Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
565/19.3PBTMR.E1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: MARGARIDA BLASCO
Descritores: RECURSO PER SALTUM
INCÊNDIO
REINCIDÊNCIA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 12/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO O RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Nos termos do art. 40.º, do CP, que dispõe sobre as finalidades das penas, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, devendo a sua determinação ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, de acordo com o disposto no art. 71.º, do mesmo diploma.
Como se tem reiteradamente afirmado, encontra este regime os seus fundamentos no art. 18.º, n.º 2, da CRP, segundo o qual a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (art. 27.º, n.º 2, da CRP), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos, – adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na justa medida, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva.
A projecção destes princípios no modelo de determinação da pena justifica-se pelas necessidades de protecção dos bens jurídicos tutelados pelas normas incriminadoras violadas (finalidade de prevenção geral) e de ressocialização (finalidade de prevenção especial), em conformidade com um critério de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade do facto praticado, avaliada, em concreto, por factores ou circunstâncias relacionadas com este e com a personalidade do agente, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele (arts. 40.º, e n.º 1, do 71.º, do CP).
A medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o art. 71.º, n.º 2, do CP considerar os factores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente os factores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objectivo e subjectivo – indicados na al. a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na al. b) (intensidade do dolo ou da negligência) –, e os factores a que se referem a al. c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a al. a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os factores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – factores indicados na al. d) (condições pessoais e situação económica do agente), na al. e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na al. f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto). Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes por via da prevenção geral, traduzida na necessidade de protecção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança da comunidade na norma violada, e de prevenção especial, que permitam fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento de novos crimes no futuro e assim avaliar das necessidades de socialização. Incluem-se aqui o comportamento anterior e posterior ao crime [al. e)], com destaque para os antecedentes criminais) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [al. f)]. O comportamento do agente, a que se referem as circunstâncias das als. e) e f), adquire particular relevo para determinação da medida da pena em vista das exigências de prevenção especial
II - O objecto do presente recurso – tal como definido pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação e que delimitam o objecto do recurso - cinge-se, unicamente, à apreciação da medida da pena aplicada que o recorrente considera excessiva, desproporcional e desajustada às finalidades da punição, tendo o Tribunal “a quo” violado o disposto nos arts. 40.º e 71.º, ambos do CP, pugnando pela sua redução para 5 anos de prisão, com imposição de acompanhamento médico em consultas de psicologia ou psiquiatria para tratamento do transtorno de personalidade diagnosticado, que permitam abordar as questões relacionadas com os comportamentos em causa nos autos, e dessa forma evitar-se a reincidência.
Para tal argumenta que, embora a perícia a que foi submetido o tenha considerado imputável à data da prática dos factos, foi dado como provado que, (…) no âmbito da perícia médico-legal a que o arguido foi submetido no dia 20-01-2020, se concluiu que o mesmo, apesar de manter à data da prática dos factos em causa nos presentes autos, capacidade para avaliar a ilicitude da sua conduta, é portador de uma perturbação da personalidade SOE. (…) concluindo “pela existência de uma perturbação de personalidade que, conjugada com os demais factos dados como provados, nomeadamente quanto às acentuadas limitações ao nível cognitivo, às dificuldades de reflexão e de utilização do pensamento consequencial, à instabilidade pessoal, ao acompanhamento em consultas de psicologia e psiquiatria anteriores e ao reconhecimento por parte do arguido de dificuldades em controlar os seus impulsos, deveriam conduzir a aplicação ao arguido de uma pena mais leve e direccionada ao acompanhamento e tratamento da perturbação de personalidade diagnosticada.”.
E, mais remete para (…) o Relatório Social efectuado pela DGRSP (onde se diz) que o processo de socialização do arguido decorreu num contexto familiar negativamente condicionado pelo consumo excessivo de álcool por parte do pai, que quando sob o efeito do mesmo, exibia comportamentos agressivos relativamente ao cônjuge e aos filhos e também devido a dificuldades económicas.(…).
Acrescenta que confessou os factos, verbalizou em sede de audiência de julgamento, o seu arrependimento, tem mantido um comportamento adequado no EP e “denota alguma consciência das consequências que daí advieram para todos os envolvidos, o que demonstra a possibilidade de um juízo de prognose favorável à sua reintegração na sociedade”.
Termina argumentando que o Tribunal a quo não teve em consideração estes factos e, em consequência, violou o disposto no art. 71.º, do CP relativamente à determinação da medida da pena que lhe foi aplicada.
III - Assim como se decidiu no acórdão recorrido, e o recorrente não contesta, mostram-se integralmente preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do tipo penal de crime de incêndio, p. e p. pelo art. 272.º, n.º 1, al. a), do CP o qual é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos. Mais foi considerado reincidente, o que também não contesta, de acordo com o previsto no art. 76.º, n.º 1, do CP, (o limite mínimo da moldura penal abstracta é elevado de 1/3, permanecendo inalterado o seu limite máximo) situando-se a moldura penal abstracta da pena entre os 4 e os 10 anos de prisão.
IV - Importa, assim, ponderar, à luz dos factos arrolados como provados, o seguinte:
-As exigências de prevenção geral, a circunstância de o crime de incêndio se tratar de crime praticado com alguma frequência, provocando forte alarme social, sendo certo que os danos se circunscreveram aos ecopontos e a dois veículos, onde o fogo foi deflagrado;
-As exigências de prevenção especial situam-se a um nível elevado, dado que, o arguido evidencia antecedentes criminais pela prática de crimes de natureza semelhantes ao presente, tendo a factualidade em apreciação ocorrido durante o período da liberdade condicional que lhe havia sido concedida a partir do dia 13.05.2019;
-O grau de ilicitude é média-alta, tendo em consideração os prejuízos causados e o dolo directo, por isso, intenso; recorde-se que a concreta actuação do arguido, ou seja, as circunstâncias do caso, o seu modo de actuação, não se cingiu a atear fogo uma vez, mas sim a criar 6 focos de incêndio, com sucesso;
- Quando à culpa, retira-se dos factos assentes que desde cedo o arguido teve contacto com o sistema de justiça tendo estado, inclusivamente, preso nos Estados Unidos da América, onde lhe foi também aplicada medida de afastamento deste país;
- Posteriormente, o arguido teve contacto com o sistema penitenciário, ocorrendo a sua primeira reclusão de 21-01-2002 a 21-09-2008;
- O arguido tem 2 antecedentes criminais registados: no âmbito do PCC n.º AA do extinto Tribunal Judicial de Ponte da Barca, por acórdão transitado em julgado em 11-03-013, na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão efetiva, pela prática de 1 crime de incêndio, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 272.º, n.º 1, al. a), 22.º e 23.º, do CP, de 1 crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do CP e de 7 crimes de dano, p. e p. pelo art. 212.º, n.º 1, do CP, por factos praticados em 12-04-2012; o arguido cumpriu pena de prisão efetiva à ordem do referido processo entre o dia 13-04-2012 e o dia 13-05-2019, data em que obteve a concessão de liberdade condicional, mediante regras de conduta, pelo período compreendido entre o dia 13-05-2019 e o dia 13-10-2020;
- O arguido denota dificuldades de reflexão e de utilização do pensamento consequencial, reconhecendo dificuldade em controlar os seus impulsos;
- O arguido beneficia de apoio familiar, e goza de uma imagem positiva na comunidade;
- O arguido confessou espontânea e integralmente os factos, tendo contribuído para a descoberta da verdade material;
-No estabelecimento prisional, onde se encontra preso preventivamente à ordem do presente processo, desde 18-12-2019, tem mantido comportamento de acordo com as normas, sem registo de infrações disciplinares;
- A nível laboral, exerce a atividade de faxina da ala, sendo referenciado como mantendo um relacionamento adequado quer com companheiros de reclusão, quer com os funcionários do estabelecimento prisional;
- No âmbito da perícia médico-legal a que o arguido foi sujeito no dia 20-01-2020, concluiu-se que o mesmo é portador de uma perturbação da personalidade SOE, mantendo, à data da prática dos factos, capacidade para avaliar a ilicitude dos seus comportamentos.
V - Ponderando todas as circunstâncias do caso concreto, as exigências de prevenção geral e especial, e a culpa do arguido, é forçoso concluir que a pena concretamente aplicada teve em conta o exigido pela tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, situando-se dentro dos limites exigíveis à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias adequando-se à satisfação da sua função de socialização.
Pelo que, tendo em conta a moldura penal atrás apontada, que situa o limite mínimo em 4 anos, e o limite máximo em 10 anos, e ponderando as circuntâncias relevantes nos termos do n.º 2 do art. 71.º do CP, que atrás apontámos, não se encontra motivo que possa justificar fundada divergência quanto ao decidido, no sentido de uma diminuição da medida da pena para 5 anos, como entende o recorrente.
No entanto, na ponderação, em conjunto, de todos os factores relevantes por via da culpa e da prevenção e dos factos e da personalidade do arguido neles manifestada, nomeadamente, a interconexão e a concentração espácio-temporal dos factos e tendo presente a moldura penal, repete-se situada entre o limite mínimo de 4 anos de prisão e o limite máximo de 10 anos de prisão, considera-se adequada e proporcional a pena de 7 anos de prisão. Pelo que procede, ainda que parcialmente, a pretensão do recorrente.
Decisão Texto Integral:

Proc. 565/19.3PBTMR.E1.S1

Recurso penal

Arguido preso

Acordam, precedendo conferência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça:

I.

1. Nos autos de processo comum em referência, por Acórdão de ….. de 2020, proferido no Juízo Central Criminal ............, do Tribunal Judicial da comarca ............., foi decidido julgar procedente a acusação pública deduzida e, em consequência:

- Condenar o arguido AA, pela prática de um crime de incêndio, previsto e punido (p. e p.) pelo artigo 272.º, n.º 1, al. a) do Código Penal (CP), como reincidente, na pena de prisão efectiva de 8 (oito) anos.

2. O arguido não se conformando com o Acórdão proferido, dele veio interpor recurso, per saltum, para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes conclusões que se transcrevem:

(…) 1) Pelo douto Acórdão proferido e objecto deste recurso, o recorrente foi condenado como autor material numa pena de oito anos de prisão efectiva pela prática, como reincidente, de um crime de incêndio previsto e punido pelo artigo 272º nº1 alínea a) e artigos 75º nº1 e 76º nº 1 do Código Penal, com a qual o mesmo não se conformou por considerar a pena aplicada excessiva, desproporcional, desajustada e contrária aos princípios que regem o direito penal, violando o disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal, parecendo-nos, com o devido respeito, que o Tribunal “a quo” deu maior ênfase às razões de prevenção geral em detrimento das de prevenção especial.

2) A convicção do Tribunal “a quo” foi formada com base na análise crítica do conjunto da prova produzida em audiência de discussão e de julgamento, analisada em si, entre si e de acordo com as regras da experiência comum e, a atendeu à confissão livre, espontânea e integral do arguido que, além do mais, verbalizando arrependimento.

3) Decorre do Relatório Social efectuado pela DGRSP que o processo de socialização do arguido decorreu num contexto familiar negativamente condicionado pelo consumo excessivo de álcool por parte do pai, que quando sob o efeito do mesmo, exibia comportamentos agressivos relativamente ao cônjuge e aos filhos e também devido a dificuldades económicas.

4) O arguido iniciou o seu percurso escolar em Portugal que foi pautado por dificuldades de aprendizagem e insucesso escolar decorrentes de acentuadas limitações ao nível cognitivo.

5) Após atingir a maioridade, o comportamento do arguido foi marcado por comportamentos desadequados que o levaram a contactar o sistema judicial e levaram ao seu regresso a Portugal onde passou a revelar significativa instabilidade pessoal.

6) O contacto com o sistema judicial e a primeira reclusão em Portugal ocorrida de 2002 a 2008, revelaram um comportamento inconstante e influenciável do arguido em face das dificuldades de adaptação, tendo nesse período sido acompanhado em consultas de psiquiatria e psicologia.

7) Na data da detenção à ordem do presente processo, o arguido encontrava-se desempregado mas mantinha a sua inscrição no Centro de Emprego e Formação Profissional em vigor e, efetuava pequenos trabalhos indiferenciados com carácter irregular, apoiando a mãe de 87 anos de idade nas tarefas domésticas e nos trabalhos agrícolas.

8) Os factos que deram origem às condenações anteriores, bem como os factos em causa nos presentes autos, não tiveram grande impacto na comunidade e no meio, por terem ocorrido fora da área de residência do arguido, que apresentava uma postura discreta, sendo a sua presença tolerada pelos vizinhos, com quem mantinha uma atitude cordial.

9) Provou-se nos autos que o arguido demonstra dificuldades de reflexão e de utilização do pensamento consequencial, reconhecendo dificuldade em controlar os seus impulsos.

10) Foi dado como provado que, no âmbito da perícia médico-legal a que o arguido foi submetido no dia 20.01.2020, se concluiu que o mesmo, apesar de manter à data da prática dos factos em causa nos presentes autos, capacidade para avaliar a ilicitude da sua conduta, é portador de uma perturbação da personalidade SOE.

11) No entanto, salvo o devido respeito por opinião diversa, ainda que tendo sido considerado imputável à data da prática dos factos, o certo é que a pericia médico legal que conclui pela existência de uma perturbação de personalidade que, conjugada com os demais factos dados como provados, nomeadamente quanto às acentuadas limitações ao nível cognitivo, às dificuldades de reflexão e de utilização do pensamento consequencial, à instabilidade pessoal, ao acompanhamento em consultas de psicologia e psiquiatria anteriores e ao reconhecimento por parte do arguido de dificuldades em controlar os seus impulsos, deveriam conduzir a aplicação ao arguido de uma pena mais leve e direccionada ao acompanhamento e tratamento da perturbação de personalidade diagnosticada.

12) O arguido ora recorrente, na audiência de julgamento, mostrou uma postura de humildade, verbalizou o seu arrependimento pela sua conduta e assumiu a gravidade dos factos por si praticados, ainda que, como em momentos anteriores nos quais prestou declarações em fase de inquérito, todas as suas declarações tenham sido objecto de um intenso questionário, já que o arguido demostrou não ser capaz de se exprimir e verbalizar através de um discurso espontâneo e coerente os factos que decidiu confessar.

13) Ao verbalizar o seu arrependimento, o recorrente, pareceu, ainda assim, apresentar uma forte censura quanto aos factos que confessou ter praticado e denota alguma consciência das consequências que daí advieram para todos os envolvidos, o que demonstra a possibilidade de um juízo de prognose favorável à sua reintegração na sociedade.

14) Ficou também provado que no Estabelecimento Prisional onde se encontra preso preventivamente à ordem dos presentes autos, o arguido tem mantido um comportamento de acordo com as normas, exercendo uma actividade ocuapcional e mantendo um relacionamento adequado com os outros reclusos e com os funcionários, não registando medidas ou sanções disciplinares.

15) Entende o recorrente que o Tribunal “a quo” não teve em consideração e em consequência violou o disposto no artigo 71º do Código Penal relativamente à determinação da medida da pena que lhe foi aplicada.

16) Na determinação concreta da pena deve o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor, do arguido e contra ele, designadamente o modo de execução e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao arguido (grau de ilicitude do facto); a intensidade do dolo; os fins ou motivos que determinaram o cometimento do crime e os sentimentos manifestados as condições pessoais e económicas do agente; a conduta anterior e posterior ao facto e ainda a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

17) Tal como anteriormente se referiu, parece-nos que no que concerne ao quantum da pena aplicada pelo Tribunal “a quo” ao arguido, houve, salvo o devido respeito, violação do disposto no artigo 71º do Código Penal.

18) Entendemos também que o Tribunal deveria ter condenado o recorrente numa pena mais harmoniosa, proporcional e justa face às circunstâncias acima expostas, com especial incidência no acompanhamento e tratamento do transtorno de personalidade diagnosticado, de acordo com o disposto no artigo 71º do Código Penal, que não deveria ultrapassar os cinco anos de prisão, por se entender que desta forma se realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a protecção dos bens jurídicos ofendidos e a reintegração do arguido na sociedade.

19) Reintegração do arguido na sociedade que passa por se tentar de forma eficaz tratar, aquilo que parece levar o arguido ao cometimento deste tipo de crimes, ou seja, os impulsos que o mesmo referiu não conseguir evitar e que parecem agora, finalmente, estar justificados pelo transtorno de personalidade diagnosticado.

20) Sendo devidamente acompanhado e sujeito a tratamento médico especializado, adequado ao transtorno de personalidade de que padece, no período de cumprimento da pena, espera-se que o arguido possa mais tarde, no seu regresso à liberdade, manter um comportamento adequado, livre dos impulsos que têm norteado a sua actuação e dado origem à pratica dos ilicitos criminais.

21) Como tem defendido a jurisprudência e com a qual concordamos, uma pena excessiva não cumpre as finalidades de prevenção geral, porque intolerável comunitariamente e, não realiza as funções de prevenção especial, porque o agente não a aceita e tem-na por injusta, não exercendo uma função de emenda cívica, tornando-se um puro desperdício.

22) A pena a aplicar deverá responder, por um lado, no mínimo, às exigências comunitárias de contenção do crime, por forma a que a sociedade acredite na força da norma punitiva, na sua validade e eficácia, assegurando a sua convivência em tranquilidade, esta a finalidade pública que se lhe associa; por outro, no âmbito da sua finalidade privada, há-de concorrer para a emenda cívica do cidadão, prevenindo a sucumbência na sua reincidência, ressocializando-o, em nome de um mínimo ético de todos exigível, de conformação ao dever-ser ético-existencial, salvo se se mostrarem inexistentes as necessidades, caso em que a pena deverá vocacionar-se para as necessidades de intimidação ou de segurança individuais.

23) Neste sentido a jurisprudência refere também que, à culpa, nos termos dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, não cabe fornecer a medida da pena, mas o limite máximo que em caso algum pode exceder, funcionando como antagonista da prevenção, pois que quaisquer que sejam as necessidades de prevenção, jamais estas poderão superar a medida da culpa.

A culpa fornecerá assim a moldura punitiva de topo, dentro dela actuando as submolduras da prevenção geral e especial, e bem assim todas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depõem a favor ou contra o agente.

24) Constituindo as exigências de prevenção geral o limite mínimo da pena e a culpa do agente o seu limite máximo, a medida concreta da pena deve ter em consideração a finalidade de prevenção especial, de ressocialização do arguido ou de suficiente advertência, no sentido de retirar este agente do caminho criminoso.

Valorada em concreto a medida da necessidade de tutela de bens jurídicos e da reintegração do arguido na sociedade, causando-lhe só o mal necessário, em homenagem ao princípio da subsidiariedade do direito penal, a culpa funciona como limite máximo da pena, dentro da moldura penal assim encontrada.

25) E por mais repugnante que seja o crime, por mais dramáticos que sejam os seus efeitos, por maiores que sejam as necessidades de prevenção, nunca pode ser infligida ao arguido uma pena que vá para além dos limites impostos pela medida da sua culpa.

E nos presentes autos, com o devido respeito por opinião diversa, parece-nos que a pena em que o arguido foi condenado ultrapassa largamente os limites da sua culpa.

26) Haverá então que ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (nº 2 do artigo 71º do Código Penal).

27) Em face do exposto, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, ser revogada a douta decisão  que condenou o arguido na pena de oito anos de prisão efectiva, por ser excessiva, desproporcional e desajustada às finalidades da punição, e ser aplicada ao recorrente pena não superior a cinco anos de prisão com imposição de acompanhamento médico em consultas de psicologia ou psiquiatria para tratamento do transtorno de personalidade diagnosticado, que permitam abordar as questões relacionadas com os comportamentos em causa nos autos, e dessa forma evitar-se a reincidência.

Nestes termos e nos melhores de direito que Vas. Exas. doutamente suprirão, deverá o douto Acórdão ser revogado e substituído por outro que se coadune com a pretensão exposta, (…)

3. O recurso foi admitido por despacho de 17.08.2020, tendo sido fixado o devido efeito [artigos 399.º, 401.º, n.º 1, al. b), 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 2, al. a), 408.º, n.º 1, al. a) e 411.º do CPP].

4.O Ministério Público junto do tribunal recorrido veio apresentar as seguintes conclusões na sua contra-alegação, que se transcrevem:

(…) 1. Alega o recorrente que a pena de 8 anos de prisão não é justa, adequada e proporcional, pecando por excesso, pugnando pela aplicação de pena de prisão inferior a 5 anos.

2. Entende o Ministério Público que o recurso do arguido não merece provimento.

3. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial, atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido ou contra ele, como dita o artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal, havendo ainda a ter em atenção que, de acordo com o artigo 40.º, n.º 2, também do Código Penal, a pena não pode ultrapassar a medida da culpa.

4. In casu, pelo Acórdão recorrido foram ponderadas devidamente as necessidades de prevenção geral, as quais se mostram intensas; as necessidades de prevenção especial, que também são elevadas; e a culpa do arguido.

5. Importa não olvidar que o arguido foi condenado como reincidente.

6. Ademais, o arguido praticou os factos dos presentes autos no decurso da liberdade condicional que lhe foi concedida.

7. Nestes termos, o arguido não tem aproveitado as oportunidades concedidas pelo sistema de justiça e penitenciário para repensar as práticas delituosas, nem as penas que lhe foram aplicadas serviram de suficiente advertência.

8. Pelo que, ponderadas as circunstâncias do caso concreto, as exigências de prevenção e a culpa do arguido é forçoso concluir que a pena concretamente aplicada coincidirá com o limite mínimo exigido pela tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, pelo que a redução dessa pena não será sustentável, pois poria certamente em causa a crença da comunidade na validade das normas jurídicas violadas e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.

9. Considerando a prova produzida, não podia o Tribunal ter decidido de forma diversa.

10. O Acórdão recorrido fez uma correcta valoração da prova produzida e aplicação da lei, sendo a medida concreta da pena a sua decorrência, pelo que deve o mesmo ser mantido e o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente. (…).

5. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, onde a Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer nos termos do disposto no artigo 416.º do Código de Processo Penal (CPP), acompanhando a resposta do Ministério Pública na instância recorrida e manifestando-se no sentido da improcedência do recurso interposto pelo arguido.

6. Cumprido o disposto no n. º 2, do artigo 417.º do CPP, nada foi dito.

7. Colhidos os vistos, de acordo com o exame preliminar, foram os autos presentes a conferência.

II.

8. O objecto do presente recurso  – tal como definido pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação e que delimitam o objecto do recurso - cinge-se, unicamente, à apreciação da medida da pena aplicada que o recorrente considera excessiva, desproporcional e desajustada às finalidades da punição, tendo o Tribunal “a quo” violado o disposto nos artigos 40.º e  71.º, ambos do CP, pugnando pela sua redução para 5 anos de prisão, com imposição de acompanhamento médico em consultas de psicologia ou psiquiatria para tratamento do transtorno de personalidade diagnosticado, que permitam abordar as questões relacionadas com os comportamentos em causa nos autos, e dessa forma evitar-se a reincidência.

9. Diz-se no acórdão recorrido no que interessa para a decisão do presente recurso:

(…) 1. Entre as 23h30m do dia ….. 2019 e as 03h20m do dia …….2019, o arguido, munido de dois isqueiros, deambulou apeado por diversas artérias da cidade  ……, com o propósito de encontrar objetos facilmente inflamáveis a que pudesse atear fogo, designadamente a ecopontos pertencentes à empresa………, destinados à recolha de resíduos de plástico (sinalização amarela), de papel (sinalização azul) e vidro (sinalização verde), bem como a veículos automóveis estacionados.

2. Assim, e em execução de tal desígnio, o arguido deslocou-se à Rua ……….., acercou-se de um conjunto de três ecopontos aí colocados no passeio da via pública e, utilizando a mão esquerda, retirou um pedaço de plástico do interior do ecoponto de sinalização amarela.

3. De seguida, o arguido, utilizando a mão direita, acendeu um isqueiro e ateou fogo a esse plástico e, assim que este começou a arder, colocou-o no interior desse ecoponto, fazendo assim com que o incêndio alastrasse a todos os resíduos aí depositados, ao próprio ecoponto, bem como aos outros dois ecopontos adjacentes.

4. O fogo provocado pelo arguido consumiu integralmente os ecopontos de sinalizações amarela e azul e danificou o de cor verde, causando assim prejuízos estimados em 1.350,00 € à Resitejo.

5. Após certificar-se que o incêndio estava bem ateado, o arguido abandonou o local e dirigiu-se à Travessa ……………., onde se acercou de um outro conjunto de três ecopontos aí existentes no passeio da via pública, tendo retirado do interior do ecoponto de sinalização azul um pedaço de papel, o qual ateou nos moldes anteriormente descritos, e assim que este começou a arder, colocou-o no interior do ecoponto de sinalização amarela.

6. O fogo provocado pelo arguido iniciou a combustão dos resíduos colocados no interior do ecoponto, sendo que a rápida intervenção dos Bombeiros Voluntários …… impediu que a deflagração alastrasse para o próprio ecoponto e para os dois ecopontos adjacentes.

7. Após, o arguido deslocou-se à Travessa ………., acercou-se de um conjunto de três ecopontos aí colocados no passeio da via pública, junto à parede de um edifício e, utilizando a mão esquerda, retirou um pedaço de papel do interior do ecoponto de sinalização azul.

8. De seguida, o arguido, utilizando a mão direita, acendeu um isqueiro e ateou fogo a esse papel e, assim que este começou a arder, colocou-o no interior do ecoponto de sinalização amarela, fazendo assim com que o incêndio alastrasse a todos os resíduos aí existentes, ao próprio ecoponto, bem como aos outros dois ecopontos adjacentes.

9. O fogo provocado pelo arguido consumiu integralmente os três ecopontos, causando assim prejuízos estimados em 1.350,00 € à ………...

10. Após certificar-se que o incêndio estava bem ateado, o arguido abandonou o local e dirigiu-se à Rua ………………., onde se acercou de um outro conjunto de três ecopontos aí existentes na via pública, tendo então utilizado a mão esquerda para retirar um pedaço de plástico do interior do ecoponto de sinalização amarela.

11. De seguida, o arguido, utilizando a mão direita, acendeu um isqueiro e ateou fogo a esse plástico e, assim que este começou a arder, colocou-o no interior desse ecoponto, fazendo assim com que o incêndio alastrasse a todos os resíduos aí depositados, ao próprio ecoponto, bem como ecoponto de sinalização verde adjacente.

12. O fogo provocado pelo arguido consumiu integralmente um dos ecopontos e parcialmente o outro, causando assim prejuízos estimados em 900,00 € à Resitejo.

13. Após certificar-se que o incêndio estava bem ateado, o arguido abandonou o local e dirigiu-se à Av.ª ………………………., onde se acercou da viatura automóvel de marca ……….., de matrícula ..-..-ST, com o valor estimado de 1.500,00 €, da propriedade de BB, que se encontrava aí estacionada próxima do n.º .., tendo aberto, por estar destrancada, a porta traseira do lado direito e, após, a porta dianteira do lado direito.

14. De seguida, utilizou a mão esquerda para abrir o porta-luvas e retirar o manual da viatura e, ato contínuo, com a mão direita, acendeu um isqueiro e ateou fogo ao mesmo e, assim que este começou a arder, colocou-o em cima do assento do passageiro, fechou a porta da viatura e abandonou o local.

15. O fogo provocado pelo arguido incendiou o assento da viatura, sendo que só não alastrou a todo o veículo devido a se ter autoextinguido por falta de oxigénio, tendo, no entanto, o banco do passageiro ficado totalmente destruído, a forra do tejadilho chamuscada e as peças circundantes danificadas, causando assim prejuízos estimados em 400,00 € a BB.

16. Logo de seguida, o arguido abandonou o local e dirigiu-se à Rua ……………., onde se acercou da viatura automóvel de marca ……, de matrícula ..-..-MM, com o valor estimado de 1.500,00 €, da propriedade de CC, que se encontrava aí estacionada.

17. De seguida, com a mão direita, acendeu um isqueiro e ateou fogo ao pneu dianteiro do lado do passageiro, o qual começou a arder e, logo após, abandonou o local.

18. O fogo provocado pelo arguido alastrou a toda a viatura, tendo a mesma ficado integralmente destruída, causando assim prejuízos estimados em 1.500,00 € a CC.

19. Pelas 04h30m do dia …….2019, na Rua …………., o arguido veio a ser intercetado por DD e por EE, agentes da PSP, e tinha na sua posse dois isqueiros e dezoito toalhetes em tecido branco.

20. A atuação do arguido provocou prejuízos de 3.600,00 € à ………., de 400,00 € a BB, e de 1.500,00 € a CC, prejuízos esse que totalizam a verba 5.500,00 €.

21. O arguido representou, quis e conseguiu atear os referidos incêndios em tais bens, quando bem sabia que os mesmos não lhe pertenciam e que seriam destruídos pelo fogo, estando ciente que o seu valor global excedia o montante de 5.100,00 €.

22. O arguido conhecia as características dos ecopontos e das viaturas a que ateou fogo, bem sabia que os incêndios naqueles materiais se propagavam com grande facilidade e que estes poderiam alastrar e atingir outros veículos, edifícios, objetos e outras estruturas circundantes, e que assim colocava em perigo outros bens patrimoniais de elevado valor que não lhe pertenciam, o que representou.

23. O arguido agiu sempre de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

24. O arguido foi condenado, no âmbito do PCC n.º 192/12……. do extinto Tribunal Judicial  …………, por acórdão transitado em julgado em 11-03-2013, na pena única de oito anos e seis meses de prisão efetiva, pela prática de um crime de incêndio, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 272.º/1, alínea a), 22.º e 23.º, do Código Penal, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º/1 do Código Penal e de sete crimes de dano, previstos e punidos pelo artigo 212.º/1 do Código Penal, por factos praticados em 12/04/2012.

25. O arguido cumpriu pena de prisão efetiva à ordem do referido processo entre o dia 13/04/2012 e o dia 13/05/2019, data em que obteve a concessão de liberdade condicional, mediante regras de conduta, pelo período compreendido entre o dia 13/05/2019 e o dia 13/10/2020.

Do percurso e condições de vida do arguido:

26. O arguido iniciou o percurso escolar em ………, com registo de dificuldades de aprendizagem e insucesso escolar decorrentes de acentuadas limitações ao nível cognitivo.

27. Nos ……. frequentou, com êxito um Curso de Formação Profissional e, anos mais tarde, obteve habilitação legal para a condução de veículos ligeiros.

28. Iniciou o percurso profissional aos 18 anos de idade, como ajudante de comércio e, posteriormente, trabalhou por conta de um irmão na área da panificação.

29. Dois anos depois, abandonou a morada de família, sem informar previamente os familiares que vieram algum tempo depois a ter conhecimento de que o arguido se encontrava preso no Estado da …………, em condições desconhecidas da família, tendo sofrido, dois anos depois, uma medida de afastamento dos ………….por um período de cinco anos, tendo a mãe o acompanhado na sua vinda para Portugal.

30. Pouco depois, conseguiu uma colocação laboral no setor da construção civil, em ……., onde se manteve durante cerca de dois anos, durante os quais apresentou comportamentos desadequados que conduziram ao seu regresso a Portugal, após o qual revelou significativa instabilidade pessoal.

31. Nessa altura, deslocou-se para o ………., onde manteve comportamentos associais que o confrontaram com o Sistema de Justiça Penal e Penitenciário, tendo ocorrido a primeira reclusão no período de 21/01/2002 a 21/09/2008.

32. Ao longo dos períodos de reclusão, o arguido revelou um comportamento inconstante e influenciável, traduzido no registo de algumas punições decorrentes de dificuldades de adaptação ao normativo institucional.

33. Durante esse período foi acompanhado em consultas de psiquiatria e psicologia que abandonou por sua iniciativa.

34. A nível laboral não voltou a ter qualquer emprego formal, tendo trabalhado na agricultura em terrenos da família.

35. O arguido regista historial de consumo abusivo de bebidas alcoólicas.

36. À data da sua detenção, à ordem dos presentes autos, AA vivia com a mãe, de 87 anos de idade, reformada e cujos rendimentos mensais atingem o valor de aproximadamente €1.319,00 (pensão de reforma e pensão de viúvez do estrangeiro).

37. Encontrava-se desempregado, mantendo inscrição no Centro de Emprego e Formação Profissional.

38. De forma a colmatar as suas necessidades básicas, efetuava “biscates” indiferenciados, com carácter irregular e apoiava a mãe nas tarefas domésticas e nos trabalhos agrícolas.

39. A família do arguido reside numa vivenda dotada de boas condições de habitabilidade e conforto para os seus ocupantes.

40. Em Portugal, residem as duas irmãs do arguido (uma delas próximo da casa da progenitora) com os respetivos cônjuges e filhos. Os irmãos de AA continuam a residir nos Estados Unidos, onde estão inseridos de forma adequada, tendo cada um a sua própria empresa.

41. Os factos que deram origem ao cumprimento das penas ocorreram fora da área de residência do arguido, não tendo tido grande impacto na comunidade.

42. No meio, o arguido apresentou sempre uma postura discreta, sendo a sua presença tolerada pelos vizinhos, com quem sempre manteve uma atitude cordial.

43. O arguido denota dificuldades de reflexão e de utilização do pensamento consequencial, reconhecendo dificuldade em controlar os seus impulsos.

44. No estabelecimento prisional de ……., onde se encontra preso preventivamente à ordem do presente processo, desde 18/12/2019, tem mantido comportamento de acordo com as normas, sem registo de infrações disciplinares.

45. A nível laboral, exerce a atividade de faxina da ala, sendo referenciado como mantendo um relacionamento adequado quer com companheiros de reclusão, quer com os funcionários do estabelecimento prisional.

46. AA não tem recebido visitas dos seus familiares dada a distância a que estes residem, mas mantém contacto telefónicos regulares e os familiares, nomeadamente a mãe e as irmãs que residem em Portugal, disponibilizam-lhe apoio.

47. No âmbito da perícia médico-legal a que o arguido foi sujeito no dia …… 2020, concluiu-se que o mesmo é portador de uma perturbação da personalidade SOE, mantendo, à data da prática dos factos, capacidade para avaliar a ilicitude dos seus comportamentos.

Dos antecedentes criminais do arguido:

48. Para além da condenação referida em 24., o arguido sofreu outras condenações em ……….. e ainda no âmbito do PCC n.º 5/02……… do então 0 Juízo Criminal de ……., pela prática, em ………2001, de um crime de furto qualificado, um crime de incêndio e um crime de dano, pelos quais foi condenado, por acórdão transitado em julgado a …….2002, na pena única de prisão de 8 anos.

Não resultaram não provados quaisquer factos, nem evidenciados outros com interesse para a boa decisão da causa, sendo que não se deu resposta ao facto 26. da acusação pública atendendo à sua natureza conclusiva.

O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida em audiência de discussão e de julgamento, analisada em si, entre si e de acordo com as regras da experiência comum.

Assim, quanto à factualidade escrita em «1.» a «23.», atendeu-se, desde logo, à confissão livre, espontânea e integral do arguido declarada em sede de audiência de discussão e de julgamento, no sentido, ademais, já declarado pelo mesmo no interrogatório realizado no dia …….2019, perante magistrado do Ministério Público, e no dia …….2019, perante magistrado judicial, nos termos da previsão do art. 141.º/4, alínea b), do Código de Processo Penal, cuja transcrição se determinou, conjugada com a análise dos documentos juntos aos autos, designadamente: comunicação da notícia de crime, de folhas 9 a 11; relatórios de inspeção judiciária, de folhas 17 a 21, 59 a 79, 141 a 159 e 164 a 175; ficha de registo automóvel, a folhas 22 e 161; auto de notícia, de folhas 247 a 248; aditamentos, a folhas 254 e 259; auto de apreensão, a folhas 255/255 v.º; auto de reconstituição dos factos, de folhas 55 a 58; auto de diligência, de folhas 80 a 81; autos de exame, de folhas 162 a 163 e 177 a 178; relatório, de folhas 233 a 239, certidão extraída do processo n.º 192/12…….. do Juízo Central Criminal de ................. – Juiz 2, de folhas 329 a 363 e certidão extraída do processo n.º 752/12……. do Tribunal de Execução de Penas ………, de folhas 376 a 383.

Tivemos ainda em consideração os depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, FF, diretor geral da “………..” desde 2002, o qual, de forma segura e isenta, confirmou os valores dos eco-pontos destruídos, nos termos constantes da acusação, e CC, proprietária do veículo com a matrícula ..-..-MM, que, com conhecimento directo dos factos e de forma espontânea, atestou o valor do veículo em causa, nos termos evidenciados.

A respeito das condições de vida do arguido – factos «26.» a «47.», o Tribunal atendeu ao relatório social determinado realizar e ao relatório de perícia médico-legal junto aos autos.

O certificado de registo criminal do arguido, junto aos autos, serviu para atestar os seus antecedentes criminais – factos «24.» e «25.» e «48.». (…).

10. Do recurso.

Inconformado com o Acórdão que o condenou pela prática de um crime de incêndio, p. e p. pelo artigo 272.º, n.º 1, al. a) do CP, como reincidente, na pena de prisão efectiva de 8 (oito) anos, dele veio o arguido interpor o presente recurso.

No essencial, discorda do quantum da pena, que o recorrente considera excessiva, desproporcional e desajustada às finalidades da punição, tendo o Tribunal a quo violado o disposto nos artigos 40.º e  71.º, ambos do CP, entendendo que deve ser aplicada pena não superior a cinco anos de prisão, com imposição de acompanhamento médico em consultas de psicologia ou psiquiatria para tratamento do transtorno de personalidade diagnosticado, que permitam abordar as questões relacionadas com os comportamentos em causa nos autos, e dessa forma evitar-se a reincidência.

Para tal argumenta que, embora a perícia a que foi submetido o tenha considerado imputável à data da prática dos factos, foi dado como provado que, (…) no âmbito da perícia médico-legal a que o arguido foi submetido no dia 20.01.2020, se concluiu que o mesmo, apesar de manter à data da prática dos factos em causa nos presentes autos, capacidade para avaliar a ilicitude da sua conduta, é portador de uma perturbação da personalidade SOE. (…) concluindo “pela existência de uma perturbação de personalidade que, conjugada com os demais factos dados como provados, nomeadamente quanto às acentuadas limitações ao nível cognitivo, às dificuldades de reflexão e de utilização do pensamento consequencial, à instabilidade pessoal, ao acompanhamento em consultas de psicologia e psiquiatria anteriores e ao reconhecimento por parte do arguido de dificuldades em controlar os seus impulsos, deveriam conduzir a aplicação ao arguido de uma pena mais leve e direccionada ao acompanhamento e tratamento da perturbação de personalidade diagnosticada.”.

E, mais remete para (…) o Relatório Social efectuado pela DGRSP (onde se diz) que o processo de socialização do arguido decorreu num contexto familiar negativamente condicionado pelo consumo excessivo de álcool por parte do pai, que quando sob o efeito do mesmo, exibia comportamentos agressivos relativamente ao cônjuge e aos filhos e também devido a dificuldades económicas.(…).

Acrescenta que confessou os factos, verbalizou em sede de audiência de julgamento, o seu arrependimento, tem mantido um comportamento adequado no EP e “denota alguma consciência das consequências que daí advieram para todos os envolvidos, o que demonstra a possibilidade de um juízo de prognose favorável à sua reintegração na sociedade”.

Termina argumentando que o Tribunal a quo não teve em consideração estes factos e, em consequência, violou o disposto no artigo 71.º do CP relativamente à determinação da medida da pena que lhe foi aplicada.

O Ministério Público nas instâncias sufraga que a culpa do arguido foi bem ponderada pelo Tribunal a quo, (…) pois também como refere o recorrente, este foi considerado imputável. Desde cedo que o arguido teve contacto com o sistema de justiça tendo estado, inclusivamente, preso nos ………., onde lhe foi também aplicada medida de afastamento deste país. Posteriormente o arguido teve contacto com o sistema penitenciário, ocorrendo a sua primeira reclusão de …….2002 a …..2008. O facto é que a sucessiva reincidência na prática delituosa conduziu ao contacto do arguido com a justiça, que o privou de liberdade, mas não constituiu suficiente advertência para acautelar a renovação das condutas delituosas tendo, nomeadamente, praticado os factos destes autos no decurso da liberdade condicional de que beneficiava. Nestes termos, nem essa oportunidade concedida, após algumas condenações, o arguido logrou aproveitar. Importa não olvidar a concreta actuação do arguido, isto é, as circunstâncias do caso, o seu modo de actuação, que não se cingiu a atear fogo uma vez, mas sim a criar 6 focos de incêndio, com sucesso, a seu bel-prazer, por inexplicável razão.

A que acresce o facto de o arguido ter dois antecedentes criminais registados pela prática de crimes de incêndio, pelo que não se mostra possível firmar um juízo de prognose favorável relativamente ao arguido AA. O conjunto dos factos dados por assentes pelo Tribunal a quo, bem como as circunstâncias anteriores e posteriores ao cometimento do crime e a elevada intensidade do dolo, fazem-nos concordar com a pena de 8 anos de prisão aplicada ao recorrente.(…).

Ademais, contrariamente ao que o recorrente preconiza, o Tribunal a quo não olvidou o resultado da perícia médico-legal realizada ao arguido de onde ressalta que o mesmo padece de perturbação da personalidade SOE, motivo pelo qual foi determinado no Acórdão proferido a comunicação ao TEP no seguinte sentido: (…) atendendo ao resultado da perícia médico-legal realizada ao arguido no dia 20/01/2020, é nosso parecer que o mesmo carece de apoio terapêutico com vista a debelar a “perturbação da personalidade SOE” ali diagnosticada.(…).

Entende, deste modo, o Ministério Público que o recurso interposto pelo arguido deve improceder na sua totalidade.

11. Apreciemos.

Como se disse em supra 8., sem questionar os factos e a sua qualificação jurídica, insurge-se o arguido quanto à pena que considera desadequada e desproporcional, face à medida da sua culpa, entendendo que o Tribunal a quo não fez a correcta leitura dos factos e da sua subsunção ao direito, pelo que violou o disposto nos artigos 40.º e 70.º, ambos do CP. Pugna pela redução da pena para 5 anos de prisão.

11.1. Vejamos.

Apurou-se e deu-se como provado que, no contexto espácio-temporal em causa, (entre as 23h30m do dia …….2019 e as 03h20m do dia ……..2019) o arguido, munido de dois isqueiros, deambulando apeado por diversas artérias da cidade ………, com o propósito de encontrar objectos facilmente inflamáveis a que pudesse atear fogo, ateou fogo a diversos ecopontos da propriedade da “………”, causando prejuízos no valor de 3.600,00 €.

De seguida,  na Av.ª …………….., acercou-se da viatura automóvel de marca ………., de matrícula ..-..-ST, com o valor estimado de 1.500,00 €, da propriedade de BB, que se encontrava aí estacionada próxima do n.º.., acendeu um isqueiro e ateou fogo ao mesmo que incendiou o assento da viatura, causando prejuízos estimados em 400,00 €.

Logo de seguida, o arguido abandonou o local e dirigiu-se à Rua …………………….., onde se acercou da viatura automóvel de marca ….., de matrícula ..-..-MM, com o valor estimado de 1.500,00 €, da propriedade de CC, que se encontrava aí estacionada. De seguida, acendeu um isqueiro e ateou fogo ao pneu dianteiro do lado do passageiro, que se alastrou a toda a viatura, tendo a mesma ficado integralmente destruída, causando prejuízos estimados em 1.500,00 €.

Mais se provou que o arguido representou, quis e conseguiu atear os referidos incêndios em tais bens, quando bem sabia que os mesmos não lhe pertenciam e que seriam destruídos pelo fogo, estando ciente que o seu valor global excedia o montante de 5.100,00 €.

O arguido conhecia as características dos ecopontos e das viaturas a que ateou fogo, bem como sabia que os incêndios naqueles materiais se propagavam com grande facilidade e que estes poderiam alastrar e atingir outros veículos, edifícios, objetos e outras estruturas circundantes, e que assim colocava em perigo outros bens patrimoniais de elevado valor que não lhe pertenciam, o que representou.

O arguido agiu sempre de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Feita esta síntese, apreciemos o alegado pelo recorrente no que toca ao seu percurso, decorrente do relatório da DGRSP e ao resultado da perícia médico-legal realizada ao arguido de onde ressalta que o mesmo padece de perturbação da personalidade SOE, que o Tribunal recorrido, segundo alega, não ponderou para a determinação concreta da medida da pena.

11.2. Compulsado o acórdão recorrido resulta do ponto relativa à matéria de facto provada que: “Do percurso e condições de vida do arguido”e dos factos aí assentes de 28. a 48.   (e que transcrevemos supra 9.) que o tribunal se socorreu, quer do relatório social da DGRSP, quer do relatório pericial médico legal, tendo, como se vê, tomado posição sobre a questão da personalidade do arguido e da sua imputabilidade.

Recordemos o que o Tribunal disse a dado passo:

(…) 32. Ao longo dos períodos de reclusão, o arguido revelou um comportamento inconstante e influenciável, traduzido no registo de algumas punições decorrentes de dificuldades de adaptação ao normativo institucional.

33. Durante esse período foi acompanhado em consultas de psiquiatria e psicologia que abandonou por sua iniciativa.

34. A nível laboral não voltou a ter qualquer emprego formal, tendo trabalhado na agricultura em terrenos da família.

35. O arguido regista historial de consumo abusivo de bebidas alcoólicas.

(…)

43. O arguido denota dificuldades de reflexão e de utilização do pensamento consequencial, reconhecendo dificuldade em controlar os seus impulsos.

44. No estabelecimento prisional de ……., onde se encontra preso preventivamente à ordem do presente processo, desde 18/12/2019, tem mantido comportamento de acordo com as normas, sem registo de infrações disciplinares.

(…)

 47. No âmbito da perícia médico-legal a que o arguido foi sujeito no dia ………..2020, concluiu-se que o mesmo é portador de uma perturbação da personalidade SOE, mantendo, à data da prática dos factos, capacidade para avaliar a ilicitude dos seus comportamentos.(…).

Importa, ter em conta o que, do exame pericial efetuado em ………..de 2020, resulta:

(…)

III. Parecer Psiquiátrico – Forense

De acordo com a avaliação clínico-psiquiátrica efectuada (numa perspectiva médico-forense) e reunidos os elementos indispensáveis à apreciação do presente caso, quer em termos de história pregressa ( incluindo os relativos da personalidade pré-mórbida), quer os apurados pelo exame mental propriamente dito, mesmo na ausência de testes psicométricos, de que prescindimos porque desnecessário, podemos afirmar que o examinando, é portador de uma perturbação da personalidade SOE, a que corresponde o código F60.9 da International Classification of Diseases and Related Problems, Tenth Revistion (ICD-10).

Pelo apurado na entrevista pericial, à data dos acontecimentos não apresentava alteração do humor, do pensamento ou da inteligência, nem outra psicopatologia que lhe condicionasse o juízo crítico ou a sua capacidade volitiva. Por esse motivo, à luz da tríade liberdade-intelegência-vontade, necessária para a pronunciação sobre a imputabilidade, há que refrir que o examinando na altura da prática dos factos que lhe estão imputados, se encontrava capaz de avaliar o alcance dos seus atos, sendo capaz de avaliar a ilicitude dos mesmos e conseguindo abster-se da sua eventual prática. Pelo exposto, médico-legalmente nada impede que seja declarado imputável para os factos que lhe são atribuídos.
IV Conclusões
1. O examinando é portador de uma perturbação da personalidade SOE.
2. À data da prática dos factos que lhe são imputados o examinando mantinha a capacidade para avaliar a ilicitude dos seus comportamentos.
3. Pelo exposto, médico-legalmente nada impede que seja declarado imputável para os factos em apreço. (…).

Dito isto, resulta assim que o Tribunal consignou e teve em conta os relatórios da DRRSP e da perícia médico-legal, sendo que relativamente a este último, o próprio arguido não requereu a feitura de mais exames e discorreu sempre, só a partir daquele que foi feito e que considerou suficiente.

Diz-se, ainda, no acórdão recorrido, na sua fundamentação relativamente aos apontados factos provados 26. a 48. e no que aqui interessa:

(…) A respeito das condições de vida do arguido – factos «26.» a «47.», o Tribunal atendeu ao relatório social determinado realizar e ao relatório de perícia médico-legal junto aos autos.

O certificado de registo criminal do arguido, junto aos autos, serviu para atestar os seus antecedentes criminais – factos «24.» e «25.» e «48.».

Atenta a matéria de facto apurada, cumpre, desde logo, proceder ao seu enquadramento jurídico-penal por forma a determinar se a conduta do arguido consubstancia uma efectiva negação dos valores ou bens jurídicos criminalmente tutelados por via do crime que lhe é imputado.(…).

E, finalmente:

(…) Após trânsito:

b- Comunique o presente acórdão ao Proc. n.º 752/12………. do TEP…….., com informação que, atendendo ao resultado da perícia médico-legal realizada ao arguido no dia …….2020, é nosso parecer que o mesmo carece de apoio terapêutico com vista a debelar a “perturbação da personalidade SOE” ali diagnosticada; (…).

Em conclusão:

Como decorre do exposto, e ao contrário do alegado pelo recorrente, o Tribunal ponderou o seu percurso, o relatório da DGRSP e o resultado da perícia médico-legal realizada ao arguido de onde ressalta que o mesmo padece de perturbação da personalidade SOE, tendo dado como assente o seu conteúdo e fundamentando-se nesta matéria de facto para a determinação concreta da medida da pena.

Vejamos, então, a determinação da pena concreta aplicada que o recorrente considera excessiva.

12. Dito isto,

12.1. Previamente à apreciação do caso em concreto, dir-se-à que nos termos do artigo 40.º do CP, que dispõe sobre as finalidades das penas, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, devendo a sua determinação ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, de acordo com o disposto no artigo 71.º, do mesmo diploma.

Como se tem reiteradamente afirmado, encontra este regime os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), segundo o qual a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da CRP), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos, – adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na justa medida, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva[1].

A projecção destes princípios no modelo de determinação da pena justifica-se pelas necessidades de protecção dos bens jurídicos tutelados pelas normas incriminadoras violadas (finalidade de prevenção geral) e de ressocialização (finalidade de prevenção especial), em conformidade com um critério de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade do facto praticado, avaliada, em concreto, por factores ou circunstâncias relacionadas com este e com a personalidade do agente, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele (artigos 40.º, e n.º 1, do 71.º do CP).

A medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o artigo 71.º, n.º 2, do CP considerar os factores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente os factores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objectivo e subjectivo – indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) –, e os factores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os factores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – factores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto). Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes por via da prevenção geral, traduzida na necessidade de protecção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança da comunidade na norma violada, e de prevenção especial, que permitam fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento de novos crimes no futuro e assim avaliar das necessidades de socialização. Incluem-se aqui o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e)], com destaque para os antecedentes criminais) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente, a que se referem as circunstâncias das alíneas e) e f), adquire particular relevo para determinação da medida da pena em vista das exigências de prevenção especial [2].

Em síntese: assim como se decidiu no acórdão recorrido, e o recorrente não contesta, mostram-se integralmente preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do tipo penal de crime de incêndio, p. e p. pelo artigo 272.º, n.º 1, al. a) do CP o qual é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos. Mais foi considerado reincidente[3], o que também não contesta, de acordo com o previsto no artigo 76.º, n.º 1, do CP, (o limite mínimo da moldura penal abstracta é elevado de um terço, permanecendo inalterado o seu limite máximo) situando-se a moldura penal abstracta da pena entre os 4 e os 10 anos de prisão.

12.2 Da medida da pena.

Importa, assim, ponderar, à luz dos factos arrolados como provados (supra 9.), o seguinte:

-As exigências de prevenção geral, a circunstância de o crime de incêndio se tratar de crime praticado com alguma frequência, provocando forte alarme social, sendo certo que os danos se circunscreveram aos ecopontos e a dois veículos, onde o fogo foi deflagrado;

-As exigências de prevenção especial situam-se a um nível elevado, dado que, o arguido evidencia antecedentes criminais pela prática de crimes de natureza semelhantes ao presente, tendo a factualidade em apreciação ocorrido durante o período da liberdade condicional que lhe havia sido concedida a partir do dia ………2019;

-O grau de ilicitude é média-alta, tendo em consideração os prejuízos causados e o dolo directo, por isso, intenso; recorde-se que a concreta actuação do arguido, ou seja, as circunstâncias do caso, o seu modo de actuação, não se cingiu a atear fogo uma vez, mas sim a criar 6 focos de incêndio, com sucesso;

- Quando à culpa, retira-se dos factos assentes que desde cedo o arguido teve contacto com o sistema de justiça tendo estado, inclusivamente, preso nos Estados Unidos da América, onde lhe foi também aplicada medida de afastamento deste país;

- Posteriormente, o arguido teve contacto com o sistema penitenciário, ocorrendo a sua primeira reclusão de …….2002 a ….…2008;

- O arguido tem dois antecedentes criminais registados: no âmbito do PCC n.º 192/12…….. do extinto Tribunal Judicial …….., por acórdão transitado em julgado em ……2013, na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão efetiva, pela prática de 1 crime de incêndio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 272.º, n.º 1, alínea a), 22.º e 23.º, do CP, de 1 crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do CP e de 7 crimes de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º1 do CP, por factos praticados em 12.04.2012; o arguido cumpriu pena de prisão efetiva à ordem do referido processo entre o dia 13.04.2012 e o dia 13.05.2019, data em que obteve a concessão de liberdade condicional, mediante regras de conduta, pelo período compreendido entre o dia 13.05.2019 e o dia 13.10.2020.

- O arguido denota dificuldades de reflexão e de utilização do pensamento consequencial, reconhecendo dificuldade em controlar os seus impulsos;

- O arguido beneficia de apoio familiar, e goza de uma imagem positiva na comunidade;

- O arguido confessou espontânea e integralmente os factos, tendo contribuído para a descoberta da verdade material;

-No estabelecimento prisional de ….., onde se encontra preso preventivamente à ordem do presente processo, desde …..2019, tem mantido comportamento de acordo com as normas, sem registo de infrações disciplinares;

- A nível laboral, exerce a atividade de faxina da ala, sendo referenciado como mantendo um relacionamento adequado quer com companheiros de reclusão, quer com os funcionários do estabelecimento prisional;

- No âmbito da perícia médico-legal a que o arguido foi sujeito no dia ……2020, concluiu-se que o mesmo é portador de uma perturbação da personalidade SOE, mantendo, à data da prática dos factos, capacidade para avaliar a ilicitude dos seus comportamentos.

Ponderando todas as circunstâncias do caso concreto, as exigências de prevenção geral e especial, e  a culpa do arguido, é forçoso concluir que a pena concretamente aplicada teve em conta o exigido pela tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, situando-se dentro dos limites exigíveis à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias adequando-se à satisfação da sua função de socialização.

Pelo que, tendo em conta a moldura penal atrás apontada, que situa o limite mínimo em 4 anos, e o limite máximo em 10 anos, e ponderando as circuntâncias relevantes nos termos do n.º 2, do artigo 71.º do CP, que atrás apontámos, não se encontra motivo que possa justificar fundada divergência quanto ao decidido, no sentido de uma diminuição da medida da pena para 5 anos, como entende o recorrente.

No entanto, na ponderação, em conjunto, de todos os factores relevantes por via da culpa e da prevenção e dos factos e da personalidade do arguido neles manifestada, nomeadamente, a interconexão e a concentração espácio-temporal dos factos e tendo presente a moldura penal, repete-se situada entre o limite mínimo de 4 anos de prisão e o limite máximo de 10 anos de prisão, considera-se adequada e proporcional a pena de 7 anos de prisão.

Pelo que procede, ainda que parcialmente, a pretensão do recorrente.

Em tudo o mais se mantém o acórdão recorrido[4].

III.

13. Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se:
a) Conceder parcial provimento ao recurso interposto por AA, fixando-se a pena de 7 anos de prisão, mantendo em tudo o mais o acórdão recorrido.
b) Sem custas (artigo 513.º do CPP).

3 de Dezembro de 2020

Processado e revisto pela relatora, nos termos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP, e assinado eletronicamente pelos Senhores Juízes Conselheiros signatários.



Margarida Blasco (Relatora) – Eduardo Loureiro

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[1] cfr. Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, notas aos artigos 18.º e 27.º
[2] cfr. Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, em particular pp. 475, 481, 547, 563, 566 e 574, e Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 3.ª reimp., 2011, pp. 232-357.

[3] Como se diz no acórdão recorrido:No caso, o crime doloso cometido pelo arguido, prevendo uma moldura penal de pena de prisão de 3 a 10 anos é, assim, punível com prisão superior a seis meses; e a condenação de que já foi alvo, transitada em julgado, a respeito de, entre outros crimes dolosos, um crime de igual natureza àquele, em pena de prisão única de 8 anos e 6 meses, superior, portanto, a seis meses, ocorreu no dia 11.03.2013, ou seja, em relação à data da prática do crime em causa (17.12.2019), há mais de 6 anos.

Mas, descontando o tempo durante o qual o arguido cumpriu a referida pena de prisão, durante mais de 7 anos (cfr. n.º 2, do artigo 75.º), concluiu-se que, entre aquela condenação e a prática do crime em apreciação, não decorreram cinco anos.

E, atendendo à natureza dos factos em apreciação, idêntica àquela, pela qual o arguido foi condenado na pena única de 8 anos e 6 meses, que cumpriu até ao dia 13.05.2019, concluiu o Tribunal recorrido que a mesma não serviu de suficiente advertência para que não voltasse a praticar novo ilícito criminal doloso, como se veio a evidenciar, decorridos apenas sete meses e três dias, razão pela qual, se mostram preenchidos todos os requisitos formais e materiais necessários à punição do arguido como reincidente.

[4] Nomeadamente, a sua comunicação ao Proc. n.º 752/12.5TXPRT-N do TEP de …… (com informação que, atendendo ao resultado da perícia médico-legal realizada ao arguido no dia 20/01/2020, é nosso parecer que o mesmo carece de apoio terapêutico com vista a debelar a “perturbação da personalidade SOE” ali diagnosticada).