Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
70/13.1TBSEI.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: VALORES MOBILIÁRIOS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
DEVER DE INFORMAÇÃO
CULPA GRAVE
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
Data do Acordão: 03/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA REVISTA
Área Temática:
DIREITO BANCÁRIO - INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS - SUPERVISÃO COMPORTAMENTAL / RELAÇÕES COM OS CLIENTES.
DIREITO DOS VALORES MOBILIÁRIOS – INTERMEDIAÇÃO / CONTRATOS DE INTERMEDIAÇÃO / INFORMAÇÃO CONTRATUAL / RESPONSABILIDADE CONTRATUAL.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES.
Doutrina:
- Agostinho Cardoso Guedes, «A Responsabilidade do Banco por informações à luz do art. 485 do Código Civil», Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988, 138, 139, 147, 148.
- Engrácia Antunes, «Os contratos de intermediação financeira», BFDC, vol. 85, 2009, 281-282.
- Gonçalo André Castilho dos Santos, A responsabilidade civil do intermediário financeiro, Almedina, 2008, 201.
- Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5.ª Edição revista a atualizada, Almedina, Coimbra, 2014, 431-433.
- Menezes Leitão, «Informação Bancária e Responsabilidade», Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor. Inocêncio Galvão Telles, Volume II, Direito Bancário, Almedina, 2002, 230.
- Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, Coimbra, 2011, 198.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 227.º, 236.º, N.º1, 309.º, 342.º, N.º2, 487.º, N.º2, 512.º, 513.º, 563.º, 762.º, 798.º, 799.º.
CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS (CVM): - ARTIGOS 289º, Nº 1, A), 290º, Nº 1, A) E B), 293º, Nº 1, A), 304.º, N.ºS 1 E 2, 304.º-A, 312.º, N.ºS 1 E 3, 312.º - A, N.º 1, ALS. C) E D), 312.º -B, N.º 1, 312.º-E, 314.º, 324.º, N.º2.
DL N.º 69/2004, DE 25-‑03: - ARTIGO 1.º, N.º 1.
REGIME JURÍDICO DAS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS, APROVADO PELO D.L. N.º 298/92, DE 31-12 (COM AS REDACÇÕES INTRODUZIDAS PELOS D.L. N.ºS 1/2008 E 211-A/2008): - ARTIGO 77.º, N.ºS 1 E 5.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 10-01-2013, PROC. N.º 89/10.4TVPRT.P1.S1.
Sumário :

I - Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido.

II - Provando-se que a gerente do Banco em janeiro de 2008 propôs ao autor uma aplicação financeira mediante a aquisição de um produto (papel comercial emitido pela «CNE, S.A.») com garantia do capital investido e que o autor deu a sua anuência à concretização da aplicação, por se tratar de um produto comercializado pelo BB, SA com capital garantido, o Banco é responsável pelas obrigações assumidas no compromisso com o cliente: o reembolso do capital investido e os juros.

III - O art. 324.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários consagra um prazo de prescrição de dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos, salvo dolo ou culpa grave.

IV – O ónus da prova da exceção da prescrição cabe ao réu.

V- Atua com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco que recorre a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que este nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – Relatório

AA, residente em ..., intentou a presente ação declarativa contra BB – Banco BB, com sede no ..., e Banco CC – Banco CC, com sede em Lisboa, pedindo a condenação solidária dos réus a pagar-lhe a quantia global de 191 647,50 €, acrescida de juros, à taxa legal de 5,553%, contados desde 26.1.2013 até integral pagamento.

Alegou, em síntese, ser titular de uma conta no balcão de ... do BB, na qual, a 25.1.2008, tinha depositado, pelo menos, € 150.000. Por sugestão da gerente do balcão e, após ter expressamente advertido que o investimento do dinheiro só seria feito se fosse 100% seguro, decidiu investir em papel comercial emitido pela CNE, S.A., que tinha uma rendibilidade anual garantida de 5,553% e o reembolso assegurado um ano após a aplicação, com a garantia do BB. Já em 2009 o BB efetuou o pagamento de juros, o que reforçou a sua confiança no produto. Porém, nada mais foi pago, sendo-lhe dito, pela gerente do balcão, que tinha havido problemas com a aplicação e estava a ser preparada uma reorganização ou remontagem do produto, sendo-lhe, contudo, garantido que o BB asseguraria o pagamento dos juros. Em 2011 foi negado o retorno do capital ao autor com o argumento que as aplicações de papel comercial CNE estavam congeladas por estar em curso um processo de reestruturação e compra do Banco. Nunca lhe foi facultada uma nota informativa sobre a natureza e funcionamento do papel comercial, sendo-lhe garantida a absoluta restituição do investimento, o mesmo sucedendo com todos os restantes clientes do Banco em .... Assim, o BB está obrigado a indemnizá-lo dos prejuízos que lhe causou. 

           

Contestou o Banco CC, alegando que, em virtude de operação de fusão, assumiu, na íntegra, a titularidade dos direitos e obrigações do BB, sendo juridicamente a mesma entidade coletiva, embora com a atual denominação. Que configurando o autor a sua intervenção como intermediação financeira, está prescrita a sua responsabilidade, nos termos do disposto no art. 324, nº 1, do Código dos Valores Mobiliários, considerando que o contrato de intermediação financeira ocorreu, no limite, em 25.1.2008. Que os juros foram pagos ao autor porque a CNE, entidade emitente do papel comercial, o habilitou com os montantes necessários para o efeito, já que sobre ela impendia a obrigação de pagamento. Que nunca assumiu a obrigação de pagamento de juros e de reembolso do capital investido pelo autor. Que o autor foi informado que, além da tradicional aplicação em depósito a prazo, havia a hipótese de adquirir um produto emitido por uma empresa pertencente ao mesmo grupo empresarial do BB, que oferecia um juro superior ao que rendiam os simples depósitos a prazo, sendo ainda informado que se tratava de produto com a garantia e segurança do próprio BB, uma vez que a empresa emitente era do mesmo grupo empresarial, sendo o seu capital detido exclusivamente pela DD – ..., …, S.A., entidade que também detinha a totalidade do capital social do BB. As informações prestadas eram verdadeiras à data, sendo então totalmente imprevista e imprevisível a nacionalização do capital do BB e a sua separação do universo a que a CNE pertencia. 

Em réplica, o autor defendeu o prosseguimento da acção apenas contra o réu Banco CC, e quanto à prescrição alegou que o réu, através de vários atos e procedimentos, sempre prometeu que reembolsava o capital e juros, independentemente da natureza do produto e da intervenção da CNE, pelo que a invocação da prescrição do crédito traduz-se num manifesto abuso de direito, na vertente do venire contra factum proprium. Mesmo que assim não fosse, o certo é que a prescrição não se verificou, uma vez que, para o autor, o BB e a CNE eram uma e a mesma coisa. Daí que não se possa afirmar que aquele Banco tenha sido intermediário financeiro, intervindo nessa qualidade na operação bancária, razão pela qual não é aplicável o citado art. 324º do Código dos Valores Mobiliários. Até perto do Natal de 2011, altura em que o BB lhe negou a restituição do capital e juros, sempre prometeu ao autor o reembolso, embora com dilações e explicações relacionadas com a reorganização ou remontagem do produto. Só por essa altura é que teve a noção, ainda que de forma muito difusa e pouco aproximada, dos termos e da natureza do produto que negociou e só então lhe foi dito que as operações ou aplicações em papel comercial CNE estavam congeladas. Assim, qualquer prazo prescricional, a verificar-se, só se iniciou em Dezembro de 2011, não se verificando, por isso, a prescrição, atenta a data da instauração da acção.

Em sede de despacho saneador, o tribunal absolveu da instância o Banco CC – Banco CC, por julgar verificada a exceção de ilegitimidade passiva, determinando a alteração da denominação, no processo, do BB – Banco BB e do Banco CC – Banco CC para Banco EE, S.A.

A final foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu o Réu, Banco EE, do pedido.

Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra, confirmado a decisão do tribunal de 1.ª instância, com um voto de vencida.

Novamente inconformado, o autor interpôs o presente recurso de revista, no qual formulou as conclusões exaradas a fls. 398 a 409, que aqui se consideram integralmente reproduzidas.

O ré apresentou contra-alegações em que pugna pela manutenção do decidido.

Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões do recorrente que se define o objeto do recurso (arts. 639º, nº 1 e 635º, nº 4, do NCPC), as questões a apreciar, pela sua ordenação lógica, são as seguintes: 

I – Qualificação jurídica da operação bancária;

II – O prazo de prescrição do art. 324.º, n.º 2 do CVM: início da contagem do prazo; interrupção da prescrição e renúncia à prescrição; dolo ou culpa grave do Banco; abuso do direito na invocação da prescrição pelo Banco.

III – Responsabilidade civil do intermediador financeiro pelos danos causados ao cliente

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – Fundamentação de facto

            As instâncias deram como provados os seguintes factos:

«1. O autor é titular da conta nº 392 291 010 001, do Balcão de ... do «BB – Banco BB» [alínea A)].

2. No dia 25 de janeiro de 2008 tinha depositados nessa conta, pelo menos, € 150 000,00 [alínea B)].

3. Por sugestão da gerente desse balcão, FF, o autor decidiu aplicar esse dinheiro num produto que lhe concedesse uma taxa de juro favorável [alínea C)].

4. Foi-lhe então proposto pela dita gerente que investisse tal quantia em papel comercial emitido pela «CNE, S.A.», subscrevendo o autor o documento denominado “Comunicação Cliente” de fls. 7vº [alínea D)].

5. Na sequência dessa subscrição, em 2 de janeiro de 2009, o «BB – Banco BB» creditou-lhe € 1 937,68, a título de juros [alínea E)].

6. Em 4 de março de 2009, creditou-lhe mais € 2 400,00 desses juros [alínea F)].

7. Em 1 de abril de 2009, creditou-lhe novamente € 2 400,00, também a título de juros estipulados [alínea G)].

8. O «BB – Banco BB» recusa o reembolso do capital e juros respeitantes ao produto aludido em 4. e remete para o «CNE, S.A.», empresa que já foi declarada insolvente [alínea H)].

9. O «BB – Banco BB», na sequência de operação de fusão registada na competente Conservatória do Registo Comercial, tem hoje a denominação de «Banco EE, S.A.», mantendo assim, na íntegra, a titularidade de todos os direitos e obrigações daquele [alínea I)].

10. A Lei nº 62-A/2008, de 11 de novembro “nacionaliza todas as ações representativas do capital social do Banco BB, S.A., e aprova o regime jurídico de apropriação pública por via de nacionalização” [alínea J)].

11. Aquando do facto descrito em 3. e 4., o autor alertou expressamente a gerente da agência, FF, que só “investiria” aquele dinheiro se o rendimento e a recuperação dos valores aplicados fossem 100% seguros [ponto 1º].

12. Foi-lhe então assegurado por aquela gerente, que a aplicação descrita em 4. tinha uma rendibilidade anual garantida de 5,553% e que, sendo uma aplicação de uma empresa do grupo, estava assegurado o reembolso do capital e juros, não comportando qualquer risco [pontos 2º, 3º].

13. Ao tempo, o «BB – Banco BB» era uma instituição bancária que oferecia total confiança ao investidor [ponto 4º].

14. Confiando nessas informações, o autor aceitou então aplicar € 150 000,00 naquele papel comercial, em três tranches de € 50 000,00 cada, no dia 25 de janeiro de 2008, subscrevendo o documento aludido em 4., já previamente manuscrito por alguém da agência [ponto 5º].

15. Os pagamentos de juros aludidos em 5. a 7. reforçaram a confiança do autor que tinha apostado num produto credível e seguro [ponto 6º].

16. Além dos juros aludidos em 5. a 7., o «BB – Banco BB», ora réu «Banco EE, S.A.», não procedeu ao pagamento de mais nenhuns juros [ponto 7º].

17. Surpreendido com o facto, o autor procurou obter explicações, tendo-lhe sido dito que estava em curso uma reestruturação mas o reembolso estava assegurado [pontos 8º, 9º].

18. Como isso não voltou a suceder, em data não apurada, o autor pediu o retorno do capital, o que foi negado, remetendo o réu a responsabilidade para a «CNE, S.A.» [pontos 10º, 11º].

19. Nunca foi facultada ao autor uma nota informativa acerca da natureza e funcionamento desse produto, o papel comercial «CNE, S.A.» [ponto 12º].

20. As orientações e comunicações internas existentes no «BB – Banco BB», que este transmitia aos seus comerciais e respetivos balcões, consistiam em afirmar a segurança e fidelidade do produto em causa, a sua solidez, a sua rentabilidade que vinha demonstrada desde 2001, e assegurar que sendo a «CNE, S.A.» uma empresa pertencente ao grupo empresarial do Banco, este cobriria sempre a solvabilidade do produto [ponto 13º].

21. Sendo esta estratégia de sucesso veiculada internamente de forma reiterada [ponto 14º].

22. A nota de serviço (IS) nº 19/01, datada de 5 de fevereiro de 2003, cujo tema é “mercado de capitais” e subtema “papel comercial”, em vigor aquando da comercialização daquele produto, determinava que a entidade garante da solvabilidade do papel emitido era o “BB e/ou Banco GG” [ponto 15º].

23. À data da realização do investimento, a nacionalização do capital do Banco e a sua separação do universo «DD – ..., SGPS, S.A.» a que a «CNE, S.A.» pertencia era totalmente imprevista e imprevisível [ponto 19º]».

Facto aditado pelo Tribunal da Relação:

«24. Aquando da subscrição da aplicação aludida em 4., o autor foi informado que se tratava de produto com garantia de reembolso idêntica à do próprio Banco, uma vez que a empresa emitente – a «CNE, S.A.» – era do mesmo grupo empresarial em que o Banco se achava integrado».

            II – Fundamentação de direito

            I – Qualificação jurídica da operação bancária

           

O acórdão recorrido qualificou a operação bancária entre o autor e o réu, como uma atividade de intermediação financeira.

Entendemos, também, ser esta a natureza jurídica da operação.

A intermediação financeira designa o conjunto de atividades destinadas a mediar o encontro entre oferta e procura no mercado de capitais, assegurando o seu regular e eficaz funcionamento.

O papel comercial, cujo regime jurídico está definido no DL n.º 69/2004, de 25-‑03, está qualificado como um valor mobiliário de natureza monetária (cf. art. 1.º, n.º 1, do mesmo diploma) e é utilizado para suprir necessidades de liquidez imediata ou para servir de sucedâneo à emissão de garantias sobre contratos de concessão de crédito (cf. Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, Coimbra, 2011, p. 198)

O Código dos Valores Mobiliários não define intermediação financeira, mas afirma quem são os intermediários financeiros e quais os serviços e atividades de investimento.   

O art. 289º, nº 1, a), do CVM estabelece que são atividades de intermediação financeira os serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros. Por sua vez, intermediários são, nos termos do art. 293º, nº 1, a), do mesmo diploma, as instituições de crédito (e as empresas de investimento) que estejam autorizadas a exercer atividades de intermediação financeira em Portugal. Finalmente, são serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros, segundo o art. 290º, nº 1, a) e b), do mesmo código, a receção e a transmissão de ordens por conta de outrem, bem como a execução de ordens por conta de outrem.  

Resulta dos factos provados 4., 12., 14. e 24, que o Autor fez um investimento de 150.000,00 euros em papel comercial emitido pela «CNE, S.A.» (empresa do mesmo grupo empresarial em que o Banco se achava integrado), adquirindo papel comercial da CNE junto do Banco Réu, a quem deu ordem de compra do mesmo, o que o Réu fez, por conta do Autor.

Donde resulta que a qualificação jurídica da intervenção do Réu não pode deixar de ser considerada como um serviço e uma atividade de intermediação financeira e o contrato celebrado entre o autor e o réu um contrato de intermediação financeira enquanto categoria contratual autónoma aberta, representada por um conjunto de contratos financeiros que se encontram subordinados a um regime jurídico mínimo comum, e que têm a natureza de contratos comerciais celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de atividades de intermediação financeira (cf. Engrácia Antunes, «Os contratos de intermediação financeira», BFDC, vol. 85, 2009, p. 281-282).

Estes contratos têm por objeto mediato não apenas os tradicionais valores mobiliários (ações, obrigações, unidades de participação, direitos destacados, etc.), mas genericamente qualquer tipo de instrumento financeiro, incluindo instrumentos monetários (bilhetes do tesouro, papel comercial, obrigações de caixa) e instrumentos derivados (futuros, opções, swaps, forwards, etc).

 

II – Prazo de prescrição (momento do início de contagem; dolo ou culpa grave)

 

1. Sobre o prazo de prescrição entendeu o acórdão recorrido que, no domínio da responsabilidade contratual do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade, consagra o art. 324.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, um prazo de prescrição de dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos (salvo dolo ou culpa grave), decidindo, quanto ao início de contagem do prazo, o seguinte:

«Deve entender-se que estes dois requisitos se verificam se alguém subscreve uma aplicação em papel comercial em 25.1.2008, pelo montante de 150.000 euros (em 3 tranches de 50.000 euros), indicando-se no documento a remuneração anual do investimento, assim como a sua duração de 1 ano, mencionando-se concretamente que o vencimento/reembolso ocorria a 26.1.2009; ou seja, o negócio celebrado dava-se por executado nessa data de 26.1.2009, dia em que o A. receberia o capital e a remuneração, sendo a partir de tal data que se inicia a contagem do prazo de prescrição, por o mesmo a partir dessa data poder exercer o seu direito (art. 306º, nº 1, do CC), designadamente a reclamação do capital».

                Afirma a citada norma do art. 324.º, n.º 2 do CVM que «Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos».

            Importa, definir, para o efeito da aplicação desta norma, a partir de que momento se começa a contar o prazo de prescrição e o que se entende por dolo ou culpa grave como exceção que provoca a desaplicação do prazo curto previsto no CVM e o recurso ao prazo geral de prescrição de 20 anos consagrado no Código Civil para responsabilidade contratual.

 

2. O prazo de prescrição tem por fundamento a segurança jurídica do devedor e a penalização da negligência do credor, que não foi lesto na defesa dos seus interesses, criando expetativas no credor de que não exerceria o direito.

No caso sub judice, demonstrou-se segundo o facto provado n.º 24 que «Aquando da subscrição da aplicação aludida em 4., o autor foi informado que se tratava de produto com garantia de reembolso idêntica à do próprio Banco, uma vez que a empresa emitente – a «CNE, S.A.» – era do mesmo grupo empresarial em que o Banco se achava integrado».

A escolha do produto foi do Banco, o que o autor aceitou com base na relação especial de confiança com a instituição bancária, segundo os factos provados 3. e 4. - «3. Por sugestão da gerente desse balcão, FF, o autor decidiu aplicar esse dinheiro num produto que lhe concedesse uma taxa de juro favorável [alínea C)]. 4. Foi-lhe então proposto pela dita gerente que investisse tal quantia em papel comercial emitido pela «CNE, S.A.», subscrevendo o autor o documento denominado “Comunicação Cliente” de fls. 7vº [alínea D)]».

Nos termos dos factos 11., 12.,13. e 14., o autor só aceitou o investimento em face da informação de que não corria o risco de perder capital e se o rendimento fosse seguro, o que lhe foi assegurado pelo Banco: 

«11. Aquando do facto descrito em 3. e 4., o autor alertou expressamente a gerente da agência, FF, que só “investiria” aquele dinheiro se o rendimento e a recuperação dos valores aplicados fossem 100% seguros [ponto 1º].

12. Foi-lhe então assegurado por aquela gerente, que a aplicação descrita em 4. tinha uma rendibilidade anual garantida de 5,553% e que, sendo uma aplicação de uma empresa do grupo, estava assegurado o reembolso do capital e juros, não comportando qualquer risco [pontos 2º, 3º].

13. Ao tempo, o «BB – Banco BB» era uma instituição bancária que oferecia total confiança ao investidor [ponto 4º].

14. Confiando nessas informações, o autor aceitou então aplicar € 150 000,00 naquele papel comercial, em três tranches de € 50 000,00 cada, no dia 25 de janeiro de 2008, subscrevendo o documento aludido em 4., já previamente manuscrito por alguém da agência [ponto 5º].

15. Os pagamentos de juros aludidos em 5. a 7. reforçaram a confiança do autor que tinha apostado num produto credível e seguro [ponto 6º]».

Afirma a lei que o prazo de prescrição de dois anos só começa a correr na data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos.

Ora, a data da conclusão do negócio e do conhecimento dos seus termos não pode ser a data em que o autor aceitou fazer o investimento em papel comercial emitido pela «CNE, S.A.» e subscreveu o documento denominado “Comunicação Cliente”. Pois, nesta data, 25 de janeiro de 2008 (facto provado n.º 14), a sua convicção, por violação do dever de informação do banco, era a de que este negócio tinha como elemento essencial que o investidor nunca perderia o capital investido, contrariamente ao que veio a suceder. A data a partir da qual começa a correr o prazo deve ser aquela em que ele conheceu os exatos termos do negócio, ou seja, em que tomou conhecimento da possibilidade da perda de capital. Afirma o facto provado n.º 18, que, em data não apurada, o autor pediu o retorno do capital, o que foi negado.

O risco associado àquela aplicação concreta não foi, na representação do autor, provocada pela informação que lhe foi prestada pelo banco, um investimento de risco. 

Os cidadãos depositam as suas economias nos Bancos porque estas instituições se revestem de uma especial confiança como guardiães dos seus valores.

O autor alegou e provou que, ao ser-lhe proposto o investimento em causa, alertou expressamente a gerente da agência de que só investiria aquele dinheiro se o rendimento e a recuperação dos valores aplicados fosse completamente segura, tendo-lhe sido garantido que, tratando-se de uma aplicação de uma empresa do grupo, estava assegurado o reembolso do capital e juro, não comportando a operação qualquer risco.

Mais alegou e provou que “nunca foi facultado ao autor uma nota informativa acerca da natureza e funcionamento desse produto, o papel comercial CNE S.A.” (facto provado n.º 19).

O ónus da prova do decurso do prazo prescricional impende sobre o réu, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 342.º do CC.

Provado que o autor se limitou a assinar aquela “Comunicação Cliente”, e que nunca lhe foi fornecida qualquer nota informativa acerca das características do produto que se dispôs a adquirir, era à Ré que incumbia a prova da data a partir da qual o autor terá tido acesso a tais elementos.

O autor alega que só no final de 2011 é que teve a noção, ainda que de forma difusa e pouco aproximada, dos termos e da natureza do produto que negociou com o BB e que só então lhe foi dito que as operações ou aplicações em papel comercial CNE, SA estavam congeladas. Sendo assim, tal reconhecimento não implica a prescrição do seu direito, pois a ação deu entrada em 8 de fevereiro de 2013, não tendo ainda decorrido dois anos. Quanto a esta matéria a ré limita-se a alegar que “Ainda que antes não soubesse exactamente as condições da subscrição do produto financeiro em causa, a verdade é que sabia que ele se vencia a 26-01-2009, e que nessa data deveria ter sido reembolsado do capital investido”.

Não resultando dos factos provados, em que momento é que o autor teve conhecimento dos exatos termos e condições do produto por si adquirido através do réu, esta ausência de prova funcionará contra o réu, beneficiário do invocado prazo de prescrição, como exceção ao direito do autor.

Em consequência, não se pode ter por verificado o prazo de prescrição.

Coloca-se, ainda, a questão, no caso sub judice, de saber se nos encontramos perante uma atuação com dolo ou culpa grave do intermediário financeiro, em face da natureza particularmente intensa dos deveres legais de informação que sobre este impendem, nomeadamente, quanto aos riscos especiais nas operações a realizar e quanto à informação prévia a disponibilizar para permitir a tomada de uma decisão consciente.

Ora, para definir o que se entende por dolo ou culpa grave no domínio da exceção ao prazo curto de prescrição previsto no art. 324.º, n.º 2 do CVM, temos que ter em conta a ponderação de interesses inerente à norma; as características da relação entre o banco e o cliente – a confiança especial depositada por este na instituição bancária; e os deveres de informação, lealdade, cuidado com valores alheios e boa fé do Banco em relação ao cliente.

A graduação do grau de negligência (grave, leve e levíssima) terá de aferir-se pelo padrão de culpa consagrado no art. 304.º, n.º 2 do CVC, segundo o qual «nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência».

Esta norma consagra um padrão de culpa que transcende o critério fixado no n.º 2 do art. 487.º, n.º 2 do CC, que tem como referência uma pessoa média, mas consiste antes no sujeito diligentissimus, em virtude de serem exigíveis a estas instituições os cuidados especiais que só as pessoas muito prudentes observam (cf. Gonçalo André Castilho dos Santos, A responsabilidade civil do intermediário financeiro, Almedina, 2008, p. 201). Deve ter-se também em conta os deveres de informação previstos no art. 312.º, n.º 1 do CVM relativamente ao período anterior à formação do contrato, destinados a garantir uma “tomada de decisão esclarecida e fundamentada” quanto aos “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”, dispondo esta norma que a extensão da obrigação de informar será tanto maior quanto menor o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

O Código de Valores Mobiliários contém inúmeras normas de proteção ao investidor não qualificado, impondo ao intermediário financeiro o dever de obter informações acerca dos conhecimentos e experiência do cliente, com o objetivo de possibilitar efetivamente a avaliação de que o “cliente compreende os riscos envolvidos”, para então formar seu juízo acerca da adequação do investimento para o cliente, informando-o em conformidade (art. 314.º). Salienta-se também a imposição de que as informações previstas no n.º 1 do art. 312.º sejam prestadas por escrito, imposição que se estende à advertência a efetuar ao cliente de que determinada operação não é adequada ao seu perfil (art. 314.º, n.º 2).

No caso presente, encontramo-nos perante o recurso a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido.

A qualificação da culpa do banco como grave constitui uma exceção ao prazo curto fixado no art. 324.º, n.º 2 do CVN, e remete-nos para o prazo geral de prescrição mais alargado (art. 309.º do CC), pelo que também por este motivo não prescreveu o direito do autor.

Não se verificando a exceção invocada pelo réu quanto ao prazo de prescrição, ficam precludidas o conhecimento das questões da interrupção e da renúncia à prescrição, bem como a do abuso do direito, passando-se ao conhecimento do mérito: a responsabilidade do intermediador pelos danos causados ao investidor.

III – Responsabilidade civil do intermediador pelos danos causados ao cliente

4. Não tendo prescrito o direito do autor, importa agora conhecer do fundo da questão. Responderá o banco réu pelos danos que o autor sofreu?

A responsabilidade do intermediário financeiro, in casu um Banco, a que alude o artigo 314º do CVM, é uma responsabilidade contratual, cujos pressupostos estão definidos pelo artigo 798º do CC.

Nos termos do art. 314.º, n.º 1: «Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitante ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública».

Tendo o Banco réu avançado para a aquisição do produto financeiro aqui em causa, sem observar os deveres de informação, torna-se responsável pelos prejuízos causados ao autor, nos termos do art. 314.º n.º 1 do Código de Valores Mobiliários, sendo certo também que não se mostra ilidida a presunção a que alude o n.º 2 do citado art. 314.º e que impende sobre o Banco Réu.

É fonte de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos, definido no artigo 75º, nº 1 do regime jurídico das instituições bancárias, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31-12 (artigo 77º, n.º 1 e 5, em face das redações introduzidas pelos DL n.º 1/2008 e 211-A/2008).

Trata-se de uma modalidade de responsabilidade civil que se situa numa zona intermédia entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, e que aqui qualificamos como responsabilidade contratual, aplicando-se em consequência o regime do art. 799.º do CC.

O art. 77.º, n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras dispõe o seguinte:

«As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelo fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes».

A culpa na responsabilidade contratual presume-se, nos termos do art. 799.º do CC. Esta norma, segundo Menezes Cordeiro, contém uma dupla presunção de ilicitude e de culpa. «Perante a falta de cumprimento, presume-se que: o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir – ilicitude; o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura – culpa”» (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5.ª Edição revista a atualizada, Almedina, Coimbra, 2014, pp. 431-432).

Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente a «falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade» (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, ob. cit., p. 432).

Assim, numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado. O responsabilizado só se liberará se lograr provar que, afinal, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de excusa (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, ob. cit., p. 433).

No domínio do direito bancário, a relação entre o Banco e o cliente é uma relação particular, em que as partes são levadas a confiar uma na outra. Sobretudo, o sujeito que se encontra na posição de cliente não profissional, e que não tem formação nem experiência na área financeira, baixa as suas defesas naturais por conferir à instituição bancária uma total competência para cuidar dos seus investimentos, depositando nela uma especial confiança, tornando-se, por isso, ainda mais vulnerável, sobretudo, se as primeiras aplicações produziram rendimentos e ele é assim induzido a confiar ainda mais no produto. Gera-se assim uma situação em que os envolvidos descuram a preocupação de obter informações, pelos seus próprios meios. Esta realidade humana deve ser tutelada pelo Direito e, por isso, se cria uma situação que dá azo a obrigações específicas de informar a cargo do Banco, fruto de responsabilidade obrigacional, no caso de inobservância.

Estas questões começaram a progressivamente, a partir da crise de 2008, a fazer parte da produção jurisprudencial, devido ao aumento da atividade bancária e à consciencialização crescente, por parte dos pequenos clientes, dos seus direitos.

O art. 304.º do CVM determina que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado (n.º 1). Além disso, devem conformar a sua atividade aos ditames da boa fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (n.º 2).

O art. 304.º-A, aditado ao CVM pelo DL n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, dispõe o seguinte:

«1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 – A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação».

O art. 312.º contém os princípios gerais ao nível dos deveres de informação.

«1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes:

(…)

d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas;

e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar».

Nos termos do n.º 3 do art. 312.º «A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral».

No caso concreto, estamos perante um investidor não qualificado, devendo, portanto, a informação ser apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio e de modo a não ocultar ou subestimar elementos, declarações ou avisos importantes (art. 312.º - A, n.º 1, als. c) e d) do CVM), como será o caso do risco associado à operação, o que resulta também do art. 312.º-E, n.º 1 do mesmo Código, segundo o qual «O intermediário financeiro deve informar os investidores da natureza e dos riscos dos instrumentos financeiros, explicitando, com um grau suficiente de pormenorização, a natureza e os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa» e referindo-se no n.º 2 aos elementos que a descrição dos riscos deve incluir.

           

A informação deve ser prestada com a antecedência suficiente à vinculação a qualquer contrato de intermediação financeira ou, na pendência de uma relação de clientela, antes da prestação da atividade de intermediação financeira proposta ou solicitada (art. 312.º -B, n.º 1, do CVM).

O Banco assegurou ao cliente que o produto financeiro proposto era um instrumento de uma empresa do mesmo grupo, sem qualquer risco, com reembolso do capital e juros garantidos.

A declaração do Banco, segundo a qual “estava assegurado o reembolso do capital e dos juros, não comportando qualquer risco”, interpretada à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais fixados no art. 236.º, n.º 1 do CC e que remetem para a perceção do declaratário médio ou normal, significa a assunção de um compromisso perante o cliente, segundo o qual o investimento não comportaria riscos para o capital investido e de garantia ao cliente do reembolso do capital, implicando assim uma assunção de responsabilidade. Neste sentido também se orientou o acórdão deste Supremo Tribunal, de 10-01-2013, (proc. n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1), relatado pelo Conselheiro Tavares de Paiva, segundo o qual «(…) trata-se de um quadro negocial, a que seguramente não é alheio todo o relacionamento contratual de confiança existente entre a autora e o banco Réu desenvolvido ao longo dos anos e que num contexto negocial do tipo do que vem provado, à própria luz do art. 236 nº 1 do CPC, não pode deixar de ser interpretado como um compromisso contratual por parte do banco réu para com a autora traduzido precisamente naquele compromisso de garantir o reembolso do capital que foi aplicado na aquisição dos identificados activos financeiros.)»

Mesmo após de ter deixado de pagar os juros de tal aplicação, o réu voltou a afirmar que o reembolso estava assegurado, o que constitui uma posterior assunção de responsabilidade, conforme facto provado n.º 17.

A confiança do cliente, investidor não qualificado, nestas informações, deve ser protegida pela ordem jurídica, sob pena de se minar o valor coletivo da segurança jurídica.

  Neste caso, sendo o prestador das informações um Banco, a questão da responsabilidade coloca-se com mais acuidade. O dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações e que induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé, pois o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objetivamente possuem (Agostinho Cardoso Guedes, «A Responsabilidade do Banco por informações à luz do art. 485 do Código Civil», Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988, pp. 138 e 139).  

5. Quanto à determinação do sujeito responsável pelo pagamento da indemnização, há que ter em conta que o réu não informou o autor da natureza da aplicação a subscrever nem que a entidade emitente era outra que não o BB.

Para o autor tratava-se de um investimento gerido e assegurado pelo BB: o investimento foi feito no BB, com a gerente do BB, em papel timbrado do BB e com garantia do BB, e só do BB dependia, para si e de acordo com a informação que lhe foi prestada, a solvabilidade e o reembolso do produto.

O BB à data, Janeiro de 2008, era uma instituição bancária que oferecia total confiança ao investidor como demonstra a matéria de facto provada (facto n.º 13).

Segundo o facto provado n.º 20 «As orientações e comunicações internas existentes no «BB – Banco BB», que este transmitia aos seus comerciais e respetivos balcões, consistiam em afirmar a segurança e fidelidade do produto em causa, a sua solidez, a sua rentabilidade que vinha demonstrada desde 2001, e assegurar que sendo a «CNE, S.A.» uma empresa pertencente ao grupo empresarial do Banco, este cobriria sempre a solvabilidade do produto».

 

A declaração de que se tratava de uma empresa do grupo reforça a convicção de um cidadão médio de que o grupo BB garante o reembolso do investimento.

Da nota de serviço n.º 19/01, de 5-02-2003, a fls. 35-36, cujo tema é “mercado de capitais” e sub-tema “papel comercial”, em vigor aquando da comercialização do produto, também se deduz que a entidade garante da solvabilidade do produto era o BB e/ou o Banco GG.

O BB elaborou e emitiu esta instrução de serviço por forma a regular a comercialização do papel comercial que colocava nos seus balcões junto do seus clientes. Ao fazê-lo assumiu, por vontade expressa, a obrigação solidária (juntamente com a CNE, SA e com o Banco GG) de garante da solvabilidade do produto, nos termos dos artigos 512.º e 513.º do CC.

No mesmo sentido, se orientou este Supremo Tribunal de Justiça, no citado acórdão de 10-01-2013):

«I - Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido.

II - E provando-se, no caso em apreço, que o gerente do banco em 2001 propôs à autora uma aplicação financeira mediante a aquisição de um produto com garantia do capital investido e que a autora deu a sua anuência à concretização da aplicação, por se tratar de um produto comercializado pelo Private Banking do BB, SA com capital garantido – informação de capital garantido que veio posteriormente a ser confirmada pela administração do BB, SA, quando, em Maio de 2008, decidiu honrar os compromissos assumidos pelos banco, através do pagamento do valor nominal dos títulos aos inúmeros clientes afectados, entre os quais a autora – constitui uma realidade negocial que configura da parte do banco um compromisso feito seguramente em nome desse relacionamento contratual existente entre a autora e o banco réu que se desenvolveu ao longo dos anos e nomeadamente durante a vigência dos títulos financeiros adquiridos (2001 a 2008) e, como tal, o banco é responsável pelas obrigações contratuais assumidas, como seja, o reembolso do capital investido nessa aquisição dos identificados activos financeiros».

 

As modalidades de responsabilidade civil aqui em causa são a responsabilidade civil pré-contratual ou culpa in contrahendo (art. 227.º do CC), porque nos preliminares do contrato o Banco informou o autor que estava garantido o retorno, e a responsabilidade civil contratual porque o Banco violou o compromisso assumido no acordo feito com o cliente (garantia de restituição do capital e dos juros) e executou o contrato, violando os deveres de boa fé (art. 762.º do CC).

Segundo afirma a doutrina (cf. Agostinho Cardoso Guedes, ob. cit., pp. 147 e 148), «Sempre que alguém se dirige a um banco para com ele celebrar um contrato (um depósito bancário, um empréstimo, a compra de títulos da sociedade proprietária do banco, um desconto, um empréstimo hipotecário, depósito de títulos etc.) e se inicie uma actividade comum dos contraentes destinada à análise e elaboração do projecto de negócio não parece restar qualquer dúvida que qualquer dos contraentes fica imediatamente vinculado aos deveres resultantes do art. 227.º». 

A este propósito Menezes Leitão («Informação Bancária e Responsabilidade», Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor. Inocêncio Galvão  Telles, Volume II, Direito Bancário, Almedina, 2002, p. 230) considera «(…) que mesmo nos casos em que o banco presta conselhos ou recomendações sobre negócios (consultoria em relação a decisão de investimento, intermediação em operações sobre valores mobiliários, etc.) mesmo neste âmbito, sempre que a informação prestada tenha um cariz objectivo, se deve presumir a culpa do banco nos termos do art. 799 do CC que como entidade especializada na matéria se compromete à prestação de informações exactas, cabendo a ele ilidir sempre essa presunção com a demonstração de que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua».

No caso concreto, os pressupostos da responsabilidade contratual decorrente do acordo de garantia do capital e de juros feito com o cliente, verificam-se: a ilicitude, por violação do dever de informação e do compromisso de garantia do capital e de juros; a culpa, a qual se presume nos termos do art. 799.º, n.º 1 do CC, e a causalidade, ou seja, o nexo entre o facto e o dano, que a doutrina também considera estar abrangida pela presunção do art. 799.º, n.º 1 do CC (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, ob. cit., p. 432).

  Não se pode afirmar, como consta da sentença do tribunal de 1.ª instância, que não se verifica o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano – a perda do capital – por se entender que a causa da desvalorização dos títulos é a crise financeira global de 2008 e não a informação enganosa.

O nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado ao autor (art. 563.º do CC) deve ser analisado através da demonstração, que decorre claramente da matéria de facto, de que se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, o autor não teria investido naquela aplicação, mas noutra que lhe garantisse um retorno seguro, condição que ele colocou para fazer o investimento.

O valor do dano é o equivalente ao capital investido – 150.000,00 euros – valor que o Banco assegurou ao cliente que não estava em risco, acrescido dos juros remuneratórios que foram garantidos pelo Banco de acordo com uma rentabilidade anual de 5,553 %, durante o período de tempo em que durou a aplicação, ou seja, desde Janeiro de 2008 até ao fim do ano de 2011, descontando-se os juros recebidos.

 

Ao valor assim encontrado acrescem os juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

IV – Decisão

Pelo exposto, concede-se a revista e revoga-se o acórdão recorrido, condenando-se o réu ao pagamento do montante de 150.000,00 euros, acrescido dos juros remuneratórios garantidos pelo banco de acordo com uma rentabilidade anual de 5,553%, durante o período de tempo em que durou a aplicação, ou seja, desde Janeiro de 2008 até ao fim do ano de 2011, descontando-se os juros recebidos.

A este valor acrescem juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Custas pelo recorrido.

Lisboa, 17 de Março de 2016

Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Sebastião Póvoas

Alves Velho