingir a perfeição e o êxito em tudo o que se fizer. Tudo o que não atingisse este padrão era considerado um fracasso e deveria ser punido.

Este sentimento de perfeição era incutido logo no início da formação da personalidade do indivíduo, no âmbito do sistema educativo, pois acreditava-se que o “ijime” era uma técnica essencial para o bom desenvolvimento técnico dos alunos.

Com este modelo de educação demasiado inflexível, através do qual se transmitia a ideia de que só os melhores podiam triunfar, fomentava-se o espírito de competição desmedida e de rivalidade o que, mais tarde, viria a repercutir-se, na fase adulta, no campo do trabalho.

Este termo veio a sofrer alterações e o que era, outrora, um processo de modelação dos trabalhadores, passou-se, agora, para uma forma de gestão mais excessiva e mais cruel, que não olha a meios para obter e atingir os índices de produtividade que as organizações pretendem.

Apesar destas condições os trabalhadores japoneses são muito focados no seu trabalho, fazendo elevadas horas de trabalho seguidas, não tirando os dias de folga totalmente legais e relegando para segundo plano o seu período de férias:

· Na Itália utiliza-se o termo “vessazione” para representar o maltrato continuado e repetido.
Adotando este termo, a questão do assédio não é analisada do ponto de vista objetivo, das condutas efetivamente adotadas, mas, pelo contrário, pelos sentimentos provocados no sujeito passivo, ou seja, do ponto de vista subjetivo.

· Em Espanha o assédio é identificado pelo termo “acosso moral”, acentuando-se mais os efeitos subjetivos, pois salienta-se o carácter psicológico do fenómeno, ou seja, as consequências psicológicas que se manifestam nas vítimas.

· Em França o fenómeno do assédio é identificado por “Harcèlement moral”.
Segundo a sua definição legal podem constituir “harcèlement” os comportamentos repetidos, tendo por objeto ou por efeito uma degradação das condições de trabalho suscetível de poder atingir os direitos e a dignidade do trabalhador, de alterar a sua saúde física e mental ou de comprometer a sua vida profissional.

· Entre nós é utilizado o termo Assédio moral”.

Moral para fazer referência específica ao bem jurídico protegido – o direito à integridade moral do trabalhador, por a sua verificação estar sujeita à constatação de sentimentos de humilhação, degradação e aviltamento.
Esta terminologia, além de ser usada no mundo do trabalho, é também utilizada para fazer alusão aos mesmos tipos de comportamento, mas noutros âmbitos, nomeadamente o familiar.

                Por outro lado, pode-se dizer que “o assédio moral” um problema tão antigo como o trabalho, pois este fenómeno nasceu nos tempos em que o Homem estabeleceu a sua vida em sociedade.

                Assim sendo, o assédio moral é o resultado das relações que se vão estabelecendo entre as pessoas, embora seja influenciado, claramente, pelas transformações que vão acontecendo no mundo do trabalho.


                A diferença, que ocorre no assédio dos nossos dias com o que ocorria anteriormente, reside, essencialmente, nas suas intensificação, gravidade, amplitude, à banalização do fenómeno, à abordagem que estabelece o nexo causal com a organização do trabalho, aumentos e banalização que se devem, em grande parte, à enorme concorrência entre as empresas e à grande precariedade do trabalho.

                O assédio é, pois, um fenómeno grave que acarreta sérias consequências para a saúde física e mental dos trabalhadores.

                De acordo com a Resolução do Parlamento Europeu sobre assédio moral no local de trabalho (2339/2001) o assédio moral constitui um risco potencial para a saúde dos indivíduos, conduzindo frequentemente a doenças relacionadas com stresse laboral.

               Com efeito, o assédio moral no trabalho tem sido associado a uma série de problemas de saúde, nomeadamente, a sintomas psicossomáticos, a depressão, a ansiedade, a perturbações da atenção, a abuso de álcool e substâncias ilícitas, a perturbações do comportamento alimentar, a acidentes e, até, ao suicídio
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               Não existe, como já vimos, uma definição única de Assédio no Moral acordada a nível internacional.


               Por exemplo, a Organização Mundial de Saúde, utiliza a definição de assédio moral no trabalho, elaborada em 2002, pela Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho que refere ser este “um comportamento irracional, repetido, em relação a um determinado empregado, ou a um grupo de empregados, criando risco para a saúde e para a segurança”.

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                Contudo, parece poder considerar-se, com o contributo das várias áreas que estudam o fenómeno e do significado das várias denominações que lhe foram atribuídas a nível dos vários países, como assédio moral a exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante o trabalho, sendo que em consequência desta conduta, a vítima é isolada do grupo, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada e culpabilizada diante dos seus colegas de trabalho.

                A humilhação deve ser, pois, repetitiva e duradoura e ter um forte impacto na vida do trabalhador, acabando por comprometer a sua dignidade enquanto pessoa, a sua identidade, a sua capacidade de trabalho e o desenvolvimento das suas relações afetivas e sociais.

               Trata-se de um sentimento que a vítima tem de ser ofendida, menosprezada, rebaixada, inferiorizada, e vexado pelo outro, causando-lhe, por isso, dor, tristeza e sofrimento e ocasionando-lhe graves danos à sua saúde física e mental.

            Na maioria das vezes, a finalidade do assédio moral, consiste em tornar a relação da vítima com o ambiente do trabalho penosa e insuportável até a levar a apresentar a resolução do seu contrato de trabalho ou até mesmo abandonar o seu do posto de trabalho.


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            Por fim:

                - Extravasando “o assédio moral” o âmbito jurídico, por ser um fenómeno interdisciplinar e ao qual se dedicam outras áreas, como a Psicologia, a Psiquiatria, a Sociologia, que foram as suas percursoras, é necessário recorrer a estas ciências para se conseguir um conceito juridicamente válido.


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                b) – Enquadramento Jurídico do assédio moral:


               O direito à integridade moral e física das pessoas está constitucionalmente consagrado no artigo 25º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

               No seu n.º 2, consagra-se que “ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos”.´

               

                J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira[6] referem que “[a] densificação de tratamentos degradantes levanta algumas dificuldade mas o desenvolvimento jurisprudencial do conceito aponta para tratamentos suscetíveis de causar nas vítimas sentimentos de medo, angústia e inferioridade de modo a humilhá-las e revoltá-la”.

            Pode-se, assim, dizer que o “assédio moral”, como figura jurídica, ancora-se no direito fundamental à integridade moral do trabalhador, enquanto pessoa, e, ainda, na proibição de tratamentos degradantes, aquele reconhecido e esta proibida pela CRP.

            Por sua vez, o artigo 15º, do CT, estipula que “O empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respetiva integridade física e moral”.

             O artigo 29º, n.º 1, do CT, define juridicamente o assédio moral.

            Dispõe que se entende “(…) por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradado, humilhante ou desestabilizador”.             

               Este artigo transpôs quer a Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 05 de Julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional, quer a Diretiva 2000/43/CE do Conselho, de 29 de Junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica.

               A noção de assédio moral, constante do artigo 29º, seguiu de perto a definição que lhe é dada por esta última Diretiva, no seu artigo 2º, n.º 3: “O assédio é considerado discriminação na aceção do n.º 1 sempre que ocorrer um comportamento indesejado relacionado com a origem racial ou étnica, com o objetivo ou o efeito de violar a dignidade da pessoa e de criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.”

               Acresce que o artigo 29º considera o fator discriminação como meramente exemplificativo [nomeadamente o baseado no fator (…)].

                Com efeito, os atos de assédio, na maioria dos casos, não carecem de ser atos discriminatórios, pois, com eles, o que o empregador pretende é causar ao trabalhador, que não cometeu qualquer infração, um ambiente de trabalho de tal modo penoso e insuportável que o leve a apesentar a sua demissão ou até mesmo a abandonar o seu do posto de trabalho.

               

               Esta atuação está intimamente ligada às políticas de esvaziamento funções, que a lei proíbe expressamente.

                Na verdade, estipula o artigo 129º, n.º 1, alínea b), do CT, que é proibido ao empregador obstar injustificadamente à prestação do trabalho pelo trabalhador.


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            c) - O assédio moral na doutrina:

           

                Para António Monteiro Fernandes[7] “[o] artigo 29º proíbe o «assédio» no ambiente do trabalho, oferecendo uma definição bastante longa: «comportamento indesejado, nomeadamente o baseado no fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidante, humilhante ou desestabilizador (artigo 29º/1)».

                (…)

               O destaque legal da figura implica a primeira questão jurídica a considerar seja a da sua conceptualização. Um mesmo tipo de ações pode constituir assédio, ou exercício arbitrário do poder de direção, ou lesão do direito à integridade física e moral, ou mera violação do dever de respeito e urbanidade (artigo 127º/1-a)) -, uma infração contra uma das várias proibições constantes do artigo 129º, ou sanção disciplinar abusiva (artigo 331º) – ou, simplesmente, a expressão (juridicamente neutra) de antipatias, más relações pessoais ou até mesmo maus estados de espírito de um ou outro dos personagens que atuam no cenário da relação do trabalho (empregador, chefias/dirigente, trabalhador, companheiros de trabalho. A qualificação de cada situação concreta implica consequências muito diferentes.
                (..)

                Entrando em conta com o texto da lei e os contributos da jurisprudência, parece possível identificar os seguintes traços estruturais da noção de assédio no trabalho:

               a) - Um comportamento (não um ato isolado) indesejado, por representar incómodo injusto ou mesmo prejuízo para a vítima (ex: redução à inatividade e ao isolamento, sem razão objetiva);

                b) - Uma intenção de, com esse comportamento, exercer pressão moral sobre o outro, tirando partido de algum fator seu de debilidade ou menor resistência (desde logo a dependência económica e o receio do desemprego, mas também, em não poucos casos, uma especial vulnerabilidade psicológica ou mesmo física, ou até de situações da vida privada cuja divulgação se receia) ou no mínimo, a desconsideração da possibilidade de tal efeito;

            c) - Uma relação de causalidade adequada entre esse comportamento e efeitos perturbadores, constrangedores, atentatórios da dignidade ou geradores de clima social negativo para o destinatário (ficando à margem todos os comportamentos integráveis em padrões de normalidade no contexto social concreto);

                d) - Um objetivo final ilícito ou eticamente reprovável, consistente na observação de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (submissão total à vontade do assediante, penalização por atos legítimos da vítima, indução à resolução do contrato ou abandoo do trabalho, aceitação de uma modificação negativa das condições de trabalho).

               (…) A definição do artigo 29º prescinde do elemento intencional na identificação do assédio.”
               

                Refere, também, que o Código de 2009, abstendo-se de fazer a correspondência entre assédio e discriminação, faz com que seja ónus do trabalhador provar que os factos que alega sejam elementos integrantes e constitutivos do assédio.

                Contudo, observa que a Diretiva 2006/54/CE do Parlamento e do Conselho, de 05 de julho de 2006, no seu artigo 19º, n.º 1, quanto ao ónus da prova, estabelece que compete a quem se considere lesado pela não aplicação, no que lhe diz respeito, do princípio da igualdade de tratamento, provarelementos de facto constitutivos da presunção de discriminação direta ou indireta”, e que incumbe à parte demandadaprovar que não houve violação do princípio da igualdade de tratamento”.


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                Para Maria do Rosário Palma Ramalho[8] “[e]sta matéria [noção de assédio contida no artigo 29º/1] coloca problemas de delimitação e de regime.

                No que se refere à delimitação do assédio, trata-se de um comportamento indesejado que viola a dignidade do trabalhador […].

                Desenvolvendo este conceito geral, a doutrina costuma identificar as seguintes formas de assédio:

- O assédio sexual e o assédio com conotação sexual (sexual harrassement), em que o comportamento indesejado e com efeitos hostis tem conotação sexual, podendo assumir forma verbal, gestual ou física (artigo 29º n.º 2);

- O assédio moral discriminatório, em que o comportamento indesejado e com efeitos hostis se baseia em qualquer fator discriminatório que não o sexo (artigo 29º, n.º 1) (discriminatory harrassement);

- E o assédio moral não discriminatório, quando o comportamento indesejado não se baseia em nenhum fator discriminatório, mas, pelo seu carácter continuado e insidioso, tem os mesmos efeitos hostis, almejando, em última análise, afastar aquele trabalhador da empresa (mobbing).”

               “[A] formulação da norma do atual Código do Trabalho (artigo 29º, n. 1) abre a porta a outras possibilidades de interpretação, uma vez que a existência de um fator discriminatório na base do comportamento assediante deixou de estar obrigatoriamente presente. Assim, parece-nos que o Código acolhe hoje expressamente as três modalidades de assédio acima referidas, não sendo por isso necessário recorrer ao princípio da tutela da integridade física e moral do trabalhador (agora constante do artigo 15º) para o proteger contra as práticas do mobbing.”

               Quanto à repartição do ónus da prova, nota que “[a] autonomização da matéria do assédio relativamente ao tema da discriminação em geral coloca dúvidas sobre a aplicação neste domínio de algumas regras procidementais da maior valia relativamente às condutas discriminatórias, com destaque para a regra da repartição do ónus da prova, prevista no artigo 25º, n.º 5. A questão que se coloca, concretamente, é a de saber se esta regra é aplicável às situações de assédio, uma vez que tais situações não são agora formalmente qualificadas como discriminação, ao contrário do que sucedia anteriormente. A nosso ver, ao menos nas situações em que o assédio tenha um fundamento discriminatório, esta regra deve continuar a ser aplicada, porque estamos, de facto, perante uma discriminação, sendo que tal qualificação é, além disso, um imperativo comunitário (artigo 2º, n.º 2, da Diretiva  n.º 20/54/CE, de 05 de julho de 2006).


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               Para Júlio Manuel Vieira Gomes[9] “[o] mobbing ou assédio moral ou, ainda, como por vezes se designa, terrorismo psicológico, parece caracterizar-se por três facetas: a prática de determinados comportamentos, a sua duração e as consequências destes.”

               Quanto aos comportamentos em causa, refere que “para LEYMANN, tratar-se-ia de qualquer comportamento hostil. Para HIRIGOYEN, por seu turno, tratava-se de qualquer conduta abusiva manifestada por palavras (designadamente graçolas), gestos ou escritos, silêncios sistemáticos e muitos outros comportamentos humilhantes ou vexatórios. Daí a referência a uma polimorfia do assédio e, por vezes, a dificuldade em distingui-lo dos conflitos normais em qualquer relação de trabalho. Como veremos, tais comportamentos são, frequentemente, ilícitos mesmo quando isoladamente considerados, mas sucede frequentemente que a sua ilicitude só se compreende, ou só se compreende na sua plena dimensão, atendendo ao seu carácter repetitivo. E esta é a segunda faceta que tradicionalmente se aponta no mobbing: o seu carácter repetitivo.

                (…)

               A terceira nota característica do assédio, pelo menos para um sector da doutrina, consiste nas consequências deste designadamente sobre a saúde física e psíquica da vítima e sobre o seu emprego. O assédio pode produzir um amplo leque de efeitos negativos sobre a vítima que é lesada na sua dignidade e personalidade, mas que pode também ser objeto de um processo de exclusão profissional, destruindo-se a sua carreira e mesmo acabando por pôr-se em causa o seu emprego, quer porque a vítima de assédio acaba por ser despedida sem genuína justa causa, quer porque o assédio a conduz a, ela própria, fazer cessar o contrato de trabalho. Mas a vítima sofre tipicamente outros danos de natureza pessoal, dando mostras de ansiedade e entrando frequentemente em situações de depressão, ocorrendo nos casos mais extremos, suicídios ou tentativas de suicídio. Frequentemente, também, o assédio conduz a vítima a uma acentuada perda de autoestima. Os sintomas do assédio, as consequências deste na personalidade da vítima com as consequentes mudanças comportamentais por parte da vítima levam frequentemente a que a própria vítima se transforme em bode expiatório e seja designada como responsável pela situação.

               A pessoa perseguida e angustiada passará a ser frequentemente menos produtiva, mostrará uma maior propensão para cometer erros, dará mostras de maior absentismo – tudo circunstâncias que poderão ser utilizadas contra ela em eventuais procedimentos disciplinares. Em certos casos, aliás, o assédio não terá nascido espontaneamente; com efeito, algumas empresas parecem lançar mão de um assédio estratégico, mais ou menos generalizado.”

               

               Quanto ao ónus da prova, assegura que é um dos problemas mais delicados relativamente ao mobbing.

               “A delicadeza do problema decorre de vários fatores: por um lado, normalmente, a única prova a que se poderá recorrer será a prova testemunhal (…). Ora em múltiplas situações será difícil encontrar quem esteja disposto a testemunhar em favor da vítima de mobbing e isto por muitas razões: ou porque muitos trabalhadores não se perceberam da real gravidade dos factos, ou porque a estigmatização a que a vítima de mobbing é sujeita os persuadiu de que é ela a pessoa verdadeiramente responsável pelo conflito, ou porque tomaram parte ativa no mesmo ou foram, pelo menos, cúmplices com o seu silêncio no agravamento da situação ou ainda porque o mobbing provém do empregador ou de um superior hierárquico e há um justo receio de represálias. (….). Além disso, existe o risco de uma vingança contra um superior hierárquico ou um colega assumir a forma de uma denúncia falsa da existência de um mobbing, como também existe o perigo de uma desobediência ilícita ser camuflada deste modo. Compreende-se, pois, que os vários sistemas jurídicos hesitem quanto à distribuição do ónus da prova.
                (…)

               Assim, a lei francesa dispõe que a pretensa vítima apenas tem que provar a existência de condutas que podem preencher uma situação de mobbing e o acusado, por seu turno, deverá demonstrar que as medidas que adaptou são justificadas e razoáveis. Como atrás dissemos, o mobbing constitui uma razão para rever alguns dos quadros tradicionais do direito do trabalho, de modo a lograr uma tutela efetiva da vítima de assédio. Em primeiro lugar, parece justificar-se a posição adaptada pelos tribunais franceses que não hesitam em requalificar certas demissões como genuínos despedimentos. Com efeito, certas situações de aparente abandono do trabalho ou de denúncia do contrato por iniciativa do trabalhador devem-se, substancialmente, à perseguição de que esta foi vítima e a que não conseguiu resistir por mais tempo. Importará, também reavaliar o conceito de coação moral, designadamente face a acordos de rescisão do contrato de trabalho. A definição civilista de coação não se adapta verdadeiramente à situação de particular vulnerabilidade do trabalhador, sujeito a uma mais ou menos prolongada guerra de nervos para acordar na cessação do seu contrato de trabalho.”


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                d) - O assédio moral na jurisprudência[10]:

               

               

               Acórdão de 09.05.2018 – Processo n.º 532/11.5TTSTR.E1.S1 (Revista) – 4.ª Secção[11]:

1. Não é toda e qualquer violação dos deveres da entidade empregadora em relação ao trabalhador que pode ser considerada assédio moral, exigindo-se que se verifique um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, para que se tenha o mesmo por verificado.

2. Mesmo que se possa retirar do artigo 29º do Código do Trabalho que o legislador parece prescindir do elemento intencional para a existência de assédio moral, exige-se que ocorram comportamentos da empresa que intensa e inequivocamente infrinjam os valores protegidos pela norma – respeito pela integridade psíquica e moral do trabalhador.       

               

               Acórdão de 01.10.2014 -- Recurso n.º 420/06.7TTLSB.L1.S1 - 4.ª Secção[12]”:

I. […]

II. A tutela das demais violações da integridade física e moral, como é o caso, entre outras, situações, do “assédio moral não discriminatório”, é assegurada com base no artigo 18.º e das normas atinentes aos deveres contratuais das partes e às consequências do seu incumprimento artigos. 120.º, a) e c), e 363.º,, conjugadas com as disposições gerais da lei civil.

III. Não evidenciando os factos provados que por parte da ré tenha havido qualquer prática discriminatória, não tem a autora direito a ser indemnizada com base em tal fundamento.

IV. Todavia, demonstrada a prática pela ré de factos violadores da integridade física e moral desta, bem como da sua dignidade, a autora tem direito a indemnização por danos não patrimoniais, a qual deve ser fixada equilibrada e ponderadamente, tendo em conta a gravidade dos factos, os parâmetros que nesta matéria têm sido seguidos nos nossos tribunais, mormente no STJ, e demais elementos elencados nos arts. 496.º, n.º 3, e 494.º, do Código Civil.


               Acórdão de 03-12-2014 - Recurso n.º 712/12.6TTPRT.P1.S1 - 4.ª Secção:

1. O assédio moral implica comportamentos real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador, aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração; e determinadas consequências.

2. De acordo com o disposto no art.º. 29.º, n.º 1, do CT e, no assédio não tem de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adotado pelo “assediante”.

3. Apesar de o legislador ter (deste modo) prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas de determinado comportamento, o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem em regra associado um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável.


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                e) - Justa causa para a resolução do contrato – poder de direção do empregador – mobilidade funcional:

                De acordo com o disposto no artigo 394º nºs 1 e 2, alínea b), do CT, na versão aqui aplicável, ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o seu contrato de trabalho.

               Constitui justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador “a violação culposa de garantias legai ou convencionais do trabalhador” – artigo 394º, nº 2, alínea b), do CT.

                A justa causa é apreciada nos termos do n,º 3, do artigo 351º [justa causa de despedimento por facto imputável ao trabalhador], com as necessárias adaptações – artigo 394º, n.º 4, d CT.

               Acresce que, nos termos do artigo 395º, n.º 1, do CT, o trabalhador, que pretenda resolver, unilateralmente e com justa causa, o seu contrato de trabalho, deve comunicar essa resolução ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.

                E de acordo com o estatuído no artigo 398º, n.º 3, do CT, “na ação em que for apreciada a ilicitude da resolução, apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da comunicação referida no n.º 1, do artigo 395º”.

               Por seu lado, compete ao empregador estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem – artigo 97º, do CT -, podendo, nos termos do artigo 99º, n.º 1, do CT, elaborar regulamento interno de empresa sobre organização e disciplina no trabalho.            

               Os poderes do empregador traduzem-se no poder diretivo, no poder disciplinar, no poder organizativo, no poder de vigilância ou controlo e no poder regulamentar.

               

               O poder diretivo, segundo Maria do Rosário Palma Ramalho, é “a faculdade, que assiste ao empregador de determinar a função do trabalhador e de emitir comandos vinculativos da sua atuação (sob a forma de ordens concretas ou de instruções genéricas), quanto ao modo de execução da atividade laboral e de cumprimento dos demais deveres acessórios inerentes a essa atividade[13]”.         

                Enquanto elemento essencial do contrato de trabalho, o poder de direção tem como correspondente a posição de subordinação do trabalhador e, especificamente, o seu dever de obediência, cuja extensão é limitada pela necessidade de respeito pelos seus direitos e garantias.

               Uma das manifestações desse poder diretivo, e que pode verificar-se ao longo de todo o contrato, é o “jus variandi”, designado no CT pormobilidade funcional”.

               

               Com efeito, o artigo 120º, n.º 1, do CT, dispõe que o empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar o trabalhador de exercer temporariamente funções não compreendidas na atividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da posição do trabalhador.

               Para Maria do Rosário Palma Ramalho[14] “(…) o jus variiandi não pode deixar de ser reconhecido como uma manifestação típica da posição peculiar de domínio que o empregador ocupa no contrato de trabalho, que, no caso, prossegue o princípio laboral geral da prevalência dos interesses de gestão. E, na medida em que o jus variandi  tem a ver com a atividade laboral do trabalhador, não suscita também, hesitações a sua recondução a uma manifestação do poder diretivo, uma vez que é este poder do empregador que está especificamente vocacionado para modelar e adequar a atividade laboral do trabalhador.”

               

               Por fim, os limites ao poder diretivo, em termos negativos, decorrem, nos termos da lei [artigo 97º, do CT], do próprio contrato e das normas que o regem, entre as quais sobressaem os direitos e garantias do trabalhador [artigo 129º, do CT].

               No contrato do trabalho existem deveres gerais para ambas as partes, tais como, proceder de boa-fé, no exercício dos seus direitos e no cumprimento das suas obrigações, colaborar na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador [artigo 126º, do CT], e existem deveres para o empregador e para o trabalhador [artigos 127º e 128º, ambos do CT].

             Ora, o dever principal do trabalhador, perante o empregador, é a prestação da atividade do trabalho, de acordo com o regime de subordinação.

             Contudo, conexos com a prestação do trabalho existem outros deveres acessórios.

             Ou seja, o trabalhador, para além da obrigação principal, que assume através do contrato, fica com outras obrigações, conexas, sendo umas de base legal e outras de origem convencional.

              Esta distinção resulta da fonte donde emanam esses deveres – da lei, de convenção coletiva de trabalho, do próprio contrato de trabalho, etc.

             Os deveres acessórios subdividem-se entre deveres integrantes da prestação principal e deveres independentes dessa prestação.

             Entre os primeiros estão, por exemplo, o dever de obediência, de assiduidade, de pontualidade e de zelo, e entre os segundos destacam-se o dever de lealdade, de respeito e de urbanidade.

             Estes deveres do trabalhador estão previstos, a título meramente exemplificativo, no artigo 128º, do CT.

             


VII

         - Do caso concreto:

            Como refere o artigo 398º, n.º 3, do CT, na ação em que se aprecie a ilicitude da resolução unilateral do contrato, pelo trabalhador apenas são atendíveis, para a justificar, os factos constantes da comunicação que este fez consignar, na carta registada, dirigida ao  Réu a resolver o contrato de trabalho que os unia.


               No caso concreto, esse escrito foi enviado ao Réu pela Autora, em 23 e abril de 2015, que o recebeu no dia imediato, e nele o informava de que resolvia o seu contrato de trabalho, por, segundo ela, ter ele violado as suas garantias legais ou convencionais, pelo que só os factos aí consignados é que são atendíveis para se aferir da justa causa da resolução do contrato por esta.

*****

                Pretende a Autora que seja declarado que foi vítima de uma situação de “assédio moral e defende a Ré que se está perante um conflito normal de trabalho em consequência da reorganização dos serviços que a nova Direção, com início de funções em 01 de janeiro de 2015, pretendeu fazer e, ainda, com o facto de ela querer ter conhecimento de tudo o que se passava na “IPSS”.

               Vendo-se a factualidade provada, da mesma resulta que a anterior Direção da Ré admitiu a Autora, em janeiro de 2004, para, sob as suas ordens e direção, e contra remuneração, lhe prestar a atividade de diretora.      

               Tais funções foram, aquando da celebração do contrato, definidas como de direção e coordenação da BB tendo-lhe sido atribuída por essa Direção, e por delegação, autoridade total.

               Ficou, também, nessa altura, assente que a Autora, se reportaria diretamente à Direção que geriria os serviços da instituição, que planearia as suas atividades, que representaria a Direção nas suas relações com terceiros, que participaria nas suas reuniões e que faria cumprir as estratégicas e as metodologias que viessem a ser aprovadas.

               

                Contudo, quando a nova Direção iniciou funções, em janeiro de 2015, pretendendo reorganizar os serviços da “IPSS” e conhecer tudo o que se passava na “Instituição”, tomou a iniciativa de marcar uma reunião, para o dia 25 de março de 2015, com todos os assistentes sociais e o com o técnico de interação profissional, tendo sido ela própria a fazer a sua convocação.

               Nessa reunião estiveram presentes, em representação da Direção, o seu Presidente e o seu Vice-Presidente.

                Ora, a anterior Direção, não participava, em regra, nessas reuniões semanais, com todos os coordenadores dos diversos serviços, e que foram instituídas pela Autora.

                Porém, já a nova Direção chamou a si a responsabilidade pela realização dessas reuniões semanais.

               Nessa reunião, de 25 de março de 2015, a Direção informou os presentes, entre os quais estava a Autora, que havia decidido que esta deixava de ser ...e passaria a ser ..., porque, no seu entender, a “Instituição” não precisava de uma ....

               

                Contudo, a Ré, apesar dessa alteração, da qual a Autora não havia sido informada previamente, não lhe disse, nessa reunião e nem em outro momento, quais seriam as funções que iria exercer como ... e nem lhe deu qualquer explicação para o sucedido.

               Contudo, a razão para essa mudança foi referida pela Direção, na reunião de 25.03.2015, como sendo a de que, em sua opinião, a “Instituição” não precisava de uma ..., o que resultava da sua pretensão de reorganização dos serviços e de ter conhecimento de tudo o que se passava na “IPSS”.

                Acresce que a própria Autora colaborou na definição do organograma que a Ré pretendia desenvolver, designadamente quanto ao conteúdo funcional de cada setor, e que, durante o mandato da nova Direção da Ré, sempre respondeu diretamente perante ela.
               
                Provou-se, ainda, que:

               - A Direção deu ordens para serem os serviços a elaborar o mapa de férias, função que anteriormente era feita sob orientação da Autora, autorizou o uso do símbolo da Instituição a uma mãe, para recolha de fundos, quando o pedido havia sido feito a esta por uma assistente social, assim como contratou um colaborador, sem ter sido dado conhecimento à Autora, nem antes e nem depois da contratação, e, quando por ela questionada, a resposta que obteve foi a de que “se tinham esquecido”.

                - A 26 de março de 2015, o Presidente da Direção pediu à Autora um esclarecimento sobre uma verba, que lhe era paga, mas que não fazia parte do recibo, tendo-lhe sido dito, oralmente, que essa importância, de € 150,00, lhe fora paga desde a sua admissão e até janeiro de 2013, e que se destinava ao pagamento dos quilómetros que efetuava em deslocações em serviço.
                Apesar dessa explicação oral, foi-lhe solicitado que a desse por escrito, o que ela fez,
               
                - Em data não apurada, mas do primeiro trimestre da 2015, a Direção, oralmente e por escrito, manifestou aos colaboradores da “Instituição”, que poderiam dirigir-se diretamente a si, relativamente a qualquer assunto ou pedido de serviço, e, que, em 09.02.2015, o seu Presidente, por causa de uma informação de serviço, com conhecimento à ..., a propósito da atividade dos lares no fim de semana, enviou um “email” à Autora e a outros dois seus colaboradores da “Instituição”, dizendo o seguinte: “Parece-me evidente, e eu pelo menos não sabia deste assunto que nada disto pode ser decidido pela ... sem conhecimento da direção. Somos nós elementos da direção que decidimos sobre esta matéria. Como já disse, e penso poder falar em nome da direção nós temos que saber de tudo e muitas vezes, para não dizer sempre, antes da .... Para isso as pessoas têm telemóvel da casa e têm mails institucionais, para não ultrapassarem a direção. Será que ainda não deu para entender que há coisas que nós queremos mudar?”

             - Por último, em data que também não se apurou, o Presidente da Direção querendo ter uma conversa profissional com a nova coordenadora do lar, foi para a sala que ocupava com a Autora.
                Quando esta ia a entrar na dita sala, foi-lhe dito por aquele se ela não se importava de sair porque pretendia ter essa conversa em privado.


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                São dois os factos cruciais para se dirimir este litígio, ou seja:

1) A atribuição à Autora, pela Direção que a contratou, por meio de delegação, de autoridade total, passando a ter sob a sua responsabilidade toda a estrutura dos serviços da “Instituição”;

2) Com a entrada em funções da nova Direção, pretendendo reorganizar os serviços e procurando saber tudo o que se passava na “Instituição”, entendeu que esta não precisava de uma ...e que os serviços deviam reportar-se diretamente a ela sem intermediação da Autora.

             
             Estamos, pois, perante duas Direções da Ré, com atitudes antagónicas na forma de intervenção na sua gestão:

                - A primeira, pouco atuante, deixou a vida da “Instituição” nas mãos da Autora, a quem deu, embora por delegação, autoridade total para o efeito;
                - A segunda, interventiva, querendo saber tudo o que nela se passava, decidiu fazer uma reorganização dos serviços, para passarem a reportar-se diretamente a ela, pois seria ela a decidir tudo, pelo que prescindiu das funções da Autora como ...atribuindo-lhe as de ....


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               Como causa da resolução do contrato de trabalho, que havia celebrado com a Ré, a Autora invocou ter sido vítima de “assédio moral” por parte daquela, sendo o que decorre da carta que lhe enviou para o efeito, dado nela não ter indicado a violação de qualquer dever do empregador ou garantia do trabalhador, previstos nos artigos 127º e 129º, ambos do CT – facto provado n.º 8.
                Logo, só a existência de “assédio moral é que poderá ser tida como causa justificativa para a resolução por ela efetuada.

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               Conjugando toda a factualidade provada, verifica-se que todos os atos e comportamentos praticados pela nova Direção da Ré se enquadram no seu poder diretivo e organizacional, que lhe pertencem.
                O poder de direção do empregador, enquanto realidade naturalmente inerente à prestação de trabalho e à liberdade de empresa, tem como contrapartida a subordinação jurídica do trabalhador e o seu dever de obediência, ou como se diz no acórdão de 12.07.2007[15], proferido no Processo n.º Acórdão n.º 07S921, “a subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho decorre precisamente do poder de direção que a lei confere ao empregador (n.º 1 do artigo 39.º da LCT[16]) a que corresponde um dever de obediência por parte do trabalhador [alínea c) do n.º 1 do artigo 20.º da LCT[17]]”.
                Compete, pois, ao empregador, nos termos do artigo 97º, do CT, estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, sendo o “jus variandi”, entre nós chamado “mobilidade funcional”, uma das manifestações desse poder.

                Na verdade, o poder de direção pode desdobrar-se em três manifestações essenciais:
1) A determinação da função do trabalhador - artigo 118º, n.º1, do CT;
2) A conformação da atividade em concreto – artigo 97º, do CT;
3) Poder de vigilância ou de controlo do modo de cumprimento da prestação do trabalho.

              Ora,
a nova Direção da Ré, retirando à Autora determinadas funções, decorrentes da autoridade total, que lhe havia sido delegada pela Direção que a contratou, ao reorganizar os serviços por pretender ter uma ligação direta aos mesmos e saber, também diretamente, tudo o que se passava na “Instituição”, ou seja, sem a mediação da Autora, mais não fez do que exercer o seu poder de direção.

              Pelo exposto, não se pode considerar que, na sua atuação, a Ré tenha prosseguido qualquer objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, nem que tenha agido movida por um qualquer intuito persecutório da Autora, tanto mais que esta “colaborou na definição do organograma que a Ré pretendia desenvolver, nomeadamente, quanto ao conteúdo funcional de cada setor” e que “no mandato da atual Direção da Ré (…) sempre respondeu diretamente perante esta”.

             Não se pode, assim, concluir que tenha existido uma atitude persecutória, por parte da Ré, no esvaziamento das funções da Autora, e nem concluir pela existência de comportamentos daquela, real e manifestamente, humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade desta.

             Por outro lado, não está demonstrado que a Ré tenha praticado uma sequência de comportamentos encadeados que, para além de atentatórios da dignidade da Autora, se traduziram num ambiente intimidativo, hostil e desestabilizador, com o objetivo de lhe causar perturbação e constrangimento.

              No caso em apreço, estamos perante um caso típico de um conflito organizacional de trabalho que se gerou, como já dito, por causa de ter sido retirada à Autora a autoridade total que lhe havia sido concedida, por delegação, e, assim, deixar de ser ela a única interlocutora perante a Direção e de ter sob a sua responsabilidade toda a estrutura dos serviços da “Instituição”, ou seja, deixou de ter sob a sua responsabilidade toda a organização e coordenação da Ré.

             Conflito este que não se enquadra no conceito de “assédio moral”.

              Contudo, devido a esse conflito, por a Autora não concordar com a reorganização que a Ré se encontrava a efetuar, é natural/normal que aquela tenha ficado perturbada com a situação, que se tenha sentido desautorizada e diminuída aos olhos dos colaboradores que dirigia, por ter deixado de ter a responsabilidade da realização das reuniões semanais com os coordenadores dos diversos serviços, responsabilidade essa que a Direção chamou a si, e que a situação, no plano emocional e psicológico, se tenha tornado penosa e que tenha perturbado a sua vida privada e familiar.

             Ora, o ”stresse”, a perturbação, os sentimentos de desautorização e de diminuição e os constrangimentos profissionais, sentidos pela Autora, foram resultantes apenas do legítimo exercício do poder hierárquico, diretivo e organizacional que a Ré detinha.

             Acresce que, como não está em causa um assédio que tenha por fundamento um ato discriminatório, porque não alegado ou invocado pela Autora, não se verifica a aplicação da regra, quanto ao ónus da prova, resultante do artigo 25º, n.º 5, do CT.
.
             Não estando, pois, em causa a discriminação, são, aqui, aplicáveis as normas gerais em termos de distribuição do ónus da prova, ou seja, as do artigo 342º, do Código Civil.

             Competia, assim, à Autora alegar e provar os facos integradores e constitutivos do direito por si invocado, ou seja, de que fora vítima de “assédio moral” não discriminatório por parte da Ré, como era, aliás, seu ónus, nos termos do artigo 342º, n.º 1, do Código Civil.
             
             Neste sentido tem decidido a jurisprudência desta Secção e Supremo Tribunal de Justiça.
              A propósito decidiu o acórdão de 23/11/2011, proferido no Processo n.º 2412/06.7TTLSB.C1.S1[18], que “não tendo o Autor alegado factologia suscetível de afrontar, direta ou indiretamente, o princípio da igual dignidade sócio laboral, subjacente a qualquer um dos fatores característicos da discriminação, o assédio moral por parte da R., por ele invocado, tem de ser apreciado à luz das garantias consignadas no artigo. 18.º do CT[19], segundo o qual «o empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respetiva integridade física e moral», aplicando-se o regime geral de repartição do ónus da prova estabelecido no artigo 342.º do Código Civil”.
             
              Prova esta que a Autora não fez.
              Com efeito, não se deu como assente que “o comportamento da Ré dado como provado tenha sido delineado e prosseguido por aquela com vista ao afastamento da Atora da “Instituição” – facto não provado da alínea i).

             Por fim, também não provou a Autora, que tenham ocorrido comportamentos por parte da Ré que, de forma intensa e inequívoca, hajam infringido os valores protegidos pelo artigo 29º, do CT, ou seja, que tivessem tido como efeito a sua perturbação ou constrangimento, de modo a afetar a sua dignidade ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
*****
             Tendo a resolução unilateral, feita pela Autora, com invocação de justa causa, do contrato de trabalho celebrado com a Ré, apenas e exclusivamente, com o fundamento da existência de “assédio moral” praticado por esta, e não se tendo provado o mesmo, foi aquela resolução feita ilicitamente, por inexistência da invocada justa causa para o efeito.
*****
              Decisão:

                Pelo exposto delibera-se:


1) Negar a revista e, consequentemente manter o acórdão recorrido.

2) Custas da revista, pela Autora/recorrente,

3) Notifique.

                Segue em anexo o respetivo Sumário.


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                                        Lisboa, 2019.09.11


Ferreira Pinto – (Relator)

Chambel Mourisco

António Leones Dantas


                                                                                                                                                                                       
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[1] - Registo: 2019/008
FP (Relator) – CM/LD
[2] - Relatório feito com base nos das instâncias.
[3] - Doravante CPC.
[4] - Doravante CPT.
[5] - Do Assédio Laboral, Almedina, 2017, página 75.
[6] - Constituição da República Portuguesa, anotada, Iº Volume, Coimbra Editora, página 456.
[7] - Direito do Trabalho, 18ª Edição, Edição Especial Comemorativa dos 40 anos, Almedina, páginas 242 a 248.
[8] - Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais -, 4ª Edição, revista e atualizada, Almedina, páginas 188 a 190.
[9] - Direito do Trabalho, volume I – Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, páginas 428 a 442.
[10] São do Supremo Tribunal de Justiça todos os acórdãos sem menção de origem.
[11] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ef615f1ece9fe45180258289002f35e6?OpenDocument
[12] - http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/7c8299fa0353342780257d640051edee?OpenDocument
[13] - Obra referida, página 560.
[14] - Obra referida, página 563.
[15] - http://bdjur.almedina.net/item.php?field=node_id&value=1198408
[16] - Atual artigo 97º.
[17] - Atual artigo 128º, n.º 1, alínea e).
[18] - http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0d6a68bd069c88878025795300310ae9?OpenDocument.
[19] - Atual artigo 15º.