Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3415/05.4TBPRD.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: TESTAMENTO
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
INTERPRETAÇÃO DA VONTADE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 09/13/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS SUCESSÕES/ SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO/ ACTOS PROCESSUAIS - SENTENÇA - RECURSOS
Doutrina: - António Cicu, El Testamento, Editorial Revista De Direito Privado, Madrid, 1959, 169.
- Castro Mendes, Interpretação de testamento: prova complementar; competência do Supremo Tribunal de Justiça, in RDES, ano XXIV, nºs1-2-3, Janeiro/Setembro de 1977, 93/157.
- Galvão Telles, Interpretação De Negócio Jurídico Formal: Correspondência Entre Vontade E Documento, in O Direito, 121º, 844.
- Menezes Leitão, A Interpretação Do Testamento, 1993, 96.
- Oliveira Ascensão, Teoria Geral do negócio jurídico e o negócio testamentário, in Comemorações dos 35 Anos Do Código Civil E dos 25 Anos Da Reforma De 1977, Volume I Direito Da Família E Das Sucessões, Coimbra Editora, 2004.
- Pamplona Corte-Real, Curso de Direito das Sucessões, Centro de Estudos Fiscais, 1985, 169/170.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 2187.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 206.º, N.º2, 668.º, N.º1 ALÍNEAS D) E E), 690.º-A, Nº1, ALÍNEA A), 721º, 722º, NºS2 E 3.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 11/7/2002, 12/1/2010, 20/1/2010, 24/2/2011 E 17/4/2012.
ASSENTO DE 19 DE OUTUBRO DE 1954.
Sumário :

I O termo ad quem para que o Tribunal se possa pronunciar sobre a ineptidão da Petição Inicial, é o da prolação do despacho saneador (caso o haja, como aconteceu na espécie), como resulta óbvio do disposto no artigo 206º, nº2 do CPCivil.

 II Arguída a ineptidão da Petição Inicial em sede de recurso de Apelação, considera-se precludida a possibilidade de o Tribunal conhecer tal vício e por extemporaneidade.

III É jurisprudência firme deste Supremo Tribunal que constitui matéria de facto da exclusiva competência das instâncias o apuramento da intenção do testador.

IV Compete, contudo, ao Supremo Tribunal de Justiça, dentro do âmbito da sua actuação, apreciar se a Relação observou devidamente as regras de interpretação que decorrem do artigo 2187º do CCivil, porque uma coisa será apurar a vontade naturalística do de cujus, outra, substancialmente diversa, será o apuramento do resultado da interpretação com a sua subsunção aos requisitos aludidos naquele normativo, por forma a obter o seu sentido e alcance.

V Uma interpretação efectuada tendo em atenção a vontade do testador através da sua contextualização expressa no documento é conforme aos cânones apontados pelo apontado artigo 2187º do CCivil, , já que a directriz subjectivista da busca da vontade real do testador surge-nos claramente mitigada não sendo atendida se não encontrar naquele o sentido juridicamente relevante, sendo de atribuir ao próprio testamento o significado conforme com essa intenção ou vontade tendo em atenção o carácter formal do negócio testamentário.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I M B e C B instauraram acção declarativa com processo ordinário “de interpretação de testamento” contra A, R, C e MINISTÉRIO PÚBLICO EM REPRESENTAÇÃO DE INCERTOS, alegando que a leitura do testamento realizado pelo testador M C B, pela sua estrutura gramatical, resulta confusa, não sendo claro a quem devem ser atribuídos os bens sobre que incide o usufruto, conclui peticionando que o Tribunal “ … se digne interpretar a vontade subjetiva do testador aquando da feitura do testamento, no sentido de que fique claro quais são os bens que o testador quis atribuir a cada um dos beneficiários do seu testamento.”

O Ministério Público, em representação de incertos, apresentou a sua contestação impugnando os factos alegados na petição inicial.

A Ré A contestou por sua vez, invocando a ilegitimidade dos autores, por não serem destinatários de qualquer deixa testamentária, excepcionando a aquisição, por usucapião, a favor de R, do usufruto de todos os móveis e imóveis de que o “de cujus” era dono e possuidor em Portugal, e a aquisição pela Ré A, também, por usucapião, da propriedade da raiz de todos os móveis e imóveis que o “de cujus” era dono e possuidor em Portugal, concluindo assim pela ilegitimidade dos Autores, por não serem, nem poderem ser legatários por força do testamento que invocam.
Defendendo-se quanto ao mais por impugnação termina pedindo que, na procedência da excepção de ilegitimidade seja absolvida da instância, ou, a não proceder esta, que seja absolvida do pedido.

Os Autores, na resposta, impugnam os factos articulados pela Ré e concluem pela improcedência das excepções da ilegitimidade e da usucapião.

No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade invocada pela Ré.

Tendo os autos prosseguido para julgamento, veio no final a ser proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente e, em consequência, interpretou a vontade subjectiva do testador M C B aquando da feitura do testamento, datado de 25 de Julho de 1978, no sentido de que quis deixar o usufruto vitalício de todos os móveis e imóveis que existirem em Portugal, de sua propriedade, em favor da sua irmã R e quis deixar à sua esposa D, de entre todos os bens existentes em Portugal, os bens imóveis referidos nos pontos 13 a 14 e, ainda, todas as importâncias em dinheiro existentes em estabelecimentos bancários em Portugal e deixar aos seus sobrinhos, aqui Autores, C B e M B, em partes iguais, os restantes bens existentes em Portugal referidos nos pontos 15 a 20 da factualidade provada.

Não conformados com esta decisão, vieram os Réus R e A, interpor recurso de Apelação, o qual veio a ser julgado improcedente.

Aqueles mesmos Réus, recorrem agora de Revista, apresentando as seguintes conclusões:
Recurso de R:
- O recorrente não contestou e assim procedeu porque não tinha de contestar, pois que, não sendo herdeiro nem legatário, nada tinha ou podia ter a ver sobre a pretensão de interpretação de um testamento.
- Não obstante, a douta sentença, coadjuvada pelo acórdão sob revista, houve por bem declarar que: «julga-se a acção totalmente procedente», com «custas pelos réus», assim visando o recorrente.
- A leitura da sentença, que é a que aprecia a questão de início, mostra, à evidência e saciedade, que em parte alguma dela o recorrente é referido, pois nada havia que referir, pelo que a conclusão decisória nada tem a ver com as premissas.
- Isso mesmo já resultava da petição inicial em que nada foi dito que consubstanciasse qualquer causa de pedir quanto ao apelante, que não existe.
- Subsistia, e subsiste, pois, total ausência de causa de pedir a propósito do Réu, ora Recorrente.
- O acórdão recorrido fez prevalecer razões de forma ou adjectivas - mesmo assim indevidamente ponderadas - sobre questão de direito substantivo que as precede e, só por isso, decidiu erradamente, salvo o devido respeito. Ora:
- A primeira consequência da total falta de causa de pedir é de natureza substantiva e substancial: não pode ser condenado aquele sobre o qual nenhum facto é aduzido que o vincule, por qualquer forma, à relação jurídica sujeita a contencioso - como é o caso.
- Esta banalidade jurídica significa a necessária oficiosa absolvição do pedido deduzido contra quem nada tem a ver com o caso - o que as Instâncias deviam ter feito e não fizeram, condenando o recorrente por relação jurídica em que nunca foi parte nem invocado foi que o tivesse sido, violando, salvo o respeito devido, os mais elementares princípios do Direito das Obrigações (CCiv., arts. 397.º e segs.).
- Só no plano processual, e como mera complemento desnecessário (como bem resulta do que foi arguido nas anteriores alegações), esta óbvia violação, é, outrossim, motivo de nulidade de todo o processo (a respeito da parte concreta sobre a qual impende um pedido), e era, como ainda é, geradora de «ineptidão da petição inicial» (também a respeito, pelo menos, da mesma parte visada) [CPCiv., art. 193.º-1 2 2-0)] e, sendo de conhecimento oficioso como excepção dilatória [CPCiv., art. 494.º-1-b)], nunca é sanável e, antes, por natureza, é de conhecimento oficioso (CPCiv., art. 495.º).
- Deste modo, mantendo o julgamento da acção como procedente no que ao recorrente se refere e condenando-o em custas, o douto acórdão violou também, salvo o devido respeito, as citadas normas, pelo que deve ser revogada, sendo o apelante absolvido.
- Recurso de A:
- Mais uma vez a douta decisão o quo não encarou a questão essencial a seu tempo levantada, embora aqui tenha procedido ao invés de no recurso anterior: tinha uma questão processual que evitava, como evita, tratar a substância, mas não tratou a primeira, para se ater à segunda, como se lhe fosse possível.
- Com efeito, o Tribunal não pode substituir-se à parte na formulação do pedido, agindo como se tivesse sido formulado um pedido que não foi feito.
- Deste modo, a questão processual equivale a ter decidido para além do que era lícito pedir e antecede a questão substancial de o Tribunal proceder autonomamente à interpretação do testamento, sem que os AA. tenham formulado qualquer pedido do sentido que defendessem para aquela interpretação.
- Aliás, os AA. ora recorridos apesar de alertados (na contestação) para a total deficiência da sua petição, nunca a corrigiram de qualquer modo.
- É que do teor da petição, consta o pedido, que é tão somente o seguinte:
«Termos em que se requer a Vª. Exª. que se digne interpretar a vontade subjectiva do testador aquando da feitura do testamento, no sentido de que fique claro quais são os bens que o testador quis atribuir a cada um dos beneficiários do seu testamento.».
- A simples leitura demonstra que os AA. não se dão ao trabalho de, como era sua obrigação por serem os demandantes, formular qualquer interpretação sua sobre a «vontade subjectiva do testador», limitando-se a pedir ao Tribunal que seja este a «interpretar a vontade subjectiva do testador aquando da feitura do testamento, no sentido de que fique claro quais são os bens que o testador quis atribuir a cada um dos beneficiários do seu testamento», pois, pelos vistos, não sabem.
- Na verdade, em parte alguma da petição inicial existe qualquer facto que tenha a ver com a tal «vontade subjectiva do testador».
- Aconteceu, tão-só, que entenderam os AA. dizer na petição: «Da leitura do testamento e da sua interpretação, parece que o testador tem a intenção de deixar ( ... )», etc. (seu art. 14º) e passam a fazer aquilo que lhes “parece” ser a «leitura do testamento e da sua interpretação» (seus art.s 14º a 19º).
- Quer isso dizer que - tal como se sustentou em requerimento na audiência de julgamento e consta da acta - os AA. não articularam um só facto sobre a vontade do testador, isto é, sobre a sua intenção, e antes se ficaram no «parece que», mas não tiraram dessa mera hipótese qualquer consequência a nível do pedido, como se tal lhes não coubesse e o Tribunal fosse um consultor jurídico.
- Aliás, não foi senão por essa razão - que empontava para o Tribunal aquilo que a este não pode pertencer - que o douto Tribunal da 1.ª Instância, em despacho proferido em acta da mesma audiência, com força de caso julgado formal, arredou resposta aos quesitos 9.2, 10.2, 14.2, 42.2 e 43.2.
- Não é, pois, ao Tribunal que pode pedir-se, em abstracto, que diga «quais são os bens que o testador quis atribuir a cada um dos beneficiários do seu testamento».
- O primeiro âmbito da questão processual é a de que é à parte - e nunca ao Tribunal - que incumbe «expor os factos e as razões de direito que servem de fundamentação à acção» [CPCiv., art. 467.º-1-c)J e, de seguida, «formular o pedido» [CPCiv., art. 467.º-1-d)), assim devendo (numa acção deste género) a causa de pedir ser a sustentação de determinada interpretação do testamento, o pedido só poderá ser a da interpretação determinada sustentada ... e não uma interpretação deixada a outrem.
- O segundo âmbito da questão processual é que o raciocínio acabado de expor mostra por si mesmo que subsistia - e continua a subsistir, agora ferindo as decisões das Instâncias - a nulidade resultante de ineptidão da petição inicial, que é a de contradição entre o pedido e a causa de pedir [CPCiv., art. 193.º-1 e 2- b)].
- O terceiro âmbito da questão processual é que, se está claro, e decidido de uma vez por todas, que não constitui causa de pedir da acção a procura da «vontade subjectiva do testador», pois que nenhum facto foi articulado nesse sentido nem ele consta sequer da Base Instrutória por forma a obter resposta do Tribunal, é evidente, então, que o único pedido que é o de «se digne interpretar a vontade subjectiva do testador aquando da feitura do testamento» carece em absoluto de causa de pedir.
- O quarto âmbito da questão processual é que devia ter sido desde logo decidido pelo Tribunal a ineptidão da petição, o que, pela natureza da nulidade insanável, deveria ter provocado, por si mesma a absolvição da ora recorrente [CPCiv., art.s 193.º-1 e 2-b) e 494.º-b) e 493.º-1 e 2].
- O quinto âmbito da questão processual é que, com rigor, faltava, e falta, o próprio pedido, na medida em que se pede ao Tribunal o que se lhe não pode pedir, o que, por outra via, era, como é, outra causa de ineptidão da petição inicial, com os mesmos efeitos e defeitos atrás assinalados [CPCiv., art. 193.º-1 e 2].
- O sexto âmbito da questão processual, finalmente, é que, sobre terem sido violados as normas processuais atrás invocadas, o que é suficiente para a revogação do acórdão recorrido, este julgou ainda ultra petito, na medida em que foi para além do pedido, condenou em objecto diverso do pedido e pronunciou-se sobre questão de que não podia tomar conhecimento [CPCiv., art. 668.º-1-d) e e)].
- Em suma, as decisões das Instâncias, salvo o devido respeito, não atentaram em nada do que se deixou exposto, votando-se a um trabalho desnecessário - e, no caso, proibido - de fazer interpretação subjectiva e/ou objectiva do testamento, suprindo, sem o poder, aquilo que os AA. não tinham logrado pedir.

Contra alegaram os Autores concluindo da seguinte forma:
- O douto Acordão que confirma a douta sentença ora objecto de recurso por parte dos R.R. reflecte, e aqui deixamos um louvor à Justiça, aos Tribunais e aos Juízes, a vontade do testador.
- O Acordão que confirma a douta sentença baseia-se nos factos dados como provados pelo Meritíssimo Juíz do Tribunal "a quo".
- Pretender agora, como continuam a querem fazer os R.R., alterar a matéria dada como provada, requerendo quase de novo o julgamento da matéria de facto é não só subverter as regras do direito e Processo Civil como ainda mais grave, é querer contrariar a vontade do testador.
- Pretendem os RR. demonstrar que a p. i., manifesta ausência de causa de pedir, de pedido, ou seja, é um recurso quanto à forma e não quanto ao conteúdo, pois é certo que pela leitura da sentença e das alegações de recurso que os próprios R.R se conformam com a douta decisão. Sabem que ela corresponde à vontade subjectiva do testador.
- O pedido na p. i. é claro. Pede-se ao Tribunal que perante as provas apresentadas, se digne interpretar a vontade subjectiva do testador aquando da feitura do testamento, no sentido de que fique bem claro quais são os bens que o testador quis atribuir a cada um dos beneficiários do seu testamento.
- Os A.A. confiaram ao Tribunal a interpretação da vontade subjectiva do testador.
- Apresentam provas documentais e testemunhais.
- O que fazem os R.R ?
- Prescindem da produção de prova.

II Põem-se como questões a resolver no âmbito deste recurso as de saber: i) se o Réu R se mostra indevidamente condenado, uma vez que não é herdeiro; ii) se a petição inicial, por ausência de causa de pedir e de pedido é inepta, e por isso os Réus foram indevidamente condenados, devendo antes ser absolvidos da instância; iii) se o Acórdão recorrido é nulo por ter produzido decisão além do pedido.

As instâncias deram como assente a seguinte factualidade:
- Os autores são sobrinhos e herdeiros testamentários de M C B. (A))
- O testador era casado com D B no regime de separação de bens. (B))
- Do casamento não houve descendentes. (C))
- No dia 22.01.1984 o testador faleceu na Rua …, Rio de Janeiro, Brasil, no estado de casado e sem descendentes ou ascendentes. (D))
- A mulher do testador faleceu no dia 25.04.1984. (E))
- A mulher do testador deixou uma filha de nome A. (F))
- No dia 25.07.1978, em testamento outorgado no Cartório Notarial do Rio de Janeiro, dispôs da totalidade dos seus bens. (G))
- Declarou expressamente revogar o testamento que fez em 20.09.1968. (H))
- Nomeou como testamenteiros os inventariantes R e J, residentes em Portugal. (I))
- Do testamento consta que todos os móveis e imóveis que existirem em Portugal, de sua propriedade, ficarão gravados com a cláusula de usufruto vitalício em favor da sua irmã R S, viúva, ficando a nua propriedade para a sua esposa D B, bens estes compostos de uma casa assobrada, telhada, móveis, utensílios e quintal, e o campo de Cavada e ainda todas as importâncias em dinheiro existentes em estabelecimentos bancários em Portugal. (J))
- Do testamento consta que todos os bens remanescentes existentes em Portugal ficarão partilhados para os seus sobrinhos C B e M H B, em partes iguais. (K))
- A usufrutuária R S morreu no dia 13.11.03. (L))
- O Facto J) dos Factos Assentes pretende referir-se ao artigo urbano …, casa térrea, sobrada e telhada, com quintal junto e superfície coberta de 125,00m2 e superfície descoberta de 940,OOm2, confrontando de norte com V, de sul, nascente e poente com caminho e descrito na conservatória do Registo Predial sob o n°…. (1º)
- O Facto J) dos Factos Assentes pretende referir-se ao artigo rústico …, campo da cavada, com a área de 2100m2, confrontando de norte com B e casa do próprio, de nascente com D e de sul e poente com caminho e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n°….. (2º)
- O Facto K) dos Factos Assentes pretende referir-se ao artigo urbano…, uma casa térrea sobrada e colmaça com quintal junto, com superfície coberta de 74,00m2 e superfície descoberta de 380,00m2, confrontando de norte com caminho, de nascente com A de poente com caminho e de sul com R e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n°…. (3º)
- O Facto K) dos Factos Assentes pretende referir-se ao artigo urbano rústico …, campo dos …, com a área de 850m2, confrontando de norte com caminho, de nascente com C, de poente com J e de sul com A e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº…. (4º)
- O Facto K) dos Factos Assentes pretende referir-se ao artigo urbano rústico …, campo de …, com a área de 1320m2, confrontando de norte com …, de nascente com herdeiros de A, de poente com J e de sul com J e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n°…. (5º)
- O Facto K) dos Factos Assentes pretende referir-se ao artigo urbano rústico …, campo da …, com a área de 1350m2, confrontando de norte com A, de nascente com L, de poente com B e de sul com H e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º…. (6º)
- O Facto K) dos Factos Assentes pretende referir-se ao artigo urbano rústico …, com a área de 8050m2, confrontando de norte com B, de nascente com Rio …, de poente com … e de sul com herdeiros de B e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º…. (7º)
- O Facto K) dos Factos Assentes pretende referir-se ao artigo urbano rústico …, campo da …, com a área de 2080m2, confrontando de norte com C e outros, de nascente com A, de poente com caminho e de sul com A S e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º…. (8º)

1.Da ineptidão da Petição Inicial.

Pretendem os Réus, aqui Recorrentes, repetindo-se no seu argumentário conclusivo, impugnar o Acórdão uma vez que no seu entendimento, o mesmo deveria ter conhecido da ineptidão da Petição Inicial invocada em sede de alegações de Apelação, uma vez que o conhecimento da mencionada excepção é oficioso.

Alegam os Réus, neste particular, que a Petição Inicial é inepta, por ausência de pedido e de causa de pedir, e/ou, por existir contradição entre aqueles elementos.

A ineptidão da Petição Inicial, constitui uma nulidade do processado, como deflui do normativo inserto no artigo 193º, nº1 do CPCivil, na redacção que lhe foi introduzida pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro (versão esta aplicável ao caso sujeito), verificando-se o aludido vicio quando, entre outras circunstâncias, falte o pedido e/ou a causa de pedir ou quando haja contradição entre o pedido e a causa de pedir, alíneas a) e b) do nº2, naquele mesmo artigo.

In casu, os Réus alegaram a existência daqueles três vícios, sendo certo que apenas o fizeram em sede de impugnação da sentença proferida em 1ª Instância nas alegações que então produziram para o Tribunal da Relação do Porto.

Se é certo que esta nulidade decorrente do artigo 193º é de conhecimento oficioso, como decorre do artigo 202º, primeira parte, este como aquele do CPCivil, não menos certo é que tal só é possível enquanto a mesma se não deva considerar sanada, o que nos inculca desde logo a ideia que o conhecimento ex officio não tem operância a qualquer altura.

E, o termo ad quem para o efectivo conhecimento pelo Tribunal, é o da prolação do despacho saneador (caso o haja, como aconteceu na espécie), como resulta óbvio do disposto no artigo 206º, nº2 do CPCivil, posto o que já não será possível ao Tribunal pronunciar-se sobre a questão, considerando-se a mesma precludida.

Quer dizer, vigorando aqui o princípio da auto responsabilização das partes o principio da auto responsabilização das partes, o qual impõe que os interessados conduzam o processo assumindo eles próprios os riscos daí advenientes, devendo deduzir os competentes meios para fazer valer os seus direitos na altura própria, sob pena de serem elas a sofrer as consequências da sua inactividade; e o princípio da preclusão, do qual resulta que os actos a praticar pelas partes o tenham de ser na altura própria, isto é nas fases processuais legalmente definidas, temos que, sempre impenderia sobre os Réus o dever de alegar na altura própria, isto em sede contestação, a excepção de ineptidão da petição inicial, o que aqueles omitiram, fazendo assim igualmente inutilizar, no que aos mesmos concerne, a possibilidade de a virem invocar posteriormente, como fizeram, por extemporaneidade de harmonia com o preceituado no artigo 489º, nº1 do CPCivil, sendo certo que, como se referiu supra, o momento para o conhecimento oficioso por banda do Tribunal, se mostrava igualmente ultrapassado.

Sempre se acrescenta, ex abundanti, que ao contrário do que é esgrimido pelo Réu R o mesmo foi demandado na sua qualidade de executor do testamento, cuja interpretação constitui o thema decidenduum e, por isso, se o Recorrente não contestou, devendo contestar, sibi imputet, suportando os incómodos de uma tal omissão, nomeadamente através do pagamento das custas processuais, nos termos do artigo 446º do CPCivil.

Improcedem, deste modo as conclusões dos Réus, quanto a este particular

2.Da nulidade do Acórdão por ter condenado além do pedido.

Insurge-se a Ré contra o Acórdão recorrido uma vez que na sua tese o mesmo condenou em objecto diverso do pedido e pronunciou-se sobre questão de que não podia tomar conhecimento ao votar-se a um trabalho desnecessário - e, no caso, proibido - de fazer interpretação subjectiva e/ou objectiva do testamento, sendo nulo nos termos do disposto no artigo 668º, nº1, alíneas d) e e) do CPCivil.

Vejamos então.

Resulta do artigo 668º, nº1 do CPCivil, alíneas d) e e), respectivamente, que a sentença (Acórdão) é nula quando se conheça de questão de que se não possa conhecer e/ou quando condene em objecto diverso do pedido.

No caso sub specie entende a Recorrente que tendo os Autores solicitado ao Tribunal que procedesse à interpretação subjectiva da vontade do Autor do testamento, não poderia o Tribunal fazê-lo de outra forma, como o fez, e com recurso à vontade objectiva deste.

E, é neste confronto vontade subjectiva/vontade objectiva, que reside a problemática do vício imputado ao Acórdão recorrido, vicio esse que na tese dos Recorrentes acompanhava já a sentença de primeira Instância.

Dispõe o artigo 2187º, nº 1, do CCivil que «Na interpretação das disposições testamentárias observar-se-á o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento.».

Acrescenta-se no seu nº2 que «É admitida prova complementar, mas não surtirá qualquer efeito a vontade do testador que não tenha no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa.».

É jurisprudência firme deste Supremo Tribunal que constitui matéria de facto da exclusiva competência das instâncias o apuramento da intenção do testador, aplicando-se aqui a uniformização decorrente do Assento de 19 de Outubro de 1954 tendo em atenção o preceituado nos artigos 721º, 722º, nº2 e 729º do CPCivil, sendo contudo da competência deste Supremo Tribunal apreciar se a Relação observou devidamente as regras de interpretação que decorrem do supra enunciado artigo 2187º do CCivil, porque uma coisa será apurar a vontade naturalística do de cujus, outra, substancialmente diversa, será o apuramento do resultado da interpretação com a sua subsunção aos requisitos aludidos naquele normativo, por forma a obter o seu sentido e alcance, cfr Castro Mendes, Interpretação de testamento: prova complementar; competência do Supremo Tribunal de Justiça, in RDES, ano XXIV, nºs1-2-3, Janeiro/Setembro de 1977, 93/157 e inter alia os Acórdãos do STJ de 11 de Julho de 2002 (Relator Miranda Gusmão), 12 de Janeiro de 2010 (Relator Sousa leite), 20 de Janeiro de 2010 (Relator Salazar Casanova), 24 de Fevereiro de 2011 (Relator Sérgio Poças) e 17 de Abril de 2012 (Relator Alves Velho).

A Relação, analisando a factualidade dada como assente pela Primeira Instância, interpretou da seguinte forma o testamento em causa:
«Ora, do testamento consta (10) que todos os móveis e imóveis que existirem em Portugal, de sua propriedade, ficarão gravados com a cláusula de usufruto vitalício em favor da sua irmã R S, viúva, ficando a nua propriedade para a sua esposa D B, bens estes compostos de uma casa assobrada, telhada, móveis, utensílios e quintal, e o campo de … e ainda todas as importâncias em dinheiro existentes em estabelecimentos bancários em Portugal. ( J )
Do mesmo testamento consta ainda (11) que todos os bens remanescentes existentes em Portugal ficarão partilhados para os seus sobrinhos C B e M H B, em partes iguais. ( K )
Está apurado nos autos que, para além da casa e campo referidos em (10) existem outros imóveis em território nacional que eram pertença do testador à data da sua morte, a saber:
15 - … uma casa térrea sobrada e colmaça com quintal junto, com superfície coberta de 74,00m2 e superfície descoberta de 380,00m2, confrontando de norte com caminho, de nascente com A de poente com caminho e de sul com R e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n°…. ( 3º )
16 - … artigo urbano rústico …, campo dos …, com a área de 850m2, confrontando de norte com caminho, de nascente com C, de poente com J e de sul com A e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …. ( 4º )
17 - …. artigo urbano rústico …, campo de …, com a área de 1320m2, confrontando de norte com repo foreiro, de nascente com herdeiros de A, de poente com J e de sul com J C e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n°…. ( 5º )
18 - …. artigo urbano rústico …, campo da …, com a área de 1350m2, confrontando de norte com A, de nascente com L, de poente com B e de sul com H e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° …. ( 6º )
19 - …. artigo urbano rústico …, …, com a área de 8050m2, confrontando de norte com B, de nascente com Rio Sousa, de poente com … e de sul com herdeiros de B e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.°…. ( 7º )
20 - …. artigo urbano rústico …, campo da …, com a área de 2080m2, confrontando de norte com C e outros, de nascente com A, de poente com caminho e de sul com A S e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.°…. (8º).
Não está em dúvida a intenção do testador em atribuir o usufruto de todos os bens sitos em território nacional à irmã R S, situação que para além do mais estaria ultrapassada uma vez que esta usufrutuária entretanto faleceu.
No entanto subsiste a dúvida relativamente à deixa testamentária no que respeita da raiz ou nua propriedade dos prédios do testador situados em território nacional.
No entanto, e não obstante a forma menos clara em que o testamento está redigido, pode dele inferir-se desde logo o seguinte:
- Que o testador pretendeu dispor através do referido testamento, de todos os seus bens existentes em território nacional.
- Que foi intenção do testador contemplar com bens, quer a sua esposa D B, quer os sobrinhos C B e M H B, ora recorridos.
E assim sendo, e perante a referência a bens concretos, referidos na alínea a), como sendo atribuídos à esposa D B, e a referência na alínea b) a “bens remanescentes” como sendo os que deverão ser partilhados em partes iguais pelos os sobrinhos C B e M H B, a conclusão interpretativa do que seja a vontade do testador, a que se chegou na sentença recorrida faz todo o sentido.
Ou seja, a de que a vontade do testador foi deixar o usufruto vitalício de todos os móveis e imóveis que existirem em Portugal, de sua propriedade, em favor da sua irmã R S e quis deixar à sua esposa D B, de entre todos os bens existentes em Portugal, os bens imóveis referidos nos pontos 13 a 14 e, ainda, todas as importâncias em dinheiro existentes em estabelecimentos bancários em Portugal e deixar aos seus sobrinhos, aqui autores, C B e M H B, em partes iguais, os restantes bens existentes em Portugal referidos nos pontos 15 a 20 da factualidade provada.».

A interpretação assim efectuada foi feita com recurso à vontade subjectiva do testador, embora recorrendo naturalmente - porque tal decorre injuntivamente do preceituado no artigo 2187º, nº2 do CCivil - aos elementos textuais e contextuais decorrentes da formalização expressa por aquele no negócio efectuado (testamento), pois não existe vontade, por mais categórica que aparente ser, que se possa impor do exterior do negócio testamentário, cfr Oliveira Ascensão, Teoria Geral do negócio jurídico e o negócio testamentário, in Comemorações dos 35 Anos Do Código Civil E dos 25 Anos Da Reforma De 1977, Volume I Direito Da Família E Das Sucessões, Coimbra Editora, 2004 e António Cicu, El Testamento, Editorial Revista De Direito Privado, Madrid, 1959, 169.

A apontada interpretação decorrente do Acórdão recorrido, encontra-se efectuada segundo os cânones apontados pelo normativo inserto no artigo 2187º do CCivil, tendo tido em atenção a vontade do testador através da sua contextualização expressa no documento, já que a directriz subjectivista da busca da vontade real do testador surge-nos claramente mitigada não sendo atendida se não encontrar naquele o sentido juridicamente relevante, sendo de atribuir ao próprio testamento o significado conforme com essa intenção ou vontade tendo em atenção o carácter formal do negócio testamentário, «A reconstituição da mens testantis deve pois fazer-se, antes de mais, recorrendo aos elementos intrínsecos, isto é, retirados dos próprios termos do testamento enquanto documento (“o contexto” a que se refere o art. 2187.º, nº.1º).», apud Menezes Leitão, A Interpretação Do Testamento, 1993, 96 e cfr neste mesmo sentido Galvão Telles, Interpretação De Negócio Jurídico Formal: Correspondência Entre Vontade E Documento, in O Direito, 121º, 844 e Pamplona Corte-Real, Curso de Direito das Sucessões, Centro de Estudos Fiscais, 1985, 169/170.

Não resulta assim que o Acórdão recorrido ao proceder à interpretação do testamento, tivesse conhecido de questão que não pudesse conhecer, pois não obstante não resultar dos factos assentes qualquer juízo ou ilação em sede de indagação da vontade do testador (veja-se que nesse conspectu não foram objecto de resposta os factos constantes nos pontos 9., 10. 14., 42. e 43. da base instrutória, conforme resulta da acta de leitura das respostas à matéria de facto e respectiva motivação, cfr fls 854 a 858), o Tribunal de primeira Instância acabou por fazer apelo a tais elementos em sede de sentença final, o que foi retomado pelo Acórdão recorrido, com o apuramento da vontade subjectiva daquele através da via literal expressa no contexto do testamento em observância ao preceituado no nº2 do artigo 2187º CCivil.

O sentido que efectivamente decorre do clausulado do testamento é que o seu autor M C B quis dispor de todos os seus bens existentes em território nacional, tendo sido igualmente sua intenção deixá-los a sua esposa D B e a seus sobrinhos C B e M H B, aqui Recorridos, da forma preconizada pelo Acórdão recorrido.

Assim.

Tendo em atenção o que referenciado se encontra na alínea a) do testamento, temos de concluir que o seu autor M B quis atribuir a sua esposa D B a propriedade de bens específicos: 1. casa assobrada, telhada, móveis, utensílios e quintal; 2. campo de cavada, estes correspondentes aos imóveis identificados nas respostas aos pontos 1 e 2 da base instrutória e ainda todas as importâncias em dinheiro existentes em estabelecimentos bancários em Portugal (ali se refere a nua propriedade, o usufruto dos mesmos caberia a sua irmã R S, entretanto falecida); tendo em atenção a alínea b) daquele mesmo testamento, o de cujus quis beneficiar os sobrinhos C B e M H B, atribuindo aos mesmos os “bens remanescentes”, correspondentes aos imóveis identificados nas respostas aos pontos 3. a 8. da base instrutória, como sendo os que deverão ser partilhados em partes iguais por aqueles.

Improcedem in totum as conclusões quanto a este particular.

Sempre se diz ex abundanti que aos Réus, aqui Recorrentes, no seu recurso de Apelação, nem sequer impugnaram a matéria dada como provada e não provada, nesta se incluindo aqueles pontos factuais que não foram objecto de resposta pelo Tribunal, devendo sê-lo na sua óptica, o que sempre se imporia para poderem, eventualmente, fazer vingar a sua tese, de harmonia com o disposto no artigo 690º-A, nº1, alínea a) do CPCivil, tendo em vista o disposto nos artigos 722º, nº3 e 729º, nº2, do mesmo diploma legal.

III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão plasmada no Acórdão sob recurso.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 13 de Setembro de 2012


(Ana Paula Boularot)


(Pires da Rosa)


(Maria dos Prazeres Pizarro Beleza,com a observação de que , segundo penso, pese embora o disposto no nº1 do artigo 204º do CPC, o ónus de invocar a ineptidão da petição incial poderia ter sido exercido até à prolação do despacho saneador, nos termos conjugados no nº2 do artigo 489º e do nº2 do artigo 206º, ambos do CPC)