Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3895/05.8TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
ARTICULADO SUPERVENIENTE
FACTOS SUPERVENIENTES
REVELIA
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
Data do Acordão: 06/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / ADMISSIBILIDADE DA REVISTA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2103: - ARTIGOS 573.º, 629.º, N.º 2, AL. D), 652.º, N.º 1, H), 655.º, N.º2, 671.º, N.ºS 1 E 2, 679.º.
LEI N.º 41/2013, DE 26 DE JUNHO: - ARTIGO 7.º, N.º1.
Sumário :
Não existe contradição de julgados, para efeitos de admissibilidade do recurso de revista ao abrigo do art. 629.º, n.º 2, al. d), do NCPC (2013), entre o acórdão da Relação que não admitiu um articulado superveniente, apresentado depois de decorrido o prazo da contestação pelo réu revel, com a justificação de que sob esse nome a parte veio, na verdade, deduzir uma impugnação tardia dos factos alegados pelo autor – ou seja, frustrar a preclusão que resulta do princípio da concentração da defesa e contornar a admissão por acordo resultante da falta oportuna de impugnação – e um outro acórdão da Relação que admitiu um articulado superveniente apresentado igualmente por um réu revel mas que justificou a sua admissão na circunstância de se tratar de factos supervenientes.
Decisão Texto Integral:
I. A fls. 2784 foi indeferido o recurso de revista interposto pela AA, Lda. nos seguintes termos:

«I. A fls. 2695 foi proferido o seguinte despacho:

“1. AA, Lda. interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 2676, que concedeu provimento ao recurso interposto do despacho de fls. 1764, da 1ª instância, que, julgando irrelevantes para a boa decisão da causa os factos supervenientes nele alegados, não admitira o articulado superveniente apresentado pelas rés The Coca Cola Company e The Coca Cola Export Corporation, a fls. 1656. A Relação pronunciou-se nestes termos:

«A atendibilidade de factos supervenientes do artigo 663º tem a ver com a alegação de novos factos, não com novas provas sobre factos anteriores. O articulado superveniente do artigo 506º idem.

Note-se que o demandado pode no articulado superveniente oferecer nova excepção, o demandante pode invocar nova causa de pedir.

A Autora invoca a celebração com as Rés de um contrato que qualifica de concessão comercial que se extinguiu por caducidade (não foi renovado). Trata-se de um contrato comercial, de distribuição, legalmente atípico, cujo regime é fixado em primeiro lugar pelas partes – concedente e concessionário – sem prejuízo da relevância de regras jurídicas gerais como sejam, entre outras, os artigos 217º e ss do C. Civil, a Lei das Cláusulas Contratuais Gerais. Quanto às consequências da cessação do contrato e da indemnização de clientela a jurisprudência e a doutrina mostram-se sensíveis à aplicação analógica do regime legal do contrato de agência (DL 178/86, de 3-7), mas casuística, e apenas quando seja de concluir pela sua identidade ou analogia com o caso omisso. Neste sentido Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, reimpressão 2009, pág. 450.

O cálculo do quantum desta indemnização não rejeita o concurso da equidade.

Atendendo aos factos em si, e aos objectivos das Rés, considerando os estádios actuais da Doutrina e da Jurisprudência, não se pode dizer que a invocação de tais factos novos, como excepção, seja de manifesto desinteresse para a boa decisão da causa.

Antes poderão ser úteis, e poderão até, dependendo da prova e da fundamentação expendida, vir a ser desconsiderados ou inócuos.

Mas esse é um juízo que não cabe fazer aquando da admissão do articulado.

Assim, o articulado superveniente das Rés é de admitir (artigo 506º, 4 do CPC), bem como os documentos com que o mesmo se faz acompanhar.»

1. As disposições do Código de Processo Civil citadas neste trecho pertencem ao Código que, ao tempo, se encontrava em vigor. Mas o acórdão recorrido, ele próprio, foi proferido em 2 de Julho de 2015, o que significa que a respectiva recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça se afere pelo actual Código (nº 1 do artigo 7º da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho).

Assim, a admissibilidade do presente recurso determina-se pela al. d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil, que, de entre os requisitos que enumera, exige desde logo que o acórdão recorrido se encontre “em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito”.

Para a demonstrar, a recorrente indica como fundamento o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20 de Março de 2014, proferido no proc. nº 4215/13.3TBBRG-A.G1, no qual se decidiu não ser admissível o articulado superveniente “com o qual” o réu que não contestou “pretende impugnar os factos que não foram em devido tempo objecto de impugnação”, ou seja, na contestação.

As recorridas opõem-se à admissão da revista, sustentando que a contradição não existe.

2. Na verdade, é plausível que não ocorra uma contradição que permita a admissão do recurso. Em ambos os casos se trata de um articulado superveniente apresentado por um réu que não contestou e, portanto, relativamente ao qual se encontrava precludida a defesa, nos termos do princípio da concentração (então constante do nº 1 do artigo 489º, hoje previsto no nº 1 do artigo 573º; em ambos os preceitos se ressalva a defesa superveniente, no nº 2). Foi a essa luz que o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães não admitiu que, através de um articulado designado de superveniente, o réu pretendesse ultrapassar a preclusão da defesa e vir impugnar tardiamente os factos constitutivos do direito do autor.

A situação considerada no acórdão recorrido parece ser diferente, por não se afigurar que, perante uma situação idêntica de as rés pretenderem impugnar os factos constitutivos do direito invocado pela autora, o acórdão recorrido tenha admitido o articulado superveniente, para uma impugnação tardia.

3. Assim, nos termos do nº 2 do artigo 655º, conjugado com o artigo 679º, convida-se a recorrente para responder, querendo, à inadmissibilidade suscitada.

Lisboa, 7 de Março de 2016

II. The Coca Cola Company e The Coca Cola Export Corporation vieram responder. Dessa resposta, interessa reter:

– Que as recorrentes sustentam que as situações de facto consideradas nos dois acórdãos são idênticas, porque em ambos os casos “os réus revéis deduziram factos novos impugnatórios dos factos deduzidos pelas autoras na petição inicial, pelo que são situações de facto passíveis de serem opostas”. Para o demonstrar, fazem: uma síntese no ponto 25 e seguintes, referindo os factos alegados no articulado superveniente (ponto 25); os direitos invocados na petição inicial (ponto 26); uma afirmação não concretizada de que os factos alegados no articulado superveniente não se podem considerar defesa por excepção, pois traduzem “defesa directa” ou “ataque de frente”; e concluem que, “em ambos os casos “ a que os acórdãos em confronto se referem “estamos perante factos novos que simplesmente contraria, (ainda que de forma justificada, ou como impugnação per positionem) os factos alegados pela autora, defendendo-se por impugnação por meio de articulado superveniente”;

– que, verificada a identidade” de situações de facto, “os acórdãos em causa respondem à situação fundamental de direito em sentidos opostos”;

– que o recurso é admissível.

III. Mas esta resposta não justifica a admissibilidade de recurso. Em primeiro lugar, e supondo que o ponto essencial da admissibilidade dos articulados supervenientes do réu, nos casos em confronto, se encontra na distinção entre defesa por excepção e defesa por impugnação, o que não é exacto, cabe observar que o que se indica no ponto 25 não é de forma alguma demonstrativo de se tratar de impugnação.

Na verdade, todavia, essa qualificação não releva. Releva, sim, a circunstância de ser ou não uma defesa – por impugnação ou por excepção, se for o caso – tardia, por referência ao princípio da concentração da defesa na contestação, como se esclarece no ponto 3 do despacho acima transcrito. O que o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães afirmou para justificação a não admissão do “articulado superveniente” apresentado depois de decorrido o prazo da contestação, pelo réu revel, foi que, sob o nome de articulado superveniente, ou de alegação de factos supervenientes, o réu veio, na verdade, deduzir uma impugnação tardia dos factos alegados pelo autor. Ou seja, frustrar a preclusão que desse princípio resulta, contornar a admissão por acordo resultante da falta oportuna de impugnação.

No acórdão agora sob recurso, repete-se, a admissão do articulado foi justificada na circunstância de se tratar de factos supervenientes. O que, por si só, é incompatível com a consideração de que a sua alegação, por referência ao princípio da concentração, traduz uma impugnação tardia.

IV. O recurso é, pois, inadmissível.

Assim, nos termos conjugados do disposto nos artigos 652º, nº 1, h), 671º, nºs 1 e 2 e 679º do Código de Processo Civil, julga-se extinto o recurso, por não ser admissível.

Custas pelas recorrentes.

Lisboa, 4 de Abril de 2016».

II. AA, Lda. veio reclamar para a conferência deste despacho, insistindo na verificação da oposição invocada como fundamento do recurso.

A reclamada pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação.

Não traz, no entanto, fundamentos novos, que careçam de ser apreciados.

Por essa razão, nos termos e pelos fundamentos indicados no despacho agora reclamação, indefere-se a reclamação, confirmando a decisão de rejeição do recurso, por não ser inadmissível.

Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) ucs.

Lisboa, 16 de Junho de 2016

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Lopes do Rego