Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
16/22.6YRPRT-A.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: M. CARMO SILVA DIAS
Descritores: RECURSO PENAL
EXTRADIÇÃO
COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL
CUMPRIMENTO DE PENA
PENA DE PRISÃO
RECUSA FACULTATIVA DE EXECUÇÃO
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 07/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: EXTRADIÇÃO/ M.D.E./ RECONHECIMENTO SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :

I- No art. 4.º da CECPLP estabelecem-se motivos de recusa facultativa de extradição, que são taxativos, aí não se contemplando os previstos no artigo 18º da Lei n.º 144/99, de 31.08, que não são aplicáveis sequer supletivamente.

II- Na CECPLP não está prevista a possibilitada de cumprir a pena em que foi condenado em estabelecimento prisional português, ou seja, está afastada a possibilidade de substituição da extradição pelo cumprimento da pena de prisão em estabelecimento prisional português (o que deve ser requerido no Estado requerente pelos meios próprios).

Decisão Texto Integral:


Proc. n.º 16/22.6YRPRT-A.S1

Extradição

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

I. Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.05.2022 foi autorizada a extradição para o Brasil do cidadão de nacionalidade brasileira AA, para cumprir a pena de 3 anos e 9 meses de reclusão, inicialmente em regime semiaberto, no âmbito do Processo n.º ...03, da ... Vara Federal ..., do Estado ..., em que foi condenado por decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, de 29.05.2016, confirmada por acórdão do Superior Tribunal de Justiça, transitada em 27.11.2017, pela prática entre 09/2001 a 06/2003 de um crime de não pagamento à Previdência Social das contribuições recolhidas dos salários dos trabalhadores/contribuintes, p. e p. no artigo 168.º-A, § 1.º, inciso I, c.c. artigo 71.º, ambos do Código Penal Brasileiro, aprovado pela Lei n.º 2848.

II. Inconformado com esse acórdão recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça AA, apresentando as seguintes conclusões:

1. O aqui recorrente BB, não se conforma com o douto Acórdão prolatado em 11.05.2022, que deferiu o pedido de extradição formulado pelo Ministério Público e consequentemente autorizou a EXTRADIÇÃO para o Brasil do aqui requerido, dele interpor recurso para o COLENDO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA;

2. O Venerável Tribunal a quo não efetuou, sem prescindir a qualidade técnica e humana dos Mmos Juízes Desembargadores, uma criteriosa e cuidada apreciação da prova, nem uma correta aplicação do Direito;

3. Ora, nestes autos, ao abrigo da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa veio a República Federativa do Brasil solicitar a extradição do recorrente BB, que se encontra atualmente a residir em Portugal;

4. O Requerido, no âmbito do Processo n.º ...03, que correu termos na ... Vara Federal .../ P, foi condenado a 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão a cumprir em regime semiaberto e 18 dias de multa à taxa diária no valor de um salário mínimo brasileiro à data dos factos, por factos que tiveram lugar entre Setembro de 2001 e Junho de 2003, e que consubstanciaram a prática de “crime continuado” de “apropriação indébita previdenciária” p. e. p. pelos artigos 71º e 168º-A do Código Penal Brasileiro - cuja moldura penal abstrata é de pena de prisão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa -, tendo essa condenação alegadamente transitado em julgado em 27.11.2017.

5. E dizemos alegadamente porque, sem prescindir de, nos documentos remetidos aos autos pela Republica Federativa do Brasil, após solicitação do Ilustre Procurador-Geral Adjunto, constar esse trânsito em julgado, certo é que existem nos autos de detenção apenso a este, e cuja cópia foi junta aos autos prelo requerido, documento autêntico contendo informação diversa, no caso no mandado de detenção do Requerido, comunicado às autoridades portuguesas e com base no qual se procedeu à sua detenção, emitido pela Interpol à data de 4 de Outubro de 2019, com as referências Control No: A-10279/10-2019, Requesting Country: Brazil, File No: 20199/10..., mais concretamente na sua página 2/2, no campo "Conviction/sentence", resulta que, de acordo com informação aí feita consignar pelas autoridades brasileiras, no âmbito do mandado de detenção emitido, a Sentença em causa não transitou em julgado, podendo o arguido, aqui requerido, ver o seu Julgamento repetido, o que é manifestamente contrário a todas as outras informações feitas chegar ao processo no âmbito deste processo de extradição. No entanto, importa frisar que foi com base nesta informação remetida as autoridades portuguesas que o aqui Requerido foi detido.

6. Ora, sem prescindir, o Requerido foi julgado e condenado pela Justiça Brasileira pelo cometimento de crime correspondente ao ilícito criminal previsto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 105º, ex vi artigo 107º do RGIT, nomeadamente, “Abuso de confiança contra a Segurança Social”, com moldura penal aplicável abstrata de 1 (um) a 5 (cinco) anos de prisão;

7. Neste seguimento, cumpre versar sobre a prescrição do procedimento criminal, a qual, atento o disposto nos artigos 3º, n° 1 al. d), da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e o art. 8.º, n.º 1, al. c), da Lei 144/99 de 31 de Agosto, constitui fundamento de inadmissibilidade da extradição atenta a legislação quer do Estado requerente como do Estado requerido e constitui fator de recusa da cooperação judiciária por parte do Estado Português;

8. Assim, atento o disposto nos artigos 118º e 119º do Código Penal português, mais concretamente e respetivamente na al. b) do n.º1 e na al. b) do n.º 2, uma vez que o Requerido foi condenado a 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, neste caso em concreto, e tendo em conta a moldura penal do crime em apreço, o procedimento criminal encontrar-se-ia prescrito 10 anos após o dia da prática do último ato, ou seja, estando perante um crime continuado, o prazo de prescrição iniciou-se no dia 31 de Junho de 2003 e culminou no dia 31 de Junho de 2013, uma vez que salvo o devido respeito e melhor opinião, não se deverá consideraras causas de interrupção previstas no ordenamento brasileiro, mas simas previstas no nosso ordenamento jurídico, sob pena de restrição ou compressão dos direitos do aqui recorrente;

9. Acresce que, no presente caso, não ocorreu a prescrição do procedimento criminal, nem da pena, quer no direito brasileiro, quer no direito português, como vimos supra quanto a este último;

10. O crime pelo qual o recorrido foi julgado e condenado consumou-se no dia 30 de junho de 2003. O Ministério Público Brasileiro deduziu a denúncia em 22 de março de 2007, sendo que o requerido foi notificado da denúncia e condenado em 1ª instância, em 06-09-2013, a qual veio alegadamente a transitar em julgado em 27-11-2017;

11. Como bem refere o Venerável Tribunal a quo, “nos termos da lei brasileira, o crime cometido pelo arguido prescreve no prazo de 12 anos (art. 109º, II, do CP Brasileiro)”;

12. A denúncia é causa de interrupção da prescrição, nos termos do art. 117º, I do Código Penal Brasileiro;

13. Contudo, ao contrário do que preconiza o Venerável Tribunal da Relação do Porto, no caso concreto, tendo em conta a legislação em vigor a data da prática do crime (30 de Junho de 2003), não é causa de interrupção da prescrição, a publicação da sentença ou acórdão condenatório, nos termos do artigo 117º, IV, do Código Penal Brasileiro, uma vez que esta causa de interrupção só foi introduzida no referido artigo 117º, pela Lei N.º 11.596, de 29 de Novembro de 2007, pelo que nos termos do artigo 2º do Decreto-Lei  2.848, de 7 de Dezembro de 1940, com a redação dada pela Lei n.º 7.209, de 11.7.1984, a contrario senso, alei posterior, que  de qualquer modo desfavorece o agente, não se aplica aos fatos anteriores;

14. Ora, nos termos do parágrafo 2º do mesmo preceito legal, nas situações acima referidas, interrompido o prazo da prescrição, todo o prazo volta a correr a partir do dia da interrupção, sendo certo que no caso concreto, tendo em conta estes factos e legislação aplicável, podemos concluir que, à luz do Direito Brasileiro, “o crime” estava prescrito quando alegadamente transitou em julgado a condenação final (em 27.11.2017);

15. Na verdade, o prazo de prescrição iniciado em 30-06-2003 (consumação do crime) interrompeu-se em 23-07-2007 (com a denúncia), tendo então começado a correr novo prazo de 12 anos. Este novo prazo não mais foi interrompido, pelo que o procedimento criminal já estava prescrito quando transitou em julgado a decisão final;

16. Sem prescindir, é nosso entendimento, e quanto à prescrição à luz do direito português, não se pode equiparar a denúncia do MP brasileiro à acusação pública do processo penal português, pelo que não se deve considerar que o prazo de prescrição se interrompeu após a notificação do requerido da denúncia e esteve suspenso durante 3 anos, pelo que, à luz da lei portuguesa, o prazo de 10 anos de prescrição estabelecido na al. b do n.º 1 do artigo 118º do mesmo C.P, igualmente consagrado na sua versão original e vigente à data dos factos, já se tinha esgotado;

17. Pelo exposto, encontrando-se prescrito o procedimento criminal, a extradição do Requerido sempre consubstanciará uma violação dos princípios que regem a ordem pública internacional do Estado Português, nomeadamente da Convenção de Extradição entre o Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e da Lei 144/99 de 31 de Agosto, bem assim, uma violação dos direitos, liberdades e garantias do Requerido com a qual um Estado de Direito democrático não pode compactuar;

18.Acresce que, com o devido respeito e salvo melhor opinião, o Venerável Tribunal a quo fez uma interpretação inconstitucional do disposto no artigo 12º da Lei 144/99, de 31 de Agosto, e do artigo 3º, alínea f) da Convenção de Extradição entre os Estados da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa, no sentido de ser aplicável motivos de interrupção ou de suspensão da prescrição mais desfavoráveis para o extraditando/requerido em detrimento dos mais favoráveis, podendo o Tribunal optar entre aplicar a legislação do Estado requerente ou do Estado requerido de acordo com o seu livre arbítrio e sem respeitar o principio da aplicação da lei mais favorável, violando o disposto nos artigos 29º, n.º 4 e 32º, n.º 1 da CRP, o que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos;

19.Sem prescindir, o Requerido tem um percurso cumpridor, apenas interrompido por estes factos sendo certo que tudo fez para regularizar a situação contributiva em causa;

20. É pessoa honesta e trabalhadora, tendo a sua vinda ocorrido em 28.08.2017 com destino a Portugal, mas com breve e precedente passagem por ... onde foi submetido a tratamento médico, o que tudo aconteceu antes do trânsito em julgado da condenação, em processo em cujo julgamento não esteve presente, e cujo cumprimento é fundamento do pedido de extradição de que se deduz oposição, e com o objetivo de iniciar um novo percurso profissional e pessoal distante do seu anterior ambiente no qual se encontrava a sucumbir a um grave transtorno depressivo, pelo que nunca o Requerido se quis furtar às suas responsabilidades, nem a sua vinda para Portugal constituiu um plano de fuga;

21. Mais acresce que o Requerido se encontra plenamente integrado em solo português, tendo inclusivamente preparado a vinda para território nacional do seu agregado familiar que conta com dois filhos menores, os quais ainda se encontram no Brasil por motivos de conclusão do presente ano letivo que frequenta;

22. Por cá, o Requerido entretanto constituiu a Sociedade empresarial: “P..., Lda.”;

23. Por sua vez, no que ao objeto do Processo pelo qual o Requerido foi condenado importa, denota-se que as contribuições em dívida pelas quais foi o Requerido condenado pelos Órgãos Judiciais Brasileiros competentes, as quais, reitere-se, apenas sucederam por motivos de concorrência desleal e pela predileção em cumprir primeiramente com o seu dever de entidade empregadora e saldar os salários dos seus trabalhadores, encontram-se à data e desde meados do ano de 2008, regularizadas a 85% da sua totalidade, não tendo sido logrado o seu pagamento integral uma vez que o Requerido foi afastado da gestão das suas empresas, por intervenção estatal, perdendo o acesso a toda e qualquer documentação pertinente. Ademais, no que de resto concerne aos mencionados comprovativos de pagamento, o Requerido tem vindo a requerer ao Tribunal o acesso aos mesmos para fazer prova do alegado;

24. Sem prescindir, para além da vontade do Requerido, mais releva que a inserção do mesmo na sua atual comunidade foi célere e pacífica, não se pressupondo qualquer risco futuro para a mesma com a sua estadia em Portugal, pelo que não são de prever reações negativas à sua permanência, desconhecendo-se quaisquer sentimentos de rejeição ou hostilidade à sua presença, pelo que, a conservação deste cenário não obstará para a preservação da ordem e da paz social;

25. Não obstante, o Requerido encontra-se a completar 65 anos de idade no presente ano civil, sendo já pessoa idosa e ainda em recuperação da sua condição médica, pelo que a sua extradição para cumprimento de prisão converge com as necessidades e cuidados de que o Requerido não prescinde. Mais importa que, o Requerido carece de conviver com os seus entes queridos, particularmente, com os seus filhos menores, os quais se virá impedido de ver crescer;

26. Pelo exposto e atendendo à realidade do sistema prisional brasileiro, caracterizado pela violência, sobrepopulação prisional, carência de assistência médica e higiene e acelerada disseminação de doenças, considerámos haver fundadas razões de que o Requerido, se extraditado - o que só se coloca para efeitos de raciocínio -, cumprirá a pena em condições desumanas, em desrespeito pela salvaguarda dos Direitos Humanos, vendo ofendida a sua dignidade e potencialmente o seu Direito à vida. O Requerido ao ser extraditado para cumprimento de pena num Estabelecimento Prisional do país Requerente é colocado numa posição particularmente vulnerável atendendo à sua idade, condição salutar e percurso de vida, a qual não abona em benefício dos preceitos primordiais do Direito Penal português e brasileiro, a ressocialização do indivíduo e a preservação da paz social. Neste contexto importa a afirmação de que “aquele que cumpre uma pena de prisão é desinvestido profissional e familiarmente, sofre o contágio prisional, fica estigmatizado com o labéu de ter estado na prisão e não é compensado, muitas vezes, com uma efetiva socialização”. Para além de que a privação da liberdade tem um peso diferente consoante a personalidade de quem a sofre, sem que essa diferente “sensibilidade à privação da liberdade” seja adequadamente levada em conta na medida da pena;

27. Por conseguinte, atendendo às circunstâncias pessoais do agente, à idade, ao arrependimento, a vontade e tentativa real de regularizar integralmente a situação de débito que antecedeu à sua condenação, bem como pelo facto de que com o decurso deste processo o recorrente ganhou consciência do seu erro e sobre quais as consequências de qualquer atuação ilícita ou à margem da lei por mais que sejam decorrentes de boas intenções, é nosso entendimento que não deve ser dado provimento ao presente pedido de extradição;

28. No que ao sistema carcerário concerne, particularmente ao brasileiro, atendidos os estudos realizados, os quais sustentam a caracterização supra mencionada, é irrefutável a conclusão de que o mesmo desprepara e desambienta o condenado da realidade externa, promovendo, em larga escala, a desenvoltura para a prática de outros crimes, possivelmente até mais violentos;

29. Ademais, o ainda atual contexto de proliferação de infeções pelo vírus SARS-CoV2 é elemento extraordinário mas impreterível de ser ponderado no presente processo de extradição, devendo ter-se em conta a idade avançada do Requerido, o seu estado estado de saúde débil, mas, primordialmente, o risco que a extradição para o Brasil - onde se registam totais superiores a 30 milhões de infetados e 660 mil óbitos - pode causar à vida do mesmo. Assim, os estabelecimentos prisionais que, como referido, se caracterizam pela sobrelotação e falta de condições higiénicas, afiguram-se como locais particularmente temerários;

30. Por tudo o exposto e atendidos os princípios da proporcionalidade e razoabilidade constitucionalmente determinados, é a extradição do Requerido inaceitável, não devendo, com o devido respeito, ser a mesma decretada, uma vez que viola o disposto o preceituado nos diplomas legais vigentes e consubstancia um risco para o Requerido;

31. Pelo exposto, a extradição do Requerido sempre consubstanciará uma violação dos princípios que regem a ordem pública internacional do Estado Português e, bem assim, uma violação dos direitos, liberdades e garantias do Requerido com a qual um Estado de Direito democrático não pode compactuar;

32. Não estando diretamente fixados os critérios internos para a recusa, socorremo-nos do disposto no art. 40º, n.º 1 do Código Penal português e na afirmação da reintegração do agente na sociedade como uma das finalidades das penas. Por sua vez, o disposto no art.18º, n.º 2 da Lei 144/99, de 31 de Agosto, estabelece critérios para a denegação facultativa da cooperação internacional, que se aproxima, da recusa facultativa de execução do mandado de detenção internacional quando a execução da pena no Estado da emissão possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal;

33. O Recorrente criou raízes no nosso País, onde está plenamente integrado, o que constitui, salvo o devido respeito, fundamento bastante para rejeitar o cumprimento da pena num país de onde está totalmente desenraizado e, por consequência, recusar a sua extradição;

34. Assim, declaramos que estão reunidos os pressupostos para que não se proceda à extradição do Requerido pelo que o cumprimento da pena em que o Requerido veio condenado deve ser, quanto muito e sem prescindir o supra referido quanto à prescrição e à regularização da situação contributiva (que é fundamento de extinção da pena mesmo após o trânsito nos termos da Lei Brasileira) cumprida em Portugal, o que será requerido pelos mecanismos legais ao dispor;

35. Disposições violadas: Foram violados os artigos 118º e 119º do Código Processo Penal, 12º da Lei 144/99, de 31 de Agosto, e do artigo 3º, alínea f) da Convenção de Extradição entre os Estados da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa, e 29º, n.º 4 e 32º da Constituição da República Portuguesa e as demais disposições que V. Exias suprirão.

Termina pedindo o provimento do recurso e, por via disso, a revogação do acórdão recorrido, substituindo-se por outra que recuse a sua extradição nos termos peticionados.

III. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:

4.1. O acórdão recorrido não enferma de qualquer vício invalidante, nem aplicou normas ou fez uma interpretação aplicativa inconstitucional das normas do Código Penal Português, da CECPLP ou da Lei n.º 144/99, de 31.8, sem prejuízo de se conceder poder ter essa interpretação ocorrido relativamente ao artigo 12º, n.º 1, desta última Lei, mas cuja aplicação se mostra desnecessária para afirmar a não prescrição do procedimento criminal;

4.2. Efetivamente, a decisão condenatória que fundamenta o pedido de extradição do recorrente transitou em julgado em 24.11.2017, antes, portanto, da prescrição do procedimento criminal relativo ao crime pelo qual nela foi condenado, à luz dos ordenamentos jurídicos de Portugal e do Brasil, que só ocorreria em 2019, não tendo igualmente prescrito a pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses que lhe foi aplicada;

4.3 Não se verificando qualquer outra causa extintiva do procedimento e da pena, nem fundamento válido impeditivo do cumprimento pelo Estado Português da obrigação de extradição resultante do artigo 1º da CECPLP, ou justificativo de recusa, obrigatória ou facultativa, da extradição pedida, à luz das causas taxativamente previstas nos artigos 3º, 4º e 22º da mesma Convenção, ou mesmo concedendo, à cautela, a sua aplicação subsidiária, nos termos das pertinentes normas da Lei n.º 144/99, de 31.8, nomeadamente do seu artigo 18º, n.º 2.

4.4. Deve, por conseguinte, julgar-se o recurso improcedente.

III. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça e, no exame preliminar a Relatora ordenou que os autos fossem aos vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

Fundamentação

Factos

IV. Do acórdão sob recurso resultam assentes os seguintes factos e ocorrências processuais relevantes:

a) No âmbito do Processo nº ...03, o requerido foi condenado por sentença proferida pela ... Vara Federal ..., do Estado ..., revista por decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, de 29 de maio de 2016, confirmada por acórdão do Superior Tribunal de Justiça, transitado em julgado no dia 27.11.2017, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão, a ser cumprida, inicialmente, em regime semiaberto, pela prática dos seguintes factos:

«O condenado, na qualidade de sócio administrador da Empresa de ônibus S..., Lda., deixou de recolher, nas épocas devidas, contribuição social descontada dos salários dos empregados, relativos às competências de 09/2001 a 06/2003».

b) Os factos sumariamente descritos integram a prática pelo requerido de um crime de não pagamento à Previdência Social das contribuições recolhidas dos salários dos trabalhadores /contribuintes, previsto e punido pelo artigo 168º-A, §1º, inciso I, c.c. artigo 71º, ambos do Código Penal Brasileiro, aprovado pela Lei n.º 2848, cuja moldura penal abstrata é de 2 (dois) a 5 (cindo) anos de reclusão/prisão e multa.

c) Segundo o direito português os factos descritos são integradores do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelo artigo 105º, n.ºs 1 e 5, da Lei n.º 15/2001, de 5.6 (RGIT), ex vi do seu artigo 107º, a que corresponde, em abstrato, pena de prisão até 5 (cinco) anos.

c) A República Federativa do Brasil solicita ao Estado Português a extradição deste seu nacional, ao abrigo da Convenção de Extradição CPLP, para efeitos de cumprimento integral da pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão, a cumprir, inicialmente, em regime semiaberto, em que o mesmo foi condenado por decisão transitada em julgado.

d) Apresentado o pedido, veio o Governo Português, através do Despacho de 7 de fevereiro de 2022, de Sua Excelência a Ministra da Justiça, e que deu entrada na Secretaria do Tribunal da Relação do Porto em 21.02.2022, conforme carimbo aposto no ofício que o acompanhou, a autorizar o prosseguimento do processo de extradição para a República Federativa do Brasil do cidadão brasileiro requerido.

e) Na legislação penal brasileira ao crime aqui em apreço não corresponde pena de morte, nem pena ou medida de segurança com carácter perpétuo e, quer na legislação deste país, quer na legislação penal portuguesa, é o mesmo punível com pena privativa de liberdade superior a um ano.

f) Sendo que, nem o procedimento criminal por esse crime, nem a pena aplicada por sentença transitada em julgado, se encontram extintos, designadamente por prescrição, amnistia, indulto ou perdão, quer nos termos da legislação penal portuguesa, quer nos termos da legislação penal brasileira.

g) Nem pendendo pelos tribunais portugueses qualquer processo criminal contra o extraditando pelos factos que fundamentam o presente pedido.

h) O crime em causa consumou-se no dia 30 de junho de 2003;

i) O Ministério Público Brasileiro deduziu a correspondente denúncia em 22 de março de 2007, a qual foi notificada ao requerido

j) O requerido foi condenado em 1ª instância em 6-9- 2013 e publicada em 17-9-2013 - cfr. documentação certificada pelas competentes autoridades judiciárias brasileiras e junta ao processo por requerimento de 31 de março de 2022.

k) A decisão proferida contra o extraditando transitou em julgado em 27-11-2017 – cfr. certidão junta aos presentes autos.

Direito

V. Como sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação que apresentou (art. 412.º, n.º 1, do CPP).

Ora, analisadas as conclusões do recurso apresentado pelo requerido para o STJ, verifica-se que foram colocadas as seguintes questões:

1.º- que a condenação/sentença em que se baseia o pedido de extradição não terá transitado em julgado face ao teor do mandado de detenção do requerido, emitido pela Interpol em 4.10.2019 (onde consta, face a informação prestada pelas autoridades brasileiras, que a sentença em causa não transitou em julgado), pelo que pode ver o julgamento repetido, o que é contrário a todas as informações prestadas e feitas chegar ao processo de extradição;

2.º-sem prescindir, não é admissível a extradição por, entretanto, ter ocorrido a prescrição do procedimento criminal, quer considerando a legislação do Estado requerente, quer a do Estado requerido (no caso da Estado requerido, ou seja, em Portugal não devem ser consideradas as causas de interrupção previstas no ordenamento brasileiro, mas as previstas no ordenamento português, sob pena de restrição ou compressão dos direitos do recorrente, nem a denúncia brasileira pode ser equiparada à acusação, pelo que a prescrição do procedimento criminal ocorreu em 31.06.2013 e, ao entender de forma diferente, fazendo uma opção por causas de interrupção mais desfavoráveis ao requerido, o Tribunal da Relação fez uma interpretação inconstitucional do disposto no art. 12.º da Lei n.º 144/99, de 31.08 e art. 3.º, al. f) da CECPLP, violando o disposto nos arts. 29.º, n.º 4 e 32.º, nº 1, da CRP; no caso do Estado requerente, como a causa de interrupção da prescrição da publicação da sentença ou acórdão condenatório só foi introduzida no art. 117.º do CP brasileiro pela Lei n.º 11.596, de 29 de Novembro de 2007 e devendo aplicar-se apenas as causas de interrupção vigentes à data da prática dos factos ocorridos em 30.06.2003, isso significa que, apenas conta a causa de interrupção da denúncia ocorrida em 23.07.2007, pelo que mesmo contando novo prazo de 12 anos, o procedimento criminal estava prescrito quando transitou a sentença);

3.º - sem prescindir, tem um percurso cumpridor, apenas interrompido por estes factos, tudo tendo feito para regularizar a situação contributiva em causa;

4.º- sem prescindir, alega que estando integrado em Portugal, onde com 65 anos está a recuperar a sua condição de saúde, a sua extradição para cumprimento da pena em prisão brasileira (caracterizadas além do mais pela violência, falta de condições humanas, sobrepopulação prisional, carência de assistência médica e de higiene, disseminação de doenças) seria inaceitável, considerando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, não devendo ser decretada por o colocar em risco e fazer o Estado português incorrer em responsabilidade por decidir extraditar uma pessoa que corre o risco de ser sujeita a tratamentos desumanos no Estado requerente, além de também consubstanciar uma violação dos princípios que regem a ordem pública internacional do Estado Português, além dos próprios direitos, liberdades e garantias do requerido com o que um Estado de direito democrático não pode compactuar;

5.º- tendo criado raízes em Portugal estão reunidos os pressupostos para não ser decretada a sua extradição, a qual deve ser recusada e, sem prejuízo da alegada prescrição e regularização da situação contributiva, deve ser autorizado o cumprimento da pena em Portugal, o que será requerido pelos mecanismos legais ao dispor.

Vejamos então, sendo certo que praticamente quase todas essas questões já haviam sido colocadas perante a Relação do Porto, a qual no acórdão sob recurso se pronunciou nos seguintes termos:

2.2.1. A República Federativa do Brasil formulou um pedido de extradição do cidadão de nacionalidade brasileira, acima integralmente identificado, condenado nesse país na pena de três (3) anos e nove (9) meses de prisão, a ser cumprida inicialmente em regime semiaberto, pela prática de um crime previsto no art. 168-A, parágrafo 1º inciso I, cc. Artigo 71º do Código Penal Brasileiro, cuja moldura abstracta é de dois a cinco anos de reclusão e multa.

2.2.2. O extraditando não deu o seu consentimento à pretendida extradição, tendo deduzido oposição escrita, onde alegou, em síntese, (i) ocorrer a prescrição do procedimento criminal e (ii) haver razões para a inadmissibilidade de extradição, quando a mesma possa levar a tratamento desumano, ou quando existam razões de política criminal (em que se entenda que a pena realiza mais facilmente a sua finalidade se for executada no país onde a pessoa condenada tem melhores ligações -no caso, Portugal) que justifiquem a recusa da extradição. Mais refere (nas alegações finais) que (iii) de acordo com os documentos do Estado requerente, consta que a sentença em causa não transitou em julgado, podendo o arguido requerente ver o julgamento repetido, o que contraria todas as demais informações; (iv) irá demonstrar que regularizou a sua situação tributária, o que levará à extinção da pena e (v) pretende cumprir a pena em Portugal, onde criou raízes.

2.2.3. Por seu turno, o MP junto desta Relação tomou posição no sentido de não ter ocorrido a prescrição, quer à luz do direito português, quer do direito brasileiro; não estarem provados, no caso, os perigos e condicionamentos a que o requerido alude na oposição, caso cumpra a pena no Brasil e, caso seja viável o cumprimento da pena em Portugal, deve, para tanto, tal pedido ser dirigido às autoridades brasileiras (competentes), nos termos dos artigos 95º a 103º da Lei 144/99, de 31 de Agosto.

Vejamos.

Antes de mais, cumpre esclarecer que a referência à falta de trânsito em julgado da decisão condenatória (sublinhada pelo requerido nas alegações finais) só é explicável por manifesto lapso. Consta efectivamente dos autos certidão detalhada das peças processuais e do respectivo trânsito em julgado – cf. pág. 76 dos documentos probatórios juntos pelo MP.

2.2.4. O Tribunal é competente – art. 49º, 1 da Lei 144/99, de 31 de Agosto.

2.2.5. É aplicável a Convenção de Extradição entre o Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa, assinada na Cidade da Praia, em 23 de Novembro de 2005 e publicada no DR 1º Série, n.º 178, de 15 de Setembro de 2008. Esta Convenção substitui, no que respeita aos Estados aos quais se aplica, as disposições de tratados, convenções ou acordos bilaterais que, entre dois Estados Contratantes, regulem matéria da extradição – art. 25º, n.º 1. Subsidiariamente, isto é, em tudo o que não estiver regulado na Convenção, é aplicável a Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, que aprovou a lei de cooperação judiciária em matéria penal (art. 3º, 1).

2.2.6. Como decorre do art. 55º, 2, da Lei 144/99, de 31 de Agosto, a oposição “ pode fundamentar-se em não ser o detido a pessoa reclamada ou em não se verificarem os pressupostos da extradição”.

Não há quaisquer dúvidas sobre a identificação do extraditando, nem tal foi sequer posto em causa.

Nos termos do art. 2º, nº 1 da referida Convenção Internacional, exige-se que os factos em causa sejam puníveis em ambos os Estados (requerente e requerido) com pena privativa da liberdade, de duração máxima não inferior a um ano. E, nos termos do nº 2 do mesmo preceito legal, se a extradição for requerida para o cumprimento de uma pena privativa da liberdade, exige-se que a parte da pena por cumprir não seja inferior a seis meses.

No presente caso, o crime cometido pelo extraditando é punível com pena de prisão superior a um ano, quer na República Federativa do Brasil, quer em Portugal (art. 168-A, parágrafo 1º inciso I, cc, Artigo 71º do Código Penal Brasileiro e art. 105, n.º 1 e 5, por força do art. 107º da Lei 15/2001, de 5/6 - Regime Geral das Infracções Tributárias), estando por cumprir 3 anos e noves meses de prisão.

A circunstância de se ter determinado que a pena de prisão aplicada ao extraditando seria cumprida inicialmente em regime semiaberto, não afasta a sua natureza de pena de prisão. Como se disse no Acórdão do STJ, de 21-04-2021, (…) Trata-se de uma forma de cumprimento de pena de prisão (mais propriamente pena de reclusão nos termos do C.P. Brasileiro) que não altera a natureza de pena privativa da liberdade, estando, portanto, incluída no indicado artº da Convenção, artº 33º do C.P. brasileiro onde se prevê o regime semi-aberto está, aliás, inserido na secção I do capítulo I do título V do C.P. brasileiro que prevê as penas privativas da liberdade, sendo que nos termos do artº 32º as penas podem ser I privativas da liberdade, II restritivas de direitos, III de multa, sendo que tal artº 33º, na parte que nos interessa tem a seguinte redacção:

“SEÇÃO I Das Penas Privativas de Liberdade Reclusão e detenção

Art. 33. A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.

§ Considera-se:

a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média;

b) regime semiaberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar;

c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado.

§ As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:

a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;

b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto;

c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

§ A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código.”

Não há, pois, qualquer dúvida que estamos perante o cumprimento de uma pena privativa da liberdade, independentemente do tipo de estabelecimento em que a mesma é cumprida ou dos termos concretos em que é executada.

(…) ”.

Verificam-se, assim, os requisitos previstos no citado art. 2º da Convenção, ou seja, os factos praticados pelo extraditando possibilitam a extradição: são puníveis em ambos os Estados (requerente e requerido) com pena privativa da liberdade de duração máxima não inferior a um ano e a parte da pena por cumprir é superior a seis meses.

2.2.7. Os motivos da recusa vêm previstos nos artigos 3º, sob a epígrafe “inadmissibilidade da extradição” e 4º, sob a epígrafe “recusa facultativa de extradição” da Convenção aplicável.

2.2.8. O arguido, na sua oposição, pede que seja recusada a extradição, alegando que o crime por que foi condenado está prescrito, o que é uma causa de inadmissibilidade da extradição; o cumprimento da extradição pode sujeitá-lo a tratamento desumano e os fins das penas justificam uma recusa facultativa; além disso, pretende regularizar a dívida tributária e cumprir a pena em Portugal.

2.2.9. Como acima referimos, o MP sustenta não haver prescrição do procedimento criminal e não existirem outros motivos de recusa da extradição, não sendo, por ora, viável o cumprimento da pena em Portugal.

2.2.10. Relativamente à prescrição, é verdade que nos termos do artigo 3º, 1, al. f) da citada Convenção, “não haverá lugar a extradição nos seguintes casos: f) Quando se encontrem prescritos o procedimento criminal ou a pena em conformidade com a legislação do Estado requerente ou do Estado requerido.”

No presente caso, não ocorreu a prescrição do procedimento criminal, nem da pena, quer no direito brasileiro, quer no direito português, como vamos ver.

O crime cometido pelo arguido (i) consumou-se no dia 30 de junho de 2003; (ii) O Ministério Público Brasileiro deduziu a denúncia em 22 de março de 2007; (iii) o requerido foi notificado da denúncia e condenado em 1ª instância, em 06-09-2013; (iv) a decisão final transitou em julgado em 27-11-2017.

Nos termos da lei brasileira, o crime cometido pelo arguido prescreve no prazo de 12 anos (art. 109º, II, do CPP Brasileiro).

A denúncia é causa de interrupção da prescrição, nos termos do art. 117º, I do Código de Processo Penal Brasileiro.

É igualmente causa de interrupção da prescrição, a publicação da sentença ou acórdão condenatório, nos termos do artigo 117º, IV, do Código de Processo Penal Brasileiro.

Nos termos do parágrafo 2º do mesmo preceito legal, nas situações acima referidas, interrompido o prazo da prescrição, todo o prazo volta a correr a partir do dia da interrupção.

Tendo em conta estes factos e legislação aplicável, podemos concluir que, à luz do Direito Brasileiro, “o crime” não estava prescrito quando transitou em julgado a condenação final (em 27.11.2017).

Na verdade, o prazo de prescrição iniciado em 30-06-2003 (consumação do crime) interrompeu-se em 23-07-2007 (com a denúncia), tendo então começado a correr novo prazo de 12 anos. Este novo prazo foi novamente interrompido em 17-09-2013 (publicação da condenação). Em 17-09-2013 começou assim a correr novo prazo de prescrição de doze anos, o qual ainda não se tinha ainda completado em 27-11-2017, quando transitou em julgado a decisão final.

Por outro lado, e quanto à prescrição à luz do direito português, o MP alega o seguinte: “ (…)

A denúncia do MP brasileiro constitui o equivalente da acusação pública do processo penal português, cuja notificação ao arguido, aqui requerido, constitui causa de suspensão e de interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 120º, n.º1, al. b), e 121º, n.º 1, al. b), do Código Penal (CP) português, sendo que a suspensão não pode exceder 3 anos, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 120º, exatamente como se encontrava previsto nessas normas, na redação que lhes foi dada pela Lei n.º 65/98, de 2.9, a vigente à data da prática do crime em apreço.

De onde decorre que o prazo de prescrição se interrompeu após a notificação do requerido e esteve suspenso durante 3 anos, pelo que, mesmo admitindo que à luz da lei portuguesa essa foi a única causa de interrupção e de suspensão do referido prazo, é bom de ver que, o prazo de 10 anos de prescrição estabelecido na al. b do n.º 1 do artigo 118º do mesmo C.P, igualmente consagrado na sua versão original e vigente à data dos factos, não se tinha ainda esgotado na data do trânsito em julgado

(…) ”.

Julgamos possível este entendimento, equiparando a “denúncia do Ministério Público” à acusação. Nessas condições, o procedimento criminal, de acordo com a lei portuguesa, não prescreveu antes do trânsito em julgado da decisão final, como demonstra o Exº Procurador-geral Adjunto.

Contudo, e mesmo que essa equiparação não seja possível, também não se verifica a prescrição do procedimento criminal face à lei portuguesa.

Com efeito, nos termos do art. 12º da Lei 144/99, de 31 de Agosto, “Produzem efeito em Portugal: os motivos de interrupção ou de suspensão da prescrição segundo o direito do Estado que formula o pedido. Por outro lado, nos termos do art. 3º, al. f) da Convenção de Extradição entre os Estados da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa, “Não haverá extradição quando se encontrarem prescritos o procedimento criminal ou a pena em conformidade com a legislação do Estado requerente ou do Estado requerido”.

Conjugando os referidos preceitos, julgamos que a sua harmonização é conseguida aplicando o prazo da prescrição prevista na Lei Portuguesa e as causas de interrupção ou suspensão previstas na Lei Brasileira.

Deste modo, e aplicando os referidos princípios, verifica-se que o procedimento criminal não prescreveu. Na verdade, esse prazo é de 10 anos (art. 118º, 1, b) do Código Penal); começou a correr em 30 de junho de 2003, interrompeu-se em 22-03-2007 e foi novamente interrompido em 17-09-2013.Portanto, quando a decisão final transitou em julgado, em 27-11-2017, não tinham decorrido dez anos entre 30-06-2003 e 22-03-2007, como não tinham decorrido 10 anos entre 17-09-2013 e 27-11-2017.

Mesmo aplicando o regime previsto no art. 121º, 3, do Cód. Penal Português, constata-se que entre 30-06-2003 e 27-11-2017 não decorreram quinze anos (prazo da prescrição de dez anos, acrescido de metade).

Portanto e em conclusão, verifica-se que, quer à luz do direito penal brasileiro, quer à luz do direito penal português, não ocorreu a prescrição do procedimento criminal.

Tendo em consideração a data do trânsito em julgado da decisão final condenatória – 27-11-2017 - também é certo e seguro que não ocorreu a prescrição da pena ou, como refere o Direito Brasileiro, “a prescrição após o trânsito da decisão”.

No direito Brasileiro, esse prazo é de 8 anos, a contar do trânsito em julgado (art. 109º, IV e 110 e 112º I, do CPP Brasileiro), pelo que a mesma não se mostra prescrita. No direito português, a pena prescreve em 10 anos, nos termos do art. 122º, c) do Código Penal Português (pena superior a 2 e inferior a 5 anos de prisão) e começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena (art. 122º, 2) do Código Penal. É assim claro que a pena não se mostra prescrita.

Improcede, deste modo, a alegação do requerido quanto à inadmissibilidade da extradição, por ter ocorrido, no caso, a prescrição do procedimento criminal.

2.2.11. Relativamente à existência de motivos para a recusa facultativa da extradição, importa sublinhar que é entendimento do STJ não ser aplicável, ao presente caso, o disposto no art. 18º da Lei 144/99, de 31 de Agosto, como se disse no acórdão acima citado:

“ (…)

Dispõe o artº 25º, 1, da referida Convenção que «A presente Convenção substitui, no que respeita aos Estados aos quais se aplica, as disposições de tratados, convenções ou acordos bilaterais que, entre dois Estados Contratantes, regulem a matéria da extradição.» Significa isto que não tem aplicação do artº 18º, 2, da L. 144/99 de 31/8, como bem se refere no ac. do S.T.J. de 30/10/2013: «da hermenêutica do preceito do artigo 4.º da Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa resulta que ali se indicam taxativamente as situações de recusa facultativa da extradição».

(…)

Tanto bastava para que a oposição fosse indeferida, uma vez que as razões invocadas pelo extraditando não cabem em qualquer das alíneas do artigo 4º da Convenção de Extradição aplicável.

2.2.12. Em todo o caso, mesmo que fosse subsidiariamente aplicável o regime do art. 18º, 2 da Lei 144/99, de 31 de Agosto, as razões invocadas pelo extraditando também não são bastantes para a “denegação facultativa da cooperação internacional”.

O referido art. 18º, 2 dispõe o seguinte:

Pode ainda ser negada a cooperação quando, tendo em conta as circunstâncias do facto, o deferimento do pedido possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou outros motivos de carácter pessoal”.

A jurisprudência do STJ tem entendido que «O afastamento do requerente da sua família por virtude da sua extradição não consubstancia - para efeitos do disposto no art. 8.º da CEDH - lesão ou prejuízo grave para o mesmo concretamente de grau superior àquele que aquela medida de cooperação normalmente implica. Por outro lado, não se poderão considerar consequências graves resultantes de outros motivos de carácter pessoal, aquelas consequências que são a regra para quem tem família e vai ter de cumprir uma pena de prisão.» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de janeiro de 2018, proferido no processo n.º 1331/17.6YRLSB.S1 e acessível em www.dgsi.pt.

O Supremo Tribunal de Justiça sublinhou ainda que - numa situação em que estava em causa um cidadão brasileiro - «Tendo cada país um regime político-criminal próprio os países subscritores

da Convenção da CPLP não deixaram de ter em conta uma comum identidade de princípios e valores de defesa dos direitos humanos quando reciprocamente se obrigaram à extradição enquanto forma de cooperação judiciária internacional em matéria penal, de forma a combater de forma eficaz a criminalidade. E no que respeita ao Brasil, que é hoje indiscutivelmente um país democrático, é desde logo a Constituição da República que no seu art.º 1.º garante a dignidade da pessoa humana, a independência dos poderes (legislativo, executivo e judiciário) (art.º 2.º), a regência das suas relações internacionais com prevalência dos direitos humanos (…) e a concessão de asilo político (art.º 4.º) -Ac. STJ de 7/9/2017, Proc. 483/16.7YRLSB.S1,

Daí que as razões invocadas pelo requerido como fundamento para a recusa facultativa da extradição, designadamente as razões de política criminal, no sentido de que a pena realiza mais facilmente a sua finalidade se for executada no país onde a pessoa condenada tem melhores ligações (segundo alega,”criou raízes no nosso País, onde está plenamente integrado”) não justifiquem a recusa do pedido de extradição, conforme se vê da recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.

Finalmente, deve dizer-se que a eventualidade da extinção da pena, através da regularização da dívida tributária (que, segundo alega, pretende fazer) não é motivo legal para a recusa da extradição e que a possibilidade de cumprimento da pena em Portugal é questão que (como referiu o MP nesta Relação) deverá ser requerida junto das autoridades Brasileiras competentes – cf. art. 95º, 2 da Lei 144/99, de 31 de Agosto.

Analisemos então as questões colocadas.

1.ª questão

Alega o recorrente que não há certezas quanto ao trânsito da condenação em que se baseou o processo de extradição, face às divergências (e não “lapsos” como se refere no acórdão sob recurso) existentes entre a documentação que foi enviada e junta aos autos de extradição e o mandado de detenção emitido pela Interpol em 4.10.2019, com base no qual foi detido, do qual resulta face a informação prestada pelas autoridades brasileiras, que a sentença em causa não transitou em julgado, pelo que pode ver o julgamento repetido.

No entanto, importa esclarecer que compulsada a documentação que foi enviada pelas autoridades brasileiras e que consta deste processo de extradição, não há dúvidas (como o recorrente bem sabe) que a sentença proferida em 29 de Maio de 2016, após a interposição de recursos (tanto pela defesa, como pelo Ministério Público), veio a transitar em 27.11.2017 no Superior Tribunal de Justiça, sendo o mesmo definitivamente condenado na pena privativa de liberdade de 03 (três) anos e 09 (nove) meses de reclusão, em regime semiaberto, e pagamento de 18 (dezoito) dias de multa, sendo cada dia de multa equivalente a um salário mínimo vigente na data dos factos, com expedição de prisão em desfavor do sentenciado, para o início do cumprimento da pena.

O facto de no mandado de detenção da Interpol que deu causa à sua detenção em Portugal constar que a sentença não transitou em julgado não invalida, nem retira valor à documentação que foi enviada pelas autoridades brasileiras e que se encontra junta a este processo de extradição, da qual resulta, sem margem para dúvidas, que o trânsito em julgado da condenação em causa ocorreu em 27.11.2017, de forma definitiva, já não havendo possibilidade de novo julgamento nos autos.

Assim, perante essa documentação junta a este processo de extradição, não tem razão o recorrente quando pretende defender que a condenação que sustenta o pedido de extradição não transitou em julgado.

Improcede, pois, essa argumentação do recorrente, uma vez que resulta claro dos autos que a sentença condenatória que está na base do pedido de extradição transitou em julgado em 27.11.2017.

2ª questão

Invoca o recorrente que não é admissível a extradição por, entretanto, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, ter ocorrido a prescrição do procedimento criminal, quer considerando a legislação do Estado requerente, quer a do Estado requerido.

Para tanto argumenta, em síntese, que, no caso da Estado requerido, ou seja, em Portugal, não devem ser consideradas as causas de interrupção previstas no ordenamento brasileiro, mas as previstas no ordenamento português, sob pena de restrição ou compressão dos direitos do recorrente, não podendo ser a “denúncia” brasileira equiparada à acusação, pelo que a prescrição do procedimento criminal ocorreu em 31.06.2013 e a entender-se de forma diferente, isso significa que o Tribunal da Relação optou por causas de interrupção mais desfavoráveis ao requerido, fazendo uma interpretação inconstitucional do disposto no art. 12.º da Lei n.º 144/99, de 31.08 e art. 3.º, al. f) da CECPLP, violando o disposto nos arts. 29.º, n.º 4 e 32.º, nº 1, da CRP; e, no caso do Estado requerente, como (na sua perspetiva) a causa de interrupção da prescrição da publicação da sentença ou acórdão condenatório só foi introduzida no art. 117.º do CP brasileiro pela Lei n.º 11.596, de 29 de Novembro de 2007 e apenas devem aplicar-se as causas de interrupção vigentes à data da prática dos factos ocorridos em 30.06.2003, isso significa que, apenas conta a causa de interrupção da denúncia ocorrida em 23.07.2007, pelo que mesmo contando desde esta última data novo prazo de 12 anos, o procedimento criminal estava prescrito quando transitou a sentença.

Pois bem.

Cremos que não assiste razão ao recorrente.

Com efeito, tendo em atenção a matéria de facto apurada e crime pelo qual foi condenado no Brasil, não há dúvidas que o crime correspondente em Portugal (como também o recorrente reconhece) é o de abuso de confiança contra a segurança social p. e p. no art. 105.º, n.º 1 e n.º 5, ex vi do art. 107.º, ambos do RGIT.

Atenta a moldura abstrata (de dois a cinco anos de reclusão e multa) do crime p. e p. no artigo 168.º-A, § 1.º, inciso I, c.c. artigo 71.º, ambos do Código Penal Brasileiro, o prazo regra de prescrição do procedimento criminal no ordenamento brasileiro é de 12 anos (art. 109.º, III, do CP brasileiro) e, uma vez que, no ordenamento jurídico português, corresponde ao crime p. e p. no art. 105º, n.ºs 1 e 5, da Lei n.º 15/2001, de 5.6 (RGIT), ex vi do seu artigo 107º, cuja moldura abstrata é de pena de prisão até 5 anos, o prazo regra de prescrição do procedimento criminal é de 10 anos (art. 118.º, n.º 1, al. b), do CP).

Analisando o regime da prescrição do procedimento criminal no domínio do ordenamento jurídico brasileiro, mesmo considerando a tese do recorrente, no sentido de atender apenas à causa interruptiva da denúncia do Ministério Público (art. 117.º, I, do CP brasileiro), temos que tendo ocorrido o recebimento da denúncia em 22 de Março de 2007, que foi notificada ao requerido, isso significa que ocorreu nessa data a interrupção da prescrição do procedimento criminal começando a correr novo prazo de 12 anos (art. 117.º, § 2, do CP brasileiro).

Assim sendo (fazendo o mesmo raciocínio do recorrente e partindo das suas premissas) forçoso é concluir que, no ordenamento jurídico brasileiro não prescreveu o procedimento criminal, uma vez que entre 23.03.2007 e a data do trânsito da sentença condenatória que ocorreu em 27.11.2017, não decorreu novo prazo de 12 anos.

Agora, no ordenamento jurídico português (mesmo na versão vigente à data dos factos, como pretende o recorrente), a notificação da acusação é causa de suspensão, a qual não pode ultrapassar 3 anos, e também é causa de interrupção da prescrição do procedimento criminal (art. 120, n.º 1, al. b) e n.º 2 e art. 121.º, n.º 1, al. b), do CP português), sendo certo que nos termos do art. 121.º, n.º 3 do CP português, “Sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 118.º, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.”

Analisando a denúncia do Ministério Público (peça que consta da documentação junta pelo Ministério Público a estes autos de extradição) verifica-se que corresponde claramente ao equivalente à dedução de acusação pública, que até foi notificada ao arguido, aqui recorrente.

E, como bem diz o Sr. PGA junto do TRP, na resposta ao recurso, “Dúvidas não podem, pois, subsistir quanto à identidade substantiva da denúncia prevista no processo penal brasileiro, a cargo do MP, com a acusação pública prevista no processo penal português, também a cargo do MP: em ambas se imputa aos denunciados/arguidos factos e circunstâncias de tempo, espaço e modo da respetiva prática, passíveis de integrar um crime, visando o respetivo julgamento por autoridade jurisdicional para aferir da respetiva verificação e responsabilidade penal do denunciado/acusado, como evidencia o confronto entre as pertinentes normas dos ordenamentos jurídicos aqui em confronto e da leitura da denúncia feita pelo MP brasileiro no processo que culminou na condenação do recorrente, oportunamente junta ao procedimento com aqueles demais elementos.

Sendo assim, tem essa ocorrência processual que ser analisada à luz da lei portuguesa, como o seria uma acusação pública deduzida pelo MP no processo penal português, com os inerentes efeitos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição do procedimento penal, conforme antes reiteradamente afirmado.”

De resto, só esse entendimento se conforma com o disposto no art. 12.º da Lei n.º 144/99, de 31.08 (como bem recorda o acórdão sob recurso) quando estabelece que: “Produzem efeito em Portugal: os motivos de interrupção ou de suspensão da prescrição segundo o direito do Estado que formula o pedido”.

Assim sendo, como bem diz o Sr. PGA na sua resposta ao recurso, “considerando o efeito suspensivo que a lei portuguesa também atribui à acusação/denúncia, até ao máximo de 3 anos, [mostra-se] inequívoco não ter [decorrido] o prazo máximo de 15 anos para a verificação da prescrição [do procedimento criminal] entre a data da consumação do ilícito, 30 de junho de 2003, e a data do trânsito da decisão condenatória, em 24.11.2017”.

Portanto, também à luz do ordenamento jurídico português, mesmo considerando apenas a causa da denúncia/acusação (visto o disposto art. 12.º da Lei n.º 144/99, de 31.08), não tinha ocorrido a prescrição do procedimento criminal.

Quanto à prescrição da pena também não há dúvidas que não ocorreu, atenta a pena aplicada e visto que a sentença condenatória transitou em 24.11.2017 como se viu (e, de resto, foi bem explicado no acórdão sob recurso, que não merece crítica), sendo certo que o recorrente também não colocou concretamente em causa essa parte da decisão.

Concluiu-se, pois, que não ocorre a prescrição do procedimento criminal, nem a prescrição da pena, quer à luz da legislação do Estado brasileiro, quer à luz da legislação do Estado português, improcedendo esse fundamento de recusa da extradição (art. 3, al. f) da CECPLP) invocado pelo recorrente.

Quanto à alegada interpretação inconstitucional, uma vez que aqui se desconsiderou a causa de interrupção da prescrição da publicação da sentença ou acórdão condenatório, introduzida no art. 117.º do CP brasileiro pela Lei n.º 11.596, de 29 de Novembro de 2007, falece essa crítica feita pelo recorrente à decisão sob recurso.

Mas, para além disso, como bem diz o Sr. PGA, na resposta ao recurso, a “afirmação da não verificação da prescrição em qualquer dos Estados dispensa a interpretação aplicativa lata que dela fez o acórdão recorrido”, o que significa que está prejudicada a questão da interpretação inconstitucional suscitada no recurso.

Ou seja, perante o raciocínio exposto neste acórdão não existe a interpretação inconstitucional do disposto no art. 12.º da Lei n.º 144/99, de 31.08 e art. 3.º, al. f) da CECPLP, aludida em sede de recurso.

3ª questão

Invoca, ainda o recorrente ter um percurso cumpridor, apenas interrompido por estes factos que foram objeto da condenação que tem por base este pedido de extradição, tudo tendo feito para regularizar a situação contributiva nela em causa.

Porém, como bem sabe o recorrente, esse motivo de ter regularizado parte da situação contributiva em dívida e impossibilidade de poder regularizar o que falta não serve como fundamento de recusa de extradição.

De resto, trata-se de matéria sobre a qual o Estado requerido não pode interferir.

Improcede, pois, essa argumentação.

4.º questão

Alega, ainda, o recorrente que estando integrado em Portugal, onde com 65 anos está a recuperar a sua condição de saúde, a sua extradição para cumprimento da pena em prisão brasileira (caracterizada além do mais pela violência, falta de condições humanas, sobrepopulação prisional, carência de assistência médica e de higiene, disseminação de doenças) seria inaceitável, considerando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, não devendo ser decretada por o colocar em risco e fazer o Estado português incorrer em responsabilidade por decidir extraditar uma pessoa que corre o risco de ser sujeita a tratamentos desumanos no Estado requerente, além de também consubstanciar uma violação dos princípios que regem a ordem pública internacional do Estado Português, além dos próprios direitos, liberdades e garantias do requerido com o que um Estado de direito democrático não pode compactuar.

Com esta argumentação está o recorrente a pretender invocar motivos para a recusa facultativa da extradição, esquecendo que não preenchem qualquer dos pressupostos previstos no artigo 18º da Lei n.º 144/99, de 31.8.

No entanto, no art. 4.º da CECPLP estabelecem-se outros motivos de recusa facultativa de extradição, que são taxativos, aí não se contemplando os previstos no artigo 18º da Lei n.º 144/99, de 31.8.

Não pode aqui o recorrente invocar, sequer supletivamente, os motivos da recusa facultativa previstos no artigo 18º da Lei n.º 144/99, de 31.8.

Tem sido essa, aliás, a jurisprudência seguida por este Supremo Tribunal de Justiça, esclarecendo-se, nomeadamente no ac. do STJ de 30.10.2013, proc. n.º 86/13.8YREVR.S1 (relator Oliveira Mendes)[1], que  a “«[…] Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa não prevê no seu artigo 4º […], norma que, sob a epígrafe de recusa facultativa de extradição, elenca as circunstâncias em que a extradição pode ser recusada, a possibilidade de recusa da extradição, tal qual sucede com o n.º 2 do artigo 18º da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, quando possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal. (…).”

Nesse aspeto, não se prevendo nessa Convenção de Extradição “a possibilidade de recusa da extradição por o seu deferimento poder implicar consequências graves para o visado, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal, ou seja, pelas razões concretamente invocadas pelo recorrente, o recurso terá de improceder nesta parte.”

O mesmo se diga quanto às alegadas más condições das cadeias brasileiras e sobre as alegadas condições pessoais, familiares e sociais de vida do recorrente, bem como sobre a invocada violação dos seus direitos fundamentais.

As causas de inadmissibilidade de extradição e de recusa facultativa estão previstas respetivamente nos arts. 3.º e 4.º da CECPLP.

E, nenhuma dessa matéria alegada pelo recorrente, que está por demonstrar, se integra em qualquer dessas causas previstas nos arts. 3.º e 4.º da CECPLP.

Por outro lado, visto o disposto no art. 25.º, n.º 1, da CECPLP, está afastada a aplicação do disposto no art. 18.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99 de 31/8.

Aliás, a CECPLP não prevê a possibilidade de recusa de extradição com fundamento no alegado mau ou péssimo ou desumano funcionamento do sistema prisional do Estado requerente do pedido de extradição.

O facto de o recorrente, cidadão brasileiro, ir cumprir a pena de prisão em que foi condenado em estabelecimento prisional no Brasil, uma República Federativa Democrática, e ficar nesse período afastado de Portugal, onde se inseriu profissionalmente e perspetiva integrar a sua família, mesmo interrompendo temporariamente o seu projeto de vida, não ofende os seus direitos fundamentais, antes é uma consequência normal de quem tem de cumprir pena de prisão[2], como tem entendido o STJ.

Acrescente-se, também, que não se provou matéria que preencha os pressupostos do art. 22.º da CECPLP, pelo que ao contrário do alegado pelo recorrente, não há motivo para o Estado requerido recusar o pedido de extradição, uma vez que não se vê que o seu cumprimento seja contrário à segurança, à ordem pública ou a outros seus interesses fundamentais.

Improcede, pois, a referida argumentação do recorrente.

5.º questão

Refere ainda o recorrente que tendo criado raízes em Portugal estão reunidos os pressupostos para não ser decretada a sua extradição, a qual deve ser recusada e, sem prejuízo da alegada prescrição e regularização da situação contributiva, deve ser autorizado o cumprimento da pena em Portugal, o que será requerido pelos mecanismos legais ao dispor.

Como já foi explicado nas respostas dadas às anteriores questões não há motivos de inadmissibilidade de extradição ou da sua recusa obrigatória ou facultativa.

Também como o recorrente bem sabe na CECPLP não está prevista a possibilitada de cumprir a pena em que foi condenado em estabelecimento prisional português, ou seja, está afastada a possibilidade de substituição da extradição pelo cumprimento da pena de prisão em estabelecimento prisional português (o que deve ser requerido no Estado requerente pelos meios próprios).

Conclui-se, assim, pela improcedência do recurso, sendo certo que não foram violados os princípios e normas invocados pelo recorrente.

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Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto por AA, mantendo-se integralmente o acórdão.

Sem custas (art.º 73º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31.08), sem prejuízo do disposto no art. 26.º n.º 2 als. b) a d) e n.º 4 do mesmo diploma legal.

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Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2 do CPP), sendo assinado pela própria, pelo Senhor Juiz Conselheiro Adjunto e pelo Senhor Juiz Conselheiro Presidente da secção.

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Supremo Tribunal de Justiça, 14.07.2022

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Cid Geraldo

Eduardo Almeida Loureiro

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[1] Ver, ainda, ac. do STJ de 22.04.2021, processo n.º 4/21.0YREVR.S1 (relator Eduardo Almeida Loureiro).
[2] Ver, neste sentido, entre outros, Ac. do STJ de 11.01.2018, processo n.º 1331/17.6YRLSB.S1 (relator Manuel Augusto Matos); ac. do STJ de 21.04.2021, processo n.º 5/21.8YREVR.S1(relator Sénio Alves).