Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8507/12.0TBVNG.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: CONTRATO DE DEPÓSITO
DEPÓSITO BANCÁRIO
MOEDA ESTRANGEIRA
PARTILHA DA HERANÇA
HOMOLOGAÇÃO
REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
TÍTULO EXECUTIVO
ADJUDICAÇÃO
OBRIGAÇÃO VALUTÁRIA
EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA
ACÇÃO DECLARATIVA
AÇÃO DECLARATIVA
APROPRIAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 07/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS / NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / REALIZAÇÃO COACTIVA DA PRESTAÇÃO ( REALIZAÇÃO COATIVA DA PRESTAÇÃO ) / CONTRATOS EM ESPECIAL - DIREITO DAS SUCESSÕES / ACEITAÇÃO DA HERANÇA / ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA / ENTREGA DE BENS AO CABEÇA DE CASAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS - PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO / CONVERSÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recurso no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 3.ª Edição, 2016, 125.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 10.ª Edição, 2006, 82 e ss., 845 e ss., 851-869; Depósito Bancário, Revista da Banca, n.º 21, Janeiro/Março, 1992, 47.
- Castro Mendes, Direito Processual Civil (Acção Executiva) AAFD de Lisboa, 1971, 39.
- Domingos Silva Carvalho de Sá, Do Inventário, Descrever Avaliar e Partir, Almedina, 1996, 251.
- João António Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Almedina, 4.ª ed., 534 e ss..
- Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da reforma da reforma, Coimbra Editora, 5.ª Edição, 2009, 153-154.
- Mário Júlio Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4.ª ed., Coimbra Editora, 89 e 102 e seguintes; Direito das Obrigações, Almedina, 11.ª Edição, 2008, 691 e ss..
- Paula Ponces Camanho, Do Contrato de Depósito Bancário, Almedina, 104-109.
- Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, LEX, 1998, 17.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 550.º A 558.º, 817.º A 827.º, 1205.º, 1206.º, 1142.º, 1144.º, 2050.º, 2088.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 10.º, N.º6, 608.º, N.º1, 638.º, N.º7, 641.º, N.ºS 1, 2 E 5, 652.º, N.º 1, ALÍNEA B), 655.º, N.º 1, 658.º, 663.º, N.º 2, 703,º, N.º 1, ALÍNEA A), 867.º
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

-DE 26/11/1992, IN C.J., TOMO V, 128.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 19/06/1984, IN B.M.J. N.º 338, 434.
-DE 22/04/2004, PROC. N.º 04B987, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I. O contrato de depósito bancário importa a transferência da propriedade das quantias depositadas do depositante para o depositário pelo tempo que dure o contrato, ficando aquele na titularidade de um direito de crédito sobre o valor pecuniário correspondente.

II. Assim, os saldos de depósitos bancários de pessoa entretanto falecida passam a constituir créditos da respetiva herança, suscetíveis de adjudicação aos herdeiros.

III. A sentença homologatória de partilha em inventário que adjudique tais saldos aos herdeiros constitui título executivo para efeitos de acesso ou entrega desses saldos aos herdeiros a quem forem adjudicados.

IV. Tratando-se de saldos de depósitos em moeda estrangeira existentes em país estrangeiro, adjudicados por sentença proferida em Portugal, a realização coativa dessa prestação pecuniária pode ser obtida por via do mecanismo de revisão de sentença naquele país.

V. Embora, segundo a lei portuguesa, a realização coativa de obrigações pecuniárias em moeda estrangeira, siga a execução para prestação de coisa certa, no âmbito da qual se poderá então proceder à conversão dessa prestação em indemnização compensatória, nada impede que o credor, embora provido de um título executivo de que conste tal obrigação, perante a eventualidade de insucesso da respetiva realização coativa, lance mão da ação declarativa para obter uma indemnização substitutiva, com maiores garantias de tutela, em vez de dar à execução aquele título.

VI. Não obstante a existência de sentença homologatória de partilha em que se adjudiquem saldos de depósitos bancários aos herdeiros, a pretensão indemnizatória de qualquer dos adjudicatários contra os demais herdeiros, só procederá se o interessado provar que o co-herdeiro demandado retém na sua exclusiva disponibilidade o acesso a tais saldos ou se se apropriou indevidamente dos valores dos saldos adjudicados.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. AA (A.) intentou, em 02/10/2012, no então designado Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, contra BB (R.) ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, alegando, em resumo, que:

. A. e R., irmãos e herdeiros de seus pais, CC e DD, já falecidos, procederam à partilha da herança destes mediante inventário que correu termos no Tribunal da Comarca do Porto;

. Tal partilha foi homologada por sentença transitada em julgado em 18/06/2010, tendo sido adjudicados os depósitos de que os falecidos pais da A. e do R. eram titulares nos Estados Unidos da América, descritos sob as verbas n.ºs 28, 30 e 31, na proporção de ½ para A. e ½ para o R.;

. Tais depósitos encontram-se em exclusivo na posse do R. e apenas por ele podem ser movimentados:

. Porém, o R. tem-se recusado a entregar à A. a parte do dinheiro que lhe foi adjudicada em cada um desses depósitos bancários, o que constitui um claro incumprimento do acordo de partilha, bem como da respetiva sentença homologatória;

. Perante tal recusa, a A. viu-se forçada a interpor ação executiva, na qual o ora R. deduziu oposição, tendo sido ali decidido que os juízos de execução portugueses eram incompetentes, em razão da nacionalidade, para a entrega de coisa e bens situados em países estrangeiros;

. Por apenso a essa execução, a A. instaurou procedimento cautelar de arresto de bens pertencentes ao R. situados em território nacional, o qual foi julgado procedente, sendo arrestados bens do mesmo R. consistentes em depósitos, em moeda nacional, em contas bancárias do Banco EE e no Banco FF e carteiras de títulos existentes nesses bancos;

. O R. vive e sempre viveu nos Estados Unidos e apenas tem como património situado em Portugal os bens que foram arrestados;

. O R. está radicado nos Estados Unidos da América, trabalhando e residindo aí há vários anos, sem que, no momento, tenha qualquer ligação com Portugal e, para além disso, tem nacionalidade Argentina, o que torna difícil a cobrança do crédito da A..


Concluiu a A. a pedir que o R. fosse condenado:

a) - no cumprimento do acordo de partilha homologado por sentença transitada em julgado no  processo de inventário n.º 2312/08.6TJPRT do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca do Porto;

b) - e, em consequência, a indemnizar a A., pagando-lhe a quantia de 206.206,98 dólares EUA, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, a contar da citação.


2. O R. contestou a ação, invocando a exceção de inadequação do meio processual empregue para a concretização da divisão dos bens e, em sede impugnação, sustentou que:

. Posteriormente à partilha, num processo que pendia no Tribunal dos EUA/Ohio, ambos repartiram de comum acordo as verbas ali existentes, mas não todas, na proporção de ½, nomeadamente as verbas agora peticionadas pela A.;

. Por isso, o R. não incumpriu qualquer acordo de partilha e muito menos se apropriou do que não era seu, sendo a A. quem agora pretende receber metade dos saldos que couberam ao R.

Concluiu pela procedência da exceção com a consequente absolvição do R. da instância e, subsidiariamente, pela improcedência da ação.

3. Findos os articulados, foi proferido saneador a fixar o valor da causa e a julgar improcedente a exceção deduzida, procedendo-se, seguidamente, à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova (fls. 217-220).

4. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 271-298, datada de 20/01/2015, a julgar a ação procedente e por consequência: 

a) – declarando-se que o R. incumpriu o acordo de partilhas efetuadas no processo de inventário n.º 2312/08.6TJPRT que transitou pela 1.ª secção do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca do Porto;

b) – condenando-se o R. a indemnizar a A., pagando-lhe a quantia de 206.206,98 dólares EUA, acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar da citação.

5. Inconformado com essa decisão, o R. recorreu para o Tribunal da Relação do Porto que através do acórdão de fls. 372-392, datado de 15/09/ 2015, julgou a apelação procedente, revogando a sentença recorrida e julgando a ação improcedente com a consequente absolvição do R. do pedido.

 

 6. Desta feita, inconformada a A. recorreu de revista, formulando as seguintes conclusões:

1.ª- O recurso de apelação interposto pelo R., por ter sido apresentado extemporaneamente, deveria ter sido imediatamente rejeitado pelo Tribunal da Relação do Porto;

2.ª - Na apelação interposta para o Tribunal da Relação do Porto, o recorrente não impugnou a matéria de facto com base nos depoimentos gravados, pelo que o acórdão recorrido, que decidiu pela tempestividade da apelação, foram violadas as normas ínsitas nos artigos 638.º, n.ºs 1 e 7, e artigo 640.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do CPC;

3.ª - No acórdão recorrido, o tribunal “a quo” fez incorreto e mau uso dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.º do CPC no que concerne à alteração da matéria de facto;

4.ª - O facto dado como provado no ponto s) na sentença proferida pela 1.ª instância correspondia à alegação feita pela A. no art.º 33.º da petição inicial, o qual não foi impugnado pelo R. e, por isso, foi admitido por acordo, pelo que ser dado como provado face à confissão feita pelo R.;

5.ª- Nem o tribunal de 1.ª instância nem qualquer das partes abordaram no processo a possibilidade de aplicação da Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Estrangeiras em Matéria Civil e Comercial e respetivo Protocolo Adicional;

6.ª- O Tribunal “a quo” veio decidir o pleito, utilizando esta questão de forma absolutamente inopinada sem prévia audição das partes e apartada de qualquer aportamento factual ou jurídico para enveredar por tal solução;

7.ª- Pelo que não tendo as partes configurado a questão na via adotada pelo tribunal recorrido, cabia-lhe dar a conhecer previamente às partes a solução jurídica que pretendia vir a assumir para que as partes pudessem contrapor os seus argumentos, em sede de audiência prévia.

8.ª - Pelo que o acórdão recorrido é nulo por ter proferido uma decisão surpresa em violação do princípio do contraditório e da imparcialidade do julgamento.

9.ª - A referida Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Estrangeiras nunca se poderia aplicar ao caso vertente pelo facto de estar em causa, sem sombra de dúvidas, matéria sucessória, cuja competência e jurisdição estão arredadas pelo artigo 12.º dessa mesma Convenção, razão pela qual a decisão ínsita no acórdão recorrido é claramente ilegal;

10.ª- Está provado que os saldos bancários domiciliados nos EUA adjudicados à A. já não existem e deixaram de estar por qualquer meio na disponibilidade da A., que não tem nem nunca teve acesso a eles, por culpa do R.;

11.ª - A A. nunca conseguiu nem nunca conseguirá obter nos EUA o cumprimento do acordo de partilhas homologado em Portugal, na medida em que a lei americana exclui da herança as verbas domiciliadas nos EUA, que considera pertencerem exclusivamente ao Réu, face à circunstância de aquele ser o contitular sobrevivo das respetivas contas bancárias;

12.ª - O acordo de partilhas celebrado pela A. e R. constitui uma transação – contrato tipificado no artigo 1248.º do CC -, razão pela qual o seu incumprimento gera responsabilidade contratual, nos precisos termos em que o tribunal de primeira instância decidiu;

13.ª - O R. incumpriu o contrato que celebrou com a A., cujo cumprimento tornou, aliás, impossível – artigo 801.º, n.º1, do CC;

14.ª - Na impossibilidade de obter, por um lado por via da entrega e par outro lado por via da execução, as verbas (saldos bancários) que lhe caberiam fruto da partilha, a A. tem o direito a ser ressarcida, mediante a reconstituição do seu direito, que se traduz na fixação de uma indemnização, a qual corresponde, grosso modo, às quantias que a Autora deveria ter recebido nos termos da partilha, mas não recebeu devida ao comportamento culposo do R.;

15.ª - Ao direito sucessório português estão associados princípios gerais constitucionalmente aceites, nomeadamente o direito à transmissão por morte do direito à propriedade privada, o princípio da sucessão familiar, o princípio da igualdade de parentesco e um princípio de unidade e universalidade da herança;

16.ª - O acórdão recorrido, ao decidir remeter a A. para os tribunais americanos, viola estes princípios constitucionais, ao decidir que as verbas adjudicadas à A. não constituem o acervo patrimonial do de cujus e, por isso, são insuscetíveis de partilha, pelo que se recusa a reconhecer legitimidade ao Estado Português para decidir o destino daquelas concretas verbas;

17.ª - O acórdão recorrido, face aos factos julgados como provados, conduz a uma desproteção da aqui A. e, portanto, viola o princípio do Estado de Direito e do direito fundamental de acesso ao direito e à via judiciária - artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa;

18.ª - O R. deve ser condenado no pedido de indemnização formulado pelo facto de ter propositadamente e por acto seu ter tornado impossível o cumprimento do contrato celebrado com a A., causando-lhe prejuízos.


7. O Recorrido apresentou contra-alegações, a sustentar a confirmação do julgado, rematando com o seguinte quadro conclusivo:

1.ª - A questão da extemporaneidade do recurso de apelação suscitada pela A. junto deste Tribunal, é extemporânea, pois deveria ter sido sindicada em sede de contra-alegações de recurso ou quando muito, deveria ter reagido à admissibilidade do Recurso pelo Tribunal da 1.ª instância, o que não fez, pelo que se de algum vício padecia, o que não se aceita, o mesmo foi sanado.

2.ª - A este Tribunal está vedada a apreciação da matéria de facto, pois é o que verdadeiramente pretende a Autora/Recorrente e não um correto ou incorreto uso dos poderes do Tribunal da Relação, no tocante à alteração ou modificação da matéria de facto.

3.ª- Não estamos perante uma qualquer decisão surpresa pois não só a questão possibilidade de execução da sentença no estado do Ohio foi suscitada pelo R. em sede de contestação, como a decisão não surge de forma absolutamente inopinada e apartada de qualquer aportamento factual ou jurídico nem envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo.

4.ª - A convenção de Haia é aplicável em Portugal e nos EUA por ter sido ratificada validamente por estes dois países, e sempre competiria à Recorrente a prova em contrário o que não fez.

5.ª - Não só não se verifica violação de princípios constitucionais e de princípios da universalidade, da unidade da partilha e da igualdade entre os herdeiros legitimários, como os arestos que cita não mostram qualquer adequação com a questão abordada no acórdão proferido pelo Tribunal "a quo".

        


Colhidos os vistos, cumpre decidir.


   II – Delimitação do objeto do recurso

    

Atendendo a que a ação foi proposta em 02/10/2012 e que as decisões recorridas datam de 2015, é aqui aplicável o regime recursório do CPC, na redação dada pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, em vigor desde 01/ 09/2013, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, da mesma lei.


Como é sabido, o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do CPC.

Dentro desses parâmetros, o objeto da presente revista incide sobre as seguintes questões:

i) – A invocada extemporaneidade do recurso de apelação no qual foi proferida a decisão ora recorrida;

ii) – O alegado exercício incorreto dos poderes na Relação na alteração da decisão de facto, quanto à matéria constante da alínea s) dos factos dados por provados na sentença;     

iii) – A questão da violação do contraditório por via de uma decisão surpresa quanto à possibilidade de aplicação da Convenção de Haia relativa ao Reconhecimento e Execução de Sentenças Estrangeiras em Matéria Civil e Comercial;

iv) – O alegado erro de direito quanto à questão do incumprimento, imputado ao R., do acordo de partilha em referência.


III – Fundamentação


  1. Factualidade dada por provada

        

Vem dada como provada pelas instâncias a seguinte factualidade:

1.1. A A. e o R. são irmãos e herdeiros de seus pais, CC e DD, já falecidos – correspondente à alínea a) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.2. Por óbito de seus pais, correram termos pela 1.ª Secção do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, sob o n.º 2312/08. 6TJPRT, uns autos de inventário (Herança) – correspondente à alínea b) do ponto 1 dos factos provados da sentença

1.3. Nesses autos de inventário, procedeu-se a partilha dos bens que integravam as heranças daqueles CC e DD, pais da A. e do R. – correspondente à alínea c) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.4. Essa partilha foi homologada por sentença proferida nesses autos e transitada em julgado em 18-06-2010 – correspondente à alínea c) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.5. Mercê dessa partilha, foram adjudicadas à A. ½ (metade) de todas as verbas aí relacionadas e descritas, várias contas bancárias/ depósitos no valor total de 680.841,35 $USD, designadamente:

• Verba n.º 28 correspondente ao saldo de depósito designado por RELATIONSHIP MONEY MARKET SAVINGS, da conta n.º 845…, do Nacional City Bank, Akron, Ohio, Estados Unidos da América, no valor de 309.975,90 USD$ (trezentos e nove mil novecentos e setenta e cinco dólares e noventa cêntimos);

• Verba n.º 30 correspondente ao saldo de depósito designado por CHECKING PLUS INTEREST, da conta n.º 655…, do Nacional City Bank, Akron, Ohio, Estados Unidos da América, no valor de 100.157,11 USD$ (cento mil cento e cinquenta e sete dólares e onze cêntimos);

• Verba n.º 31 correspondente ao saldo de depósito designado por SAV1NGCERTIFlCATE, da conta n.º 8712/00…, do US.BANK, Missouri, Estados Unidos da América, no valor de 2.280,95 USD$ (dois mil duzentos e oitenta dólares e noventa e cinco cêntimos) – correspondente à alínea e) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.6. A outra metade (½) dessas identificadas verbas aí relacionadas foi adjudicada ao R. – correspondente à alínea f) do ponto 1 dos factos provados da sentença;  

1.7. Os bens que integram as referidas verbas são constituídos por saldos em numerário e moeda estrangeira (dólares dos Estados Unidos da América), nas contas de depósito bancárias de que os pais da A. e do R., eram titulares nos Estados Unidos da América – correspondente à alínea g) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.8. A A. não pode movimentar, individualmente, essas contas bancárias – correspondente à alínea h) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.9. A A. não pode aceder nem movimentar nem levantar o seu dinheiro dessas contas bancárias, por decisão do Tribunal dos EUA/Ohio – correspondente à alínea i) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.10. Correram ações judiciais interpostas pela A. contra o R., pendentes nos tribunais dos Estados Unidos da América, e em sede de ação judicial pendente num tribunal norte-americano, o R. declarou expressamente que não pretende nem quer cumprir a sentença homologatória da partilha, nem o acordo de partilha, no que respeita às identificadas verbas – correspondente à alínea j), 1.ª parte, do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.11. Nessa ação judicial pendente nos EUA, o R. declarou recusar-se a cumprir o acordo de partilha e a sentença homologatória, alegando que as verbas lhe pertencem na totalidade. Nessa ação, o R. declarou o seguinte:

«1. A declaração conjunta de factos subscrita pelas partes no Processo N.º CV 155 na Vara de Sucessões do Tribunal de Acções Comuns do Condado de Summit aplica-se com igual força ao presente processo, Processo de Inventário do Condado de Summit Número 2008 ES 00.... Essa declaração, com cópias dos seus testemunhos, encontra-se em anexo como Testemunho A.

2. O Juízo Civil do Porto, Portugal proferiu sentença transitada em julgado em 18 de Junho de 2010, determinando que a totalidade da herança de CC, incluindo bens que pela Lei de Ohio são designados como "bens de inventário" e "bens excluídos de inventário", fosse igualmente dividida entre BB ("BB") e AA. Essa sentença transitada em julgado em 18 de Junho de 2010, encontra-se em anexo como Testemunho B (O original foi submetido pela Requerente no Processo N° 2008 CV 1...).

3. BB e o Co-Administrador GG consideram que a Sentença portuguesa, transitada em julgado em 18 de Junho de 2010, não se aplica à partilha de bens considerados em Ohio como "excluídos de inventário" e recusam-se ao cumprimento dessa sentença portuguesa no que se refere a tais bens e crêem que a Sentença proferida pelo Tribunal de Sucessões do Condado de Summit em 20 de Agosto de 2010, no Processo N.° 2008 CV 1... regula a partilha destes bens e pretendem cumprir essa sentença.

4. AA e o Co-Administrador HH afirmam que a aplicação da Sentença do Condado de Summit se traduzirá numa partilha desigual dos bens considerados em Ohio como "excluídos de inventário". Como resultado, afirmam que o tribunal português em último caso determinará uma partilha de "bens de inventário" situados no Ohio de forma desigual por forma a respeitar a lei sucessória portuguesa.

5. As partes declaram que a partilha de bens considerados em Ohio como "bens de inventário" está regulada pela lei de Portugal, o domicílio de CC e a jurisdição da sua herança principal.»

correspondente à alínea j), 2.ª parte, do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.12. Na sequência das decisões proferidas pelos Tribunais dos EUA/ Ohio, a A. interpôs ação executiva que correu termos sob o n.º 749/11. 2YYPRT pela 3.ª secção do 1.º Juízo de Execução do Porto – correspondente à alínea k) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.13. O R. deduziu oposição a essa execução, na qual foi proferido acórdão pela Relação do Porto, que julgou os juízos de execução dos tribunais portugueses incompetentes para a entrega de coisas e bens situados em países estrangeiros – correspondente à alínea l) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.14. Por apenso a essa execução, a A. instaurou procedimento cautelar de arresto, de bens pertencentes ao R. e situados em território da República Portuguesa, e que correu termos sob o n.º 749/11.2YYPRT-A pela 3.ª Secção do 1.º Juízo de Execução do Porto. Esse procedimento cautelar de arresto foi julgado procedente e foram arrestados bens do R. – correspondente à alínea m) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.15. Nas peças processuais das ações referidas, o R. declara e demonstra que não pretende cumprir o acordo de partilha, em referência – correspondente à alínea n) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.16. Além disso, o R. apresentou já requerimento no procedimento cautelar, requerendo certidão da qual conste que está extinto tal processo, bem como a ordem judicial de arresto de bens. O que sucedeu, com objetivo de proceder ao levantamento do arresto dos bens do R.. Tais bens são compostos de depósitos em moeda nacional em contas bancárias do Banco EE e no Banco FF e carteiras de títulos existentes nesses bancos – correspondente à alínea o) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.17. O Réu vive nos Estados Unidos – correspondente à alínea p) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.18. E apenas tem como património situado em Portugal os bens quem foram arrestados e que são os seguintes:

- BANCO EE: a) - ½, da Conta Ordem Prestige n.º 308…, no montante global de € 9.022,78, parte do Réu (€ 4.511,39); b) - ½ da Carteira de Títulos n.º 308…, no montante global de € 22.253,31, parte do Réu (11.126,66); c) - ½ da Conta Ordem USD n.º 307…, no montante global de € 54.137,56, parte do Réu (€ 27.068,78);

- BANCO FF: d) - ½ da Conta Ordem n.º 674…, no montante global de € 1.163,71, parte do Réu (€ 581,86); e) - ½ da Conta à Ordem n.º 124…, no montante global de € 1.477,12, parte do Réu (€ 738,56); f) - ½ da Conta Fundos de Investimento n.º 337…, no montante global de € 5.843,25, parte do Réu (€ 2.921,63); g) - ½ da Conta Depósito a Prazo n.º 674…, no montante global de € 269,16, parte do Réu (€ 134.58):

- INSTITUTO DE GESTÃO DE CRÉDITO PÚBLICO: h) - ½ dos Certificados de Aforro n.º 146…, no montante global de € 21.946,92, parte do Réu (€ 10.973,46); i) - ½ da Certificados de Aforro n.º 138…, no montante global de € 569,27, parte do Réu (€ 284,64)

correspondente à alínea q) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.19. O R. está radicado nos Estados Unidos da América, trabalhando e residindo aí há vários anos – correspondente à alínea r) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.20. O acórdão do Tribunal da Relação do Porto, transitado em julgado, decidiu que os tribunais portugueses são incompetentes para obter a entrega de bens situados em países estrangeiros – correspondente à alínea v) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.21. O R. embolsou e fez seu o dinheiro que à A. foi adjudicada na partilha feita em Portugal em referência, em consonância e obediência ao decidido pelos Tribunais dos EUA/Ohio – correspondente à alínea w) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.22. No processo de inventário que correu termos pelo 2.º Juízo Cível do Porto sob o número 2312/08.6TJPRT, os bens identificados no ponto 5.º da petição inicial, bem como outros de igual natureza, domiciliados nos EUA, foram relacionados, por dúvidas, no que concerne com a lei aplicável, pois existiam bens nos EUA, Inglaterra, México e Portugal, sendo que alguns deles domiciliados nos EUA, haviam sido constituídos sob regimes jurídicos que não existiam nem existem em Portugal – correspondente à alínea x) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.23. Uma vez que os autores da herança nasceram, ele no México e ela na Argentina, tendo contraído casamento nos EUA, nascendo do matrimónio a A. nos EUA e o R. em Portugal – correspondente à alínea y) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.24. Previamente à pendência do processo de inventário em Portugal, foi proposto um processo de divisão dos bens no Tribunal do Estado do Ohio, nos Estados Unidos da América, que contemplava apenas os bens domiciliados nos EUA – correspondente à alínea z) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.25. Ambos os processos judiciais foram instaurados pela aqui A. AA – correspondente à alínea aa) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.26. A e R. nunca obtiveram qualquer consenso, no que respeita a algumas das verbas domiciliadas nos EUA, pelo que a solução final no processo de inventário n.º 2312/08.6TJPRT passou pela repartição em partes iguais dos bens da herança – correspondente à alínea bb) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.27. Contudo, a pendência judicial pela disputa dos bens nos EUA permaneceu por mais algum tempo – correspondente à alínea cc) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.28. Vindo posteriormente, no processo judicial que pendia no Tribunal do Ohio, a ser decidido atribuir e distribuir o património de modo bem distinto do decidido no processo de inventário que correu termos em Portugal – correspondente à alínea dd) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.29. A. e R. repartiram entre si as verbas ali existentes, mas não todas na proporção de ½ – correspondente à alínea ee) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.30. Os falecidos pais dos litigantes, celebraram contratos de depósito de diversa natureza com as instituições bancárias domiciliadas no Estado do Ohio (Estados Unidos da América) – correspondente à alínea ff) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.31. À luz da lei vigente nos Estados Unidos da América, mormente no Estado do Ohio, celebraram, com diversas instituições bancárias, contratos de depósito e investimento, denominados “in trust for ” e “pay on dead” – correspondente à alínea gg) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.32. O primeiro tipo contratual caracteriza -se pela disponibilidade automática dos saldos das contas para a pessoa à qual se confia o saldo, o que poderá acontecer logo após a maioridade do interessado ou o decesso do titular da conta – correspondente à alínea hh) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.33. O segundo tipo contratual, opera apenas os seus efeitos após a morte do titular do contrato, bastando ao beneficiário indicado, apresentar-se na instituição bancária, documentar a morte do titular e receber automaticamente o respetivo saldo – correspondente à alínea ii) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.34. Ou seja, os saldos aos quais foi atribuída a natureza de “pay on dead” ficam automaticamente pertença dos beneficiários após a morte do respetivo titular, sem que integrem a massa da herança – correspondente à alínea jj) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.35. Os pais da A. e R., por si e em conjunto, celebraram diversos contratos de depósito bancário com a natureza jurídica e nas circunstâncias acima descritas, destinando uns saldos à data do óbito, exclusivamente ao R., outros exclusivamente à A. – correspondente à alínea kk) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.36. As verbas relacionadas sob o n.º 22 e 24 tinham como titulares o autor da herança, CC e o aqui R. BB – correspondente à alínea ll) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.37. As verbas relacionadas sob o n.º 25 a 32 tinham como titulares a autora da herança, DD e o aqui R. BB como beneficiário – correspondente à alínea mm) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.38. As verbas relacionadas sob o n.º 32 a 36 tinham como titulares os autores da herança CC e DD e o aqui R. BB como beneficiário – correspondente à alínea nn) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.39. As verbas relacionadas sob o n.º 06 a 10 do aditamento tinham como titulares o autor da herança, CC e única beneficiária AA, aqui A. – correspondente à alínea oo) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.40. Na ação judicial (Plaintiff) intentada no ano de 2008, no Tribunal do Estado de Ohio (Probate Court Summit County, Ohio), EUA, o Tribunal do Ohio designou os mandatários forenses das partes “GG”, em representação do aqui R. BB e “HH”, em representação da A. AA, como co-administradores dos bens em disputa. Os aludidos mandatários foram, pois, instituídos fiduciários dos depósitos supra mencionados, bem como dos demais. E só eles poderiam, por acordo das partes, movimentar os respetivos saldos, sob supervisão do Tribunal – correspondente à alínea pp) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.41. A A. aceitou o entendimento sufragado pelo Tribunal do Ohio, pelo que as contas das quais cada um era respetivo beneficiário, quer a título de pay on dead quer a título de on first demand, ficaram a cargo de cada um deles – correspondente à alínea qq) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.42. Ficando assim o R. com a totalidade dos saldos que lhe foram destinados pelos pais – correspondente à alínea rr) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.43. E a A. com os saldos que lhe foram destinados pelos pais – correspondente à alínea ss) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.44. E repartindo na proporção de ½, os saldos das contas aos quais não foi atribuída a natureza de “pay on dead” e “on first demand” – correspondente à alínea tt) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.45. A divisão de todos os saldos de conta domiciliados nos EUA foi pois concretizada nos termos citados – correspondente à alínea uu) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.46. A A., enquanto cabeça-de-casal da herança, acedeu à totalidade dos saldos das verbas identificadas em 52 e 53 do ativo constante da relação de bens do inventário, levantando-as, até esta data, a totalidade dos saldos das duas contas bancárias existentes no Banco Lombard em Inglaterra, de valor superior a 50 mil libras estrelinas (aproximadamente 60 mil euros), assim discriminadas:

a) - Saldo bancário no banco “Lombard Banking Services” denominada “prime responset” n.º 107…, com o saldo em libras esterlinas de 23.975,51, ao qual corresponde o contra valor em Euros de € 28.442,387;

b) - Saldo bancário no banco “Lombard Banking Services” denominada “prime responset” n.º 101…, com o saldo em libras esterlinas de 26.456,77, ao qual corresponde o contra valor em Euros de € 31.496,607

correspondente à alínea vv) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.47. Sem que tenha repartido o respetivo saldo com o R. ou sequer lhe tenha dado conhecimento, até hoje, do resgate daquele montante, há já cerca de 2 (dois) anos, o que motivou que este, assim que soube de tais factos, tivesse participado criminalmente contra a Requerente, encontrando-se a decorrer processo de inquérito sob o n.º 18426/11.2TDPRT que corre termos pela 3.ª Secção no DIAP do Porto – correspondente à alínea ww) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.48. A A., após o óbito da mãe ocorrido em 23-07-2004, efetuou também resgates de certificados de aforro titulados em nome daquela, entre 14-01-2005 e 19-03-2007, no montante global de € 11.895,56 – correspondente à alínea xx) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.49. Tal facto não era do conhecimento do R. nem a A., esta na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de seus pais, relacionou as referidas verbas, omitindo-as da relação de bens – correspondente à alínea yy) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

1.50. O R. trabalha nos EUA há pouco mais de quatro anos, país on-de sempre viveu. Se o R. não vem mais vezes a Portugal, tal tem que ver com o facto do regime de férias nos EUA ser bem distinto do português – correspondente à alínea zz) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

 1.51. A decisão do Tribunal dos EUA/Ohio foi proferida em 20 de agosto de 2010 – aditado nos termos do artigo 607.º, n.º 4, do CPC.


2 – Factos dados como não provados


Foram dados como não provados os seguintes factos:

2.1. Por referência ao facto provado em (g) que essas contas bancárias são movimentadas apenas pelo R. – correspondente à alínea a) do ponto 2 dos factos não provados da sentença;

2.2. Esses bens, dinheiro em moeda estrangeira, encontram-se na exclusiva posse do R. – correspondente à alínea b) do ponto 2 dos factos não provados da sentença;

2.3. Uma vez que, de acordo com os contratos de depósito bancários celebrados pelos pais da A. e do R., essas contas apenas podem ser movimentadas pelo R. – correspondente à alínea c) do ponto 2 dos factos não provados da sentença;

2.4. O R. recusou-se e recusa-se a entregar à A. o dinheiro de que esta é dona e possuidora, em cada uma dessas contas bancárias – correspondente à alínea d) do ponto 2 dos factos não provados da sentença;

2.5. O R. recusou-se e recusa-se a permitir que a A. movimente, levante ou embolse e faça sua a parte de moeda estrangeira (metade - ½) de cada uma dessas contas bancárias – correspondente à alínea e) do ponto 2 dos factos não provados da sentença;

2.6. O R., por decisão unilateral própria da sua vontade, recusou-se e recusa-se a entregar à A. o dinheiro que a esta lhe pertence, de acordo com a partilha efetuada e homologada por aquela referida sentença transitada em julgado – correspondente à alínea f) do ponto 2 dos factos não provados da sentença;

2.7. A recusa do R. foi e é manifestada através de declarações de vontade e de atos de impedimento e de omissão da autorização que deveria conceder à A. para esta poder movimentar aquelas contas bancárias, situadas em instituições de crédito sedeadas nos EUA – correspondente à alínea g) do ponto 2 dos factos não provados da sentença;

2.8. Tendo em conta esta recusa declarada do R. em cumprir o acordo de partilha de bens e de se recusar em permitir que a A. fique na posse e detenção do dinheiro depositado nas contas bancárias em referência, a A. intentou a ação executiva que correu termos sob o nº 749/11.2YYPRT pela 3.ª secção do 1.º Juízo dos Juízos de execução do Porto – correspondente à alínea h) do ponto 2 dos factos não provados da sentença;

2.9. Por referência ao facto provado em (o) que o R. tinha como objetivo de, imediatamente, os dissipar e exportar para os Estados Unidos da América – correspondente à alínea i) do ponto 2 dos factos não provados da sentença;

2.10. O R. e sempre viveu nos EUA – correspondente à alínea j) do ponto 2 dos factos não provados da sentença;

2.11. Por referência ao facto provado em (r) que o R., no momento, não tem qualquer ligação com Portugal – correspondente à alínea k) do ponto 2 dos factos não provados da sentença;

2.12. O que torna (factos indicados em (r) a (t)), ainda mais difícil a satisfação do crédito da A. – correspondente à alínea l) do ponto 2 dos factos não provados da sentença;  

2.13. Com a conduta o R. pretendeu e quis fazer seu o dinheiro existente e depositado nas contas bancárias situadas nos EUA – correspondente à alínea m) do ponto 2 dos factos não provados da sentença;

2.14. O R. não permite nem permitiu que a A. pudesse levantar esse dinheiro dessas contas bancárias – correspondente à alínea n) do ponto 2 dos factos não provados da sentença;

2.15. Por referência ao facto provado em (dd) que foi alcançado um acordo bem diferente, desistindo a aqui A. dos recursos que havia interposto, por lhe terem sido desfavoráveis – correspondente à alínea o) do ponto 2 dos factos não provados da sentença;

2.16. Na sequência do provado em (dd) tendo ambos, repartido de comum acordo as verbas ali existentes, mas não todas na proporção de ½. Nomeadamente as indicadas no ponto 5 da PI, que ficaram pertença do R., e as indicadas na relação de bens no processo de inventário sob as verbas 17, 43, 44, 45 e 46, no valor global aproximado de € 225.000,00 (duzentos e vinte e cinco mil euros), que ficaram pertença da A. – correspondente à alínea p) do ponto 2 dos factos não provados da sentença;

2.17. Por referência ao facto provado em (zz) que é intenção do R. regressar a Portugal – correspondente à alínea s) do ponto 2 dos factos não provados da sentença.

2.18. Para além disso, o mesmo tem também nacionalidade Argentina – correspondente à alínea s) do ponto 1 dos factos provados da sentença, mas dada como não provado pela Relação.


3. Factos dados como provados em 1.ª instância mas suprimidos e restringidos pela Relação


A - No acórdão recorrido, foi eliminada a seguinte matéria dada como provada pela 1.ª instância:

3.1. Existem poucas probabilidades de regressar a Portugal – correspondente à alínea 7) do ponto 2 dos factos não provados da sentença;

3.2. É física, legal e materialmente impossível à A. conseguir obter o cumprimento do acordo de partilha e entrar na posse e detenção dos bens que lhe ficaram a pertencer no inventário – correspondente à alínea u) do ponto 2 dos factos não provados da sentença.

 Tal eliminação baseou-se nas seguintes razões:

   «Sob a alínea t) dos factos provados consta que” existem poucas probabilidades de regressar a Portugal”, matéria que é conclusiva, porquanto não relata nenhuma ocorrência da vida real, ou seja, nenhum facto o que se traduz numa deficiência da matéria de facto de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 662,nº2, alínea c), que, por isso, deve ser eliminada de acordo com o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 607 do CPC- cfr. Acórdão do TRP de 22-09-2014, sítio DGSI-

   No ponto u) dos factos provados menciona-se o seguinte:” É física, legal e materialmente impossível à autora conseguir obter o cumprimento do acordo de partilha e entrar na posse e detenção dos bens que lhe ficaram a pertencer no inventário”, matéria que é obviamente conclusiva, porquanto se traduz numa valoração jurídica própria de um juízo de direito como se tivesse sido tirado de uma norma de modo a resolver a questão de direito quanto ao reconhecimento e execução da sentença homologatória da partilha nos EUA que, por isso, deve ser eliminada dos factos provados, atento o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 607 do CPC.»


B - Foram também restringidos os seguintes juízos probatórios formulados pela 1.ª instância:

3.3. Por referência ao facto provado em (uu) foi por comum acordo – correspondente à alínea q) do ponto 2 dos factos não provados da sentença;

3.4. Por referência ao facto provado em (vv) que a A. se apropriou de tais quantias, tornando-as suas – correspondente à alínea r) do ponto 2 dos factos não provados da sentença.

A Relação restringiu tal matéria à factualidade constante da alínea ww) dos factos dados como provados na sentença com a seguinte fundamentação:  

«Pugna, ainda, o apelante por resposta de provado à matéria vertida sob os pontos q) e r) com base nos factos provados sob as alíneas oo), qq), ss) e tt) e ww), mas, com todo o respeito, contrariamente ao defendido pelo apelante não se pode concluir que a divisão foi de comum acordo em face da decisão proferida pelo Tribunal dos EUA/ Ohio e cujos interessados apenas procederam à repartição de acordo com o decidido pelo Tribunal de Ohio o qual decidiu de forma distinta do decidido em momento anterior no processo de inventário com o nº2312/08.6TJPRT, sendo que o referido no ponto r) dos factos não provados apenas merece resposta restritiva em face da matéria de facto vertida sob a alínea ww) dos factos provados, ou seja: provado apenas o que consta da matéria vertida sob a alínea ww) dos factos provados



4. Do mérito do recurso.  


4.1. Quanto à invocada extemporaneidade da apelação


   A A./Recorrente começa por suscitar a intempestividade do próprio recurso de apelação em que foi proferido o acórdão ora impugnado, questão essa que já havia arguido em sede das suas contra-alegações no âmbito daquele recurso, mas que foi decidida pela Relação em sentido desfavorável, ao considerar tal recurso tempestivo.    

Por sua vez, o R./Recorrido contrapõe que tal arguição é, neste momento, extemporânea, porquanto já deveria ter sido sindicada em sede de contra-alegações de recurso ou, quando muito, deveria ter sido suscitada por via de reação à admissibilidade da apelação pelo Tribunal da 1.ª instância, o que não feito, tendo-se assim por sanada a eventual existência desse vício.

Vejamos.

Ora os requisitos de admissibilidade de recurso, incluindo a respetiva tempestividade, traduzem-se em questões de natureza processual que são de conhecimento oficioso, como se alcança do disposto no artigo 641.º, n.º 2, alínea a), do CPC.

A verificação de tais requisitos compete, em termos de controlo liminar, quer ao tribunal a quo, quer ao relator do tribunal de recurso, ao abrigo do preceituado nos artigos 641.º, n.º 1 e 2, e 652.º, n.º 1, alínea b), e 655.º, n.º 1, do CPC, respetivamente.

Todavia, o despacho do tribunal recorrido que admite o recurso não é vinculativo para o tribunal superior, nem dele cabe sequer impugnação para este tribunal, conforme se preceitua no n.º 5 do citado art.º 641.º. Por sua vez, o despacho do relator do tribunal de recurso que mantenha tal admissão, em sede de exame preliminar, não é também vinculativo para o coletivo a quem compete julgar o recurso, como decorre do disposto no art.º 658.º do CPC. Caberá, pois, sempre a esse coletivo, seja mediante apreciação específica (art.º 658.º, n.º 1), seja mesmo em sede do próprio acórdão final, pronunciar-se, a título de questão prévia, sobre a verificação ou não dos requisitos de admissibilidade do recurso, como pressupostos processuais que são do conhecimento do seu objeto, nos termos do artigo 608.º, n.º 1, aplicável, com as devidas adaptações, por via do artigo 663.º, n.º 2, do CPC.

Assim, a impugnação do acórdão da Relação que se tenha ocupado de tal questão prévia poderá constituir fundamento de revista por violação de lei processual, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 674.º do CPC.

No caso presente, contrariamente ao que afirma o Recorrido, a A., na qualidade de apelada, suscitara nas suas contra-alegações, a extemporaneidade da apelação, sustentando que o apelante não impugnara a matéria de facto com base nos depoimentos gravados, pelo que não podia beneficiar do acréscimo de 10 dias por ela utilizado relativamente ao prazo de recurso.

Porém, no acórdão recorrido, o Tribunal da Relação, ocupando-se dessa questão prévia, considerou que a impugnação da matéria de facto fora baseada em depoimentos gravados, pelo que, independentemente da observância dos ónus atinentes a tal espécie de impugnação, era o suficiente para a aplicação daquele prazo mais dilatado, julgando assim tempestivo esse recurso.       

No que aqui releva, o n.º 7 do artigo 638.º do CPC prescreve que:

Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição … acrescem 10 dias.

   Tal ampliação do prazo justifica-se pelo maior dispêndio de tempo requerido pela análise da prova gravada, implicando, em regra, a sua audição pelas partes, o que pressupõe uma impugnação efetiva da decisão de facto fundada na prova desse modo registada, indiferentemente do resultado obtido.

A este propósito, Abrantes Geraldes[1] refere que:

   «(…) o recorrente apenas poderá beneficiar deste prazo alargado se integrar no recurso conclusões que envolvam efectivamente a impugnação da decisão da matéria de facto tendo por base depoimentos gravados, nos termos do art. 640.º, n.º 1, al. a). Caso contrário, terá de se sujeitar ao prazo geral do art. 638.º, n.º 1. Se, apesar de existir prova gravada, o recurso for apresentado além do prazo normal sem ser inserida no seu objecto a impugnação da decisão da matéria de facto com base na reapreciação daquela prova verificar-se-á uma situação de extemporaneidade determinante da sua rejeição.»

Em suma, desde que se encontre assim definido o objeto do recurso sobre a decisão de facto e envolvendo reapreciação da prova gravada, o impugnante beneficiará do acréscimo de 10 dias para a interposição daquele recurso, independentemente da verificação dos demais requisitos impugnativos ou da viabilidade da sua procedência.

   No caso vertente, o apelante impugnou, especificando nas conclusões recursórias (fls. 317-319), além de outros, os factos dados como provados sob os pontos h), i) e t) da sentença e os factos tidos como não provados sob os pontos o), p) e s), para o que convocou as declarações de parte da A., os depoimentos das testemunhas arroladas por esta e da testemunha II. A par disso, o apelante justificou a não indicação das concretas passagens da prova registada por não conseguir assinalar com referência à gravação os tempos de registo dos depoimentos e das declarações de parte e ainda por, quanto a estas, entender que deveria ser ouvido todo o seu registo.            

   Por sua vez, o tribunal a quo, sobre os pontos h) e i) dos factos provados, teve por irrelevantes as declarações de parte da A. face à prova documental junta aos autos; suprimiu o facto provado em t), por se tratar de matéria conclusiva; rejeitou o recurso sobre os factos tidos como não provados em o), p) e s), considerando que o apelante, embora tivesse observado os ónus estabelecidos no n.º 1 do art.º 640.º do CPC, não observara o prescrito no respetivo n.º 2.

   Desse modo, mostra-se claramente definido o objeto sobre que recaiu aquela impugnação de facto e o seu suporte em meios de prova gravados, ainda que o tribunal a quo, quanto a alguns deles – os factos dados como provados sob os pontos h), i) e t) –, tenha considerado irrelevante a pretendida reapreciação e, quanto a outros – os factos tidos como não provados sob os pontos o), p) e s) -, tenha rejeitado o recurso por inobservância do requisito impugnatório previsto no artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC.

    Nestas circunstâncias, é de reconhecer que o apelante deduzira uma impugnação efetiva da decisão de facto suportada em prova gravada, não se mostrando relevante saber se procedeu ou não à efetiva audição dessa prova, pelo que beneficiava do acréscimo de 10 dias para a interposição do recurso.

     Termos em que se conclui pelo acerto da decisão recorrido na parte em que julgou a apelação tempestiva.  

            

4.2. Quanto ao exercício dos poderes na Relação no âmbito da alteração da decisão de facto


A Recorrente invoca o “incorreto e mau uso” dos poderes da Relação conferidos pelo artigo 662.º do CPC, no que respeita à matéria do ponto s) dos factos provados na 1.ª instância, sustentando que:

- a acórdão recorrido alterou o sobredito ponto, respeitante à nacionalidade do R., com base nos termos dos artigos 21.º e 22.º da Lei da Nacionalidade portuguesa;

- porém, essa lei não é aplicável ao caso, nada sendo dito sobre a prova da nacionalidade de outros países, mormente da nacionalidade argentina;

- por outro lado, tal matéria, alegada no artigo 33.º da petição inicial, não foi impugnado pelo R. na contestação, devendo ter-se por admitido por acordo.


     Por seu turno, o Recorrido contrapõe que o referido facto está sujeito ao regime de prova condicionada, só podendo ser demonstrado por documento, o que não foi junto nem solicitado pela A..


   Vejamos.


     A A. alegou sob o artigo 33.º da petição inicial (fls. 7) que:

Para além disso, o mesmo [R] tem também nacionalidade Argentina.

   O referido artigo não foi objeto de indicação específica na impugnação deduzida em sede de contestação (vide fls. 126). Não obstante isso, o mesmo R. juntou o documento de fls. 142-156 consistente em tradução para português de uma decisão, datada de 20/08/2010, proferida em ação intentada em 2008, no Tribunal do Estado de Ohio (Probate Court Summit County, Ohio), EUA, donde consta que “[BB, ora R.] “… é um cidadão Português”.

      Sucede que a 1.ª instância deu aquele facto como provado, sem que se encontre, na sentença, qualquer indicação sobre a fonte desse juízo probatório.

     Por seu lado, o Tribunal da Relação deu aquele facto como não provado com o seguinte fundamento:

   «No ponto s) dos factos provados consta que o réu apelante tem a nacionalidade Argentina o que só por documento poderia ter sido dado como provado atento o preceituado nos artigos 21 e 22 da Lei da Nacionalidade, documento que, de facto, não consta dos autos como referido pelo apelante, sendo que, da decisão proferida pelo Tribunal dos EUA/Ohio, consta que o réu é um cidadão português – cfr. ponto 5 dos factos assentes, fls. 144, e, por conseguinte, é de considerar tal facto como não provado como pugnado pelo apelante.

           

     Ora, muito embora não conste dos autos qualquer informação sobre a lei argentina relativa ao meio de prova exigido para a nacionalidade dos respetivos cidadãos, não se afigura sequer verosímil que o possa ser por via dos meios de prova sujeitos a livre apreciação do julgador ou que seja mesmo admissível confissão sobre ele, dado tratar-se até de matéria subtraída à disponibilidade das partes.

       De qualquer modo, o referido facto tem-se por impugnado em face da junção pelo R. do sobredito documento donde consta que ele é cidadão português.

     Termos em que se mantém o juízo de não provado formulado pela Relação sobre aquela matéria.             


4.3. Quanto à violação do contraditório por via de uma decisão surpresa


A Recorrente arguiu a nulidade do acórdão recorrido com fundamento na violação do contraditório, mormente por via de decisão surpresa, sustentando que o enquadramento jurídico feito por aquele acórdão no âmbito da Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Estrangeiras em Matéria Civil e Comercial e respetivo Protocolo Adicional de Haia nunca dantes fora abordado nos autos.

Apesar disso, argumentou no sentido de que a referida Convenção nunca se aplicaria ao caso vertente pelo facto de estar em causa matéria sucessória, cuja competência e jurisdição estão arredadas pelo respetivo artigo 1.º.

Por seu lado, o Recorrido contrapõe que se trata de questão meramente jurídica e que não estamos aqui perante questões de natureza sucessória.


Com efeito, na parte final do acórdão recorrido, no domínio da questão suscitada sobre a impossibilidade do cumprimento da sentença homologatória da partilha proferida pelo tribunal português, foi ponderado, em termos meramente subsidiários, o seguinte: 

«Quanto à impossibilidade de obter o cumprimento, sempre se dirá que a revisão da sentença portuguesa é possível nos EUA para de seguida requerer a execução, nos termos da XVI e XVII Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Estrangeiras em Matéria Civil e Comercial e respectivo Protocolo Adicional Adoptados na sessão Extraordinária de 1966, Haia, 01-02-1971, aprovado pelo Decreto do Governo nº 13/83, de 24 de Fevereiro e ratificada em 21-06-1983, aviso publicado no DR, Iª S., nº 167, de 22-07.1983.»


   E é certo que tal enquadramento jurídico não fora dantes convocado pelas partes nem abordado pelo tribunal da 1.ª instância.

     Todavia, tratou-se de um mero argumento subsidiário sem relevo decisivo na decisão proferida, tanto mais que sempre poderia ser equacionado em termos do mecanismo geral da revisão de sentença estrangeira.

      Assim sendo, tem-se por irrelevante para a decisão aqui a proferir a referida questão.


4.4. Quanto ao erro de direito no respeitante ao incumprimento do R. do acordo de partilha


A presente ação tem por objeto a pretensão da A. na condenação do R. a pagar-lhe uma quantia indemnizatória de 206.206,98 dólares EUA, acrescida de juros de mora desde a citação, com fundamento em incumprimento, por parte do mesmo R., do acordo de partilha da herança aberta por óbito dos pais de ambos, homologado por sentença proferida no processo de inventário que correu termos sob o n.º 2313/08.6TJPRT, no 1.º Juízo Cível da Comarca do Porto, sentença essa transitada em julgado em 18/06/2010.

A quantia peticionada corresponde a ½ dos saldos adjudicados à A. naquela partilha, sendo a outra metade adjudicada ao R., constantes das seguintes verbas:

- Verba n.º 28 correspondente ao saldo de depósito designado por RELATIONSHIP MONEY MARKET SAVINGS, da conta n.º 845…, do Nacional City Bank, Akron, Ohio, Estados Unidos da América, no valor de 309.975,90 USD$ (trezentos e nove mil novecentos e setenta e cinco dólares e noventa cêntimos);

- Verba n.º 30 correspondente ao saldo de depósito designado por CHECKING PLUS INTEREST, da conta n.º 655…, do Nacional City Bank, Akron, Ohio, Estados Unidos da América, no valor de 100.157,11 USD$ (cento mil cento e cinquenta e sete dólares e onze cêntimos);

- Verba n.º 31 correspondente ao saldo de depósito designado por SAV1NGCERTIFlCATE, da conta n.º 8712/00…, do US.BANK, Missouri, Estados Unidos da América, no valor de 2.280,95 USD$ (dois mil duzentos e oitenta dólares e noventa e cinco cêntimos).


       Para tanto, alegou a A., em síntese, que: 

. Tais depósitos se encontram em exclusivo na posse do R. e apenas por ele podem ser movimentados;

. Porém, este tem-se recusado a entregar à A. a parte do dinheiro que lhe foi adjudicada em cada uma dessas contas bancárias, o que constitui um claro incumprimento do acordo de partilha, bem como da respetiva sentença homologatória;

. Perante tal recusa, a A. viu-se forçada a interpor ação executiva, na qual o ora R. deduziu oposição, tendo sido ali decidido que os juízos de execução portugueses eram incompetentes para a entrega de coisa e bens situados em países estrangeiros.


    Perante a factualidade dada como provada, o tribunal da 1.ª instância considerou que:

   - o R., até ao momento, não cumpriu a transação obtida no acordo de partilha homologado pelo tribunal português, incorrendo assim aquele R. em responsabilidade contratual, a título de culpa presumida;

   - em consequência disso, a A. nada recebeu das três contas bancárias referidas, cujo valor total é de 412.413,96 $ USD, o que correspondia a um prejuízo equivalente a metade desse valor.

Nessa base, condenou o R. a pagar à A., a título de indemnização, a quantia peticionada.


Sucede que o Tribunal da Relação revogou essa decisão, julgando a ação improcedente e absolvendo o R. do pedido com os seguintes fundamentos:  

«Considerou o Tribunal recorrido que por o réu não ter entregado à autora os montantes atinentes à divisão do saldo das contas bancárias sediadas nos EUA configurava inequivocamente uma violação do acordado pelos interessados em sede de conferência de interessados para concluir pela condenação do réu no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais sofridos em consequência do incumprimento contratual.

Insurge-se o apelante por considerar que a factualidade provada não permite concluir pela verificação dos pressupostos da responsabilidade obrigacional.

Conforme decorre dos factos dados como provados, nos autos de inventário que correram pela 1.ª secção do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca do Porto sob o n.º 2312/08.6TJPRT, procedeu-se a partilha dos bens que integravam as heranças dos pais dos interessados – aqui autora e réu, respectivamente.

Da acta junta aos autos, consta que os interessados “acordam na adjudicação a cada um dos interessados das verbas mencionadas sob o ponto e) dos factos provados” cuja adjudicação foi homologada por sentença adjudicando nos termos acordados à cabeça-de-casal e ao seu irmão.

A sentença homologatória teve assim por finalidade a atribuição aos respectivos interessados do direito de propriedade sobre os bens partilhados a qual constitui título executivo, nos termos do artigo 703, n.º 1, alínea a), do CPC – cfr. João António Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Almedina, 4.ª ed. pág. 534, nº 432, parte final e Acórdão do STJ de 22-04-2004, proc.04B987, sítio DGSI, o qual qualifica a atribuição como um direito de propriedade e sobre a execução da sentença homologatória de partilha como título executivo vide Lopes Cardos, ob. citada, pág. 534 e seguintes e, ainda, Domingos Silva Carvalho de Sá Do Inventário, Descrever Avaliar e Partir, Almedina,1996, pág. 251 e Acórdão do TRL de 26-11-1992, in CJ, tomo V, pág. 128.

Com isto a autora ficou a ter a seu favor um direito reconhecido e declarado, sendo que na relação obrigacional o credor apenas disporia de um direito à prestação a efectuar pelo devedor - cfr. Mário Júlio Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4.ª ed., Coimbra Editora, pág. 89 e 102 e seguintes.

Ou seja, a autora, através da homologação da partilha efectuada por acordo, “tem direito sobre uma coisa” e não direito a uma coisa e se o devedor não cumpre a credora – aqui autora – tem direito a recorrer aos tribunais mediante uma execução forçada para entrega de coisa certa para tornar o direito efectivo.

Se a coisa não for encontrada tem então direito a receber uma prestação equivalente que se traduz numa indemnização compensatória a liquidar, nos termos do artigo 867 do CPC, seguindo-se de seguida a penhora dos bens de acordo com o n.º 2 do mesmo normativo legal - cfr. Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 4.ª ed. pág. 343 e seguintes onde se refere expressamente a um direito de crédito, bem como a uma indemnização compensatória e José Lebre de Freitas, A Ação Executiva, À Luz do CPC de 2013, 6ª Ed. Coimbra Editora, pág 431 e seguintes.

Donde resulta que a indemnização por compensação apenas surge quando a coisa não é encontrada para de seguida imputar responsabilidade ao devedor a qual será fixada nos termos dos artigos 867 e 566, n.º 1, respectivamente do CPC e do CC.

Coisa que, como se depreende dos factos provados, está sediada nos EUA o que levou o Tribunal da Relação do Porto a proferir decisão no sentido dos Tribunais Portugueses não serem os competentes o que, salvo o devido respeito, não é fundamento para requerer no Tribunal português a fixação da indemnização compensatória como também não é fundamento o réu não regressar a Portugal o que aliás nem sequer ficou provado, o que se provou foi que o réu trabalha nos EUA há pouco mais de 4 anos e se não vem mais vezes a Portugal tem a ver com o facto do regime de férias nos EUA ser bem diferente do português.

Quanto à impossibilidade de obter o cumprimento, sempre se dirá que a revisão da sentença portuguesa é possível nos EUA para de seguida requerer a execução, nos termos da XVI e XVII Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Estrangeiras em Matéria Civil e Comercial e respectivo Protocolo Adicional Adoptados na sessão Extraordinária de 1966- Haia, 01-02-1971, aprovado pelo Decreto do Governo nº 13/83, de 24 de Fevereiro e ratificada em 21-06-1983, aviso publicado no DR, Iª S., nº 167, de 22-07.1983.

Daqui decorre que o direito violado não provém da obrigação contratual, mas do facto de aquisição pela autora de um direito a uma prestação, nos termos sobreditos.

Termos em que, nesta parte, o recurso procede, ficando, assim, prejudicada a análise da última questão, nos termos do artigo 608, nº2, do CPC.»


Em suma, o acórdão recorrido considerou que a metade dos saldos adjudicados à A. nas contas em referência se traduzia na atribuição àquela de um “direito sobre uma coisa” e não de um “direito a uma coisa”, pelo que, se o devedor (no caso o R.) não cumprir, a credora (aqui A.) tem direito a recorrer aos tribunais mediante uma execução forçada para entrega de coisa certa para tornar o direito efetivo com base no título executivo consistente na sentença homologatória de partilha. E que, dada a natureza daquela prestação, só quando a coisa não fosse encontrada é que a credora teria direito a uma prestação equivalente traduzida numa indemnização compensatória a liquidar, nos termos do artigo 867.º do CPC, seguindo-se a penhora dos bens de acordo com o n.º 2 do mesmo normativo legal. Todavia, considerou-se que, estando a coisa a entregar localizada nos EUA, não havia fundamento para requerer a fixação de tal indemnização nos tribunais portugueses, não se verificando sequer a impossibilidade de se obter o cumprimento da sentença homologatória portuguesa nos EUA por via do mecanismo de revisão da mesma.


Por seu lado, a Recorrente persiste na responsabilização do R. pelo incumprimento do acordo de partilha homologado por sentença do tribunal português e na impossibilidade da sua execução nos Estados Unidos da América.


Vejamos.


O ponto-chave da solução encontrada pelo Tribunal a quo reside, afinal, na caracterização jurídica adotada sobre a natureza da prestação devida à A. em virtude da adjudicação de metade dos saldos dos três depósitos bancários localizados nos EUA aqui em disputa, conforme o declarado na sentença homologatória da partilha da herança dos seus falecidos pais.

Ao qualificar tal prestação como prestação para entrega de coisa certa, o Tribunal a quo encontrou esteio para negar à A. o direito à compensação por equivalente pela inexecução dessa prestação originária, já que só haveria lugar à tal conversão em sede de execução judicial coerciva para a qual os tribunais portugueses não seriam internacionalmente competentes, mas sim os tribunais dos EUA, país em que se encontra a coisa a entregar.

Porém, é precisamente aquela qualificação que aqui se pode afigurar algo discutível.   

Dos factos provados resulta claramente que foram adjudicados à A. ½ dos saldos dos depósitos bancários constituídos nos EUA. Trata-se, por conseguinte, da adjudicação, em metade, do direito dos falecidos pais da A. e do R. sobre os saldos das sobreditos depósitos.

Ora, tais depósitos bancários traduzem-se em contratos de depósito irregular, conforme o previsto nos artigos 1205.º e 1206.º do CC, a que são aplicáveis, na medida do possível, as normas relativas ao mútuo, como decorre do preceituado no citado artigo 1206.º

De entre as normas do contrato de mútuo há que salientar a do artigo 1144.º do CC, segundo o qual “as coisas mutuadas tornam-se propriedade do mutuário pelo facto da entrega.” E, como se dispõe no art.º 1142.º do mesmo diploma, o mutuante fica com o direito à restituição de outro tanto do mesmo género e qualidade. Significa isto que o mutuante, ao celebrar o contrato, deixa de ser titular do direito de propriedade sobre a quantia mutuada, passando a ser titular de um direito de crédito, de igual valor, sobre o mutuário. E o mesmo sucede com o depositante no caso de depósito irregular, por via da aplicação remissiva do regime do mútuo, o qual passará a ser titular perante o banco depositário de um crédito sobre os correspondentes valores depositados. No entanto, importa não confundir o mero titular da conta, com direito, portanto, à sua movimentação, com a titularidade efetiva do crédito correspondente aos valores depositados. 

Nessa base legal, a doutrina nacional dominante tem vindo a perfilhar o entendimento de que, como já se referia no acórdão do STJ, de 19/06/1984, in BMJ n.º 338, pag. 434, o depósito bancário importa a transferência da “propriedade das quantias depositadas do depositante para o depositário pelo tempo que dure o contrato, o que quer significar que o depositante é dono das respectivas quantias quando procede ao depósito delas.” 

Na mesma linha, entre outros autores, Paula Ponces Camanho, in Do Contrato de Depósito Bancário, Almedina, pags. 104-109, escreve que:

«De acordo com a noção fornecida, podemos afirmar que este contrato se caracteriza por uma dupla disponibilidade das quantias entregues ao banco. Por um lado, este adquire a propriedade dos fundos depositados, o que implica que deles pode livremente dispor, sem ter que prestar contas ao depositante. Por outro lado, o depositante conserva a disponibilidade dos fundos depositados, ou seja, pode a todo o momento, ou no momento acordado na celebração do contrato, exigir a sua restituição, ou deles dispor livremente a favor de terceiros.

Da característica da dupla disponibilidade das quantias depositadas podemos retirar os direitos e obrigações das partes. Assim, o banco tem o direito de utilizar os fundos depositados, uma vez que, com o depósito, se torna proprietário dos mesmos. Por seu turno, o cliente (depositante) tem o direito de exigir a restituição dos fundos (…).

(…) Em primeiro lugar, o banco é obrigado a restituir a quantia depositada, quando o depositante o solicitar ou no termo do prazo acordado. Esta obrigação traduz-se na restituição, na mesma espécie monetária, do valor depositado …»

    Também, segundo as impressivas palavras de Antunes Varela[2], «o depositante que confia ao depositário o encargo de lhe guardar o dinheiro acaba, paradoxalmente, por perder o domínio sobre ele, e por apenas receber em troca o crédito à soma equivalente.»

     No entanto, não se ignora doutrina, nomeadamente estrangeira, a negar a aquisição da propriedade dos valores depositados, por parte do depositário, sustentando que a faculdade dispositiva deste sobre tais valores não envolve a aquisição da respetiva propriedade plena[3].

     Seja como for, o certo é que o depósito bancário, tendo por objeto uma coisa fungível por excelência, como é o dinheiro, daí decorre que o depositário, ao recebê-la, não fica obrigado a restituí-la na mesma espécie material, mas sim por valor equivalente.  

Assim sendo, o direito do autor da herança à titularidade efetiva dos valores depositados em conta bancária constitui um bem a relacionar como direito de crédito da herança correspondente aos valores depositados, cuja prestação tem por objeto uma quantia pecuniária.

Já no que respeita à caracterização daquela prestação, importa reter que as prestações obrigacionais, quanto ao seu objeto, podem integrar, segundo a doutrina clássica, uma de duas modalidades: a prestação de coisa, também crismada de prestação de dare, e a prestação de facto, também designada por prestação de facere, consoante incida, respetivamente, sobre uma coisa e sobre uma atividade ou resultado que não se reconduza a prestação de coisa[4].

Por seu turno, a prestação de coisa pode consistir em prestação de uma quantia pecuniária ou em coisa diversa desta. Assim, as obrigações pecuniárias caracterizam-se pela sua incidência sobre espécies monetárias com função liberatória genérica, ou seja, pelo valor que possuam enquanto tal[5].  

Por sua vez, a prestação pecuniária pode revestir três variantes: prestação de uma quantia ou soma em dinheiro na moeda com curso legal no País do cumprimento da obrigação (obrigações pecuniárias de quantidade); prestação em moeda específica, a efetuar em moeda metálica ou em valor correspondente (obrigações pecuniárias de moeda especifica); prestação em moeda com curso legal apenas no estrangeiro, também designadas por obrigações valutárias[6].

A disciplina legal dessas modalidades de obrigações pecuniárias encontra-se estabelecida nos artigos 550.º a 558.º do CC. As obrigações valutárias, à luz do citado artigo 558.º, podem ser: obrigações valutárias impróprias, quando a estipulação do cumprimento em moeda com curso legal apenas no estrangeiro não impede o devedor de pagar em moeda com curso legal no País desse cumprimento; ou obrigações valutárias próprias, se a prestação houver de ser realizada naquela moeda estrangeira[7]. De acordo com o disposto no n.º 1 do mencionado artigo 558.º, as obrigações valutárias próprias só ocorre quando as partes hajam afastado a faculdade de o devedor realizar a prestação por modo diferente da moeda estrangeira estipulada.

A distinção, no quadro das obrigações de prestação de coisa, entre prestações pecuniárias e prestações de coisa diversa daquelas é decisiva para definir, em princípio, duas modalidades de realização coativa da obrigação por via da tutela executiva:

- a execução por equivalente, à custa dos bens ou direitos do património do devedor ou de terceiro, nos termos dos artigos 817.º a 826.º do CC, quando estiver em causa o cumprimento coercivo de uma obrigação para pagamento de quantia pecuniária;

b) – a execução específica, quando se pretenda realizar uma  prestação de entrega de coisa determinada, a que se refere o artigo 827.º do CC

Correspondentemente, em conformidade com o disposto no n.º 6 do artigo 10.º do CPC, a execução de prestações pecuniárias segue a forma de execução para pagamento de quantia certa, enquanto que só a execução de prestações de coisa diversa daquelas segue a forma de execução para entrega de coisa certa.

Segundo a doutrina, não há dúvida de que a execução de obrigações pecuniárias de quantidade e de moeda específica seguem a forma de execução para pagamento de quantia certa. Já mais duvidoso será saber qual a forma de execução adequada para o cumprimento coercivo das obrigações em moeda estrangeira.

Segundo Castro Mendes, a realização coativa de obrigação valutária, não obstante se tratar de prestação pecuniária, deve seguir a forma de execução para entrega de coisa certa[8].

Também Teixeira de Sousa[9], a tal propósito, escreve o seguinte:

«O artº 558.º, n.º 1, CC, concede, quanto às obrigações em moeda estrangeira, uma faculdade alternativa ao devedor, dado que este pode optar entre cumprir em moeda estrangeira ou nacional. Mas isso não pode influir na determinação da execução adequada a essa obrigação. O devedor não pode escolher ser executado pela prestação em moeda nacional, dado que, como é próprio da faculdade alternativa, a opção pela prestação sucedânea tem de ser acompanhada da sua realização imediata. Assim, a execução instaurada pelo credor deve corresponder à obrigação que consta do título executivo, isto é, à obrigação em moeda estrangeira. Porque esta não tem curso legal no território nacional, o tipo de execução utilizável para a realização coactiva dessa prestação é a execução para entrega de coisa certa (…). Se não se encontrar no património do devedor a moeda estrangeira, essa execução converte-se numa execução para pagamento em moeda nacional de um valor correspondente ao quantitativo fixado em moeda estrangeira e, eventualmente, de uma indemnização pelos prejuízos sofridos pelo exequente (…)»         

     Desconhece-se, no entanto, quais as modalidades de meios executivos existentes na ordem jurídica estadunidense e, mormente, se ali se contempla algum mecanismo de conversão da obrigação de entrega de coisa certa em obrigação por equivalente indemnizatório, como sucede no nosso ordenamento jurídico.

     Nestas circunstâncias, salvo o devido respeito, não se afigura que a mera circunstância de a realização coativa de obrigações valutárias dever seguir, em Portugal, a forma de execução para entrega de coisa certa, no âmbito da qual se procederia então a eventual conversão para pagamento de quantia certa, obste, por si só, a que o credor faça valer pretensão declarativa indemnizatória, nomeadamente em moeda estrangeira, com fundamento em incumprimento da obrigação originária, já que, em termos substantivos, estamos ante uma prestação pecuniária, que não perante uma prestação para entrega de coisa determinada.

De resto, não se vê que ocorra impedimento a que o credor, embora provido de um título executivo de que conste uma obrigação para entrega de coisa certa, perante a eventualidade de insucesso da realização coativa daquela prestação, lance mão da ação declarativa para obter uma indemnização substitutiva dessa prestação, com maiores garantias de tutela, em vez de dar à execução aquele título. Essas maiores garantias seriam suficientes para justificar o seu interesse em agir em sede declaratória.     


Posto isto, e regressando ao caso vertente, os direitos de crédito da herança dos pais da A. e R. sobre os saldos dos três depósitos bancários existentes nos EUA, adjudicados, na proporção de metade àqueles herdeiros, correspondem a obrigações de prestação pecuniária em moeda com curso legal naquele País, ou seja, a obrigações valutárias, caracterização esta que afasta, pelo menos em termos substantivos, a qualificação da prestação para entrega de coisa certa dada no acórdão recorrido.

Ora, segundo o disposto no artigo 2050.º do CC, com a aceitação de herança aberta, os herdeiros adquirem o domínio e posse dos bens da herança, o que se traduz numa posse de mão comum desses bens, que não em posse exclusiva de cada herdeiro. Porém, nos termos do artigo 2088.º, n.º 1, do mesmo diploma, o cabeça de casal pode pedir aos herdeiros a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder.

Uma vez efetuada a partilha, cada um dos herdeiros passa a ser considerado, desde a abertura da herança, como sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, nos termos do art.º 2119.º do CC.

Assim, a sentença homologatória de partilha constitui título executivo bastante para a entrega dos bens ou atribuição de direitos nela adjudicados aos herdeiros, mormente contra os co-herdeiros que porventura mantenham ainda em seu poder bens ou a disponibilidade empírica de direitos da herança que lhe não tenham sido adjudicados. E mesmo que essa sentença não contenha um segmento condenatório explícito, conterá, pelo menos, uma condenação implícita, sendo quanto basta para ser dotada de exequibilidade, para os efeitos do disposto no artigo 703.º, n.º 1, alínea a), do CPC.

Sucede, no entanto, que daquela sentença homologatória, além de não constar um segmento condenatório expresso do R. a disponibilizar à A. a parte dos saldos bancários que lhe foram adjudicados, do respetivo contexto nem sequer resulta que o mesmo R. tivesse então na sua inteira disponibilidade o acesso aos referidos depósitos bancários ou se tivesse apropriado dos valores que à referida A. seriam devidos. De resto, da alegação da mesma A. parece resultar que o ora invocado incumprimento radicará, de certo modo, em comportamentos do R. ulteriores ao acordo de partilha.    

Seja como for, perante esse circunstancialismo, caso se viesse a provar, tal como alegara a A., que o R. mantém na sua inteira e exclusiva disponibilidade o acesso aos saldos existentes nos três depósitos bancários aqui em referência ou que se tenha apropriado indevidamente da parte do valores adjudicados à A., afigurar-se-ia viável a sua condenação a pagar a esta a quantia pecuniária correspondente. 


Ora, dos factos provados, no que aqui releva, colhe-se que:

   - A A. não pode movimentar, individualmente, as contas bancárias em causa (ponto 1.8 da factualidade provada correspondente à alínea h) do ponto 1 dos factos provados da sentença);

   - E não pode aceder nem movimentar nem levantar o seu dinheiro dessas contas bancárias, por decisão do Tribunal dos EUA/Ohio (ponto 1.9 correspondente à alínea i) do ponto 1 dos factos provados da sentença);

   - O R. embolsou e fez seu o dinheiro que à A. foi adjudicado na partilha feita em Portugal, em referência, em consonância e obediência ao decidido pelos Tribunais dos EUA/Ohio – (ponto 1.21 correspondente à alínea w) do ponto 1 dos factos provados da sentença).


Mas, por outro lado, não se provou que:

- Essas contas bancárias sejam movimentadas apenas pelo R. (correspondente à alínea a) do ponto 2 dos factos não provados da sentença);

- Esses bens (dinheiro em moeda estrangeira) se encontrem na exclusiva posse do R. – correspondente à alínea b) do ponto 2 dos factos não provados da sentença -, uma vez que, de acordo com os contratos de depósito bancários celebrados pelos pais da A. e do R., tais contas apenas podem ser movimentadas pelo R. – correspondente à alínea c) do ponto 2 dos factos não provados da sentença;

- O R. se recusou e recusa a entregar à A. o dinheiro de que esta é dona e possuidora, em cada uma dessas contas bancárias – correspondente à alínea d) do ponto 2 dos factos não provados da sentença;

- O R. se recusou e se recusa a permitir que a A. movimente, levante ou embolse e faça sua a parte de moeda estrangeira (metade - ½) de cada uma dessas contas bancárias – correspondente à alínea e) do ponto 2 dos factos não provados da sentença;

- O R., por decisão unilateral própria da sua vontade se recusou e recusa a entregar à A. o dinheiro que a esta lhe pertence, de acordo com a partilha efetuada e homologada por aquela referida sentença transitada em julgado – correspondente à alínea f) do ponto 2 dos factos não provados da sentença;

- A recusa do R. foi e é manifestada através de declarações.


    Acresce que se prova que:

- Previamente à pendência do processo de inventário em Portugal, foi proposto um processo de divisão dos bens no Tribunal do Estado do Ohio, nos Estados Unidos da América, que contemplava apenas os bens domiciliados nos EUA – ponto 1.24 correspondente à alínea z) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

- Ambos os processos judiciais foram instaurados pela aqui A. AA – ponto 1.25 correspondente à alínea aa) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

- Na sequência das decisões proferidas pelos Tribunais dos EUA/ Ohio, a A. interpôs ação executiva que correu termos sob o n.º 749/ 11.2YYPRT pela 3.ª secção do 1.º Juízo de Execução do Porto – ponto 1.12 correspondente à alínea k) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

- A e R. nunca obtiveram qualquer consenso, no que respeita a algumas das verbas domiciliadas nos EUA, pelo que a solução final no processo de inventário n.º 2312/08.6TJPRT, passou pela repartição em partes iguais dos bens da herança – ponto 1.26 correspondente à alínea bb) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

- Contudo, a pendência judicial pela disputa dos bens nos EUA permaneceu por mais algum tempo – ponto 1.27 correspondente à alínea cc) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

- Vindo posteriormente, no processo judicial que pendia no Tribunal do Ohio, a ser decidido atribuir e distribuir o património de modo bem distinto do decidido no processo de inventário que correu termos em Portugal – ponto 1.28. correspondente à alínea dd) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

- A. e R. repartiram entre si as verbas ali existentes, mas não todas na proporção de ½ – ponto 1.29. correspondente à alínea ee) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

- Na ação judicial (Plaintiff) intentada no ano de 2008, no Tribunal do Estado de Ohio (Probate Court Summit County, Ohio), EUA, o Tribunal do Ohio designou os mandatários forenses das partes “GG”, em representação do aqui R. BB e “HH”, em representação da A. AA, como co-administradores dos bens em disputa – ponto 1.40 correspondente à alínea pp) do ponto 1 dos factos provados da sentença

- Os aludidos mandatários foram, pois, instituídos fiduciários dos depósitos supra mencionados, bem como dos demais. E só eles poderiam, por acordo das partes, movimentar os respetivos saldos, sob supervisão do Tribunal – ponto 1.40 correspondente à alínea pp) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

- A decisão do Tribunal dos EUA/Ohio foi proferida em 20 de agosto de 2010 – ponto 1.51;

- A A. aceitou o entendimento sufragado pelo Tribunal do Ohio, pelo que as contas das quais cada um era respetivo beneficiário, quer a título de “pay on dead” quer a título de “on first demand”, ficaram a cargo de cada um deles – ponto 1.41 correspondente à alínea qq) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

- Ficando assim o R. com a totalidade dos saldos que lhe foram destinados pelos pais – ponto 1.42 correspondente à alínea rr) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

- E a A. com os saldos que lhe foram destinados pelos pais – ponto 1.43 correspondente à alínea ss) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

- E repartindo na proporção de ½, os saldos das contas aos quais não foi atribuída a natureza de “pay on dead” e “on first demand” – ponto 1.44. correspondente à alínea tt) do ponto 1 dos factos provados da sentença;

- A divisão de todos os saldos de conta domiciliados nos EUA foi pois concretizada nos termos citados – ponto 1.45 correspondente à alínea uu) do ponto 1 dos factos provados da sentença.

De todo este universo factual decorre que, em face da decisão dos EUA/Ohio proferida em 20/08/2010, cujo entendimento foi aceite pela A., nem esta nem o R. detêm individual e exclusiva disponibilidade sobre os saldos em causa, como também decorre que o R. embolsou e fez seu o dinheiro que à A. foi adjudicado na partilha feita em Portugal, aqui em referência, mas em consonância e obediência ao decidido pelos Tribunais dos EUA/Ohio.

Significa isto que a A. não logrou provar, como lhe incumbia, nem a posse exclusiva, por parte do R., sobre os saldos nos depósitos bancários em causa, nem que este se tivesse apropriado indevidamente dos valores que foram adjudicados à A. pela sentença homologatória de partilha proferida em Portugal.

      Nestas circunstâncias, não restará senão concluir pela não verificação do alegado incumprimento, imputado ao R., daquele acordo de partilha, não se mostrando contra isso relevante as manifestações deste de não pretender cumprir o sobredito acordo de partilha, sustentadas, como foram, no quadro das diversas ações instauradas e inseridas, como estão, no âmbito do intrincado complexo litigioso em que se envolveram.  


       Ademais, também não se dispõe de elementos seguros para considerar, por ora, definitivamente inviável ou impossível a execução daquela sentença nos EUA, por via dos mecanismos normais da revisão de sentença estrangeira, com vista a A. ali obter, de algum modo, o acesso aos valores depositados nas referidas contas na parte que lhe fora adjudicada.

       Termos em que, ainda que com fundamentação em parte diversa, se acolhe a decisão recorrida.


IV - Decisão


Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando a decisão recorrida, embora com fundamentação em parte diferente.

As custas do recurso ficam a cargo da Recorrente.


Lisboa, 14 de Julho de 2016

        

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo

Carlos Alberto Andrade Bettencourt de Faria

_____________________
[1] In Recurso no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 3.ª Edição, 2016, p. 125.
[2] Depósito Bancário, Revista da Banca, n.º 21, Janeiro/Março, 1992, p. 47.
[3] Vide, a este propósito, Paula Ponces Camanho, in Do Contrato de Depósito Bancário, Almedina, pag. 105, nota 289.
[4] Vide, por todos, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 10.ª Edição, 2006, pp. 82 e segs. e Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 11.ª Edição, 2008, pp. 691-e segs. 
[5] Vide Antunes Varela, ob. cit, pp. 845 e segs.
[6] Vide Antunes Varela, ob. cit. pp. 851-869.
[7] Vide Antunes Varela, ob. cit. pp. 868-869.

[8] In Direito Processual Civil (Acção Executiva) AAFD de Lisboa, 1971, pag. 39. Vide também Lebre de Freitas, in A Acção Executiva Depois da reforma da reforma, Coimbra Editora, 5.ª Edição, 2009, pags. 153-154.
[9] In Acção Executiva Singular, LEX, 1998, p. 17.