Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
971/19.3T8SRE-A.C1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: ACÓRDÃO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
CONTRATO DE MÚTUO
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
VENCIMENTO ANTECIPADO
INCUMPRIMENTO
AMORTIZAÇÃO
JUROS
ABUSO DO DIREITO
SUPRESSIO
Data do Acordão: 09/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I – O prazo curto de prescrição do artº 310º al. e) CCiv, justificou-se nos trabalhos preparatórios do Código Civil com o facto de a acumulação de juros com quotas de amortização poder originar, por sua vez, uma acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor.

II – Consoante a jurisprudência uniformizada deste S.T.J., por via do acórdão produzido em julgamento ampliado de revista, no p.º n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1, em 30/6/2022:

– No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al.e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.

– Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.

III – Em face de tal jurisprudência, a total procedência da excepção peremptória de prescrição das prestações, no caso de perda de benefício do prazo, poderá acontecer nos casos em que se mostrou clausulado o vencimento imediato das restantes prestações, com independência de interpelação, considerando que, como regra geral supletiva, o vencimento antecipado automático das prestações subsequentes não é de acolher, à luz da doutrina maioritária, relativamente ao disposto no art.º 781.º do CCiv.

IV – A figura da supressio, como expressão do abuso de direito (art.º 334.º do CCiv), é de considerar afastada quando, à demora da Exequente na propositura da execução, se contrapôs também um sucessivo incumprimento da parte dos Embargantes, uma violação múltipla ou repetida do contrato de mútuo e o gozo do bem ou dos bens imóveis que aos Embargantes foram proporcionados pela concessão dos mútuos bancários.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



A Acção, o Pedido e o Objecto do Processo

 Na execução comum que lhes move a Caixa Geral de Depósitos, S.A., posteriormente substituída, por habilitação de cessionário, por E..., S.A., vieram AA e marido BB deduzir embargos de executado.

Na petição executiva, tinha a Exequente alegado que se realizou, em 11/4/2001, na Agência da Caixa Geral de Depósitos de ..., escritura de compra e venda de mútuo com hipoteca, pelo notário do Cartório Notarial do concelho ..., pelo qual a exequente cedeu aos aqui executados um empréstimo da quantia de catorze milhões e trezentos mil escudos, ou seja, € 71.328.10 euros.

Nesse mesmo dia, por “documento particular”, conforme se pode ler no doc. 2, que é uma procuração outorgada pelos executados a favor da exequente, esta concedeu aos executados um empréstimo de três milhões e duzentos mil escudos, ou seja, € 15.961.53.

Estamos, assim, perante um crédito à habitação no valor de 71.328.10 € e um crédito ao consumo no valor de 23.085.48 €.

O empréstimo seria amortizado em prestações mensais constantes com bonificação decrescente, de capital e juros vencendo-se a primeira no correspondente dia do mês seguinte ao da celebração do contrato, e as restantes em igual dia dos meses subsequentes (clausula 9, do documento complementar).

Tal empréstimo seria reembolsado em 25 anos, conforme clausula 8ª do documento complementar.

Os executados foram liquidando as respetivas prestações para pagamento dos mútuos contraídos até 2008-11-11, conforme se pode comprovar pelos docs. 9 e 10, anexos ao requerimento executivo. As prestações acordadas deixaram de ser pagas a partir de 2008/12/11.

O outro crédito, em que o capital mutuado foi de 15.961,53€, seria liquidado também em 300 meses.

As prestações referentes a este crédito também foram sendo liquidadas ate 2008/11/11.

Assim, a partir do mês de dezembro de 2008, os executados deixaram de pagar também a prestação devida por este mútuo.

Ou seja, os executados entraram em incumprimento em ambos os contratos de mútuo em Dezembro de 2008, incumprimento este que se verifica há já onze anos.

Após o vencimento antecipado do primeiro contrato, e com reporte à data de 17.06.2019, o montante em dívida ascendia a € 86.701,83, respeitando € 58.437,55 a capital vencido, € 13.136,41 a juros remuneratórios, € 12.869,34 a juros de mora e € 2.258,53 a comissões, conforme Doc. nº 7 junto.

Após o vencimento antecipado do segundo contrato, e com reporte à data de 17.06.2019, o montante em dívida ascendia a € 22.297,38, respeitando € 13.155,88 a capital vencido, € 3.239,15 a juros remuneratórios, € 3.751,55 a juros de mora e € 2.150,80 a comissões, conforme Doc. nº 10 junto.

Os Embargantes/Executados invocam agora que, em 5 de Agosto de 2019, a Exequente intentou a presente ação executiva, invocando o vencimento antecipado do empréstimo em 17.06.2019, pelo que tais créditos se encontram prescritos, por aplicação do art.º 310.º do C. Civil, prescrição de cinco anos.

A partir do dia 11 de Dezembro de 2008, a exequente passou a poder exercer o seu direito e consequentemente, iniciou-se o prazo de prescrição de cinco anos, nos termos do art.º 306.º, n.º 1 do C. Civil, pelo que o seu crédito, reclamando no requerimento executivo, deve considerar-se prescrito desde o dia 12/12/2013, não se tendo verificado qualquer causa de suspensão ou de interrupção da prescrição.

A atitude abusiva da exequente, de deixar passar o máximo de tempo possível até declarar judicialmente a resolução dos contratos e executar o parco património dos embargantes é lesiva dos interesses destes, pois causa-lhe elevados prejuízos, porquanto, sabendo da impossibilidade que criaram de estes se desfazerem do imóvel, e liquidarem parte pelo menos do crédito ora dado a cobrança, nunca agiram impulsionando o processo, a não ser quando entenderam que poderiam vir a receber um avultando montante, como o que é exigido agora.


As Decisões Judiciais

Em saneador-sentença, foi decidido, por aplicação do prazo de prescrição de 5 anos do artº 310º als. d) e e) CCiv, considerar prescrita a totalidade da dívida de capital e juros peticionada no processo.

Tendo a Exequente/Embargada recorrido de apelação, a Relação julgou a apelação parcialmente procedente, declarando apenas prescrito o crédito da Exequente relativo aos juros vencidos há mais de cinco anos, tendo por referência a data de 13/5/2019, determinando-se o prosseguimento da execução para pagamento dos montantes devidos a título de capital e comissões no valor de 58.437,55 e 2.258,53, respetivamente, referente ao empréstimo aludido em a), do ponto de facto 1 e 13.155,80 e 2.150,80, respetivamente, referente ao empréstimo aludido em b), no ponto 1, acrescida dos respetivos juros vencidos nos cinco anos anteriores a 13/5/2019.

Justificou assim a Relação:

“No caso sub judice resultando as quotas de amortização do capital, da estipulação, entre as partes, de um plano de reembolso gradual e periódico de capital, que visa facilitar e agilizar o pagamento através do fracionamento da dívida em parcelas do capital – e em que cada prestação é composta por uma parcela de capital e outra de juros –, em principio, fazia sentido a existência de um prazo prescricional de curta duração aplicável a cada prestação que se vença, considerada individualmente, como obrigação autónoma (cfr. entre outros Ac. entre outros do S.T.J. de 18-10-2018, proc.º n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1, 29-09-2016 (201/13.1TBMIR-A.C1.S1 e Ana Filipa Morais Antunes, “Algumas Questões (…)”, pág. 45, e ainda “Prescrição e Caducidade, Anotação aos Artigos 296º a 333º do Código Civil”, pág. 128).”

“Porém, assim não será, na medida em que, dos elementos constantes dos autos, resulta que não é essa a dívida que aqui se executa – pois o recorrido das prestações acordadas pagou as primeiras 91.ª, não tendo pago as restantes (cfr. ponto 9.º dos factos provados), assim, o que o recorrente o que pede, são € 86.721,01 respeitando € 58.437,55 a capital vencido, € 13.136,41 a juros remuneratórios, € 12.869,34 a juros de mora e € 2.258,53 a comissões, referentes ao contrato aludido em a), do ponto de facto 1 e a quantia de € 22.297,38, respeitando € 13.155,88 a capital vencido, € 3.239,15 a juros remuneratórios, € 3.751,55 a juros de mora e € 2.150,80 a comissões, referentes ao contrato b), do ponto 1 de facto (cfr. pontos 12 e 17 dos factos provados, respetivamente), desde logo, por a exequente, se ter socorrido do disposto no art.º 781º do CC, face ao não cumprimento atempado da 92.ª prestação e segs. (cfr. n.º 6, do facto 21 da matéria provada).”

“Tendo o recorrente solicitado o vencimento imediato das prestações restantes, significa que o plano de pagamento escalonado anteriormente acordado deixa de estar em vigor, ocorrendo uma perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações (cfr. neste sentido, entre outros, Ac.s desta Relação de 26 de abril de 2016, proc.º n.º 525/14.0TBMGR-A.G1, relatado por Maria João Areias e de 12 de Junho de 2018, proc.º n.º 17012/17.8YIPRT.C1, relatado por Jorge Arcanjo).”

“Por advogarmos o referido no Ac. n.º 17012/17.8YIPRT, supra citado, aqui transcrevemos, o seguinte segmento: “Sendo assim, a resolução dá origem a uma “relação de liquidação”, por força do princípio da retroactividade, que intervém em termos relativos (art.434, nº2 CC).”

“A propósito da “relação de liquidação”, elucida Brandão Proença: “O exercício fundado do direito de resolução, origina, à luz de certos dados normativos gerais (arts.433, 289 e 344 nº1 (1ª parte) do CC ), uma eficácia retroactiva entre as partes contratantes (e atingindo eventualmente terceiros), consubstanciada (sobretudo quando a resolução assume uma finalidade recuperatória) numa “relação de liquidação” (…). A resolução, apesar da sua carga etimológica, não é um instrumento puramente negativo, concretizado numa retroactividade mais ou menos arbitrária, mas visa (máxime quando houve um princípio de execução contratual) uma “liquidação” adequada à própria finalidade normal (ou funcionalidade) do direito: o “regresso”(não necessariamente retroactivo) ao estado económico-jurídico anterior à frustração ou à alteração contratual e numa base, quanto possível, igualitária entre ambas as partes” (A Resolução do Contrato No Direito Civil, 1982, pág.173, 178).”

“Portanto, o crédito reclamado já não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como a dívida (global) proveniente da “relação de liquidação”, correspondente ao valor do capital em dívida, à data do incumprimento.”

“Para Menezes Cordeiro, “a prescrição quinquenal apenas se irá aplicando escalonadamente, na medida do plano de pagamento inicial, pois é este o combinado e que as partes têm como referência; podemos acrescentar que na eventualidade do vencimento antecipado, já não se trata de quotas de amortização“ (Tratado de Direito Civil, V, pág.175, 176).”

“Também Ana Filipa Antunes, anotando o art.310, refere que o prazo curto de prescrição se justifica por estarem em causa prestações periódicas, mas “este prazo vale para cada uma das prestações que se vai vencendo e não para a obrigação no seu todo” (Prescrição e Caducidade, pág.79).”

“No plano jurisprudencial, cf., por ex., Ac RC de 26/4/2016 (proc. nº 525/14), Ac RG de 16/3/2017 (proc. nº 589/15), Ac RE de 10/5/2018 (proc. nº 627/16), disponíveis em www dgsi.pt .”

“Por isso, não tem aplicação o regime especial da prescrição do art. 310º e) CC, mas o prazo geral da prescrição de 20 anos (art.309º CC).”

“Contudo, este prazo de 20 anos apenas se aplica ao capital e comissões, já não quanto aos juros, pois como, bem se refere no Ac. desta Relação, de 26 de abril de 2016, supra citado, desfeito o plano de amortização da dívida inicialmente acordado, os valores em dívida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros. Desfeita a ligação anteriormente contida em cada uma das prestações entre uma parcela de capital e outra a título de juros, nenhuma razão subsiste para sujeitar a dívida de capital e a dívida de juros ao mesmo prazo prescricional: os juros que se forem vencendo prescreverão no prazo de cinco anos, e o capital e comissões, encontrar-se-ão sujeitos ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos.”

“Refere-se no citado aresto, que apenas os juros se encontram sujeitos ao prazo de prescrição de cinco anos e compreende-se que assim seja, desde logo, face ao preceituado no art.º 310.º, alínea d), do C.C.”

“Dos autos resulta que em 13/5/2019 a exequente fez interpelação ao executado da perda do benefício do prazo exigindo o pagamento.”

“Pelo exposto, á exceção do capital e comissões, os juros vencidos há mais de cinco anos antes da data em que procedeu à liquidação do montante em dívida – 13/5/2019 –, encontram-se prescritos, devendo o exequente, na execução, proceder à reformulação da quantia exequenda, apresentando um novo cálculo das quantias em dívida, descontados os juros que se encontravam prescritos à data de 13/5/2019.”


A Revista

Os Embargantes interpõem agora recurso de revista, concluindo como segue:

1. A recorrida intentou uma ação de execução sumária contra os aqui recorrentes.

2. No exercício da sua atividade creditícia, a exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A., celebrou com os executados BB e AA, os seguintes contratos:

a) um contrato de mútuo com hipoteca no montante de € 71.328,10 (setenta e um mil e trezentos e vinte e oito euros e dez cêntimos), formalizado por escritura pública datada de 11 de abril de 2001, conforme Doc. n.º 1, que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos;

b) um contrato de mútuo com hipoteca no montante de € 15.961,53 (quinze mil e novecentos e sessenta e um euros e cinquenta e três cêntimos), formalizado por escritura pública datada de 11 de abril de 2001.

3. Os contratos destinaram-se às seguintes finalidades:

a) à aquisição de imóvel para habitação própria e permanente da parte devedora;

b) a facultar recursos para o financiamento de investimentos múltiplos, não especificados, em bens imóveis.

4. Para garantia do capital mutuado, dos respetivos juros e de despesas os recorrentes constituíram a favor da recorrida, que aceitou, hipoteca sobre o prédio urbano composto de casa de habitação de R/C e 1º andar, sito em ..., freguesia ..., concelho ... inscrito na matriz sob o artigo ...72 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...29, da referida freguesia.

5. Os recorrentes não liquidaram a 92.º prestação, que se venceu em 11-12-2008.

6. Desde dezembro de 2008 os recorrentes deixaram de cumprir com as obrigações emergentes do contrato de mútuo em apreço.

7. De dezembro de 2008 a junho de 2019 a recorrida não comunicou aos embargantes a resolução do contrato de mútuo celebrado entre ambos e que serve de base à presente execução.

8. A comunicação do vencimento antecipado deu-se 10 anos, 6 meses e 6 dias depois do incumprimento verificado com a não liquidação da 92.º prestação.

9. Os recorrentes, nos seus Embargos de Executado, defenderam-se através da excepção peremptória da prescrição, alegando a preclusão do direito da recorrida por força deste instituto.

10. Dispõe o artigo 310º, alínea e) do Código Civil que prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com juros, previsão legal onde é inequivocamente enquadrável o contrato de mútuo que serve de base à presente execução.

11. Quando a recorrida veio cobrar judicialmente o montante do capital e juros, o que fez através da execução sumária dos autos principais, já a obrigação dos recorrentes se encontrava prescrita pelo decurso do prazo de cinco anos – já haviam decorrido mais de 10 anos.

12. A resolução do contrato por incumprimento definitivo não é fundamento para a não aplicação do prazo de prescrição de cinco anos, quando está contratualmente estabelecido o pagamento através de quotas de amortização de capital e juros, como é o caso dos autos.

13. O douto Acórdão recorrido não valorou os argumentos que sustentam o estabelecimento de prazos prescricionais mais curtos que os 20 anos, previsto no artigo 309º do Código Civil, e que visam essencialmente tutelar a posição do devedor.

14. É objetivo do legislador evitar que o credor deixe acumular os seus créditos a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar, evitando-se a ruína do devedor.

15. É exatamente para obstar a situações como a dos autos, em que o credor nada fez durante 10 anos e seis meses e vem agora, através da execução sumária dos autos principais, exigir o pagamento de uma quantia avultada relativamente ao capital e juros remuneratórios efectivamente devidos aquando o incumprimento.

16. Nos contratos de financiamento, que amiúde servem para aquisição de imóveis, estamos perante uma obrigação assente num plano de amortizações, composto por diversas quotas, as quais são constituídas por uma parcela de capital e uma parcela de juros remuneratórios.

17. A natureza fracionada e parcelar, desdobrada em capital e juros remuneratórios, permite suportar a conclusão de que será aplicável a prescrição quinquenal, e não o prazo ordinário prescricional, previsto no artigo 309.º do C.C.

18. Neste tipo de contratos, as partes acordam um plano de amortização do capital e juros correspondentes.

19. Essa amortização é realizada através de prestações periódicas e parcelares, estipuladas ad initio.

20. O vencimento antecipado nos termos do artigo 781.º do C.C. (que não tem natureza imperativa), não retira a natureza fracionária e parcelar do acordado inicialmente.

21. Consta do requerimento executivo que as prestações acordadas deixaram de ser pagas a partir do dia 11 de dezembro de 2008.

22. A partir desta data venceram--se todas as prestações acordadas, nos termos do artº 781º, do C. Civil, uma vez que não foi acordado regime diferente do referido neste preceito.

23. A exequente a partir do dia 11 de dezembro de 2008 passou a poder exercer o seu direito e consequentemente, iniciou-se o prazo de prescrição de cinco anos, nos termos do artº 306º, nº 1 do C. Civil.

24. O crédito reclamando no requerimento executivo deve considerar-se prescrito desde o dia 12/12/2013.

25. Não se verificou qualquer causa de suspensão ou de interrupção da prescrição pelo que sempre, sempre se haverá de considerar prescrito o direito de crédito da exequente desde 12/12/2013.

26. Pelo que a data da citação todo o crédito estaria como está prescrito.

27. Não se verifica no caso em analise a necessidade de interpelação do devedor a comunicar o vencimento do crédito, que Acórdão recorrido considera que terá tido lugar em 16.06.2019, repita-se quase 10 anos depois da liquidação da ultima prestação de qualquer dos dois créditos pelos executados.

28. A não interpelação dos devedores num tempo útil e razoável, quiçá dentro dos 5 anos para a prescrição dos créditos, revela a manifesta falta de interesse da exequente no avançar da execução, violando os princípios básicos da segurança e proteção jurídica das relações contratuais, e defesa do consumidor, a parte mais frágil nestes processos.

29. A própria exequente não desconhecia a possibilidade da prescrição dos créditos dados a execução, pois que os cedeu à habilitada E..., S.A., em Setembro de 2019, ou seja em mês após a entrada da execução em juízo.

30. Mais, a executada estava ciente de que a instauração da execução em causa contra os exequentes era um manifesto atentado ao instituto do abuso de direito, pois violava, como viola as regras basilares da confiança jurídica e da boa fé na fase contratual.

31. Tendo-se vencido ambos os créditos em 11 de dezembro de 2008 os mesmos prescreveram em 12/12/2013, motivo pelo qual a instância executiva deveria e deverá ser declarada extinta, tal como foi decidido pelo tribunal a quo no saneador sentença.

32. Assim, “prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações decorrentes de um contrato de mútuo bancário, desdobradas em quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, com prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos (…) in Acórdão n.º 6238/16.1T8VNF-A.G1.S1, datado de 14-01-2021.

33. “O legislador entendeu que , neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos,

o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310º.”, in Acórdão n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1, de 29-09-2016.

34. Face à jurisprudência e doutrina mobilizada, os recorrentes entendem que o douto Acórdão recorrido não se afigura conducente com a finalidade do artigo 310.º, al. e).

35. Ao caso sub judice deve aplicar-se o prazo prescricional de 5 anos (artigo 310.º, al e) do C.C.) e não o prazo ordinário de 20 anos (artigo 309.º do C.C.) defendido pelo Acórdão aqui recorrido.

36. O débito dos executados concretizou-se, desde a subscrição do contrato de empréstimo operada no dia onze de abril do ano dois mil e um, na Agência da Caixa Geral de Depósitos de ... pelo qual a exequente cedeu aos aqui executados um empréstimo da quantia de catorze milhões e trezentos mil escudos, ou seja €71.328.10 (setenta e um mil e trezentos e vinte e oito euros e três cêntimos reembolsado em 25 anos por reembolso em prestações mensais, iguais de capital e juros…

37. e um outro contrato de mútuo com hipoteca no montante de € 15.961,53 (quinze mil e novecentos e sessenta e um euros e cinquenta e três cêntimos), formalizado por escritura pública datada de 11 de abril de 2001 também pelo período de 25 anos a liquidar em prestações mensais e sucessivas iguais de capital e juros.

38. Prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros - art.º 310.º, alínea e), do C. Civil.

39. Esta prescrição legal, compreendida nas designadas prestações periodicamente renováveis, é comummente defendida pela circunstância de, através dela, se obviar a que o credor, adiando a exigência do pagamento de prestações de abreviado quantitativo, deixe amontoar o seu crédito a tal ponto que torne demasiado dificultada a prestação do devedor.

40. Nos termos do que está proposto no n.º 1 do art.º 304.º do C.Civil, verificada a prescrição pelo decurso do prazo prescricional, é conferida ao devedor, seu beneficiário, a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.

41. Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição (art.º 298.º, n.º 1 do C.Civil.

42. A atitude do Banco exequente enquadra-se na previsão legal do disposto no art.º 310.º, alínea e), do C. Civil, assistindo aos executados o privilégio de poderem recusar o cumprimento da prestação pedida na execução contra eles movida.

43. Refere Ana Filipa Morais Antunes, em “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia; volume III; página 47” que: “…na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos,

44. no artigo 310 alínea e) CC está prevista uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração.

45. O referido plano, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respetiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido.

46. Com o plano de pagamento prestacional visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fracionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objeto a totalidade do montante em dívida.”

47. A obrigação assumida pelos signatários do contrato, compartimentada num mútuo e respetivos juros, converteu-se numa prestação mensal de fraccionada quantia global que iria sendo amortizada na medida em que se processasse o seu cumprimento; e esta facticidade está abrangida pelo regime jurídico descrito no artigo 310.º, alínea e), do C. Civil.

48. Prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros - art.º 310.º, alínea e), do C. Civil.

49. Dúvidas não poderemos ter de que a atitude do Banco exequente se enquadra na previsão legal do disposto no art.º 310.º, alínea e), do C. Civil.

50. Assiste aos executados o privilégio de poderem recusar o cumprimento da prestação pedida na execução contra eles movida, dez anos apos o incumprimento destes e a inércia abusiva com que aguarda o tempo passar e o desvalorizar do bem hipotecado com o engrossamento usurário da dívida.

51. Deverá a exceção perentória da prescrição proceder, conforme o peticionado nos embargos de Executado, e como havia sido decidido em 1.ª Instância.

52. Deverá determinar-se pela extinção da obrigação exequenda.

53. O Acórdão sob recurso violou o disposto nos artigos 310.º, al e) e o artigo 781.º ambos do Código Civil.


A Embargada apresentou contra-alegações, nas quais continua a sustentar o alegado na acção e na apelação, pugnando pela improcedência da revista.


São os seguintes os Factos Apurados:

1. No seu requerimento executivo, a exequente alegou que:

“1.1. No exercício da sua atividade creditícia, a exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A., celebrou com os executados BB e AA, os seguintes contratos:

a) um contrato de mútuo com hipoteca no montante de € 71.328,10 (setenta e um mil e trezentos e vinte e oito euros e dez cêntimos), formalizado por escritura pública datada de 11 de abril de 2001, conforme Doc. n.o 1, que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos;

b) um contrato de mútuo com hipoteca no montante de € 15.961,53 (quinze mil e novecentos e sessenta e um euros e cinquenta e três cêntimos), formalizado por escritura pública datada de 11 de abril de 2001, conforme Doc. n.o 2 e 3, que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos.

2. Clausulou-se nos identificados contratos as seguintes taxas de juros, seguindo-se a mesma ordem alfabética:

a) o empréstimo vence juros à taxa correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a seis meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período semestral de vigência do contrato (média essa designada por indexante), acrescida de um diferencial de 2,0 pontos percentuais, com arredondamento para o 1/16 avos por cento imediatamente superior, o que se traduzia, à data da outorga do contrato, na taxa de juro nominal de 6,750%, a que correspondia a taxa efetiva de 6,963%;

b) o empréstimo vence juros à taxa correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a seis meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período semestral de vigência do contrato (média essa designada por indexante), acrescida de um diferencial de 2,0 pontos percentuais, com arredondamento para o 1/16 avos por cento imediatamente superior, o que se traduzia, à data da outorga do contrato, na taxa de juro nominal de 6,750%, a que correspondia a taxa efetiva de 6,963%.

3. Os contratos destinaram-se, seguindo-se a mesma ordem alfabética, às seguintes finalidades:

a) à aquisição de imóvel para habitação própria e permanente da parte devedora;

b) a facultar recursos para o financiamento de investimentos múltiplos, não especificados, em bens imóveis.

4. Para garantia do capital mutuado, dos respetivos juros e de despesas, do contrato supra identificado na alínea a) do artigo 1o os mutuários constituíram a favor da exequente, que aceitou, hipoteca sobre o prédio urbano composto de casa de habitação de R/C e 1º andar, sito em ..., freguesia ..., concelho ... inscrito na matriz sob o artigo ...72 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...29, da referida freguesia, conforme Doc. no 1 já junto.

5. A hipoteca encontra-se registada a favor da exequente pela inscrição AP. 3 de 2001/04/02, conforme Doc. n.o 4, que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

6. Para garantia do capital mutuado, dos respetivos juros e de despesas, do contrato supra identificado na alínea b) do artigo 1o os mutuários constituíram a favor da exequente, que aceitou, hipoteca sobre o prédio urbano composto de casa de habitação de R/C e 1º andar, sito em ..., freguesia ..., concelho ... inscrito na matriz sob o artigo ...72 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...29, da referida freguesia, conforme Doc. no 2 e 3 já junto.

7. A hipoteca encontra-se registada a favor da exequente pela inscrição AP. 1 de 2003/05/19, conforme Doc. n.o 4, já junto.

8. Conforme decorre do contrato supra identificado na alínea a) do artigo 1o, o prazo estipulado para amortização do empréstimo foi de 25 anos, a contar da data da outorga, sendo amortizado em prestações mensais constantes com bonificação decrescente, de capital e juros, vencendo-se a primeira no correspondente dia do mês seguinte ao da celebração do contrato e as restantes em igual dia dos meses seguintes.

9. Sucede que os executados não liquidaram a 92a prestação, vencida em 11.12.2008, nem as seguintes, conforme Doc. n.º 5, que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

10. Mercê desse incumprimento a CGD venceu antecipadamente o empréstimo em 17.06.2019.

11. Antes do vencimento antecipado do empréstimo (em 16.06.2019), encontrava-se em dívida à exequente o montante de € 85.175,35, respeitando € 26.120,73 a capital vincendo, € 32.316,82 a capital vencido, € 11.596,79 a juros remuneratórios, € 12.864,48 a juros de mora e € 2.258,53 a comissões, conforme Doc. no 6 que ora se junta.

12. Após o vencimento antecipado, e com reporte à data de 17.06.2019, o montante em dívida ascendia a € 86.701,83, respeitando € 58.437,55 a capital vencido, € 13.136,41 a juros remuneratórios, € 12.869,34 a juros de mora e € 2.258,53 a comissões, conforme Doc. no 7, que ora se junta.

13. E, conforme decorre do contrato supra identificado na alínea b) do artigo 1º, o prazo estipulado para amortização do empréstimo foi de 25 anos, a contar da data da outorga, sendo amortizado em prestações mensais constantes com bonificação decrescente, de capital e juros, vencendo-se a primeira no correspondente dia do mês seguinte ao da celebração do contrato e as restantes em igual dia dos meses seguintes.

14. Sucede que os executados não liquidaram a 92ª prestação, vencida em 11.12.2008, nem as seguintes, conforme Doc. n.º 8, que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

15. Mercê desse incumprimento a CGD venceu antecipadamente o empréstimo em 17.06.2019.

16. Antes do vencimento antecipado do empréstimo (em 16.06.2019), encontrava-se em dívida à exequente o montante de € 22.293,80, respeitando € 5.949,21 a capital vincendo, € 7.206,67 a capital vencido, € 3.237,15 a juros remuneratórios, € 3.749,97 a juros de mora e € 2.150,80 a comissões, conforme Doc. no 9 que ora se junta.

17. Após o vencimento antecipado, e com reporte à data de 17.06.2019, o montante em dívida ascendia a € 22.297,38, respeitando € 13.155,88 a capital vencido, € 3.239,15 a juros remuneratórios, € 3.751,55 a juros de mora e € 2.150,80 a comissões, conforme Doc. nº 10 que ora se junta.

18. Sendo que, não obstante terem sido interpelados para o efeito, conforme docs. n.ºs 11 a 18 que se juntam e cujo teor se dá por integralmente reproduzido os executados não se apresentaram para liquidar o montante em dívida.

19. Sobre o total dos juros que vierem a ser cobrados no âmbito da presente execução incide imposto de selo, nos termos da respectiva Tabela Geral.

20. Os créditos cuja cobrança coerciva se requer e respetivos juros vencidos e vincendos estão consubstanciados em título executivo, de harmonia com o disposto no artigo 703.º do Código de Processo Civil.

21. Os mencionados créditos encontram-se vencidos e são certos, líquidos e exigíveis. 

“2. A execução principal foi instaurada em 5 de agosto de 2019.”

“3. Os títulos executivos apresentados são dois contratos de mútuo com hipoteca.”

“4. Os executados, aqui embargantes, não liquidaram a 92.ª prestação relativa a ambos os mútuos antes referidos, vencidas em 11-12-2008.”

“5. E a exequente considerou vencidos antecipadamente os dois empréstimos em 17-06-2019.”

“6. Através de carta registada com aviso de receção, dirigida a cada um dos embargantes, a exequente comunicou que:”

“Não obstante a nossa comunicação anterior, datada de 13 de maio de 2019, persiste o incumprimento da obrigação de V. Ex.a decorrentes dos contratos identificados em epígrafe, pelo que, na presente data, se invoca a perda do benefício do prazo, nos termos legalmente previstos.”

“Cabe informar que a perda do benefício do prazo determina o vencimento antecipado de todas as quantias disponibilizadas no âmbito dos referidos contratos, a qual ascende, nesta data, a € 86.721,01 e € 22.301,63, sendo imediatamente vencidas”.


Conhecendo:


I


Por conseguinte, resumindo, estamos perante um crédito bancário à habitação, por um lado, e um crédito bancário para consumo, por outro lado, créditos ambos concedidos em 11/4/2001; tais créditos deveriam ser amortizados em prestações mensais constantes.

Os Executados passaram a incumprir com as prestações de ambos os contratos em 11 de Dezembro de 2008.

Em 17/6/2019, a Exequente notificou extrajudicialmente os Executados, no sentido de  considerar antecipadamente vencida toda a dívida.

A presente acção executiva foi intentada em 5/8/2019.

A sentença considerou que, verificada a data do incumprimento – 11.12.2008, e inexistindo qualquer causa interruptiva ou suspensiva da prescriçãp, o prazo prescricional de 5 anos, previsto no art.º 310.º al.e) do CCiv, foi atingido em 11-12-2013, se deveria concluir que a obrigação exequenda já se mostrava toda ela prescrita no momento em que os Embargantes tiveram conhecimento, não só da carta de 17-06-2019, como também da instauração subsequente do presente processo de execução – incluindo, portanto, seja as prestações vencidas em data anterior à instauração da execução, seja as prestações antecipadamente vencidas.

O acórdão recorrido distinguiu:

- ao capital e comissões, enquanto dívida global proveniente de uma relação de liquidação, aplicava-se o prazo geral de prescrição (20 anos – art.º 309.º do CCiv), pelo que a dívida exequenda se não encontrava prescrita;

- não já quanto aos juros vencidos há mais de 5 anos sobre a data em que se procedeu à liquidação do montante em dívida (13/5/2019), aos quais se aplica o prazo de prescrição de 5 anos do art.º 310.º al.d) do CCiv, e que, por isso mesmo, se encontravam prescritos.



II


O recente acórdão deste S.T.J., de 30/6/2022, produzido em julgamento ampliado de revista, no p.º n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1, uniformizou jurisprudência, na matéria dos presentes autos, no seguinte sentido:

I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al.e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.

II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.

Não se vêem razões para divergir do citado entendimento uniformizador, atendendo, mais a mais, à novidade da uniformização.

Para conhecimento da matéria dos autos estava substancialmente em causa a aplicabilidade do disposto no art.º 310.º al.e) do CCiv, relativamente ao incumprimento das prestações de amortização do capital mutuado pela entidade bancária, nos termos do qual prescrevem no prazo de 5 anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.

Da respectiva não aplicação decorreria, ao menos em matéria de capital e comissões, a aplicação do prazo ordinário de prescrição – 20 anos.

O prazo curto de prescrição justificou-se nos trabalhos preparatórios do Código Civil (Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, Bol.106/112ss.) com o facto de a acumulação de juros com quotas de amortização poder originar, por sua vez, uma acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor; o mesmo Autor se pronunciou na Revista Decana, 89.º/328, justificando o prazo curto com o facto de “proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital susceptível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser-lhe exigido de um golpe, ao cabo de um número demasiado de anos”.

Visou a lei evitar que o credor deixasse acumular os seus créditos (retardando em demasia a exigência de créditos periodicamente renováveis) a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1983, pg. 452, e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 3ª ed., pg. 278).

A Exequente/Embargada chamou em seu proveito de alegação o disposto no art.º 781.º do Código Civil, segundo o qual “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.

Como é doutrina comum e maioritária, este preceito legal não prevê um vencimento imediato, apelidado por alguns “em sentido forte”, das prestações previstas para liquidação da obrigação, designadamente da obrigação de restituição inerente a um contrato de mútuo com hipoteca, acrescido de um outro contrato de mútuo, como no caso dos autos – constitui antes um benefício que a lei concede ao credor, que não prescinde da interpelação, na pessoa do devedor, para que cumpra de imediato toda a obrigação, em consequência manifestando o credor a vontade de aproveitar o benefício que a lei lhe atribui – assim Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 7.ª ed., 1997, pg.54, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª ed., 2009, pgs. 1017 a 1019, Pessoa Jorge, Lições de Direito das Obrigações, I (75/76), pg. 317, e Menezes Cordeiro, Tratado, Direito das Obrigações, IV (2010), pg.39.

A obrigação fica assim apenas exigível, ou, como alguns entendem, exigível “em sentido fraco”.

Note-se que a norma do art.º 781.º do Código Civil não se constitui como norma imperativa, mas existindo, como existe, nos contratos de mútuo dos autos uma cláusula no sentido de que à credora fica reconhecido o direito de “considerar o empréstimo vencido se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes deste contrato”, concedia-se à mutuante a possibilidade de actuar o vencimento do direito à totalidade das prestações convencionadas pelo simples facto de intentar acção executiva contra os mutuários, como intentou.

Não existe, desta forma, nos contratos dos autos, qualquer cláusula de vencimento automático, apenas a reprodução do esquema de vencimento das prestações que a doutrina associa ao disposto no art.º 781.º do Código Civil.


III


A considerar-se, como em diversas decisões das Relações[1], que o vencimento imediato das prestações convencionadas originava a sujeição do devedor a uma obrigação única, exigível no prazo de prescrição ordinário de 20 anos (artº 309º do CCiv), não se atendia ao escopo legal de evitar a insolvência do devedor pela exigência da dívida, transformada toda ela agora em dívida de capital, de um só golpe, ao cabo de um número demasiado de anos (por todos, e de novo, cf. Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, Bol.107/285).

Esta a forma de respeitar o espírito do legislador que os trabalhos preparatórios espelharam.

Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no art.º 781.º do CCiv, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas.

E pese embora devermos considerar que, “no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento de juros remuneratórios nelas incorporados”, como exarado no Ac. de Uniformização de Jurisprudência do S.T.J., nº 7/2009, de 5/5/2009, a referida desoneração do pagamento dos juros não descaracteriza, em qualquer caso, a “acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor” que a doutrina pretendeu evitar, ou, de outro ângulo, o incentivo à rápida cobrança dos montantes em dívida, por parte do credor.

Como se escreveu no Ac.S.T.J. 29/9/2016, n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego), por explícita opção legislativa, o art.º 310.º al.e) do CCiv considera que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição, situação que foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis.

“Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido artº 310º”.

Pode assim afirmar-se que, na doutrina maioritária, não suscita particular controvérsia a aplicabilidade do prazo curto de prescrição de cinco anos às obrigações, de natureza híbrida, que visam simultaneamente operar a amortização e a remuneração do capital mutuado.

A “ratio” das prescrições de curto prazo, se radica na protecção do devedor, protegido contra a acumulação da sua dívida, também visa estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito (assim, Ana Filipa Morais Antunes, Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, III, 2010, pg. 47).

Esta posição doutrinal, ou seja, a da aplicação da prescrição de 5 anos à acumulação das quotas de amortização do capital por perda de benefício do prazo (art.º 781.º do CCiv), vem sustentada na quase totalidade da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no Ac.S.T.J. 29/9/2016, revista n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego) cit. e também nos Acs. S.T.J. 8/4/2021, revista nº 5329/19.1T8STB-A.E1.S1 (Nuno Pinto Oliveira), S.T.J. 9/2/2021, revista n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1 (Fernando Samões), S.T.J. 14/1/2021, revista nº 6238/16.1T8VNF-A.G1.S1 (Tibério Nunes da Silva), S.T.J. 12/11/2020, revista n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1 (Maria do Rosário Morgado), S.T.J. 10/9/2020, revista n.º 805/18.6T8OVR-A.P1.S1 (Rijo Ferreira), S.T.J. 3/11/2020, revista n.º 8563/15.0T8STB-A.E1.S1 (Fátima Gomes), S.T.J. 23/1/2020, revista nº 4518/17.8T8LOU-A.P1.S1 (Nuno Pinto Oliveira), S.T.J. 27/3/2014, revista n.º 189/12.6TBHRT-A.L1.S1 (Silva Gonçalves), e em numerosas decisões das Relações.[2]

Poderia tentar aquilatar-se, neste momento, se a prescrição incidiria sobre cada uma das prestações de capital (tendo como termo inicial o vencimento dessas mesmas prestações de acordo com o plano de reembolso inicialmente gizado pelas partes) ou, no reverso, se a prescrição se reportava à integralidade da obrigação em dívida (tendo como termo inicial a data do incumprimento pelo devedor, enquanto data a partir da qual o direito podia ser exercido – art.º 306.º n.º1 1.ª parte do Código Civil).

Como se aludiu, porém, pode apontar-se unanimidade, neste S.T.J., em vista de afastar a aplicação do prazo prescricional ordinário, do art.º 309.º do Código Civil, à quantia resultante do vencimento antecipado das prestações, por via do exercício do direito a que se reporta o art.º 781.º do Código Civil.

Nesse sentido, fixou-se a apontada jurisprudência uniforme, no sentido de que:

- No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al.e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.

- Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º do Código Civil, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.

Seguindo a orientação firmada no referido A.U.J., terá de se considerar o seguinte:

i) No decurso do ano de 2013, prescreveram as primeiras prestações, de cada um dos dois mútuos, incumpridas pelos Embargantes e vencidas em 11/12/2008, data do início do incumprimento dos mesmos Embargantes;

ii) também se mostram prescritas em 2019 (no 5.º dia posterior à instauração da execução, instauração esta que ocorreu em 14/8/2019 – art.º 323.º n.º2 do CPCiv), as prestações vencidas depois de 2008 até à prestação de Agosto de 2014, pela decorrência do prazo de cinco anos;

iii) mas sobre as prestações vencidas depois de Agosto de 2014, e ainda menos sobre as prestações que se venceram antecipadamente em 2019, não decorreu o prazo prescricional de cinco anos até ao 5.º dia posterior à data da instauração da execução.

Quanto as estas últimas prestações, vencidas após Agosto de 2014, a solução da 1.ª instância, de total procedência da excepção peremptória de prescrição, só poderia estar certa, se fosse de entender que, com o incumprimento das prestações, logo em 2008, haveria vencimento antecipado automático das prestações subsequentes, entendimento que não será de acolher, quer nos termos do art.º 781.º do CCiv (cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 4.ª ed., pg.52, Pessoa Jorge, Lições de Dtº das Obrigações, 75/76, pg. 317, I. Galvão Telles, Dtº das Obrigações, 4.ª ed., pg.191, e Almeida Costa, Dtº das Obrigações, 3.ª ed., pg.737), mas sobretudo nos próprios termos do contrato de mútuo bancário (título executivo dos autos), o qual concede à credora “o direito de considerar o empréstimo vencido (…) se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes do contrato” (cláusula 16.ª).



IV


É no sentido apontado que, em tese, deve actuar a presente revista, como assim sendo a mesma parcialmente concedida, e, do mesmo passo, repristinada, apenas em parte, a procedência dos embargos.

É claro que os Recorrentes apontam ainda, no decurso do respectivo argumentário, para o instituto do abuso de direito – art.º 334.º do CCiv.

A Exequente, ou a sua antecessora, é certo, mantiveram-se passivas durante perto de 11 anos, não tendo reagido ao incumprimento dos ora Embargantes mutuários.

Em tais condições poderia falar-se da figura da “verwirkung” ou supressio, para alguns autores (aqui, Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, II/797ss.).

Segundo este referido autor, a doutrina alemã faz depender a supressio de determinadas condições:

- o titular do direito deve comportar-se como se não tivesse esse direito, ou não mais quisesse exercê-lo;

- uma previsão de confiança, na medida em que a contraparte confia que o direito não mais possa ser feito valer;

- uma desvantagem injusta, posto que o exercício superveniente do direito acarretaria para a contraparte uma desvantagem iníqua.

Manifestamente nenhum desses requisitos ocorre, no caso vertente.

À demora da Exequente contrapôs-se também um sucessivo incumprimento da parte dos Embargantes, uma violação múltipla ou repetida do contrato de mútuo e o gozo do bem ou dos bens imóveis que aos Embargantes foram proporcionados pelas concessões dos mútuos bancários.

E, mesmo que se entenda que a figura da supressio não assume autonomia face a um genérico venire contra factum proprium, teríamos que levar em linha de conta que existem determinados pressupostos de protecção da confiança através do venire:

1º - uma situação de confiança, traduzida na boa fé própria da pessoa que acredita numa conduta alheia (no factum proprium);

2º - uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis;

3º - um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido, por parte do confiante, o desenvolvimento de uma actividade na base do factum proprium, de tal modo que a destruição dessa actividade, pelo venire, e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara;

4º - uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança, no factum proprium, lhe seja de algum modo recondutível (assim, Menezes Cordeiro, O Direito 126º/pg. 701 ou R.O.A 58º/pg. 964).

Ora, nem a Exequente assumiu quaisquer atitudes de onde se pudesse extrair que a respectiva inacção duraria para sempre, nem foram alegados quaisquer factos justificativos de investimento de confiança - efectivas mudanças de vida, causadas para os Embargantes, e com origem na inacção do credor.

Concluindo:

I – O prazo curto de prescrição do artº 310º al.e) CCiv, justificou-se nos trabalhos preparatórios do Código Civil com o facto de a acumulação de juros com quotas de amortização poder originar, por sua vez, uma acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor.

II – Consoante a jurisprudência uniformizada deste S.T.J., por via do acórdão produzido em julgamento ampliado de revista, no p.º n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1, em 30/6/2022:

– No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al.e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.

– Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.

III – Em face de tal jurisprudência, a total procedência da excepção peremptória de prescrição das prestações, no caso de perda de benefício do prazo, poderá acontecer nos casos em que se mostrou clausulado o vencimento imediato das restantes prestações, com independência de interpelação, considerando que, como regra geral supletiva, o vencimento antecipado automático das prestações subsequentes não é de acolher, à luz da doutrina maioritária, relativamente ao disposto no art.º 781.º do CCiv.

IV – A figura da supressio, como expressão do abuso de direito (art.º 334.º do CCiv), é de considerar afastada quando, à demora da Exequente na propositura da execução, se contrapôs também um sucessivo incumprimento da parte dos Embargantes, uma violação múltipla ou repetida do contrato de mútuo e o gozo do bem ou dos bens imóveis que aos Embargantes foram proporcionados pela concessão dos mútuos bancários.


Decisão:

Concede-se parcialmente a revista, julgando agora os embargos procedentes apenas quanto às prestações vencidas depois de 2008 e até à prestação de Agosto de 2014.

Quanto às restantes prestações, vencidas após Agosto de 2014, segundo o plano inicial, julgam-se os embargos improcedentes, nessa parte absolvendo a Exequente do pedido.

Custas pelos Embargantes e pela Exequente, na proporção em que decaem.


S.T.J., 29/9/2022


Vieira e Cunha (Relator)

Afonso Henrique Cabral Ferreira

Manuel Tomé Soares Gomes

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[1] Ac.R.C. 26/4/2016, n.º 525/14.0TBMGR-A.C1 (Maria João Areias), Ac.R.C. 15/12/2020, n.º 6971/18.3T8CBR-A/B.C1 (Maria Teresa Albuquerque), Ac.R.L. 12/11/2020, n.º 927/14.2TBALM-A.L1-8 (Maria do Céu Silva), Ac.R.L. 19/1/2021, n.º 8636/16.1T8LRS-A-7 (Isabel Salgado), Ac.R.G. 16/3/2017, n.º 589/15.0T8VNF-A.G1 (Jorge Teixeira) e Ac.R.E. 12/4/2018, n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1 (Mário Coelho). Estes acórdãos encontraram-se no sítio www.dgsi.pt.
[2] Ac.R.P. 26/1/2016, n.º 191273/12.6YIPRT.P1 (Rodrigues Pires), Ac.R.P. 11/4/2019, n.º 3790/16.5T8OAZ-A.P1 (Ana Lucinda Cabral), Ac.R.C. 8/5/2019, n.º 9042/17.6T8CBR-B.C1 (Moreira do Carmo), Ac.R.P. 9/10/2019, n.º 17977/19.5T8PRT-A.P1 (Fátima Andrade), Ac.R.E. 10/10/2019, n.º 124549/17.0YIPRT.E1 (Rui Machado e Moura), Ac.R.P. 21/10/2019, n.º 1324/18.6T8OAZ-A.P1 (Fernanda Almeida), Ac.R.L. 19/12/2019, n.º 6647/15.3T8OER-A.L1-8 (Teresa Sandiães), Ac.R.E. 21/5/2020, n.º 8563/15.0T8STB-A.E1 (Francisco Matos) e Ac.R.P. 9/12/2020, n.º 100/19.3T8LOU-A.P1 (Eugénia Cunha).