Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7154/15.0T8STB.E1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: CONTRATO DE TRANSPORTE
CONVENÇÃO CMR
PERDA DAS MERCADORIAS
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
ÓNUS DA PROVA
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 05/23/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA E CONFIRMADO O ACÓRDÃO RECORRIDO
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITOS DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR.
Doutrina:
- A. Proença e J. Espanha Proença, Transporte de Mercadorias, p. 47;
- António Pinto Monteiro, Erro e Vinculação Negocial, p. 43;
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 10 ª edição, vol. I, p. 122, 123 e 894;
- Carlos Mota Pinto, em Cessão da Posição Contratual, reimp, 1982, p. 337;
- Carneiro Frada, Contrato e deveres de protecção, 1994, p. 44 e ss.;
- Januário Gomes, Comentário ao Acórdão do STJ de 12.10.2017, Revista de Direito das Sociedades, p. 609 e ss.;
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, 2010, p. 365 e ss. ; Tratado de Direito Civil, Vol. VI, 2012, p.. 498 e ss. ; Da boa fé no direito civil, Vol. II, 1984, p. 586 e ss.;
- Nuno Pinto de Oliveira, Princípios do Direito dos Contratos, 1ª edição, p. 407.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 563.º, 798.º E 799.º.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO RELATIVA AO CONTRATO INTERNACIONAL DE MERCADORIAS POR ESTRADA (CMR), INTEGRADA NO DIREITO PORTUGUÊS PELO DL N.º 46 235, DE 18 DE MARÇO: - ARTIGO 17.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 15-01-2002, CJSTJ, 2002, I, P. 38;
- DE 21-09-2006, RELATOR SALVADOR DA COSTA, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-10-2009, RELATOR JOÃO BERNARDO, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 29-04-2010, RELATOR FONSECA RAMOS, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 02-11-2010, RELATOR SEBASTIÃO PÓVOAS, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-12-2010, RELATOR SALAZAR CASANOVA, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 11-01-2011, RELATOR SEBASTIÃO PÓVOAS, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25-10-2012, RELATOR ÁLVARO RODRIGUES, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25-10-2012, RELATOR PEREIRA DA SILVA, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 24-04-2013, RELATOR PEREIRA DA SILVA, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 15-05-2013, RELATOR GRANJA DA FONSECA, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 27-01-2016, RELATORA MARIA DA GRAÇA TRIGO;
- DE 27-11-2018, RELATORA MARIA DOS PRAZERES BELEZA, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
"I- No âmbito da Convenção CMR, a entrega da mercadoria ao destinatário fora do local previsto para a entrega não integra o conceito de " perda" (da mercadoria) previsto no art. 17, nº 1 da mesma Convenção.
II- A Convenção CMR não prevê a responsabilidade do transportador pelo facto de a mercadoria ter sido entregue ao destinatário (por indicação deste) em lugar diferente do previsto para a entrega, nem pelo facto de o transportador não ter informado o expedidor dessa circunstância.
IIII- Mas ainda que, em tais hipóteses,, se considerasse a existência de cumprimento defeituoso e de uma presunção de culpa, nos termos dos arts. 798 e 799 do CC, geradores de responsabilidade contratual, ainda assim faltaria à autora provar o nexo de causalidade entre um daqueles factos e o prejuízo que teve.
IV- Ora, não se tendo provado que o dano tenha resultado, naturalisticamente, da entrega da mercadoria em lugar diverso do previsto ou da falta de informação sobre a alteração do local de entrega, nem podendo tal nexo naturalístico, ser presumido pelo Supremo Tribunal de Justiça, nunca seria possível concluir pela relação de causalidade adequada prefigurada pelo art. 563 do CC."
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:

*
AA, Lda., intentou contra BB, Lda., e CC, Lda., acção declarativa com processo comum, pedindo: a) a condenação das RR. a pagar-lhe a quantia de € 66.777,60, corresponde ao valor da mercadoria entregue em lugar diverso do contratado e perdida por esse facto, acrescida dos juros de mora à taxa juros legal em vigor até efectivo e integral pagamento; e b) a condenação das RR. a suportarem o custo do serviço do primeiro transporte no valor de €2.700,00, e o custo com o serviço do segundo transporte, despesas com armazenamento e regresso da mercadoria, no valor de €2.167,24, porquanto da sua única e exclusiva responsabilidade.
Para tanto, alegou: que, no exercício da sua actividade comercial de importação, exportação e comércio de cafés e produtos alimentares e indústria de torrefacção, contratou a 1.ª R., que se dedica-se ao afretamento e logística de transportes rodoviários de mercadorias, nacional e internacional, para efectuar o transporte rodoviário internacional de “33 paletes de café torrado em grão, com peso bruto de 17.263KG” a carregar em 28/08/2014 na Rua ..., tendo com destinatário “DD” e local de entrega em “...”, em 02/09/2014; – que a 1ª R, contratou a 2ª R., que se dedica-se ao transporte rodoviário de mercadorias, nacional e internacional, para efectuar e assegurar o referido transporte, tudo conforme CMR (declaração de expedição internacional) n.º 6893; que a 1.ª R. e 2.ª RR. não cumpriram com os termos do transporte contratado, dado que a 2.ª R. não procedeu à entrega/descarga da mercadoria transportada no local de entrega contratado e indicado pela A. que constava indicado no CMR, mas noutro local, sem que tal ordem/indicação lhe tivesse sido dada pela A. e sem ter obtido prévia autorização da A. e sequer, sem lhe ter comunicado/informado a alteração do local da entrega, circunstância que a A. apenas veio a conhecer no dia 17/09/2014 (quinze dias depois da mercadoria ter sido entregue em lugar diverso); que, no decurso do transporte, no dia 01/09/2014, a A., na pessoa do seu Director Comercial, EE, recebeu um telefonema da 2.ª R. pelo qual transmitiram que o motorista estava com dificuldade em localizar o local de descarga e solicitaram que indicasse o número de telefone do cliente/destinatário da mercadoria, tendo, então, o Director Comercial da A. fornecido o n.º de contacto telefónico do chefe de vendas do cliente/destinatário, e que no dia seguinte, 02/09/2014, o referido Director Comercial da A. ligou para as instalações da 1.ª R, tendo sido informado que a mercadoria estava entregue – tinha sido entregue nesse mesmo dia 02/09/2014 – data contratada e constante do CMR; que em 03/09/2014, o chefe de vendas do cliente/destinatário daquela primeira encomenda “DD, PLC”, telefonou à A. a elogiar o café e a forma como se tinha operado a entrega da mercadoria e solicitou o envio de preços de cápsulas de café para consulta e posterior encomenda, tendo a A., em 04/09/2014, enviado os pretendidos e solicitados preços, e nesse mesmo dia, o cliente/destinatário, encomendou cápsulas de café, e que a A. fez transportar, novamente, as paletes de cápsulas de cafés desta 2ª encomenda através da contratação da 1.ª R. que contratou, de novo, a 2.ª R. para efectuar o transporte, com entrega estipulada para o dia 10/09/2014; que, entretanto, um dos legais representantes da A., Eng.º FF, estranhou que o cliente em causa, de renome internacional no mercado de café, tivesse encomendado cápsulas de café, sem o prévio pedido de amostras de prova – como é prática prévia e comum a qualquer encomenda de cápsulas de café, pelo que, no dia 08/09/2014, a A. através da CEO, Dra. GG, ligou para a cliente/destinatária “DD”, e ao ser posta em contacto com o chefe de vendas, constatou que a voz não era a mesma que ouvira aquando das supra descritas encomendas, e este disse-lhe que não tinham feito qualquer encomenda à A., tendo, então, percebido que tinham sido burlados; de imediato a A. deu instruções à 1.ª R para segurar a mercadoria e não proceder à sua entrega, e agendou uma reunião com a 1.ª e 2.ª RR., e o condutor desta, com o objectivo de obter o máximo de informação sobre as circunstâncias que rodearam a entrega da primeira encomenda ao destinatário no Reino Unido, sendo que foi nessa reunião, que ocorreu no dia 17/09/2014 às 14H00, nas instalações da 2.ª R., que a A. tomou conhecimento de que a mercadoria e o segundo exemplar da declaração de expedição internacional (CMR n.º 6893), tinham sido entregues, em local/morada diversa da que estava expressamente indicada na referida declaração de expedição internacional; que foi nesta reunião que a A. tomou conhecimento das apreensões do motorista da 2.ª R. quanto ao local da entrega, ou seja, que o motorista, quando chegou ao local identificado no CMR, como local de entrega, deparou-se com um armazém fechado, com aspecto de abandonado, com uma placa com anúncios de aluguer; que o motorista ligou para a 2.ª R, deu nota de tais factos e solicitou o número de telefone do destinatário; a 2.ª R., em face de tal circunstancialismo do local de entrega, limitou-se a ligar à A. – como supra descrito – a solicitar o número de telefone do destinatário, e a informar, tão-somente, que o motorista estava com dificuldades em localizar o local de entrega - sem transmitir à A. as apreensões do motorista quanto ao local; na posse do número de telefone, assim fornecido, o condutor da 2.ª R., ligou ao cliente/destinatário, que lhe indicou outra morada para o local de entrega da mercadoria; e que a 2.ª R procedeu, assim, à entrega efectiva da mercadoria e do segundo exemplar da declaração de expedição internacional (CMR) na nova morada indicada pelo destinatário, sem tal lhe ter sido ordenado pela A; que tal circunstância permitiu que o destinatário da mercadoria, entidade diversa da verdadeira sociedade DD se apropriasse da mercadoria, em lugar que a A. não pode controlar, nem sindicar, porque não foi previamente informada da alteração, e sem nunca ter pago o preço respectivo à A., vindo a A. a apurar posteriormente que o destinatário da mercadoria actuava no mercado usurpando os elementos de identificação da DD, para, aproveitando-se do bom nome comercial desta, efectivar encomendas de valor elevado, sem pagar o respectivo preço e dando descaminho à mercadoria impedindo a sua recuperação; que a que, 1.ª e 2.ª RR. assumiram o segundo transporte para o mesmo cliente sem terem logrado informar a A. do circunstancialismo do local e da alteração de morada do primeiro transporte, e que teve que suspender o 2.º transporte para evitar a perda da mercadoria, com custos acrescidos de armazenagem e regresso da mercadoria ao armazém da A.
Citadas, as RR. contestaram invocando, em primeiro lugar, a ineptidão da petição inicial, por contradição do pedido e da causa de pedir, alegando, em síntese, que a A. para fundamentar o pedido de condenação cível invocou um ilícito criminal não imputável às RR., pois a causa de pedir invocada não se baseia na não entrega da mercadoria em local diferente mas na burla que a A. sofreu.
A R. BB, Lda., invocou ainda a excepção de incompetência material dos tribunais cíveis para conhecerem do pedido e a da ilegitimidade passiva, alegando quanto a esta questão que a A. confunde o local de entrega com local de descarga, que a mercadoria foi entregue ao destinatário, não ocorrendo perda desta mas do preço a receber e que a A. confunde as RR. com o burlão, devendo ser contra este que a A. deverá agir processualmente. Assim, atendendo à verdadeira e única causa cível dos autos e considerando que as RR. não são devedoras desse preço (mas sim a entidade inglesa com quem a Autora negociou), e que a Autora não indica as RR. como devedoras do preço, mas que, a final, reclama-lhes esse mesmo pagamento, verifica-se uma situação de ilegitimidade das RR. enlaçada numa situação de ineptidão da petição inicial.
 A A. respondeu à matéria das excepções, pugnando pela sua improcedência.
Procedeu-se à realização de audiência prévia, onde foi tentada a conciliação das partes, sem sucesso.
Proferiu-se despacho saneador, no âmbito do qual se julgaram improcedentes as excepções da ineptidão da petição inicial, da incompetência material e da ilegitimidade passiva, invocadas pelas RR. na contestação.
Identificado o objecto do litígio e seleccionados os tema da prova prosseguiram os autos para julgamento.
Realizada a audiência de julgamento veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência: condenar as RR. a pagar à A. a indemnização correspondente ao valor da mercadoria em Rua ..., a 28.08.2014, determinado pela cotação na bolsa ou, na falta desta, pelo preço corrente no mercado ou, na falta de ambas, pelo valor usual das mercadorias da mesma natureza e qualidade, com o limite previsto pelo n.º 3 e n.º 7 do art.º 23º da CMR, relegando-se a sua determinação para liquidação de sentença; determinar que sobre a referida quantia incidem juros de mora, à taxa anual de 5% desde 1/10/2014 até efectivo e integral pagamento; absolver as RR. do remanescente peticionado.

A R. CC, Lda., e a R. BB, Lda. apelaram da sentença, com êxito, uma vez que na procedência das apelações, foi decidido revogar a sentença recorrida e absolver as RR. do pedido.

Inconformada, recorreu, então, a autora/apelada para o Supremo Tribunal de Justiça, finalizando a alegação com as seguintes conclusões:

“I - Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, que julgou procedentes as apelações, e, em consequência, revogou a sentença recorrida, julgando improcedente a acção, absolvendo as RR. do pedido da A. ora Recorrente - com o qual esta não se conforma.

II - O Acórdão, ora em crise, não emitiu juízo de censura sobre os factos materiais apurados pela 1.ª Instância para a solução do litígio. Entendeu, quanto ao mérito da causa, existir erro de julgamento, por os factos apurados e assentes pela 1.a Instância não permitirem a conclusão jurídica que deles se extraiu e/ou por errada aplicação ou interpretação das normas em causa. E assim alcançou solução jurídica diversa da 1.ª instância, concluindo que, “ Deste modo, a entrega da mercadoria em local diverso não foi causa adequada à produção do dano infringido à A....” absolvendo as RR do pedido.

III - Fundado no incumprimento contratual das RR. decorrente da entrega da mercadoria em local diverso do contratado e sem a prévia autorização e conhecimento da A. esta peticionou a condenação das RR. no pagamento da quantia de €66.777,60, correspondente ao valor da mercadoria acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor até efectivo e integral pagamento.

IV - Foram objecto do julgamento as seguintes questões a decidir:

“Nos presentes autos está em causa a existência do invocado incumprimento por parte das RR. do acordado com a A., por alteração unilateral do lugar do cumprimento da obrigação e violação do dever de cuidado, protecção e segurança assentes na boa fé, e o correspondente direito da A. a ser indemnizada nos termos peticionados”.

V - Foi proferida sentença que condenou das RR em indemnização a favor da A., nos termos do artigo 798.° do Código Civil. Tal decisão resultou do incumprimento defeituoso' do contrato, em violação do princípio da concretização e da boa fé contratual. por a mercadoria ter sido entregue ao destinatário noutro local, sem a autorização e sem o conhecimento da A. e sem terem dado a conhecer à A. que quando o motorista da R. CC chega ao local indicado no CMR pelas 17:39 se depara com um armazém fechado, com aspecto de abandonado, com uma placa com anúncio “to let" - arrenda-se, situação anómala e pouco habitual.”

VI - Desta sentença interpuseram as RR. recurso alegando para tanto, e ora em síntese, que não existe causa adequada entre a entrega da mercadoria noutro local e o dano sofrido pela A., pois este decorreu da burla de que foi vitima.

Do Acórdão Recorrido

VII - É pacífico entre as instâncias que estamos perante um contrato de transporte internacional de mercadorias, com aplicação da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR) assinada em Genebra, em 19 de Maio de 1958, inserida no direito interno português pelo DL n.° 46.235 de 18 de Março de 1965.

VIII - Assim, com base nos mesmos factos materiais assentes e normas jurídicas aplicadas, o Acórdão proferido alcançou solução jurídica diversa da 1.a instância, concluindo que “Deste modo, a entrega da mercadoria em local diverso não foi causa adequada à produção do dano infringido ã A....” absolvendo as RR. do pedido.

IX - Para tal solução jurídica lê-se no Acórdão em crise, respeitosamente ora em síntese (e que se transcreverá destacado em itálico, sendo os sublinhado nossos):

“O A. fundou a presente acção na perda da mercadoria objecto do contrato de transporte, em que foram intervenientes ambas as RR., por a mercadoria transportada ter sido entregue ao destinatário, não na morada contratada no CMR, mas noutro local sem o conhecimento e/ou consentimento do A.” (1.° paragrafo da página 16 do Acórdão).

“Invoca a A. que, na execução do contrato, ocorreu a perda da mercadoria porquanto entregue ao destinatário, mas em local diverso do constante da CMR... (2° paragrafo da página 18 do Acórdão).

“De acordo com a sentença, existe obrigação de indemnizar por parte das RR. pela perda da mercadoria, porque não houve o cumprimento pontual do contrato de transporte, pois, apesar de a mercadoria ter sido entregue ao destinatário não o foi no local contratado e as RR. não lograram provar que deram conhecimento à A. da situação em que o motorista o local de destino, nem que a entrega noutro local ocorreu com mediante instruções e com o consentimento da A. " (último paragrafo da página 21 e 22 do Acórdão).

“De acordo com os artigos 3º e 17° n.° 1 da Convenção, o transportador é responsável pela perda total ou parcial, ou pela avaria que se produzir entre o momento do carregamento da mercadoria e o da entrega...”

“Porém, é sobre o credor da respectiva indemnização devida pela perda da mercadoria que recai o ónus de provar que essa perda ocorreu, pois este é um elemento constitutivo daquele direito (cf. artigos 342°, n.° 1 do Código Civil e 18 da CMR), podendo, no entanto, considerara mercadoria perdida quando ela não tiver sido entregue dentro dos 30 dias seguintes ao termo do prazo convencionado ou, na falta deste, nos sessenta dias seguintes à entrega da mercadoria ao cuidado do transportador, o que lhe facilita a prova do direito de indemnização (cf. artigo 20° n.° 1, da CMR)" (2° paragrafo em diante, da página 22 do Acórdão).

X - Salvo o devido respeito, a A. não “fundou a presente acção na perda da mercadoria”. Ao invés, fundou-a no incumprimento contratual decorrente da entrega da mercadoria em local diverso do contratado e sem a prévia autorização e conhecimento da A., peticionando a condenação das RR. no pagamento da quantia de €66.777,60 correspondente ao valor da mercadoria acrescida juros de mora à taxa legal em vigor até efectivo e integral de pagamento, nos termos conjugados nos artigos 12.°, 17.°n.° 1, 20.° n.° 2 e nº 23 da Convenção.

XI - Como resulta da p.i. da A. ora Recorrente e dos esclarecimentos prestados em sede de resposta às excepções deduzidas pelas RR, a Recorrente nunca fundou a sua causa de pedir e a sua pretensão indemnizatória na perda de mercadoria, antes no incumprimento pelas RR do contrato de transporte celebrado- incumprimento consubstanciado na entrega da mercadoria em local diverso do contrato e constante da convenção da CMR.

XII - Nos termos da Convenção CMR apenas à A., enquanto expedidora, assiste o direito de alterar o local de entrega, mediante a indicação, dessa alteração no primeiro exemplar da declaração de expedição internacional (CMR), até ao momento de entrega da mercadoria e contra documento de recepção nos termos do artigo 12° da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR).

XIII - A A./Recorrente não funda a sua causa de pedir na perda de mercadoria - apenas em sede da alegação de direito, na sua p.i, se refere a esse conceito (e não se refere a esse facto), o que faz quando se refere à Convenção CMR porquanto a referida Convenção CMR, estatui consequências para o incumprimento do transportador - no seu artigo 17, n. 1, o transportador é responsável pela perda, total ou parcial, da mercadoria entre o momento do carregamento e o da entrega. E nesta citada norma, não surge referenciada, expressamente, a situação de entrega em lugar diverso, apenas consignando o conceito de perda de mercadoria.

XIV - Como pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Outubro de 1994 (Torres Paulo), in CJ. STJ. 1994. III. pág. 80. e de 11.03.1999 in www.dgsi. pt., o aludido conceito de perda da mercadoria é heterogéneo: efectiva destruição da coisa por acção interna /evaporação e combustão), ou externa (incêndio ou furto), substituição de uma coisa por outra, entrega em lugar diverso, ou falta da entrega dentro dos trinta dias seguintes ao termo do prazo convencionado ou, se não foi convencionado prazo, dentro dos sessenta dias seguintes à entrega da mercadoria ao cuidado do transportador. Cfr. artigo 20, n. 2, da Convenção CMR.

XV - É, apenas, ao utilizar a previsão daquela norma, em sede da sua alegação de direito, que a A. utiliza o conceito de “perda da mercadoria”, assim, nele enquadrando o concreto facto de “entrega em lugar diverso” e dai extraindo as consequências legais atinentes ao incumprimento do contrato de transporte internacional.

XVI - Tanto assim que, foram objecto do julgamento as seguintes questões a decidir: “Nos presentes autos está em causa a existência do invocado incumprimento por parte das RR. do acordado com a A., por alteração unilateral do lugar do cumprimento da obrigação e violação do dever de cuidado, protecção e segurança assentes na boa fé, e o correspondente direito da A. a ser indemnizada nos termos peticionados” (sublinhado e negrito nossos).

XVII - E tendo ficado assente, nos factos provados, que na execução do contrato de transporte firmado entre as partes:

(…)

15) O motorista da R. CC chega ao local indicado rio CMR pelas 17:39 e depara-se com um armazém fechado, com aspecto de abandonado, com uma placa com anúncio “to let” - arrenda-se, situação anómala e pouco habitual. (...)

17) Como se aproximava a hora limite para o descanso do motorista, por indicação da R. CC o motorista abandona o local indicado no CMR pelas 17:48, sem ter feito a descarga. (...)

21) O motorista pernoitou num parque e, no dia seguinte, recebeu instruções da R. CC para regressar ao local da descarga.

22) Durante o trajecto, foi contactado pelo destinatário, Sr. HH e ao chegar a uma rotunda situada antes da morada da entrega, fizeram-lhe sinal e mandaram-no seguir atrás de um veículo, o que fez, até ....

23) Aí o motorista procedeu à descarga da mercadoria num armazém em funcionamento, onde se movimentavam produtos alimentares, após ter confirmado a mesma junto da R. CC. (...)

25) A 2.a R. procedeu à entrega e descarga da mercadoria noutro local, sem que tal ordem/indicação lhe tivesse sido dada pela A. e sem ter obtido prévia autorização da A. e sequer, sem lhe ter comunicado/informado a alteração do local da entrega. (...)

37) Foi na reunião que ocorreu no dia 17/09/2014 às 14h00, nas instalações da 2.a R., que a A. tomou conhecimento de que a mercadoria e o segundo exemplar da declaração de expedição internacional (CMR n.° 6893), tinham sido entregues, em local/morada diversa da que estava expressamente indicada na referida declaração de expedição internacional.

38) E foi nesta reunião que a A. tomou conhecimento das circunstâncias em que ocorreu a entrega da mercadoria no dia 2/9/2014. “

Resulta demonstrado que as RR. incumpriram o contrato de transporte, desde logo, por terem alterado unilateralmente o local de entrega da mercadoria, sem o conhecimento e autorização da A. (artigo 12 da Convenção CMR) - e era este o ónus de prova que se impunha à A./Recorrente.

XVIII - E não é por o contrato de transporte internacional ser uma prestação de resultado final - que o facto de as RR. terem logrado entregar a mercadoria ao destinatário final, afasta o seu incumprimento do contrato.

XIX - Como pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/4/2010, Proc. n.° 982/07.1TVPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.. citado pela sentença da 1 .a Instância:

“O cumprimento do contrato deve ser pontual - art. 405° do Código Civil - no sentido de que as prestações devem ser realizadas não só no tempo convencionado, como o devem ser integralmente, ou seja, ponto por ponto, não se satisfaz, em tempo de cada vez maior eticização das condutas negociais segundo os deveres do tráfego inerentes a cada tipo contratual, com comportamentos que apenas tenham em conta interesses próprios, antes postula uma colaboração leal (de boa-fé) entre credor e devedor, sobretudo, no domínio das relações intersubjectivas, mormente nos negócios jurídicos, avultando o dever de cooperação, de entre os deveres acessórios de conduta. As partes sabendo do interesse económico do contrato reflectido na natureza das prestações que lhes incumbem não podem limitar-se, diríamos a uma actuação formal, automatizada, que desconsidere os interesses da parte contrária. Estamos confrontados com os deveres acessórios de conduta, implicando a adopção de procedimentos indispensáveis ao cumprimento exacto da prestação, avultando o dever de cooperação, sem o qual muitas vezes a utilidade final do contrato não é alcançada. (...)

Tais deveres são indissociáveis da regra geral que impõe aos contraentes uma actuação de boa-fé - art. 762°, n°2, do Código Civil - entendido o conceito no sentido de que os sujeitos contratuais, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício dos direitos correspondentes, devem agir com honestidade, e consideração pelos interesses da outra parte - princípio da concretização.

Assim, devendo as partes actuar na execução de qualquer contrato de acordo com os ditames da boa fé - art.º 762°, n.° 2 do Código Civil, e verificando-se o cumprimento defeituoso da obrigação, impende sobre as RR. a presunção de culpa prevista pelo art.º 799° do Código Civil, cabendo-lhes assim demonstrar que agiram “(...) com a diligência exigível segundo o padrão de um profissional experiente, conhecedor e responsável - a diligência do bónus pater famílias - art. 487°, nº2, do Código Civil” - Ac. cit."

XX - Por apelo ao acórdão citado, atenta a matéria de facto assente, e como na sentença:

Não são desprezíveis as circunstâncias em que o contrato foi executado pelas RR. e em que a entrega da mercadoria ocorreu, nem o facto de não terem RR. logrado provar que a entrega em local diverso ocorreu com o conhecimento dessas mesmas circunstâncias por parte da A. e seguindo aas instruções desta.

XXI - Verificando o cumprimento defeituoso da obrigação, impendia sobre as RR. a presunção de culpa prevista pelo art.º 799° do Código Civil, cabendo-lhes assim demonstrar que agiram “(...) com a diligência exigível segundo o padrão de um profissional experiente, conhecedor e responsável - a diligência do bónus pater famílias - art 487°, n°2, do Código Civil”. Ac. cit.”

XXII - Não lograram as RR afastar a presunção de culpa em causa, não demonstrando terem informado a A. que quando o motorista da R. CC chega ao local indicado no CMR pelas 17:39 se depara com um armazém fechado, com aspecto de abandonado, com uma placa com anúncio “to let” - arrenda-se, situação anómala e pouco habitual.

Igualmente não resultou provado que a descarga noutro local que não o constante do CMR tenha sido efectuada mediante instruções e com o consentimento da A.

XXIII - Verifica-se assim a violação do princípio da concretização e da boa fé contratual. Deste modo, verificado o incumprimento das RR., resulta o dever para estas pe indemnizar a A. pelos prejuízos sofridos - art.º 798° do Código Civil. A responsabilidade de ambas as RR. resulta do disposto pelo art.º 3º da CMR.

XXIV - Não obstante, continuou o Acórdão em crise o entendimento de que:

“É certo que a mercadoria vem a ser entregue ao destinatário indicado pela A. - HH, não na morada indicada no CMR, mas na morada para onde o destinatário levou o motorista da 2.a R. nas circunstâncias indicadas nos pontos 22 e 23 dos factos provados.

"O dano causado ao A. não decorreu da perda da mercadoria em consequência do transporte, mas sim porque o tal destinatário, indicado pela A. e que a recebeu, “burlou" a A. fazendo-se passar pela suposta cliente “DD".

Deste modo, a entrega da mercadoria em local diverso não foi causa adequada à produção do dano infligido à A. o qual tudo nos leva a concluir que se teria consumado ainda que a mercadoria tivesse sido entregue na morada que constava do CMR.” (página 23 e 24 do Acórdão)

XXV - Ora, e salvo o devido respeito, tal interpretação e conclusão do Acórdão, não só não encontra suporte nos factos provados como não encontra respaldo na interpretação e aplicação das normas jurídicas em causa.

XXVI - A entrega da mercadoria em local diverso foi causa adequada à produção do dano infringido à A. e o juízo de prognose póstuma, formulado no Acórdão, de que a produção do dano infringido à A.. (,..) se teria consumado ainda que a mercadoria tivesse sido entregue na morada que constava do CMR. ’’ contende com qualquer iter de raciocínio lógico e com as máximas da experiência comum.

Com efeito,

XXVII - Sendo a morada que constava do CMR “um armazém fechado, com aspecto de abandonado, com uma placa com anúncio “to let” - arrenda- se, situação anómala e pouco habitual” (ponto 15 dos factos assentes), e assim, não correspondendo a um local de funcionamento de qualquer negócio/descarga e carga de mercadorias e armazenagem das mesmas, qualquer homem médio colocado e confrontado com esse cenário não poderia deixar de concluir pela anormalidade das circunstâncias por absolutamente inadequadas à pretendida entrega de mercadoria;

E assim, caso tal circunstância anómala tivesse sido comunicada à A., pelas RR. como se impunha - e como não o foi não tinha esta (como qualquer outra empresa por apelo às regras da experiencia comum) permitido a descarga da mercadoria; tanto mais que o destinatário - pelo qual se fez passar o burlão - “DD, de renome internacional no mercado de café (ponto 32 dos factos assentes) nunca teria como destino da encomenda um armazém fechado, com aspecto de abandonado, com uma placa com anúncio “to let" - arrenda-se.

XXVIII - E do mesmo modo, qualquer motorista, diligente não teria procedido à entrega e descarga da mercadoria de “33 paletes de café" num armazém fechado, com aspecto de abandonado, com uma placa com anúncio “to let” - arrenda-se.

XXIX - Do mesmo modo que, nenhuma transportadora diligente teria autorizado o seu motorista a efectuar a aludida entrega e descarga de mercadoria em tal “cenário" sem previamente ter obtido a expressa autorização do expedidor - no caso da A.

XXX - Como se lê no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 02.11.2010, processo n.° 2290/04-0TBBCL.G1.S1, disponível em www.dqsi.pt:

“A propósito, disse-se no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 2006, deste Colectivo:

“Como já se insinuou, o artigo 563.° do Código Civil consagra o princípio da causalidade] adequada na sua formulação negativa.

E este Supremo Tribunal vem entendendo que 'o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente (qleichgultiq) para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercedam no caso concreto (cfr. ainda os Acórdãos de 4 de Novembro de 2004 — P.° 2855/04- 2.a, de 13 de Janeiro de 2005 — P.° 4063/04-7°; Prof. A. Varela, in ‘Das Obrigações em Geral’, 10.a ed, 1, 893, 899, 890/1 — '... do conceito de causalidade adequada pode extrair-se, desde logo, como corolário, que para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si. sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano.’).

É a consagração do ensinado por Enneccerus-Lehman, que para o Dr. Ribeiro de Faria, conduz a que ‘a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu pelas referidas circunstâncias excepcionais ou extraordinárias’, (apud ‘Direito das Obrigações’, 1, 502) e que o Prof. Almeida Costa diz dever interpretar-se no sentido de que ‘o facto que actua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas adequada ou excepcionais sendo que a citada doutrina da causalidade ‘não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o dano.' (in ‘Direito das Obrigações’, 632).

Parte-se, pois, de uma situação real, posterior ao facto, e até ao dano, e afirma-se que o segundo decorreria daquele perante um desenvolvimento normal, ou seja, o dever de indemnizar existe em relação aos danos que terão provavelmente resultado da lesão.

Ou como julgou este Supremo Tribuna! ‘a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias’ (Acórdão de 20 de Outubro de 2005 — 05B2286).’’ (Sublinhado nosso)

XXXI - O Contrato de transporte foi incumprido pelas RR - que procederam à entrega da mercadoria em local diverso do contrato e constante da convenção da CMR., nas circunstâncias e contexto descritas e assentes - sem conhecimento e sem prévia autorização da A.

XXXII - Paralelamente ao incumprimento das RR. existe a conduta de um terceiro -o destinatário das mercadorias -"o burlão”- que com o incumprimento da parte das RR. conseguiu concretizar o seu plano - Não será pela conduta desse terceiro - que as RR. ficam desoneradas das responsabilidades decorrentes do seu incumprimento contratual do contrato de transporte para com a A..

XXXIII - O incumprimento das RR. não foi indiferente para a produção do dano:

XXXIV - A conduta omissiva das RR. impediu a A. de controlar a mercadoria e evitar a sua entrega como evitou na segunda encomenda. Cfr. factos assentes sob os pontos 35), 36) 37) 38), 15 a 25).

XXXV - Deste modo, e ao contrário do entendimento do Acórdão:

A entrega da mercadoria em local diverso foi causa adequada à produção do dano infligido à A. o qual não se teria consumado se a 2.° R. tivesse informado a A. da anormalidade das circunstâncias - “um armazém fechado, com aspecto de abandonado, com uma placa com anúncio “to let” - arrenda-se, situação anómala e pouco habitual” e não tivesse procedido à entrega da mercadoria em local diverso do constate da CMR sem o conhecimento e prévia autorização da A.

Pelo que,

XXXVI - Ante o incumprimento das RR., resulta o dever para estas de indemnizar a A. pelos prejuízos sofridos - art.° 798° do Código Civil. A responsabilidade de ambas as RR. resulta do disposto pelo art.° 3º da CMR, conforme julgou a sentença proferida pela 1.ª Instância.

XXXVII - Ao assim decidir, o Acórdão proferido incorreu em erro de julgamento, e errou na aplicação e interpretação das normas jurídicas em causa, violando a lei substantiva (Cfr. artigo 674.° n.°1) do CPC)”-

Pede, a terminar, que seja revogado o Acórdão recorrido, e confirmada a sentença proferida pela 1.ª Instância.

A recorrida BB, Lda respondeu pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

As instâncias deram como provados os seguintes factos:

“1. A Autora dedica-se à importação, exportação e comércio de cafés e produtos alimentares e indústria de torrefacção.

2. A 1.ª R. dedica-se ao afretamento e logística de transportes rodoviários de mercadorias, nacional e internacional.

3. A 2.ª R. dedica-se ao transporte rodoviário de mercadorias, nacional e internacional.

4. No exercício da sua actividade a A. contratou a 1.ª R. para efectuar o transporte rodoviário internacional de 33 paletes de café torrado em grão, com peso bruto de 17.263KG, tendo, a 7 de Agosto de 2014, solicitado à Ré BB, que responde no próprio dia, uma cotação para a prestação de serviço de transporte de mercadorias.

5. Acordados os termos do negócio, a 14 de Agosto de 2014, a Autora fornece à Ré BB por e-mail os dados necessários para esse serviço, como a morada de entrega “DD ” e os contactos do destinatário das mercadorias “Mr. HH Tel: +...”.

6. Foi para tanto elaborado o CMR (declaração de expedição internacional) n.º 6893 onde constava:

“Transporte de 33 paletes de café torrado em grão, com peso bruto de 17.263KG

Lugar e data do carregamento da mercadoria: Rua ..., a 28.08.2014;

Destinatário lugar e data de entrega da mercadoria: DD, ..., a 02.09.2014”.

7. A 1.ª R. contratou a 2.ª R. para efectuar e assegurar o referido transporte.

8. No dia 1 de Setembro de 2014, ocorreram diversas comunicações entre A., 1ª R. e 2ª R., de teor não totalmente apurado, mas relacionado com a dificuldade em concretizar a entrega, e onde a A., na pessoa do seu Director Comercial, EE, foi informada pela R. BB que havia dificuldade em encontrar o local e havia dificuldade em contactar o destinatário.

9. Essas comunicações ocorreram entre II, Chefe de Tráfego da Ré CC que contacta, telefonicamente, pelas 14:57, JJ, Técnico Comercial da Ré BB responsável pela relação com a Autora.

10. A Ré BB, na pessoa de JJ, entra em contacto com EE, Director Comercial da Autora, às 14:59 através de mensagens escritas (SMS)

11. Pelas 16:34, JJ entra em contacto com II, por via telefónica.

12. Às 16:37, JJ envia novo SMS a EE.

13. E, às 16:47, telefona, novamente a II.

14. Pelas 16:57, II tenta, por duas vezes, ligar ao contacto do destinatário – o Sr. HH –, mas ninguém atende.

15. O motorista da R. CC chega ao local indicado no CMR pelas 17:39 e depara-se com um armazém fechado, com aspecto de abandonado, com uma placa com anúncio “to let” – arrenda-se, situação anómala e pouco habitual.

16. O motorista liga para a II, da R. CC e transmite-lhe que o armazém está fechado, aguardando instruções.

17. Como se aproximava a hora limite para o descanso do motorista, por indicação da R. CC o motorista abandona o local indicado no CMR pelas 17:48, sem ter feito a descarga.

18. Às 17:56, II telefona a JJ, informando-o que já conseguiu falar com HH e que combinou a entrega para o dia seguinte.

19. A A., na pessoa do seu Director Comercial, EE, em horas não concretamente apuradas, entrou em contacto com o destinatário da mercadoria, Sr. HH, no dia 1 de Setembro de 2014 e informa a R. Cat que conseguiu contactar o destinatário.

20. Cerca das 18:00h a R. BB informa EE que conseguiu contactar o destinatário e que, dadas as horas, iriam fazer a entrega no dia seguinte.

21. O motorista pernoitou num parque e, no dia seguinte, recebeu instruções da R. CC para regressar ao local da descarga.

22, Durante o trajecto, foi contactado pelo destinatário, Sr. HH e ao chegar a uma rotunda situada antes da morada da entrega, fizeram-lhe sinal e mandaram-no seguir atrás de um veículo, o que fez, até ....

23. Aí o motorista procedeu à descarga da mercadoria num armazém em funcionamento, onde se movimentavam produtos alimentares, após ter confirmado a mesma junto da R. CC.

24. Finalmente, a descarga foi confirmada à Autora, por JJ, mediante SMS, nesse dia 2 de Setembro de 2014, às 9:44.

25. A 2.ª R. procedeu à entrega e descarga da mercadoria noutro local, sem que tal ordem/indicação lhe tivesse sido dada pela A. e sem ter obtido prévia autorização da A. e sequer, sem lhe ter comunicado/informado a alteração do local da entrega.

26. Em 3/9/2014, o cliente/destinatário daquela primeira encomenda, suposto chefe de vendas do “DD”, telefonou à A. a elogiar o café e a forma como se tinha operado a entrega da mercadoria e solicitou o envio preços de cápsulas de café para consulta e posterior encomenda.

27. A 4/9/2014, a A. envia os pretendidos e solicitados preços, e nesse mesmo dia, o cliente/destinatário, encomenda cápsulas de café.

28. Na sequência desta segunda encomenda, a A. fez transportar, novamente, as paletes de cápsulas de cafés através da contratação da 1.ª R. que contratou, de novo, a 2.ª R. para efectuar o transporte, com entrega estipulada para o dia 10/9/2014.

29. Relativamente a esta segunda encomenda e remessa, foi emitido o CMR n.º 8620, onde constava como lugar de entrega de mercadorias “...”.

30. Na factura proforma n.º 8/2014 de 4/8/2014 respeitante a esta segunda encomenda consta como local de descarga “...”.

31. No dia 7/9/2014, EE envia um SMS a JJ, da R. BB com o seguinte teor:

“(…) envio-lhe abaixo a morada e pessoa de contacto para as 5 paletes que carregaram sexta-feira, isto porque na guia de remessa e CMR a morada do destinatário era a da sede social: ...”, SMS que foi depois reencaminhado para II da R. CC no dia 8/9.

32. Entretanto, um dos legais representantes da A., Eng.º FF, regressado de férias, estranhou a pressa da encomenda e que o cliente em causa, de renome internacional no mercado de café, tivesse encomendado cápsulas de café sem o prévio pedido de amostras de prova – como é prática prévia e comum a qualquer encomenda de cápsulas de café.

33. As cápsulas em causa não tinham a qualidade pretendida pela própria A. e estavam em stock no armazém, tendo EE visto nesta encomenda uma oportunidade de escoar o produto.

34. Assim, no dia 8/9/2014, o Eng.º FF encarregou a CEO da A., Dra. GG de ligar para a cliente/destinatária “DD” e, ao ser posta em contacto com o chefe de vendas, constatou que a voz não era a mesma que ouvira pelo menos uma vez aquando das supra descritas encomendas, e este disse-lhe que não tinham feito qualquer encomenda à A.

35. Apercebeu-se a A. que o destinatário da mercadoria vinha actuando no mercado usurpando os elementos de identificação da DD, para, aproveitando-se do bom nome comercial desta, efectivar encomendas de valor elevado, sem pagar o respectivo preço e dando descaminho à mercadoria impedindo a sua recuperação.

36. De imediato a A. deu instruções à 1.ª R para segurar a mercadoria e não proceder à sua entrega, o que esta fez de imediato, e agendou uma reunião com a 1.ª, 2.ª RR, e o condutor desta, com o objectivo de obter o máximo de informação sobre as pessoas que receberam a entrega da primeira encomenda ao destinatário no Reino Unido, reunião que ocorreu no dia 17/9/2014.

37. Foi na reunião que ocorreu no dia 17/09/2014 às 14h00, nas instalações da 2.ª R., que a A. tomou conhecimento de que a mercadoria e o segundo exemplar da declaração de expedição internacional (CMR n.º 6893), tinham sido entregues, em local/morada diversa da que estava expressamente indicada na referida declaração de expedição internacional.

38., E foi nesta reunião que a A. tomou conhecimento das circunstâncias em que ocorreu a entrega da mercadoria no dia 2/9/2014.

39. A A. não recebeu o pagamento da mercadoria entregue no dia 2/9, no montante facturado de € 69.477,60.

40. Em 01.10.2014, a A. interpelou por escrito, a 1.ª R, imputando-lhe a responsabilidade pelos prejuízos sofridos e interpelando-a ao inerente pagamento.

41. A A. não procedeu ao pagamento das facturas relacionadas com o transporte e armazenamento da mercadoria à R. BB, tendo esta intentado contra a A., a 29 de Maio de 2015, um processo de injunção contra a Autora, autuado sob o número 73729/15.7YIPRT e distribuído no Tribunal da Comarca de Évora, Instância Local de Reguengos de Monsaraz, Secção de Competência Genérica, J1, pedindo a condenação da A. a pagar à 1.ª R. o valor do frete/serviço do primeiro transporte no valor de €2.700,00 conforme factura, da 1.ª R. n.º PT14CI00979 e o valor do frete/serviço do segundo transporte, com armazenamento e regresso da mercadoria, no valor global de €2.167,24, conforme facturas emitidas pela 1.ª R., nº. 600019700, 600019701, 14/001178.

42. Nessa acção foi proferida sentença no dia 14/3/2016 condenando a aqui A. a pagar à aqui R. BB:

A quantia de € 1.000,00, acrescida de juros comerciais desde a data de vencimento da respectiva factura PT14CI00979;

A quantia de € 1.470,60, acrescida de juros comerciais desde a data de vencimento da respectiva factura FACPT 14/001178;

A quantia de € 610,00, acrescida de juros comerciais desde a data de vencimento da respectiva factura 600019701;

A quantia de € 88,56, acrescida de juros comerciais desde a data de vencimento da respectiva factura 600019700 e absolvendo a aqui A. do remanescente peticionado.”

E consideraram como não provados os seguintes:

Que as mercadorias foram entregues ao destinatário, no local contratado, em ..., onde o destinatário as aceitou, assinando o CMR;

-Que foi comunicado à A. no dia 1/9/2014, na pessoa do seu Director Comercial EE, pelo Técnico Comercial JJ, da Ré CAT, através de SMS, que o armazém indicado como local de entrega tem uma aparência “estranha”: apresenta uma placa a dizer “para arrendar”;

-Nem que essa situação havia sido constatada no dia 1/9/2014 pela Ré CC através da ferramenta da Internet Google Maps e comunicada à Ré CAT que a comunica, por sua vez, à Autora.

-Que nesse mesmo contacto, EE sugere que a Ré CC entre em contacto, directamente, com o destinatário, para os contactos (e não por qualquer número que fosse indicado nesse momento) e, simultaneamente, pede os contactos da Ré CC para que pudessem ser fornecidos ao destinatário das mercadorias, Sr. HH, ou que a R. CC, na pessoa de II, através da R. BB, tenha solicitando e obtido autorização da A. para fornecer o seu contacto ao cliente, para que este fale directamente com quem receberá as mercadorias e, assim, agilize a entrega, em face do que, o Director Comercial da A. forneceu o n.º de contacto telefónico do chefe de vendas do cliente/destinatário.

-Que no seguimento dessa comunicação, a Autora dá instruções à Ré BB, que as transmite à Ré CC, para que a entrega seja feita conforme especificamente combinado com HH, o destinatário das mercadorias, cujos contactos haviam sido fornecidos a 14 de Agosto;

-Que o motorista da Ré CC tenha ou não ligado ao cliente/destinatário;

-Que o contacto entre o destinatário e a R. CC só foi possível porque a Autora contactou o destinatário e forneceu-lhe os contactos de II;

-Que embora a Ré CC tenha procedido à entrega efectiva da mercadoria e do segundo exemplar da declaração CMR na nova morada indicada pelo destinatário, apenas o fez por indicação da Autora.

-Que no dia seguinte, 02.09.2014, o referido Director Comercial da A. foi informado pela 1ª R., por telefone, das circunstâncias que rodearam a entrega.”

O Direito:

O contrato referido nos autos respeita a um contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, regulado pela Convenção Relativa ao Contrato Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR), integrada no direito português pelo DL n.º 46 235, de 18 de Março.

Na sentença, o Sr. Juiz da 1ª instância entendeu que, apesar de a mercadoria ter sido entregue ao destinatário conforme pretendido pela autora, não eram despiciendas as circunstâncias em que tal entrega tinha ocorrido, ou seja, em local diverso, sem o conhecimento ou consentimento da autora. Para tanto, e fazendo apelo ao acórdão do STJ de 29.4.2010, relatado por Fonseca Ramos, em www.dgsi.pt., concluiu que se verifica um cumprimento defeituoso da prestação, de que as rés são presuntivamente culpadas, uma vez que não demonstraram que informaram a autora de que o motorista se deparou no local indicado pelo CMR com um armazém, com aspecto de abandonado, nem provaram que a descarga noutro local que não o do CMR foi efectuada mediante instruções e com o consentimento da A. Concluiu, ainda, que se verifica a violação do princípio da concretização a que deve corresponder o cumprimento da obrigação (a conduta devida deve realizar, no terreno, o interesse do credor) e o da boa fé contratual (Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil Português – II – Direito das Obrigações – 2010 – pág. 365 e segs).

Não foi esse, no entanto, o entendimento sustentado pela Relação, que considerou que a “perda“ da mercadoria (dano) não deriva do facto de a entrega não ter sido feito na morada constante do CMR (pois a mercadoria foi entregue ao destinatário) mas do facto de a mesma ter sido entregue a um destinatário indicado pela A. que a burlou e se fez passar pela cliente DD. Deste modo, a entrega da mercadoria em local diverso não foi causa adequada à produção do dano sofrido pela autora, que teria provavelmente ocorrido mesmo que a mercadoria tivesse sido entregue na morada constante do CMR.

Objecta, agora, a recorrente/autora que não fundou a presente acção na “perda da mercadoria”, mas no incumprimento contratual decorrente da entrega da mercadoria em local diverso do contratado e sem a prévia autorização e conhecimento da autora.

É verdade que a qualificação jurídica da causa de pedir não vincula o tribunal. No entanto, dá nota da dificuldade do enquadramento jurídico da pretensão, na medida em que, ciente de que o artigo 17, nº 1 da Convenção CMR limita a responsabilidade do transportador aos casos de perda total ou parcial (da mercadoria), ao caso de avaria que se produzir entre o momento de carregamento da mercadoria e o da entrega e ao caso da demora da entrega, a autora sentiu necessidade de proceder à integração da entrega da mercadoria em lugar diverso no conceito (que considerou heterogéneo) de “perda de mercadoria” (cfr. arts. 41 a 43 da petição), quando é certo que a entrega em lugar diverso do CMR só faria sentido como perda de mercadoria se, por esse facto, a mercadoria não chegasse ao poder do destinatário indicado pelo expedidor. A perda pressupõe o desaparecimento físico, o extravio ou o descaminho por acto voluntário do transportador (A. Proença e J. Espanha Proença, “Transporte de Mercadorias”, 47, citado no Ac. STJ de 15.5.2013, Granja da Fonseca, em www.dgsi.pt). O que não aconteceu no caso.

É certo que a mercadoria não foi entregue realmente à sociedade indicada no local indicado no CMR. Mas não o foi pelo facto de ela ali não funcionar. E, por isso, foi entregue à pessoa – HH - que a autora indicou para contacto da destinatária (5).

Parece, portanto, que não existirá aqui uma “perda de mercadoria” em sentido próprio, uma vez que a mercadoria foi entregue ao “ contacto” do destinatário indicado pela autora (que se fez passar por representante da sociedade). Mas ainda que se entendesse que a transportadora não tinha entregue a mercadoria ao destinatário indicado no CMR (uma sociedade comercial) sempre teria de prevalecer o nº 2 do art. 17 da Convenção CMR que estabelece que “o transportador fica desobrigado desta responsabilidade [a que se refere o nº 1] se a perda, avaria ou demora teve por causa uma falta do interessado, uma ordem deste que não resulte de falta do transportador, um vício próprio da mercadoria, ou circunstâncias que o transportador não podia evitar e a cujas consequências não podia obviar.” Isto é: a perda de mercadoria teria tido como causa uma falta da autora (ou ordem dela) que deu como contacto o referido Charles Brown, que deu, depois, descaminho à mercadoria impedindo a sua recuperação.

Seja como for, a autora/recorrente não questiona agora a entrega da mercadoria ao destinatário, que ela própria indicou. O que ela questiona é o incumprimento contratual com fundamento na entrega da mercadoria em local diverso do contratado e constante da convenção da CMR sem a sua prévia autorização e sem o seu conhecimento.

Estabelece o artigo 12 da Convenção CMR: no nº 1 que “o expedidor tem o direito de dispor da mercadoria, em especial pedindo ao transportador que suspenda o transporte desta, de modificar o local previsto para a entrega e de entregar a mercadoria a um destinatário diferente do indicado na declaração de expedição”; e no nº 7: “O transportador que não executar as instruções dadas nas condições previstas no presente artigo, ou que se tenha conformado com essas instruções sem ter exigido a apresentação do primeiro exemplar da declaração de expedição, será responsável perante o interessado pelo prejuízo causado por esse facto”. Estabelece, ainda, como melhor se precisa melhor o nº 1 do artigo 17 da Convenção: “ O transportador é responsável pela perda total ou parcial, ou pela avaria que se produzir entre o momento de carregamento da mercadoria e o da entrega, assim como pela demora da entrega”.

É verdade que a mercadoria foi entregue pela 2ª ré ao destinatário em local diverso do contratado, sem que tal ordem/indicação lhe tivesse sido dada pela autora, sem ter obtido prévia autorização dela e sem, sequer a ter informado da alteração do local de entrega (25).

Nessa medida, tendo realizado a prestação da entrega em lugar diferente do devido, terá cumprido defeituosamente o contrato (Nuno Pinto de Oliveira, Princípios do Direito dos Contratos, 1ª edição, pág. 407).

Acontece, porém, que é à Convenção CMR, que é uma Convenção Internacional - e não à lei interna, designadamente aos artigos 799 e 798 do CC - que se deverá obedecer em primeiro lugar (ver Januário Gomes, em Comentário ao Acórdão do STJ de 12.10.2017, em Revista de Direito das Sociedades, pág. 609 e seg.). E a Convenção CMR não tira consequências do facto de a prestação da entrega ser realizada em lugar diferente.

As rés não são, assim responsáveis nos termos do art. 17 (que não prevê a alteração do local de entrega como fundamento de responsabilidade) nem nos do art. 12 da Convenção (uma vez que a transportadora não desobedeceu a quaisquer instruções da autora que tivessem sido dadas nos termos do nº 1 deste último artigo).

E o que dizer da falta de informação à autora da alteração do local de entrega?

Como se sabe, os contratos incluem não só as obrigações deles constantes, mas também deveres acessórios inerentes à prossecução do resultado por eles visado
destinados a preparar o cumprimento ou a assegurar a perfeita execução da prestação principal (cfr. Ac. STJ de 7.12.2010, Salazar Casanova e Ac. STJ de 25.10.2012, Álvaro Rodrigues, ambos em
www.dgsi.pt, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 10 ª edição, vol. I, 122 e 123). Incluem não só as obrigações que expressa ou tacitamente decorrem do acordo das partes, mas também, designadamente, todos os deveres que se fundam no princípio da boa fé e se mostram necessários a integrar a lacuna contratual (António Pinto Monteiro, Erro e Vinculação Negocial, página 43). Deveres que se costumam agrupar em deveres de informação ou esclarecimento, em deveres de lealdade e em deveres de protecção ou segurança (cfr. Ac. STJ de 27.1.2016, Maria da Graça Trigo, que cita Carlos Mota Pinto, em Cessão da Posição Contratual, reimp, 1982, págs. 337, Menezes Cordeiro, Da boa fé no direito civil, Vol. II, 1984, págs. 586 e segs. e Tratado de Direito Civil, Vol. VI, 2012, págs. 498 e segs. e, a propósito dos deveres de protecção, Carneiro Frada, em Contrato e deveres de protecção, 1994, págs. 44 e seg).

Como se vê, nos termos da Convenção CMR, apenas à autora, enquanto expedidora, assiste o direito de alterar o local de entrega, mediante a indicação, dessa alteração no primeiro exemplar da declaração de expedição internacional (CMR), até ao momento de entrega da mercadoria e contra documento de recepção nos termos do artigo 12° da Convenção CMR. E, por isso, poderá sustentar-se que, não podendo entregar a

mercadoria do local acordado mas apenas noutro, recairia sobre o transportador o dever de informar a autora expedidora da necessidade da alteração do local de entrega, de forma a obter a necessária autorização/consentimento para o efeito. Pelo que, nessa perspectiva, se poderá compreender a argumentação de que a inobservância desse dever acessório de informação implicará também um cumprimento defeituoso que deverá ser encarado à luz das normas relativas à responsabilidade contratual (v. o citado Ac. STJ de 25.10.2012 e os Ac. STJ de 24.4.2013, Pereira da Silva e o Ac.. STJ de 29.4. 2010, Fonseca Ramos, também em www.dgsi.pt).

Sucede, no entanto, que a responsabilidade do transportador deverá ser vista no âmbito da Convenção CMR. E à face desta não assiste à autora qualquer indemnização por cumprimento defeituoso. Nem com fundamento no art. 17, que não prevê a responsabilização do transportador pela entrega da mercadoria ao destinatário fora do local acordado, nem com fundamento no art. 12, que apenas responsabiliza o transportador  pela inobservância das instruções que a autora tiver dado nas condições desse artigo, que aqui não se verificam.

Todavia, e ainda que se entendesse que era possível o recurso às normas do Código Civil e se considerasse a existência de cumprimento defeituoso e de uma presunção de culpa, nos termos dos art. 798 e 799 do CC, geradores de responsabilidade contratual, ainda assim não se mostrariam reunidos todos os pressupostos da obrigação de indemnizar em face da lei civil, pois sempre faltaria à autora provar o nexo de causalidade entre a não entrega no local acordado ou da ausência de informação da alteração do local de entrega e o prejuízo que a autora teve (Ac. STJ de 2.11.2010, Sebastião Póvoas e Ac. STJ de 21.9.2006, Salvador da Costa, ambos em www.dgsi.pt).

Com efeito, prevalece, na nossa jurisprudência a teoria de que, de acordo com a formulação negativa da causalidade adequada de Enneccerus-Lehman (e que, segundo Antunes Varela, foi adoptada no art. 563.º do CC) o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo, quando, dada a sua natureza geral, se mostrar indiferente para a verificação do dano. De acordo com essa doutrina, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis (Acs. STJ de 18.12.2013, de 10.3.98 e de 14.5.2002, todos em www.dgsi.pt e Ac. STJ de 15.1.2002, Col. 2002-I-38; v., ainda, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 10ª edição, pág. 894). Ponto é que o facto seja, em primeiro lugar, condição do dano. Antes de indagar se a causa foi adequada à produção do dano, deve o intérprete verificar se foi “conditio sine qua non” dele. Não o tendo sido, falece logo a relação causal (v. Ac. STJ de 22.10.2009, João Bernardo, em www.dgsi.pt).

No caso sub judice, o dano resultou da entrega da mercadoria a alguém que burlou a autora fazendo-se passar por representante da cliente DD e que se apropriou da mercadoria sem a pagar (factos 35 e 39). Não resultou da entrega em lugar diverso. Como não resultou também da ausência de informação sobre a alteração do local de entrega (e sobre a sua necessidade).

Com efeito, apenas ficou provado que “a 2.ª R. procedeu à entrega e descarga da mercadoria noutro local, sem que tal ordem/indicação lhe tivesse sido dada pela A. e sem ter obtido prévia autorização da A. e sequer, sem lhe ter comunicado/informado a alteração do local da entrega” (25).

Argumenta, a recorrente que sendo a morada que constava do CMR “um armazém fechado, com aspecto de abandonado, com uma placa com anúncio “to let” - arrenda- se, situação anómala e pouco habitual” (ponto 15 dos factos assentes), e assim, não correspondendo a um local de funcionamento de qualquer negócio/descarga e carga de mercadorias e armazenagem das mesmas, qualquer homem médio colocado e confrontado com esse cenário não poderia deixar de concluir pela anormalidade das circunstâncias por absolutamente inadequadas à pretendida entrega de mercadoria; e assim, caso tal circunstância anómala tivesse sido comunicada à A., pelas RR. como se impunha - e como não o foi, não tinha esta (como qualquer outra empresa por apelo às regras da experiencia comum) permitido a descarga da mercadoria; tanto mais que o destinatário - pelo qual se fez passar o burlão - “DD, de renome internacional no mercado de café (ponto 32 dos factos assentes) nunca teria como destino da encomenda um armazém fechado, com aspecto de abandonado, com uma placa com anúncio “to let" - arrenda-se.

Porém, não se pode afirmar que tal teria ocorrido. Se se pode admitir que a entrega da mercadoria no local inicialmente indicado, por apresentar sinais de abandono e estar “para alugar” poderia ter, eventualmente, suscitado suspeitas à autora expedidora, se dessa circunstância tivesse sido informada, já não se pode afirmar que, provavelmente, teria suscitado suspeitas tais que a levassem a não permitir a descarga da mercadoria noutro local. É que, não ignoremos, ficou provado que: “ 8. No dia 1 de Setembro de 2014, ocorreram diversas comunicações entre A., 1ª R. e 2ª R., de teor não totalmente apurado, mas relacionado com a dificuldade em concretizar a entrega, e onde a A., na pessoa do seu Director Comercial, EE, foi informada pela R. BB que havia dificuldade em encontrar o local e havia dificuldade em contactar o destinatário. 19. A A., na pessoa do seu Director Comercial, EE, em horas não concretamente apuradas, entrou em contacto com o destinatário da mercadoria, Sr. HH, no dia 1 de Setembro de 2014 e informa a R. BB que conseguiu contactar o destinatário.” Ora, se essas circunstâncias não foram suficientes para que a autora impedisse a descarga, é natural que subsistam dúvidas de que o conhecimento da alteração do local de entrega levasse (provavelmente) a autora a impedir essa descarga e evitar o prejuízo.

Exigia-se, assim, a prova desse nexo naturalístico (da “conditio sine qua non” ). Ora, não ficou provado que o prejuízo seja consequência provável da falta de comunicação/informação sobre as características do local indicado no CM. A autora não alegou (e, por isso, não provou) que, se disso tivesse sido informada, o prejuízo não se teria verificado. Apenas alegou que a entrega em local diverso “… permitiu que o destinatário da mercadoria, entidade diversa da verdadeira sociedade DD se apropriasse da mercadoria, em lugar que a A. não pode controlar, nem sindicar, porque não foi previamente informada da alteração, e sem nunca pagar o preço respectivo à A.” (art. 31 da petição). Faltaria alegar que, se tivesse sido informada da alteração do lugar (e das características do inicialmente indicado), teria evitado a apropriação porque teria controlado e sindicado essa alteração.

Não tendo a autora provado (nem alegado) esse nexo naturalístico entre o facto e o dano, não pode agora este Tribunal presumir tal nexo, por tal lhe estar vedado (cfr. Ac. STJ de 11.1.2011, Sebastião Póvoas, Ac. STJ de 24.4.2013, Pereira da Silva, Ac. STJ de 27.11.2018, Maria dos Prazeres Beleza e o supra citado Ac. STJ de 21.9.2006, todos em www.dgsi.pt). Só depois de assente esse nexo naturalístico, que não se demonstrou, podia o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade, interpretando e aplicando o artigo 563° do Código Civil (Ac. STJ de 11.1.2011). Não existindo essa condição (naturalística), nunca se poderia concluir, pois, pela relação de causalidade adequada prefigurada no referido artigo 563º do Código Civil.

Em resumo, não se verificam os pressupostos da obrigação de indemnizar a autora, nem à face da Convenção CMR nem à face do Código Civil, designadamente, dos seus arts. 798º e 799º.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

          Custas pela recorrente.

Lisboa, 23 de Maio de 2019

António Magalhães (Relator)

Alexandre Reis

Pedro de Lima Gonçalves