Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B1203
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: EXERCÍCIO DO PODER PATERNAL
REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
MENOR
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EFEITO DO RECURSO
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
FALTA DE CITAÇÃO
ALEGAÇÕES DE RECURSO
TEMPESTIVIDADE
Nº do Documento: SJ200805270012037
Data do Acordão: 05/27/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO SE TOMOU CONHECIMENTO DO RECURSO
Sumário :

1. No caso de menores filhos de progenitores que nunca foram casados entre si nem viveram juntos, a titularidade do poder paternal cabe a ambos;
2. O exercício desse poder paternal pode ser regulado por acordo, homologado judicialmente, ou, na falta de acordo, por decisão do tribunal;
3. Em qualquer dos casos, a lei determina que o tribunal deve decidir de acordo com o superior interesse do menor, embora atendendo aos demais interesses envolvidos (artigos 1905º do Código Civil, 147º-A e 180º da OTM e 3º da Convenção sobre os Direitos das Crianças);
4. O processo de regulação do exercício do poder paternal é um processo de jurisdição voluntária (artigo 150º da Organização Tutelar de Menores).
5. Esta qualificação implica, nomeadamente, que, das decisões proferidas no seu âmbito só cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça se corresponderem à aplicação de lei estrita (artigo 1411º, nº 2, do Código de Processo Civil);
6. Não é, pois, admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões tomadas segundo critérios de conveniência e oportunidade, nos termos do disposto no artigo 1410º do Código de Processo Civil;
7. Admitir um recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça no âmbito de um processo de regulação do poder paternal exige, assim, a análise do critério adoptado pela decisão concretamente recorrida;
8. Estando a filiação estabelecida em relação a ambos os progenitores, que nunca foram casados nem viveram juntos, e não tendo sido decretada a inibição do exercício do poder paternal em relação a nenhum, não é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a decisão judicial que, ponderando as opções possíveis quanto à forma concreta de regulação do respectivo exercício, escolher, justificando, aquela que se lhe afigura ser a que melhor prossegue o interesse do menor;
9. Não sendo admissível o recurso, também não pode o Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre questões cujo conhecimento pressuporia o conhecimento do recurso (nulidade da mesma decisão, inconstitucionalidade de normas legais alegadamente aplicadas, contradição com outras decisões também proferidas segundo critérios de conveniência e oportunidade ou necessidade de ampliação da matéria de facto);
10. O Supremo Tribunal de Justiça não pode conhecer de arguição de falta de citação se não foi suscitada ao intervir no processo, em primeira instância;
11. O Ministério Público não fica impedido de recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça por não ter interposto recurso da decisão da 1ª instância;
12. Do disposto no artigo 160º da OTM não resulta necessariamente que corra em férias judiciais o prazo para alegar no recurso de revista:
13. Os recursos interpostos no âmbito dos processos de regulação do exercício do poder paternal não têm efeito suspensivo (artigo 185º da OTM).
Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25 de Setembro de 2007, de fls. 2040, proferido no âmbito do processo de regulação do poder paternal instaurado contra AA e BB pelo Ministério Público, em representação da menor CC, foi parcialmente provida a apelação interposta por DD e marido, EE (com quem a menor vive, desde que lhes foi entregue pela mãe), da sentença da 1ª Instância, que atribuíra o exercício do poder paternal e a guarda da menor a BB e regulara o contacto entre aquela e AA, bem como os alimentos a prestar por esta.
A Relação decidiu o seguinte:

“1. O exercício do poder paternal da menor cabe ao paiBB que a representará.
2. A menor, transitoriamente, continuará a residir com EE e DD, na morada................., lote.., .. dtº 2350 – .., Torres Novas, que dela cuidarão – alimentação, vestuário e educação. [o que se segue foi eliminado pelo acórdão de 20 de Novembro de 2007: Quanto à escolha do local de ensino é partilhada com BB, sendo que a escola localizar-se-á na cidade onde a menor reside].
3. A menor, até à idade escolar e ao momento em que for definitivamente entregue ao progenitor, frequentará o infantário «................», sito em Torres Novas, fazendo o horário normal.
4. A menor contactará semanalmente com ambos os progenitores em local a definir conjuntamente pelo casal EE e DD e pela Técnica do Instituto de Reinserção Social de Tomar.
5. Os contactos semanais deverão ocorrer na semana seguinte à da notificação deste acórdão, cuja data e horas concretas devem ser articuladas entre a Técnica do Instituto de Reinserção Social de Tomar, o Psicólogo do Departamento de Saúde Mental Infantil e Juvenil do Centro Hospitalar de Coimbra, o casal EE e DD e os pais da menor.
6. A menor terá acompanhamento psicológico, a prestar pelo Departamento de Saúde Mental Infantil e Juvenil do Centro Hospitalar de Coimbra, cujo técnico a acompanhará semanalmente e elaborará relatório que remeterá para o processo.
7. Os pais da menor,BB e AA, e o casal EE e DD terão acompanhamento psicológico, a prestar, igualmente, pelo Departamento de Saúde Mental Infantil e Juvenil do Centro Hospitalar de Coimbra, pela mesma equipa que acompanhará a menor.
8. Decorridos 90 (noventa) dias de integração da menor no seio da sua família, cessa o regime transitório e a menor passa a ser confiada à guarda e cuidados do pai que passará a exercer na plenitude o poder paternal.
9. Verificada a situação referida em 8, o Tribunal a quo regulará o regime de visitas, férias, aniversários, fins-de-semana e alimentos por referência à progenitora AA.”

Para assim julgar, a Relação de Coimbra – para além de indeferir a arguição, pelos recorrentes, de nulidade processual, que invocaram com o fundamento de não terem sido citados para o processo de regulação do poder paternal, e de nulidade da sentença, por alegada contradição entre os fundamentos e a decisão – negou provimento a um agravo também interposto pelos apelantes do despacho proferido, em 1ª Instância, para regular o “regime transitório para cumprimento do determinado na sentença proferida em 13 de Julho de 2004 (…)”, analisou a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a pretensão da respectiva ampliação e a regulamentação do poder paternal determinada em primeira instância.
No que respeita à decisão de facto, a Relação, acolhendo em alguns pontos a discordância manifestada pelos recorrentes, considerou provado o seguinte:

“1. A menor CC nasceu no dia 12 de Fevereiro de 2002 e encontra-se registada como filha de AA, de 39 anos de idade, e de BB, de 25 anos de idade.
2. O estabelecimento da paternidade deu-se em consequência de termo de perfilhação lavrado em 30 de Abril de 2003.
3. Antes de perfilhar a menor, o requerido submeteu-se a testes de ADN com vista a comprovar a sua paternidade biológica.
4. O requerido solicitou a realização dos referidos testes em virtude de ter tido apenas um relacionamento ocasional com a mãe da menor, e ter sido apenas informado da gravidez desta quando se encontrava no final da gestação.
5. Os pais da menor mantiveram entre si um relacionamento ocasional, nunca tendo vivido juntos.
6. Em 28 de Maio de 2002 a requerida, por intermédio de uma amiga sua, entregou a filha menor ao casal constituído por EE e DD.
7. Juntamente com a menor, a requerida entregou também uma declaração de consentimento para adopção plena, com o seguinte teor: Eu AA, passaporte n° ........., natural de ........... – Go, Brasil, declaro que por motivos de insuficiência económica não posso garantir à minha filha CC, com registo de nascimento em 12/02/02, Assento n° 17/2002, nascida no concelho de Sertã, filha de pai incógnito, segurança, cuidados de saúde, formação moral e educação. Por esse motivo entrego-a ao Sr. EE e Sra. Dª. DD, casados um com o outro, para que seja adoptada plenamente pelos mesmos, integrando-se na sua família, extinguindo-se desta forma as relações familiares existentes entre mim AA e CC. (...)”.
7A. Em 28 de Maio de 2002 a menor não apresentava sinais de subnutrição, estava bem cuidada e possuía a vacinação obrigatória em dia.
8. Durante a gravidez, a requerida efectuou análises clínicas e ecografias obstétricas.
9. A requerida AA veio para Portugal, mais concretamente para a Sertã, durante o ano de 2001, no intuito de arranjar emprego e melhorar as suas condições de vida.
10. Na localidade da Sertã já se encontrava a residir uma irmã da requerida.
11. Na altura em que entregou a menor, a requerida permanecia irregularmente no território nacional.
12. Pelo menos a partir de Junho de 2003 AA pretendeu reaver a sua filha e passou a procurar o casal ao qual tinha sido entregue, chegando a telefonar para este, sem qualquer sucesso.
13. Desde o dia 1 de Março de 2003 que a requerida se encontra a trabalhar como empregada doméstica ao serviço de um casal de idosos, na localidade de Tomar, auferindo a quantia mensal de € 353,20.
14. Reside sozinha numa casa cedida pela entidade patronal, sita em Tomar, tipo rural, composta por 2 quartos, uma sala de estar, cozinha e casa de banho.
15. Desde o ano de 2003 também se encontra a residir em Portugal, na Sertã, a mãe da requerida a qual, entretanto, contraiu casamento com um cidadão português, FF, também ele residente na Sertã.
16. A requerida tem um total de 8 irmãos, residindo alguns no Brasil, um em Portugal e um em Londres.
17. O requerido, a partir da altura em que viu cientificamente comprovada a paternidade relativamente à menor, em data não apurada mas anterior a 24 de Fevereiro de 2003, procurou imediatamente a requerida no intuito de estabelecer relações com a filha de ambos, com a colaboração de GG (alterado na Relação).
18. Durante os meses seguintes deslocava-se à Sertã, aos fins-de-semana, no intuito de ver a sua filha, sendo que a requerida afirmava que a mesma estava em Lisboa, em casa de uma tia.
19. O requerido soube por intermédio dos Serviços do Ministério Público da Sertã que a menor se encontrava aos cuidados de um determinado casal.
20. Daí em diante passou a procurar o casal acima referido, conseguindo contactar com EE e DD, os quais não permitiram ao requerido ver a filha.
21. No aniversário da menor, o requerido deslocou-se ao local onde se encontrava o casal a que se vem fazendo referência e tentou entregar um presente à menor, o que também não lhe foi permitido.
22. O requerido é carpinteiro/serralheiro de profissão, encontrando-se actualmente desempregado, auferindo € 350 a título de subsídio de desemprego. Efectua ainda alguns biscates no âmbito da actividade de serralharia.
23. Desde Agosto de 2002 que vive em união de facto com GG, empregada doméstica, que aufere cerca de € 300 mensais.
24. Do agregado faz ainda parte o filho da companheira do requerido, HH, de 13 anos da idade, que frequenta o 8º ano de escolaridade.
25. O referido agregado mantém um bom ambiente familiar, existindo um bom relacionamento entre os três membros que o compõem.
26. Habitam em casa arrendada, composta por 3 quartos, sala, cozinha e casa de banho, na localidade de Cernache do Bonjardim, Sertã.
27. Nas proximidades residem ainda a mãe do requerido e 7 irmãos deste, com quem mantém um óptimo relacionamento familiar.
28. A menor vive actualmente com EE e DD, em Torres Novas, os quais alteraram (em termos práticos, de tratamento) o nome daquela para II.
29. Em Maio de 2002 tiveram conhecimento de que num consultório médico havia uma mãe disposta a entregar uma criança para adopção.
30. Combinaram a entrega da criança, o que aconteceu em 28 de Maio de 2002, tendo por objectivo a futura adopção da mesma, encontrando-se inscritos como casal adoptante nos serviços da Segurança social.
31. EE tem 36 anos de idade e é militar do exército (1º sargento), auferindo cerca de € 1000 mensais.
32. DD tem 38 anos de idade, é vendedora de têxteis, auferindo mensalmente quantia equivalente ao salário mínimo, a que acrescem uma média de € 300 mensais a título de comissões.
33. Habitam um apartamento, tipo duplex, composto por 4 quartos, 2 casas de banho, sala, cozinha e um terraço com a área de 110m2.
33A. Denota-se uma forte ligação afectiva entre o casal e a menor.
34. Ambos os progenitores pretendem que lhes seja atribuída a guarda da menor CC.
35. Em Março de 2004 a Segurança Social requereu neste Tribunal a confiança judicial da menor, com vista a futura adopção, ao casal composto EE e DD.
36. No processo referido em 34 foi proferido despacho de suspensão da instância, ordenando que os mesmos aguardem a decisão a proferir nos presentes.
37. Os apelantes ouvidos em 15 de Dezembro de 2003, declararam ao Exmo. Juiz o seguinte: em Maio de 2002, por intermédio de terceiros, tiveram conhecimento que havia uma pessoa interessada em dar uma criança, em virtude de não ter condições morais e económicas para a ter consigo. Uma vez que se encontram impossibilitados biologicamente de ter filhos e face ao enorme desejo de criar uma criança, combinaram um encontro com uma conhecida da mãe, ocorrido em 28 de Maio de 2002 e no qual a mesma lhes foi entregue. Desde então o bebé encontra-se a viver com ambos, beneficiando de todas as condições normais para o seu desenvolvimento. Já se encontram inscritos desde Setembro de 2003, como casal candidato à adopção, na Segurança Social de Santarém. Possuem uma declaração de consentimento para a adopção subscrita pela progenitora da menor.
38. Os apelantes alteraram o nome da menor para II, identificação que adquiriu e adoptou com o tempo.
39. A II apresenta-se sempre bem cuidada.”

2. Tendo em conta estes factos, a Relação entendeu regular o poder paternal nos termos já transcritos, apreciando a decisão da 1ª Instância e os fundamentos da sua impugnação no recurso interposto, concluindo como se transcreve:

“ (…) não podemos deixar de dar nota que o nosso Código Civil confere aos pais – pai e mãe – no interesse dos filhos, velar pela sua segurança e saúde, promover o seu sustento, dirigir a sua educação – artigo 1878º do CC – declarando o artigo 1885º do CC que cabe aos pais, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos – nº 1 do artigo 1885º do CC. Como se vê, a lei em primeira linha afecta aos pais o tal poder-dever que deve ser exercido no interesse dos menores (…)
Na falta de acordo dos pais o Tribunal regulá-lo-á tendo por referência o interesse da menor (nº 2 do artigo 1905º do CC), que mais não é do que um conceito indeterminado que deve ser preenchido caso a caso e em face da matéria de facto dada como provada, constituindo o único critério legal a observar na decisão judicial, estando, de resto, aquele normativo em completa sintonia com «as proclamações internacionais e europeias dos direitos das crianças e que nos vinculam com valor supra legal, todas pondo a ênfase nesse interesse “o superior interesse da criança” como prevalecendo sobre qualquer outro na “ratio decidendi” das sentenças judiciais» [transcrição do acórdão da Relação de Coimbra de 6 de Fevereiro de 2007, disponível em www.dgsi.pt como proc. nº 1046/06.0 TBACB, segundo nota do acórdão recorrido].
Parece-nos que outra não podia ser a decisão a proferir pelo Exmo. Juiz o qual, em nossa opinião, respeitou o tal valor supra legal – o superior interesse da menor CC – ao conferir ao pai a sua guarda. Desde logo e como se faz alusão na sentença recorrida entendemos que qualquer dos pais não se encontra inibido do exercício do poder paternal na medida em que nada existe na matéria de facto provada capaz de integrar qualquer das causas objectivas – inexperiência, enfermidade, ausência ou outras razões – como também nela – matéria de facto – nada se evidencia que possibilite inibir qualquer dos progenitores com base na infracção culposa de qualquer dos deveres para com a CC, com grave prejuízo para esta (artigo 1915º do CC). Se a conduta da mãe é do nosso ponto de vista censurável, considerando os factos disponibilizados nos autos, mas insuficiente para a inibir do exercício do poder paternal, então, que dizer de um pai que no âmbito de um processo de averiguação oficiosa da paternidade fez os exames hematológicos e conhecidos os resultados, não mais parou e tudo fez para encontrar a filha, passando meses a ser enganado quanto à sua localização e depois de a saber, viu-se impedido de a ver, até no dia do aniversário da filha. Que causas – objectivas ou subjectivas – justificavam inibirem-se os progenitores do exercício do poder paternal? Tal como tentámos explicitar, nenhumas, daí que sufraguemos quanto a este aspecto a sentença recorrida.
E que dizer do interesse da criança? Terá sido colocado em causa pelo Tribunal a quo?
Na concretização do desígnio constitucional previsto no artigo 69º da CRP, foi publicada a Lei nº 147/99, de 1.9 que no seu artigo 4º estabelece um conjunto de princípios orientadores de intervenção [como o acórdão recorrido esclarece em nota, trata-se de princípios aplicáveis aos processos tutelares cíveis, como resulta do artigo 147º-A da OTM] dos quais se destacam o “interesse superior da criança”; a “intervenção precoce”; a “proporcionalidade e actualidade”, a “responsabilidade parental” e a “subsidiariedade”.
A Constituição da República Portuguesa protege e tutela a família natural, reconhecendo aos pais “o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos” – nº 5 do artigo 36º da CRP – consentindo que os filhos sejam separados dos pais quando estes deixem de cumprir os seus “deveres fundamentais para com eles” – nº 6 do artigo 36º da CRP. O artigo 67º, nº 1 da CRP destaca a “família como o elemento fundamental da sociedade”, para o artigo 68º da CRP, evidenciar a maternidade e a paternidade como valores sociais eminentes, conferindo aos pais um papel determinante na educação dos filhos. O texto constitucional reconhece as crianças como sujeitos autónomos de direitos, daí que o artigo 69º da CRP prescreva que as «crianças têm direito a especial protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições».
Em sede de regulação do poder paternal, um dos princípios fundamentais e que deve assumir preponderância é o «interesse do menor» que deve ser entregue – ao progenitor – que mais garantias dê em matéria de valorização do desenvolvimento da sua personalidade e lhe possa prestar maior assistência e carinho.
Ensina a Exma. Sra. Dra. JJ que “o critério legal, quase universal, para escolher a pessoa a quem será entregue a guarda da criança após o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, é o interesse da criança (…). É um conceito jurídico indeterminado (…). O conceito de interesse da criança é o exemplo de uma dessas aberturas às mudanças sociais e à evolução dos costumes, pretendidas pelo legislador. É uma noção em desenvolvimento contínuo e progressivo «uma noção poliforme, plástica e essencialmente não objectivável, que pode assumir todas as formas e vigorar em todas as épocas e em todas as causas». Face a conceitos indeterminados o Juiz não se limita a declarar o direito, mas procede a uma adaptação deste aos factos e às situações sociais” [Exercício do Poder Paternal relativamente à Pessoa do Filho Após o Divórcio ou a Separação Judicial de Pessoas e Bens, Estudos e Monografias, Universidade Católica Portuguesa, Porto, 1995, págs. 49 a 52, como indica, em nota o acórdão recorrido].
(…) vejamos se a sentença recorrida teve ou não em consideração o interesse da menor CC ou se ao invés, o subalternizou, ou mesmo o postergou, em face do vínculo biológico que a une ao apelado.
A matéria de facto provada dá-nos conta de três momentos em que se tivesse prevalecido o amor pela menor CC, seguramente, não nos encontrávamos hoje aqui.
O primeiro momento ocorre numa altura em que a menor CC ainda não tinha feito um ano de idade – data do conhecimento por parte do progenitor dos resultados do exame hematológico – procurou a filha sem sucesso junto da mãe, no que gastou alguns meses.
Aqui, se o amor prevalecesse, impunha-se à progenitora a clarificação da situação, informando o progenitor do sucedido. Mas não, optou por lhe dar informações que estavam longe de corresponder à realidade, levando-o a investir meses numa procura que se relevou infrutífera.
Conhecido o paradeiro da CC, o pai tentou junto do casal ver a filha, o que não lhe foi permitido. Chegámos ao segundo momento decisivo na vida da CC. O pai biológico foi impedido de a ver e com ela começar a estabelecer laços de proximidade. Por nos parecer relevante, impõe-se que clarifiquemos. O progenitor não tentou retirar a filha do casal, limitou-se a querer vê-la. Perguntamos: A atitude do casal ...... e DD teve em conta os interesses da menor?
Com todo o respeito, parece-nos que não.
Antes se impunha, no interesse dela, uma conversa e a adopção de comportamentos que retirasse qualquer carga litigiosa ao encontro com o progenitor, devendo ambos encontrar uma solução que defendesse os interesses da CC, o que sabemos não ter sido a solução escolhida.
Outro momento – o terceiro – reporta-se a aniversário da CC.
No dia do seu aniversário, o pai tentou dar-lhe uma prenda, no que foi impedido.
Também aqui o casal EE pensou mais nos seus interesses do que no interesse da menor. Também aqui, o casal EE optou por uma estratégia de afastamento da menor do pai, ao invés de potenciar a aproximação sem que ela – aproximação – significasse a retirada abrupta da menor de sua casa, aqui sim em rota de colisão com os seus interesses, na medida em que já estava com o casal há cerca de 1 ano e 9 meses.
A estes três momentos deve somar-se um quarto momento.
Em 13 de Julho de 2004 é proferida sentença que decide confiar a menor à guarda do pai, devendo a mesma beneficiar de acompanhamento de natureza psicológica e pedopsiquiátrica.
Também aqui o casal EE e DD entendeu não cumprir a sentença – sem prejuízo de naturalmente dela recorrer – mas antes optou por manter a criança consigo, não permitindo mais uma vez que o progenitor com ela contactasse.
A Exma. Sra. Dra. JJ escreveu no seu douto parecer: «para o acerto e justiça das decisões judiciais é essencial que os magistrados tenham conhecimento das várias fases de desenvolvimento das crianças, das suas necessidades em cada estádio de desenvolvimento e da importância da estabilidade das suas relações afectivas profundas, para que a criança ultrapasse, com sucesso, os vários desafios do desenvolvimento, que tem de enfrentar (…) Numa situação em que a criança experimenta uma falta de coincidência entre os vínculos biológicos e os afectivos devem prevalecer estes últimos» (folhas 1618/9).
Sufragamos este entendimento, todavia, não podemos deixar de afirmar que, do nosso modesto ponto de vista, a situação dos autos não lhe é reconduzível.
Aqueles ensinamentos assumem plena validade nas situações em que a consanguinidade é apenas uma realidade friamente objectiva, sem quaisquer envolvimentos afectivos entre a criança e os seus progenitores. Contrariamente a situação dos autos revela, desde o momento que soube ser o progenitor da menor CC, um pai afectivamente envolvido e empenhado em trazer a filha para o seu convívio, demonstrando em cada passo um real e efectivo amor pela menor CC, o que está objectiva e claramente demonstrado na forma como aceitou as decisões do casal EE e DD que, por diversas vezes, o impediram de ver/contactar com a sua filha (factos 20 e 21).
Por aqui se tenta demonstrar que foi o casal EE e DD que, sem cuidar do superior interesse da menor que lhes foi entregue, começou por lhe alterar, sem qualquer fundamento legal, um dos elementos estruturantes da sua personalidade – o seu nome. Recorde-se que a menina tinha cerca de três meses e meio quando lhes foi entregue e durante esse período de tempo foi chamada de CC pela mãe.
Também o casal/apelante, sem razões legais ou outras, v.g. remoção de qualquer situação de perigo para o normal e salutar desenvolvimento físico ou psíquico da menor CC, impediu o estabelecimento de quaisquer laços afectivos entre os progenitores e a criança.
As decisões do casal EE e DD foram tomadas no seu único e exclusivo interesse, sem ao menos parar para pensar no interesse da menor CC.
Que mal podia vir para a menor se conhecesse os pais? Que mal podia vir para a menor se brincasse com os pais?
Com todo o respeito, não conseguimos vislumbrar nenhum e a ter sido possível este contacto/relacionamento, então, podíamos afirmar com segurança que o vínculo biológico e o afectivo se podiam fundir num único, com vantagens para a menor e sem qualquer desvantagem para o casal que a acolheu.
O relacionamento entre o progenitor e a CC, entre aquele, esta e o casal que a acolheu teria conduzido, se a amassem como um ser individual e com direitos, a uma solução consensual que defendia os seus interesses, sem beliscar o amor que cada um deles – progenitor e casal – nutriam por ela.
O caminho escolhido foi outro e daí que tivesse sido o Tribunal chamado a tomar posição sobre os destinos de uma criança que à data da sentença tinha 2 anos e 5 meses, mas que hoje tem 5 anos e 5 meses [o acórdão recorrido explica que se refere à data da respectiva elaboração], o que claramente obriga que a solução deste litígio não possa deixar de ter em conta esta nova realidade, a qual deve privilegiar o interesse da criança, mas sem esquecer o vínculo biológico que a liga ao requerido/apelado nem o vínculo afectivo que estabeleceu a partir dos 3 meses de idade com os apelantes.
Se nos é permitida uma nota final, diremos que a conduta dos apelantes antes da instauração do processo e após a sua instauração e decisão, se pautou pelo recurso à estratégia do facto consumado, ou seja, prolongar a sua ligação à CC, sem conferirem aos progenitores qualquer contacto com a filha, de tal sorte que aquando da decisão, o Tribunal tivesse que dar preferência ao vínculo afectivo versus vínculo biológico o que era aceitável no interesse da criança, se os pais, em particular o progenitor, nunca tivesse manifestado qualquer vontade, disponibilidade, amor, afecto pela criança, o que sabemos não ter ocorrido.
O facto consumado, não pode nem deve ter o condão de limitar as decisões dos Tribunais, as quais, devem, neste tipo de processos, ter em conta os legítimos interesses da menor e não quaisquer interesses mais ou menos egoístas que orientam e definem a estratégia do progenitor ou de quem tem de facto a menor à sua guarda.
No limite, a teoria do facto consumado poderia levar a que uma criança, vítima de rapto por um dos progenitores ou por terceiros, nunca pudesse ser entregue ao outro progenitor ou aos pais com o fundamento na falta de qualquer contacto entre ambos, o que convenhamos não só seria objectiva e claramente injusto para o progenitor cumpridor ou para os pais, como trairia o interesse dessa criança concreta e de todas as outras crianças que pudessem ver-se envolvidas em situações semelhantes.
Se o Tribunal ficasse refém do «facto consumado» mais do que violar os legítimos e superiores interesses da menor CC – nada nem ninguém lhe pode negar o afecto dos pais, desde que sejam pais afectivamente envolvidos e interessados no seu salutar e normal desenvolvimento físico, intelectual e moral – colocaria em causa os superiores interesses de todos os menores em que um dos progenitores ou terceiro(s) conseguisse, com recurso a um conjunto de meios, evitar que o menor contactasse com o outro progenitor ou com os pais e assim defender que aquele ou estes – progenitor ou pais – eram estranhos à criança e por isso não lhe (s) podia ser conferida a guarda, já que colocaria em causa a saúde psicológica do menor.
Apesar de a sentença recorrida ter sido proferida em Julho de 2004, concordamos com a crítica que lhe é dirigida e que no essencial se traduz na existência de um corte que podemos qualificar de abrupto entre a menor e os apelantes.
Com efeito, o Tribunal a quo deveria ter em conta a idade da menor – cerca de 2 anos e 6 meses – o desenvolvimento da sua personalidade, a inevitável interacção afectiva que existia entre a menor e o casal que a acolheu e sobretudo o sofrimento que uma inesperada ruptura lhe traria, que podia, é certo, ser mitigado com a intervenção de profissionais da saúde, mas insuficiente a debelá-lo.
Neste sentido, impunha-se que o Exmo. Juiz, pese a atribuição do poder paternal ao progenitor, percorresse novos caminhos que passassem pela continuidade da menor no seio da família EE e DD, os quais, deviam, definitivamente, perceber que papel podiam jogar na vida da menor CC ajudando-a a interiorizar a entrada de duas novas pessoas na sua vida – pai e mãe – ajudando os progenitores a darem passos seguros na sua integração junto da menor, no que todos podiam e deviam ser assessorados por pessoa da área da saúde com competências nas áreas da psicologia, pedopsiquiatria e até com a intervenção de outros profissionais das áreas das ciências sociais, v.g. assistentes sociais.
Também entendemos que a decisão recorrida devia, aí sim, romper com a actual situação da menor CC/II, fechada num círculo familiar restrito que a impede de conviver e de se sociabilizar com crianças da mesma idade. Havia e há que romper com as teias do isolamento e levá-la ao contacto com outras pessoas de modo a que perceba quão gratificante é o contacto com os outros, daí a necessidade urgente de ser integrada num jardim-de-infância ou até na escola, atenta a sua idade.
Em conclusão, o Tribunal tendo por referência o superior interesse da menor regulará o poder paternal que terá em conta a sua idade, o seu desenvolvimento e personalidade, a sua ligação afectiva ao casal EE e DD, mas também o seu interesse em conhecer e relacionar-se com os pais, sem esquecer que a consanguinidade, quando associada a afectos, deve jogar um papel importante na vida da menor.
Neste sentido confirmará a decisão recorrida na parte em que atribui o poder paternal ao apelado BB, no entanto, não deixará de ter em conta a primeira das recomendações feitas pelo grupo multidisciplinar que elaborou o relatório de folhas 1518 a 1531, na qual faz menção de que “qualquer decisão relativa à vida desta criança deve reunir as condições de grande estabilidade, segurança e ausência de sentimentos de ameaça. Só com o tempo os actuais vínculos afectivos serão verdadeiramente consolidados”.

3. Deste acórdão de 25 de Setembro de 2007 – longamente transcrito para evidenciar o critério decisório nele adoptado –, EE e mulher, DD, a fls. 2095, interpuseram recurso que foi recebido como revista, pelo despacho de fls. 2317, depois de, em cumprimento do despacho de fls. 2164, terem vindo aos autos indicar “as normas violadas”, a fls. 2184.
BB, a fls. 2113, veio pedir “o esclarecimento ou a aclaração da decisão” relativamente aos seus pontos 2, 3 e 8.
A fls. 2116, o Ministério Público pediu que o acórdão fosse “esclarecido (hipoteticamente reformado)”, quanto a vários pontos, que indica, relacionados com o regime transitório estabelecido.
Também pediu o esclarecimento do acórdão AA (cfr. fls. 2135).
Pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20 de Novembro de 2007, de fls. 2170 (que, nos termos dos artigos 670º, nº 2 e 716º do Código de Processo Civil, integra o primeiro acórdão), foi decidido:
“1. (…) eliminar do ponto 2 do pronunciamento decisório a seguinte proposição: «quanto à escolha do local de ensino é partilhada com BB, sendo que a escola localizar-se-á na cidade onde a menor reside» [por se tratar de um lapso manifesto, esclarece a Relação].
2. Esclarecer que a menorCC transitoriamente [entenda-se a transitoriedade como o espaço que medeia entre o dia da notificação do acórdão e o nonagésimo dia subsequente, como se diz em nota] continuará a residir com o casal EE e DD e frequentará, até ao momento em que for entregue ao progenitor BB, o infantário «................». Decorridos os noventa dias de integração da menor do seio da sua nova família – leia-se progenitor BB – cessa, naturalmente, aquele regime transitório, ficando a menina exclusivamente à guarda do pai que exercerá, em plenitude, o poder paternal.
3. A menor será entregue ao progenitor decorridos que sejam 90 dias de integração da menor no seio da sua família, noventa dias que se iniciaram com a notificação do acórdão aos interessados e que terminam no 90º dia posterior à data da notificação.”
Quanto ao mais, manteve-se o acórdão de 25 de Setembro.

4. A fls. 2190, AA pediu novo esclarecimento do acórdão de 25 de Setembro de 2007, por requerimento que veio a ser indeferido pelo despacho de fls. 2316.
A fls. 2211, o Ministério Público, em representação da menor, veio interpor recurso de revista do acórdão de fls. 2040, “com o âmbito que lhe foi dado pelo acórdão de fls. 2170 (…), que decidiu segundo critérios de legalidade estrita, não podendo, assim, ser considerado uma resolução nem tendo decidido segundo critérios de conveniência ou oportunidade”.
A fls. 2212, EE e mulher, DD, interpuseram também recurso do acórdão de 20 de Novembro de 2007, “com fundamento na respectiva nulidade, causada pela oposição entre os fundamentos e a decisão (artigo 668º, 1, c) CPC) e pelo excesso de pronúncia (artigo 668º, 1 d))”. Disseram ainda que o acórdão recorrido está em oposição com o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13 de Fevereiro de 2007, com o nº de processo 1337/05.8 TBVNO.C1). Este recurso foi admitido também pelo despacho de fls. 2317, nos mesmos termos em que o foi o recurso interposto a fls. 2095.
Por despacho de fls. 2219, invocando a possibilidade de revisão do prazo de transição fixado no ponto 8. do acórdão de 25 de Setembro de 2007 e o disposto no artigo 157º da OTM, foi determinada, pela Relação, a notificação de todos os intervenientes para “tomarem posição sobre a possibilidade de alteração do prazo de entrega da menor, atentos os considerandos vazados” no relatório médico junto a fls. 2205, segundo o qual “o regime transitório estipulado não é o mais adequado a um normal desenvolvimento da personalidade da menina, potenciando riscos sérios e graves para a sua saúde…”. Todos os intervenientes se pronunciaram (cfr. fls. 2282, 2292, 2295 e 2311).
A fls. 2220, AA recorreu do acórdão de 25 de Setembro, aclarado pelo acórdão de 20 de Novembro seguinte, requerendo também que fosse fixado efeito suspensivo ao recurso.
A fls. 2309,BB veio sustentar a inadmissibilidade do recurso interposto por EE e DD e também a impossibilidade de ser atribuído efeito suspensivo ao recurso, nos termos do disposto no artigo 185º da OTM.

5. Por despacho do relator no Tribunal da Relação de Coimbra, de 11 de Dezembro de 2007, de fls. 2316, foram admitidos, como revista e com efeito meramente devolutivo, os recursos interpostos por EE e DD, pelo Ministério Público e por AA.
Analisando a questão da admissibilidade dos recursos interpostos no âmbito destes processos, bem como do efeito respectivo, o despacho pronunciou-se nos seguintes termos:

“Ao percorrermos a Organização Tutelar de Menores – Decreto-Lei nº 314/78, de 27.10 – verificamos que os recursos estão contemplados nas seguintes normas 159º, 185º e 188º, nº 4, de cuja leitura se extraem as seguintes conclusões: sejam de agravo ou apelação os recurso têm sempre efeito devolutivo e sobre a sua admissibilidade, prazos, processamento e julgamento aplicam-se as regras do Código de Processo Civil, para onde remete o artigo 161º da OTM.
Isto para dizermos que este diploma – Decreto-lei nº 314/78, de 27.10 – é completamente omisso quanto à possibilidade da parte inconformada com o acórdão da Relação dele poder interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.
Sobre os princípios que regem os processos de jurisdição voluntária, o Sr. Prof. Antunes Varela defendeu o seguinte: porque não está em causa, na área da jurisdição voluntária, a resolução técnica de questões de direito da competência específica dos Tribunais de Revista, mas a simples opção pela gestão mais sensata ou conveniente de determinadas situações de facto, das resoluções tomadas nesses processos nunca é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça – nº 2 do artigo 1411º do CPC.
Este entendimento encontrava aconchego, na previsão do nº 2 do artigo 1411º do CPC, e era sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça ao defender que nos processos de jurisdição voluntária não havia recurso por força da aplicação daquela norma que se sobrepunha quer às normas da Organização Tutelar de Menores quer ao nº 2 do artigo 678º, nº 2 do CPC.
O Supremo Tribunal de Justiça firmou a seguinte doutrina por assento datado de 6 de Abril de 1965: nos processos de jurisdição voluntária em que se faça a interpretação e aplicação de preceitos legais em relação a determinadas questões de direito, as respectivas decisões são recorríveis para o Tribunal Pleno, nos termos do artigo 764º do Código de Processo Civil.
A redacção dada ao nº 2 do artigo 1411º – artigo 1º do DL nº 329-A/95, de 12.12 – passou a consagrar a solução que emergia do assento de 6.4.1965, limitando a possibilidade de recurso às resoluções proferidas segundo critérios de conveniência e oportunidade.
Também o Supremo Tribunal de Justiça ao ser chamado a tomar posição sobre os processos de jurisdição voluntária regulados na OTM defendeu que «a solução constante do nº 2 do artigo 1411º do CPC não se repercute necessária e automaticamente nos processos de jurisdição voluntária regulados na OTM». Mais recentemente o nosso mais Alto Tribunal considerou que «não basta para tornar admissível recurso do julgamento da Relação para o STJ que a mesma tenha aplicado determinadas normas jurídicas. É indispensável ainda que a decisão então alcançada assente exclusivamente num critério de legalidade e, assim, que não tenha sido determinada por considerações de oportunidade e conveniência.
Estamos em crer que a situação em apreço cabe no âmbito das excepções que possibilitam o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça. Desde logo, porque a presente regulação do poder paternal «foge» das características externas que, regra geral, andam associadas a este tipo de processo, v.g. progenitor versus progenitora ou vice-versa que «lutam» pela custódia do (s) filho (s), cabendo ao Tribunal a valoração objectiva da situação de cada um dos progenitores, optando por aquele que, no seu entender, melhor serve os interesses das crianças.
Estes autos retratam uma situação completamente distinta.
Senão vejamos.
A acção é intentada pelo Ministério Público em representação da menor CC contra os progenitores e na sequência de prolação de sentença é atribuído o poder paternal ao progenitor BB.
Apesar da intervenção nos autos do casal EE e DD, em momento bastante anterior àquele em que foi proferida a decisão em 1ª instância, a verdade é que nada requereram permitindo assim que os autos prosseguissem os seus ulteriores trâmites até à decisão final, onde necessariamente o Exmo. Juiz tendo em conta os sujeitos processuais – progenitores – optou por considerar que o pai BB melhor servia os interesses da CC e daí que lhe tivesse conferido o exercício do poder paternal, em detrimento da mãe AA.
Inconformado com essa decisão, o casal EE e DD, que acolhe a criança desde os 3 meses de idade, levantou a questão em redor da sua legitimidade para intervir no processo, o que acabou por lhe ser conferida por acórdão do Tribunal Constitucional.
A sua intervenção nos autos ocorre após a prolação da sentença pelo Tribunal de 1ª instância, interpondo recurso para o Tribunal da Relação, cujo acórdão se centrou, não em considerações de oportunidade ou conveniência, mas antes teve que se debruçar sobre um aspecto central para a vida da menor CC – o seu interesse – cuja análise não se esgotou na simples e automática aplicação do quadro legal – internacional ou nacional – que o disciplina, mas antes teve de tomar posição e optar – face ao quadro legal existente – pela situação que melhor defendia os interesses da menor CC à luz de um quadro factual que remonta ao ano de 2004.
A situação em apreço acentua a existência de uma realidade que, seguramente, o legislador não teve em consideração aquando da elaboração da lei, mas que o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo ao longo dos tempos a manifestar um entendimento um pouco mais elástico, ao afirmar que o nº 2 do artigo 1411º do CPC não afasta automaticamente a possibilidade de recurso nos processos de jurisdição voluntária regulados na OTM.
Salvaguardando melhor e mais abalizada opinião, estamos em crer que este processo se enquadra naquelas situações excepcionais que permitem ao Venerando Supremo Tribunal de Justiça conhecer do recurso. São estes os fundamentos que, em nossa modesta opinião, estruturam o deferimento da pretensão dos apelantes em recorrerem para o Supremo Tribunal de Justiça.
Quanto ao efeito a fixar ao recurso, o artigo 159º da OTM declara que salvo disposição expressa, os recursos terão o efeito que o Tribunal fixar. Por seu lado, o artigo 185º, nº 1 da O.T.M. expressa que todos os recursos interpostos – apelação ou agravo – de decisões proferidas nos processos de regulação do exercício do poder paternal e resolução de questões a ele – poder paternal – respeitantes têm sempre efeito devolutivo.
É certo que já depois da prolação da sentença em 1ª instância, quem vem questionar a decisão proferida não é nenhum dos progenitores mas alguém a quem a criança foi entregue com cerca de 3 meses de idade, ou seja, o que se convencionou apelidar de «pais afectivos».
No acórdão proferido por esta Relação, teve-se em conta o excessivo lapso de tempo que mediou entre a decisão de 1ª instância e o acórdão da Relação, o que levou a considerar-se a necessidade de fixação de um prazo transitório que se fixou em 90 dias.
Este prazo que a todos vinculava – progenitores; pais afectivos; técnicos do Departamento de Saúde Mental Infantil e Juvenil do Centro Hospitalar de .............e do Instituto de Reinserção Social de ........ – tornava-se fundamental para se perceber como é que a menor CC estava a lidar com a situação, em que termos é que evoluía a sua relação com os progenitores, como é que os «pais afectivos» estavam a lidar com a situação, realidade esta que este Tribunal teve o cuidado de sublinhar no ponto 8 do acórdão quando escreveu «decorridos 90 (noventa) dias de integração da menor no seio da sua família (…)». Apesar de sermos sensíveis aos argumentos expendidos pelos recorrentes, em particular o superior interesse da criança, a verdade é que a lei é expressa quanto ao efeito do recurso – artigo 185º da OTM – e assim se indefere a fixação do efeito suspensivo.”

6. Por acórdão de 19 de Dezembro de 2007, de fls. 2330, o Tribunal da Relação de Coimbra, após analisar várias hipóteses colocadas relativamente ao modo de se processar a transição da menor para a guarda de BB, decidiu que “o superior interesse da CC aconselha a que se alargue o prazo de transição”. Frisando que, “relativamente aos acórdãos datados de 25 de Setembro de 2007 e 20 de Novembro de 2007, só o prazo de entrega sofreu alterações, mantendo-se todo o restante decisório explicitado naqueles acórdãos”, determinou que “decorridos 120 (…) dias de integração da menor no seio da sua família, cessa o regime transitório e a menor passa a ser confiada à guarda e cuidados do pai que passará a exercer na plenitude o poder paternal”, 120 dias que se contam desde a “notificação do presente acórdão a todos os intervenientes”.
Até chegar a esta conclusão, a Relação teceu diversas considerações, das quais se salientam as seguintes: que, se os intervenientes neste processo têm conhecimento de uma evolução da situação de facto que justifique a alteração da decisão da 1ª Instância, no geral confirmada pela Relação, devem dá-la a conhecer ao tribunal de 1ª Instância para que, após o devido contraditório, seja devidamente ponderada; que não pode ser a Relação a alterar oficiosamente a regulação do poder paternal estabelecida sem essa intervenção da 1ª Instância, a quem compete avaliar a necessidade de uma eventual modificação do regime definido; mas que, no entanto, considerando os efeitos que a entrega da menor poderá eventualmente ter no seu equilíbrio psicológico, a prossecução do seu interesse aconselha a que o período de transição seja alongado, sendo certo que com esse alongamento a Relação não desvirtua “o já decidido por acórdão datado de 25 de Setembro de 2007”.

7. Nas alegações do recurso de revista, EE e DD formularam as seguintes conclusões:

“1. Os recorrentes têm a guarda de facto da menor desde 28 de Maio de 2002.
2. Enquanto detentores da guarda de facto da menor que receberam com 3 meses de idade, com vista à sua adopção, os recorrentes têm o direito a intervir na causa, influenciando a decisão acerca do destino da menor.
3. Deveriam os recorrentes ter sido citados do Requerimento Inicial apresentado nestes autos pelo Ministério Público do Tribunal de Torres Novas.
4. Não tendo sido citados os recorrentes, por ter sido completamente omitido o acto de citação, é nulo tudo o que se processou depois daquele requerimento inicial, cfr. arts. 194º a), 195º a), 202º e 204º, nº 2 do Código de Processo Civil.
5. A decisão recorrida viola o disposto no artigo 9º do Código Civil e faz errada interpretação e aplicação dos artigos 194º a), 195º e 196º do CPC, devendo ser decretada a nulidade da verificada falta de citação dos recorrentes, nos termos dos artigos 202º e 204º do CPC.
6. A decisão recorrida decide em contradição com o disposto no artigo 13º b) da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, que salvaguarda o superior interesse da criança, conforme decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 22/05/2005.
7. O acórdão recorrido é nulo, por os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão (art. 668º 1 c) do CPC), uma vez que o Tribunal a quo fundamentou que a menor se encontra inserida na família dos recorrentes como sua filha e que a decisão quanto à regulação do poder paternal deverá basear-se no superior interesse da menor, e decidiu com base num conceito biologista que não acautela os direitos da menor.
8. O acórdão recorrido está em contradição com outro da mesma Relação, precisamente o acórdão datado de 13/02/2007, proferido no processo nº .........05.8TBVNO.C1, sobre a mesma questão fundamental de direito, que consiste na definição de «família» e de «superior interesse do menor».
O acórdão em crise decide regular o exercício do poder paternal sobre a menor, com base num critério de «família biológica», enquanto que o acórdão contrariado decidiu que «a família terá de ser algo mais do que uma rede de vínculos genéticos ou biológicos, devendo comportar em si também toda uma reunião ou feixes de afectos, ou seja, sem a existência de uma envolvência afectiva não poderá falar-se da existência de uma verdadeira família».
9. O art. 69º da Constituição da República Portuguesa consagra o direito da menor a um desenvolvimento integral. Os artigos 1878º e 1905º do Código Civil, 180º da OTM e 4º a) da LPCJR impõem que o interesse da menor se sobreponha a todos os demais, designando-o de «superior».
10. O acórdão recorrido viola aqueles normativos legais, ao decidir com base no «vínculo biológico» e não na salvaguarda da manutenção dos pontos de referência da criança, da sua estabilidade do seu ambiente familiar, tranquilidade, hábitos e rotinas, atenção e afecto, continuidade da relação de filiação que estabeleceu com os recorrentes e equilíbrio psíquico.
11. São inconstitucionais os artigos 1878º e 1905º do Código Civil e 180º da OTM, tal como interpretados e aplicados pelo acórdão recorrido, por violação do artigo 69º da Constituição da República Portuguesa. O acórdão recorrido interpreta e aplica aqueles preceitos legais com o sentido da prevalência do «vínculo biológico» na decisão da regulação do exercício do poder paternal, quando o art. 69º CRP manda atender ao desenvolvimento integral da menor, ou seja, ao «segundo nascimento» enquanto nascimento sócio-cultural.
12. A manutenção dos vínculos afectivos que a menor estabeleceu com os recorrentes que conhece como seus pais é imprescindível ao integral desenvolvimento da menor.
13. O poder paternal é um poder-dever, funcionalmente orientado ao bem das crianças e não à satisfação (ou punição) das personalidades dos progenitores.
14. A relação de facto estabelecida entre a menor e os recorrentes não é ilegal, sendo certo que a menor foi entregue pela progenitora, num momento em que a filiação só quanto a ela estava estabelecida, acompanhada de uma declaração de entrega com vista à adopção plena, que os recorrentes intentaram um processo de adopção no Tribunal Judicial da Sertã antes de a menor completar um ano de idade – 10 meses antes da entrada deste processo em juízo – (e em momento anterior ao estabelecimento da paternidade), que os recorrentes se encontram inscritos no Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Santarém como casal candidato à adopção e ainda que a Segurança Social requereu a confiança judicial da menor, com vista à adopção, a favor dos recorrentes, em momento anterior à decisão proferida nestes autos.
15. O Tribunal a quo desprezou as relações de facto estabelecidas entre a menor e os recorrentes, apesar de terem sido estas as relações que permitiram a integração da menor num ambiente familiar normal e o seu crescimento saudável e feliz.
16. Retirar a menor da guarda e cuidados dos recorrentes é comprometer o seu desenvolvimento psíquico, moral e físico. É causar graves descontinuidades no seu ambiente familiar, afectivo e educativo. É mesmo, no entender dos técnicos de saúde mental consultados pelo próprio Tribunal, perigar a saúde mental da menor. Atendendo ao interesse da menor e sobrevalorizando o direito da criança a um desenvolvimento integral deverá a sua guarda e cuidados ser confiada aos recorrentes.”

Em contra-alegações, BB, a fls. 2309, veio sustentar a não admissibilidade deste recurso e observar que, contrariamente ao que os recorrentes requereram a fls. 2212, os recursos interpostos no âmbito destes processos têm sempre, por lei (artigo 185º da OTM), efeito meramente devolutivo; quanto à questão da falta de citação, salientou que não pode constituir objecto de recurso de revista (artigos 722º, nº 1 e 754º, nº 1, do Código de Processo Civil); e concluiu que, em qualquer caso, o recurso não deve ter provimento.

Também contra-alegou o Ministério Público. Defendeu não ter ocorrido nenhuma falta de citação dos recorrentes, e que, se tivesse existido, teria sido sanada; remeteu para o que já afirmara quanto às demais questões colocadas pelos recorrentes e rejeitou as acusações de inconstitucionalidade feitas por EE e DD.

8. Enquanto recorrente, o Ministério Público iniciou as suas alegações citando o acórdão de 17 de Maio de 2007 (disponível em www.dgsi.pt como proc. nº 07B1362), no qual, segundo afirma, este Supremo Tribunal “optou” por “conhecer de recurso de revista, em situação de processo de Regulação do Exercício do Poder Paternal no qual a decisão que estava em causa versava sobre a titularidade do poder paternal relativo a dois menores e sobre a guarda e confiança deles aos seus progenitores”; e terminou-as com as seguintes conclusões:

“1 – O presente recurso é interposto no interesse da menor CC e versa matéria de direito uma vez que a decisão recorrida se fundamentou em critérios de legalidade estrita.
2 – Os interesses da criança, a que se reportam os artºs 147º-A e 180º, nº 1, da OTM, 4º da LPCJP (Lei nº 147/99, de 01/09) e 3º, nº 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança, têm de ser encontrados ponderando a realidade biológica e a identidade psicológico/afectiva.
3 – Ora, a menor CC encontra-se à guarda do casal EE/DD desde os 3 meses de idade, casal esse que tem cuidado e educado a menor.
4- O pai biológico da menor, BB, não exerceu, até agora, responsabilidades parentais relativamente a esta.
5 – A menor tem vindo a formar, psicologicamente, a sua matriz identitária por referência ao casal que detém a sua guarda.
6 – De acordo com os relatórios juntos, do departamento de Pedopsiquiatria e Saúde Mental Infantil e Juvenil, do C.H.C., a menor revela um ajustado desenvolvimento físico, emocional e cognitivo.
7 – Mas a matéria de facto fixada pelas instâncias e utilizada no acórdão em revista (…) não constitui base suficiente para a decisão de direito.
8 – Na verdade, não foi apurado, com o detalhe suficiente, em especial, a situação económico-social, familiar e profissional dos progenitores da menor e do casal que vem detendo a sua guarda, nem aferida, psicologicamente, a vinculação afectiva da menor ao mesmo casal, assim como as competências dos progenitores para assumirem funções parentais, sequer se existem, ou não, prejuízos psicológicos para a CC com a sua transferência para a «sua nova família» – leia-se progenitor BB.
9 – A ampliação da decisão de facto impõe-se, assim, nesta fase processual, ao abrigo do disposto no artº 729º, nº 3, do CPCivil.
10 – O que, além do mais, permitiria obter uma decisão actual e que já levasse em conta o teor da audição da menor, agora com 6 anos de idade.
11 – A decisão sob recurso viola os interesses da menor CC.
12 –Para determinar o interesse em concreto da menor, o Tribunal norteou-se essencialmente pelo elemento biológico da identidade dela, não tendo dado suficiente relevo à sua identidade psicológica ou afectiva.
13 – Ordenou a entrega dela ao pai biológico no final do período transitório fixado (210 dias após a notificação do Acórdão de 25/09/2007), sem que seja, agora, possível afirmar que, então, estará afastada a situação de risco para o equilíbrio emocional e psicológico para a saúde mental da menor.
14 – Risco esse cuja existência o Tribunal aceitou, com base nos alertas do Departamento referido na antecedente 6ª conclusão.
15 – Ora, a entrega da menor ao seu pai biológico só deve ocorrer quando o Tribunal puder concluir seguramente, designadamente em face das informações clínicas recebidas, que tal transferência não acarreta risco para a saúde mental dela.
16 – Só no futuro será possível formular uma tal conclusão.
17 – Mas até lá, para respeito e tutela da identidade biológica da menor, o tribunal deveria ter determinado a progressiva intensificação da convivência dela com os pais biológicos, em termos a monitorizar pelo tribunal de 1º instância.
18 – Por outro lado, ao ordenar a entrega da menor CC ao seu pai biológico sem salvaguardar o relacionamento dela com o casal que tem vindo a deter a sua guarda, o Tribunal não interpretou/aplicou adequadamente os preceitos legais que prescrevem que se atenda ao interesse real da criança.
19 – Na verdade, é manifesto que uma decisão que não preserve as vinculações afectivas que a menor tem vindo a manter, de modo gratificante, com o casal que detém a sua guarda, não realiza o interesse dela.
20 – Donde, o tribunal deveria ter estabelecido um regime de convivência da CC com o casal que actualmente detém a sua guarda, a observar após a entrega desta ao seu pai biológico.
21 – Aliás, o Tribunal deve tomar as decisões que, na sua implementação, fundadamente acautelam o bem-estar físico e psicológico da menor CC.
22 – Decidindo como decidiu, desrespeitou, por erro de interpretação e aplicação, os artigos 147º-A e 180º, nº 1, da OTM, 4º, alínea a), da LPCJP e 3º, nº 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança.

Em função do exposto, dever-se-á:
I – Determinar a anulação do douto acórdão recorrido, assim como a ampliação da matéria de facto utilizável, a fim de se carrear para os autos factos que constituam base suficiente para a decisão de direito que salvaguarde os interesses da menor CC. Quando assim se não entenda,
II – Modificar o douto acórdão no sentido de a entrega da menor ao pai biológico só vir a ter lugar depois de o tribunal decidir, em face da prova obtida, designadamente, ponderando informações dos técnicos especializados, que já não se verifica qualquer risco para o equilíbrio emocional e saúde mental dela. E,
A – Enquanto tal entrega não se verificar, intensificar-se-á o regime de relacionamento da menor CC com os pais biológicos. E também,
B – Estabelecer-se-á um regime de convivência, a observar depois da entrega da menor CC ao pai biológico, entre ela e o casal que a tem vindo a deter à sua guarda.”

Em contra-alegações, a fls. 2564, BB pronunciou-se no sentido de o Ministério Público não ter legitimidade para interpor o presente recurso, por não ter recorrido da decisão da 1ª Instância, que o recurso não é admissível e que, em qualquer caso, não tem fundamento.

9. Quanto a AA, apresentou também, a fls. 2430, as alegações de recurso, ao qual sustentou que deveria ser atribuído efeito suspensivo, com as seguintes conclusões:

“1 – O efeito do recurso pode ser impugnado nas alegações.
2- O presente recurso deve ter efeito suspensivo sobre a decisão de entregar a menor CC ao Recdo. BB.
3 - Ainda que o art. 185º da OTM preveja o efeito meramente devolutivo, a atribuição do efeito suspensivo não se opõe à natureza do processo, bem como o permite o art. 1410º do CPC.
4 – O art. 124º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo deixa ao critério do tribunal a fixação dos efeitos dos recursos.
5 – Permitindo o art. 1411º do CPC, a alteração de resoluções, mesmo não sujeitas a recurso, também permite a suspensão da sua execução.
6 – A regulação do poder paternal tem como escopo primordial o superior interesse dos menores, como resulta do art. 1905º, do Cód. Civil, e do art. 3º, nº 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Resolução da AR nº 2/90, de 12/9.
7 – A decisão de entregar a CC ao pai foi proferida em 1ª instância, em Junho de 2004.
8 – O douto Acórdão recorrido foi proferido em Setembro de 2007.
9 – Durante esse período reforçaram-se os laços entre a CC e os intervenientes EE e DD.
10 – Ao proferir uma decisão em 2007, deveria a Relação de Coimbra ter ponderado essa realidade, determinando-se à luz do superior interesse da CC.
11 – Deveria a Relação de Coimbra obter elementos que lhe permitissem, com segurança, definir o superior interesse da CC em 2007.
12 – Caso entendesse que não dispunha de elementos suficientes ou que não lhe cabia obtê-los, deveria a Relação revogar a decisão da 1ª Instância, e devolver o processo para nova decisão, à luz da nova realidade.
13 – A decisão proferida, mantendo a sentença recorrida, criando um período transitório cuja duração não é fundamentada, não protege o superior interesse da menor.
14 – O douto aresto recorrido viola assim as normas inscritas no art. 1905º CC, e no referido art. 3º, nº 1, da Convenção referida, que impõem que as decisões sobre menores sejam tomadas no superior interesse deste.
15 – Violando lei substantiva, o douto acórdão deve ser revogado.”

Contra-alegando, o Ministério Público, insistiu em que o recurso só pode ter efeito devolutivo, por assim o prescrever o nº 1 do artigo 185º da OTM, e remeteu para as considerações sobre o critério do superior interesse da criança feitas nas alegações que redigiu enquanto recorrente.

Quanto a BB, sustentou a intempestividade da apresentação das alegações de AA, e a consequente rejeição do recurso; subsidiariamente, defendeu o não seu provimento.


10. Por despacho de 11 de Março de 2008, de fls. 2591, foi analisada e rejeitada pelo relator, ainda no Tribunal da Relação de Coimbra, a arguição de nulidade do acórdão recorrido, por contradição entre os fundamentos e a decisão, deduzida por EE e DD.
Nessa mesma data, foi determinado o envio do processo para o Supremo Tribunal de Justiça, onde deu entrada em 27 de Março de 2008.

11. Entretanto, foi junto aos autos por AA “um relatório elaborado pelo Departamento de Pedopsiquiatria e Saúde Mental Infantil e Juvenil do Centro Hospitalar de Coimbra”. Por despacho de 18 de Abril, determinou-se a sua notificação aos demais intervenientes neste processo.

12. Na mesma data, foi proferido o seguinte despacho, a fls. 2643:

“Nos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 704º e nº 2 do artigo 702º do Código de Processo Civil, aplicável ao caso por virtude das regras conjugadas dos artigos 150º, 1411º, nº 2 e 463º do Código de Processo Civil, suscitando-se obstáculos ao eventual conhecimento dos recursos, total ou parcialmente, determina-se o seguinte:
– Quanto aos recorrentes EE e DD, convido-os a pronunciarem-se sobre a inadmissibilidade do recurso suscitada porBB a fls. 2309 e nas contra-alegações de fls. 2471; sobre a possibilidade de se não conhecer da questão da alegada nulidade do acórdão de 20 de Novembro de 2007, por decorrer da eventual inadmissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça em aplicação do disposto no nº 2 do artigo 1411º do Código de Processo Civil; e sobre a eventual impossibilidade de conhecer da questão da falta de citação dos recorrentes, nos termos por eles colocados, desde logo por extemporaneidade da sua arguição (art. 196º do Código de Processo Civil);
– Quanto ao Ministério Público, convido-o a pronunciar-se sobre a eventual inadmissibilidade de recurso decorrente do nº 2 do artigo 1411º do Código de Processo Civil e, como consequência, da questão, que coloca, da necessidade de ampliação da matéria de facto e anulação do acórdão recorrido; sobre as questões da ilegitimidade do Ministério Público para recorrer e da inadmissibilidade do recurso, suscitada nas contra-alegações de BB, a fls. 2564;
– Quanto a AA, convido-a a pronunciar-se sobre a eventual inadmissibilidade do recurso, nos termos do nº 2 do artigo 1411º do Código de Processo Civil, bem como sobre a possível intempestividade da apresentação das alegações de recurso e respectiva consequência, suscitada por BB nas suas contra-alegações, a fls 2559;
– Relativamente a todos os recorrentes, bem como a EE, convido-os a pronunciarem-se sobre a questão do efeito a atribuir aos recursos interpostos para este Supremo Tribunal.”

13. Entretanto, foram juntos aos autos uma promoção do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas e um despacho do mesmo Tribunal, alterando o regime de transição, prorrogando novamente o prazo de entrega ao progenitor e estabelecendo as regras a observar durante a prorrogação.

14. Na sequência do despacho de 18 de Abril de 2008, foram apresentadas as seguintes respostas, cujo conteúdo se sintetiza:

O Ministério Público, a fls. 2677, veio sustentar ter legitimidade para recorrer, salientando a sua função de defesa dos interesses da menor; pronunciou-se no sentido da admissibilidade do recurso que interpôs e da possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça anular o acórdão recorrido com o objectivo de se proceder a uma ampliação da matéria de facto. Sustentou que o recurso de revista comporta “a sindicância dos pressupostos legais da regulação do interesse da menor”, nomeadamente os “relativos aos princípios de actualização da providência e de ponderação de audição da própria menor”, que em seu entender não foram observados nas instâncias, e que, no caso deveriam conduzir a que fossem anuladas as respectivas decisões e ordenada “directamente a baixa do processo ao 2º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas”; quanto ao efeito do presente recurso, manteve a posição de que só poderia ter efeito meramente devolutivo.

DD e EE, a fls. 2686, vieram reiterar a admissibilidade do presente recurso, insistindo em que o acórdão recorrido não foi proferido segundo as regras legais aplicáveis, cuja finalidade é a protecção do superior interesse da menor; sustentaram que, não estando em causa uma decisão proferida segundo critérios de conveniência e oportunidade – mas antes de legalidade, por se determinar pelo “regime jurídico respeitante à filiação natural, perfilhação e respectivo exercício do poder paternal”, composto pelos preceitos que enumera –, não lhe é aplicável o nº 2 do artigo 1411º do Código de Processo Civil; que não se verifica qualquer obstáculo ao conhecimento da nulidade do acórdão de 20 de Novembro de 2007, que arguiram; e que pode ser atribuído efeito suspensivo ao recurso, o que aliás seria mais adequado à protecção dos interesses da menor, no caso concreto.

A fls. 2792, BB manifestou-se no sentido de que seria ilegal atribuir efeito suspensivo ao recurso, tendo em conta o disposto no nº 1 do artigo 185º da OTM.

Finalmente, a fls. 2732, AA expressou a sua concordância com a justificação apresentada pela Relação de Coimbra para a admissibilidade do recurso e contestou que tivesse apresentado as suas alegações fora de prazo, dado não se tratar de um processo qualificado como urgente; quanto ao efeito do recurso, considerou que a natureza do processo e os interesses da menor justificam o afastamento do que parece resultar da lei e a atribuição de efeito suspensivo à respectiva interposição.

15. Cabe começar por analisar duas questões que se colocam em termos semelhantes relativamente a todos os recursos: a da sua admissibilidade e a do efeito decorrente da sua interposição.
No que a este segundo ponto respeita, observa-se desde já, que, tratando-se de recursos interpostos de decisões proferidas num processo de regulação do poder paternal, há que aplicar a regra imperativamente fixada no nº 1 do artigo 185º da OTM, em intencional afastamento da possibilidade que o nº 1 do artigo 159º da mesma lei confere ao tribunal na generalidade dos processos tutelares cíveis, e que é a de fixar o efeito dos recursos. Reitera-se, pois, o que se decidiu na Relação: os recursos interpostos no âmbito dos processos de regulação do poder paternal têm sempre efeito meramente devolutivo.
Nem chamando à colação o disposto no artigo 1410º do Código de Processo Civil, como sugere a recorrente AA, para dele pretender retirar uma possibilidade idêntica à que consta do referido artigo 159º, nº 1, da OTM, se pode concluir diferentemente; é que, nem o artigo 1410º se aplica a regras processuais, nem tal solução seria compatível com o referido artigo 185º nº 1 da OTM. Muito menos se poderá retirar qualquer argumento da possibilidade de alterar a própria decisão, nos termos do nº 1 do artigo 1411º do Código de Processo Civil.
Não é possível recorrer a outros preceitos, seja sustentando a “atipicidade” deste processo – tal como foi desencadeado pelo Ministério Público, é um processo de regulação do exercício poder paternal, conhecendo-se, desde o início, a situação em que a menor se encontrava –, seja sustentando a evolução da situação de facto, já que é por outras vias que essa evolução se pode considerar. Lembre-se que, como se deu nota, ainda recentemente foi prorrogado o prazo para entrega da menor, decidido em 1ª Instância e pela Relação.

16. No que respeita à admissibilidade dos recursos interpostos, cumpre relembrar que a Relação de Coimbra, nos despachos de 19 de Dezembro de 2007, de fls. 2317 e segs., entendeu que, não obstante tratar-se de recursos interpostos de decisões proferidas num processo expressamente qualificado por lei como de jurisdição voluntária (artigo 150º da OTM), “a situação em apreço cabe no âmbito das excepções que possibilitam o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça”. Em síntese, afirmou o mesmo Tribunal, “porque a presente regulação do poder paternal «foge» das características externas que, regra geral, andam associadas a este tipo de processos (…)” e porque “o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo ao longo dos tempos a manifestar um entendimento mais elástico, ao afirmar que o nº 2 do artigo 1411º do CPC [cuja alteração relata] não afasta automaticamente a possibilidade de recurso nos processos de jurisdição voluntária regulados na OTM”.
Considera-se que, com estas afirmações, a Relação de Coimbra não justificou a decisão de admissão dos recursos.

17. Como se observou neste Supremo Tribunal já por diversas vezes (cfr., a título de exemplo, os acórdãos de 28 de Fevereiro de 2008, de 3 de Abril de 2008 ou de 10 de Abril de 2008, da mesma relatora, ou os acórdãos de 29 de Janeiro de 2004, 10 de Fevereiro de 2005, 7 de Fevereiro de 2008 ou 4 de Março de 2008, todos disponíveis em www.dgsi,pt como processos, respectivamente, nºs 07B4681, 07B4054, 07B3832, 03B2747, 04B4506, 07A3439 e 08A077), a qualificação dos processos de regulação do poder paternal, ou de outros processos relativos à defesa de menores (cfr. artigo 150º da OTM e 100º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei nº 147/99, de 1 de Setembro) como processos de jurisdição voluntária provoca a aplicação, aos recursos interpostos de decisões neles proferidas, do disposto no nº 2 do artigo 1411º do Código de Processo Civil, segundo o qual “das resoluções proferidas [nestes processos] segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.
Esta redacção do nº 2 do artigo 1411º do Código de Processo Civil (cuja história se sintetiza com o objectivo de apreciar o despacho de admissão dos recursos, proferido na Relação de Coimbra), resulta da alteração nele introduzida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro. Entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1997 e só se aplica a processos instaurados após esta data, como é o caso (cfr. artigo 16º do Decreto-Lei nº 329-A/95, na redacção resultante do artigo 4º do Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro); e visou alterar o regime resultante da anterior versão do mesmo nº 2 com o sentido que lhe fora fixado pelo assento de 6 de Abril de 1965 (Diário do Governo, I Série, de 28 de Abril de1965 e Boletim do Ministério da Justiça nº 146, pág. 325 e segs., constando o Parecer do Ministério Público que o precedeu de fls. 316 e segs do mesmo Boletim).
Com efeito, da leitura conjunta do preceito do (anterior) nº 2 do artigo 1411º do Código de Processo Civil, segundo o qual “das resoluções não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”, e do assento de 6 de Abril de 1965, cujo texto era “Nos processos de jurisdição voluntária em que se faça a interpretação e aplicação de preceitos legais em relação a determinadas questões de direito, as respectivas decisões são recorríveis para o Tribunal Pleno, nos termos do artigo 764º do Código de Processo Civil”, resultava que o Supremo Tribunal de Justiça, de entre as interpretações divergentes então defendidas para o nº 2 do artigo 1411º do mesmo Código, optou pela que entendia que, para efeito de saber qual o âmbito da irrecorribilidade ali prevista, não havia que distinguir entre “decisões” – tomadas segundo a lei estrita – e “resoluções” – adoptadas, de acordo com o artigo 1410º, de acordo com critérios de conveniência e oportunidade. Em caso algum, portanto, cabia revista ou agravo em 2ª instância; os processos terminariam, normalmente, na Relação, como já Alberto dos Reis explicava (cfr. Processos Especiais, vol. II, reimp., Coimbra, 1982, págs. 491-492).
O passo que o assento de 6 de Abril de 1965 veio dar, e que só com esta interpretação é compatível, foi o de concluir que, se nestes processos, a razão da impossibilidade de revista ou de agravo em 2ª Instância era totalmente estranha à relação entre o valor da causa e a alçada do tribunal, estava então preenchida uma das condições em que (na altura) o artigo 764º do Código de Processo Civil permitia o recurso de decisões das Relações, per saltum, para o Pleno do Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento em contradição com jurisprudência “dessa ou de diferente relação”.
Claro que esta hipótese só se poderia colocar relativamente a decisões proferidas em aplicação de lei estrita; em caso algum faria sentido pretender que o Pleno do Supremo Tribunal de Justiça uniformizasse jurisprudência “sobre a mesma questão fundamental de direito”, proferindo assento, se a decisão recorrida se baseasse em critérios de conveniência e oportunidade, procurando definir a medida que melhor se ajustasse ao caso concreto em função das suas características próprias e do interesse também concretamente a prosseguir. Assim se explica a formulação do assento.
Ao alterar o nº 2 do artigo 1411º no sentido já referido, o legislador veio acolher a posição sustentada por Lopes Cardoso no voto de vencido aposto ao acórdão que aprovou o assento, trazendo assim para o regime geral da recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça as decisões proferidas segundo critérios de legalidade nos processos de jurisdição voluntária, das quais passou a caber ou não recurso (de revista ou de agravo, conforme os casos) em função da alçada e, a partir de 1 de Outubro de 1985 (data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 242/85, de 9 de Julho), também da sucumbência (artigo 678º, nº 1).
Tornou-se então necessário determinar, quando se pretende interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de um acórdão da Relação proferido no âmbito da jurisdição voluntária, se a decisão concreta a impugnar corresponde ao resultado de um processo de interpretação e aplicação da lei, ou de integração das suas lacunas, ou se, diferentemente, foi alcançada nos termos previstos no artigo 1410º do Código de Processo Civil (ou seja, de acordo com o que, no caso, o tribunal considera mais adequado à defesa do interesse que lhe incumbe prosseguir).
É pois exacto que o actual nº 2 do artigo 1411º do Código de Processo Civil não exclui por completo – como sucedia anteriormente – a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, em recurso de revista ou de agravo, nos processos de jurisdição voluntária; mas isso não significa, de forma alguma, que o Supremo Tribunal de Justiça tenha “vindo ao longo dos tempos a manifestar um entendimento mais elástico ao afirmar que o nº 2 do artigo 1411º do CPC não afasta automaticamente a possibilidade de recurso nos processos de jurisdição voluntária regulados na OTM”, como afirmou a Relação de Coimbra. A lei mudou; e a mudança obriga a analisar o critério adoptado pela decisão concretamente recorrida, o que é substancialmente diferente.

18. É, aliás, facilmente apreensível a razão de ser da necessidade que a lei sentiu de regular as condições de admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça no domínio da jurisdição voluntária.
Como já se observou por diversas vezes, nomeadamente nos acórdãos deste Supremo Tribunal atrás citados, ao incluir na competência dos tribunais o julgamento dos chamados processos de jurisdição voluntária ou graciosa, cujas regras gerais se encontram nos artigos 1409º a 1411º do Código de Processo Civil, o legislador pretendeu que a prossecução de determinados interesses, em si mesmos de natureza privada, mas cuja tutela é de interesse público, fosse fiscalizada por entidades cujas características são garantia de uma protecção adequada à natureza daqueles interesses.
Com essa finalidade, conferiu-lhes os poderes necessários para o efeito, afastando, quando conveniente, certos princípios, conformadores do processo civil português em geral, que disciplinam a sua intervenção enquanto órgãos incumbidos de resolver litígios que se desenrolam entre partes iguais, perante as quais têm de adoptar uma posição de rigorosa imparcialidade.
Assim, no domínio da jurisdição voluntária, os tribunais podem investigar livremente os factos que entendam necessários à decisão mais acertada (afastando a regra, vigente na jurisdição contenciosa, da limitação, mais ou menos apertada, aos factos alegados – cfr. artigos 664º, 264º e 1409º, nº 2 do Código de Processo Civil), recolher as informações e as provas que entendam pertinentes, rejeitando as demais (mesmo artigo 1409º, nº 2), proferir decisões segundo critérios de conveniência e de oportunidade (artigo 1410º do mesmo Código), e, na generalidade dos casos, adaptar a solução definida à eventual evolução da situação de facto (ver, em geral, o disposto no nº 1 do artigo 1411º do Código de Processo Civil e, em especial quanto aos processos de regulação do poder paternal, o disposto nos artigos 157º, 182º e 183º da OTM).
Dotado destes meios, cabe ao tribunal assumir (neste sentido, parcialmente) a defesa do interesse que a lei lhe confia – no domínio dos processos de regulação do poder paternal, o interesse do menor, como claramente afirmam, por exemplo, os artigos 180º e 147º-A da OTM, este último ao remeter para os princípios definidos no artigo 4º da Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo, ou o artigo 1095º do Código Civil –, ainda que essa defesa implique fazê-lo prevalecer sobre outros interesses que eventualmente estejam envolvidos, ou mesmo em oposição entre si.
Explica-se desta forma que não caiba nos poderes do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal especialmente encarregado de controlar a aplicação da lei, substantiva (cfr. nº 2 do artigo 722º do Código de Processo Civil, na redacção aplicável) ou adjectiva (cfr. artigo 755º do mesmo diploma), nos recursos interpostos em processos de jurisdição voluntária, apreciar medidas tomadas segundo critérios de conveniência e oportunidade, nos termos previstos no artigo 1410º do Código de Processo Civil.
Com efeito, a escolha das soluções mais convenientes está intimamente ligada à apreciação da situação de facto em que os interessados se encontram; não tendo o Supremo Tribunal de Justiça o poder de controlar a decisão sobre tal situação (cfr. artigos 729º e 722º do Código de Processo Civil, na redacção aplicável), a lei restringe a admissibilidade de recurso até à Relação.
A verdade, todavia, é que esta limitação não implica a total exclusão da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nestes recursos; apenas a limita à apreciação das decisões recorridas enquanto aplicam a lei estrita. É, nomeadamente, o que se verifica, quer quanto à verificação dos pressupostos, processuais ou substantivos, do poder de escolher a medida a adoptar, quer quanto ao respeito do fim com que esse poder foi atribuído.
Note-se, no entanto, que se por um lado, quanto às medidas tomadas de acordo com critérios de conveniência e oportunidade, cabe às Relações proferir a última palavra, por outro permite-se que a decisão que assim tenha sido proferida (eventualmente em recurso) possa ser modificada de acordo com a evolução da situação de facto, como se viu, em afastamento da imutabilidade do caso julgado que, em regra, cabe às decisões judiciais transitadas que conheçam do mérito da causa (cfr. nº 1 do artigo 671º e nº 1 do artigo 1411º do Código de Processo Civil). O objectivo, como facilmente se alcança, é o de possibilitar que, em cada momento, o interesse que a lei quer proteger seja prosseguido da forma mais adequada.
Em suma: nos processos de regulação do pode paternal, só são recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça as decisões proferidas em aplicação de lei estrita. O Tribunal da Relação de Coimbra só poderia ter admitido os recursos afirmando que tinham como objecto decisões proferidas em resultado da interpretação e aplicação de lei estrita, afirmação que não fez.

19. Analisado o quadro geral aplicável à admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos processos de jurisdição voluntária – de revista ou de agravo, porque, como nem seria necessário dizer, não se aplica ao presente processo o regime resultante do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, já que foi instaurado antes de 1 de Janeiro de 2008 – conclui-se imediatamente, da leitura conjunta da transcrição feita do acórdão recorrido no ponto 2 deste acórdão, e das conclusões das alegações dos recorrentes, adiante transcritas, que, no caso presente, não cabe seguramente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas pelo Tribunal da Relação de Coimbra quanto à regulação do exercício do poder paternal que, concretamente, foram impugnadas pelos recorrentes, que não puseram em causa nenhuma decisão proferida segundo critérios de legalidade.
Não é pelo facto de o acórdão da Relação recorrer à Constituição e à lei ordinária para explicar que a regulação que lhe cumpre definir (apreciando o que foi determinado em 1ª Instância e introduzindo, eventualmente, as alterações que considere necessárias) tem de ser conformada em função do interesse da menor CC, que se sobrepõe aos interesses dos demais intervenientes neste processo, que torna legítimo afirmar que a decisão impugnada pelos recorrentes – e que tem que ver com a concreta forma de regulação do exercício do poder paternal – se baseou na aplicação da lei estrita. Basta atentar em que foi da ponderação que fez dos efeitos resultantes das opções que se lhe colocavam, quanto à forma concreta de regular o exercício do poder paternal, procurando a solução que melhor prosseguisse o interesse da menor, que a Relação retirou a decisão de confirmar a já decretada entrega a BB, para concluir que foi uma regulação definida nos termos do artigo 1410º do Código de Processo Civil (com uma argumentação semelhante, cfr. o já citado acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Abril de 2008).
Também não basta aos recorrentes apontar que há várias regras legais e constitucionais que definem e condicionam os termos em que os tribunais podem e devem regular, em cada caso, o exercício do poder paternal. Seria necessário demonstrar que a medida que impugnam no recurso resultou da sua (boa ou má) aplicação, e não de uma escolha considerada mais adequada pelo tribunal – escolha com a qual os recorrentes, naturalmente, podem estar em desacordo.

20. Vejamos também sucintamente o enquadramento legal e constitucional do exercício do poder paternal, prestando especial atenção à hipótese em que a filiação está estabelecida em relação a ambos os progenitores que nunca foram casados entre si nem viveram juntos, como aqui se verifica.
Todos sabemos que “os filhos estão sujeitos ao poder paternal até à maioridade ou emancipação”, como se escreve no artigo 1877º do Código Civil, e que o poder paternal corresponde a um feixe de direitos e deveres mútuos que se projectam no campo pessoal e no campo patrimonial (artigo 1878º e segs. do Código Civil); que, do ponto de vista dos pais, deve ser exercido “no interesse dos filhos”, como expressamente se afirma no nº 1 deste artigo 1878º, sendo irrenunciável, no todo ou em parte (ressalvando-se as especialidades existentes em caso de adopção), de acordo com o artigo 1882º, sempre do Código Civil; que, embora a titularidade do poder paternal pertença em qualquer caso a ambos os progenitores, se não forem nem tiverem sido casados entre si – mas, evidentemente, desde que a filiação esteja estabelecida em relação a ambos –, o exercício do poder paternal “pertence ao progenitor que tiver a guarda do filho” (nº 1 do artigo 1911º do Código Civil), presumindo-se que é a mãe, sendo que esta presunção só é ilidível judicialmente (nº 2); e que, havendo que regular o exercício do poder paternal, o artigo 1912º do Código Civil manda aplicar, “com as necessárias adaptações”, o regime previsto para o caso de dissolução do casamento por morte ou por divórcio, separação judicial de pessoas e bens ou de nulidade ou anulação do casamento (artigos 1904º a 1907º do Código Civil).
Cabe, então, recorrer ao processo destinado a regular o exercício do poder paternal, cujos termos se encontram nos artigos 174º e segs. da OTM, por força da remissão constante do nº 1 do artigo 183º do mesmo diploma.
Assim, o exercício do poder paternal pode ser regulado por acordo, homologado pelo tribunal, se “corresponder ao interesse do menor, incluindo o interesse deste em manter com aquele progenitor a quem não seja confiado uma relação de grande proximidade” (nº 1 do artigo 1905º do Código Civil e 174º e 177º da OTM).
Não havendo acordo, o tribunal decide, sempre “de harmonia com o interesse do menor” e garantindo, nos mesmos termos, aquela relação de proximidade; pode atribuir a guarda do menor a “a qualquer dos pais [sendo que o outro tem sempre o “poder de vigiar a educação e as condições de vida do filho”, conforme o nº 4 do artigo 1906º do Código Civil] ou, quando se verifique alguma das circunstâncias previstas no artigo 1918º, a terceira pessoa ou estabelecimento de reeducação ou assistência” (nº 2 do artigo 1905º do Código Civil e 180º da OTM).
Se a guarda for confiada apenas a um dos progenitores, a terceiro ou a um estabelecimento, a sentença define ainda o regime de visitas e, eventualmente, regula os demais aspectos referidos no mesmo artigo 180º da OTM.
Todavia, só é possível ao tribunal optar por confiar a guarda de um menor a um terceiro, ou a um estabelecimento, se “a [sua] segurança, a saúde, a formação moral ou a educação” estiverem em perigo, não sendo, todavia, caso de inibição do exercício do poder paternal (artigo 1918º citado).
Dentro deste quadro legal, o tribunal homologa ou não o acordo, estabelece ele próprio o modo de exercício do poder paternal e, eventualmente, mas desde que verificadas as circunstâncias previstas no artigo 1918º, “decreta as providências adequadas”, entre as quais se encontra a já referida hipótese de confiar a guarda do menor a terceira pessoa ou a estabelecimento.
Em qualquer dos casos, cabe-lhe ter sempre em conta o superior interesse do menor. Como expressamente obriga o artigo 147º-A da OTM, ao decidir, o tribunal tem de respeitar os princípios definidos no artigo 4º da Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo: a promoção dos interesses superiores do menor, embora considerando devidamente os outros interesses envolvidos; a protecção da privacidade do menor; a proporcionalidade, a actualidade e a mínima intervenção, de modo a que os interesses sejam pronta e adequadamente acautelados; a responsabilidade parental e a prevalência de medidas que conservem a criança no âmbito familiar; a audição obrigatória e a possibilidade de participação dos intervenientes na vida do menor.
Finalmente, não podemos esquecer que todo este regime há-de ser interpretado à luz dos princípios constitucionais, nomeadamente do disposto nos nºs 5 e 6 do artigo 36º da Constituição, que reconhecem aos pais o direito e, simultaneamente, o dever de educar e manter os filhos, e que consagram o direito de os filhos não serem separados dos pais a não ser que, judicialmente, se reconheça que estes não cumprem os seus deveres fundamentais para com eles, no nº 1 do artigo 68º e no artigo 69º, que impõem ao Estado a obrigação de proteger a maternidade e a paternidade, “na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos”, bem como a de proteger as crianças, “com vista ao seu desenvolvimento integral”.
Igualmente terá de se considerar a directiva traçada (nomeadamente) pelo artigo 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança, no sentido de que qualquer decisão judicial relativa a crianças deva ter primacialmente em conta o seu superior interesse.

21. De posse dos dados relevantes, é então tempo de analisar a admissibilidade dos diversos recursos interpostos do acórdão da Relação de Coimbra de 25 de Setembro de 2007, completado com o de 20 de Novembro seguinte.

22. Quanto ao recurso interposto por EE e DD, verifica-se, pelas conclusões das respectivas alegações, que pretendem que o Supremo Tribunal de Justiça altere o acórdão recorrido quanto aos seguintes pontos:
– Falta da sua citação, nos termos descritos;
– Nulidade do acórdão recorrido, por contradição entre os fundamentos e a decisão;
– Contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13 de Fevereiro de 2007;
– Ilegalidade e inconstitucionalidade do acórdão recorrido, por, em síntese, ter infringido preceitos legais (artigos 1878º e 1905º do Código Civil, 180º da OTM e 4º, a) da Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo) e constitucionais (artigo 69º da Constituição), que lhe impunham que decidisse de acordo com o superior interesse da menor, o que deveria ter conduzido a que lhes fosse confiada a sua guarda;
– Inconstitucionalidade, em especial, de certos “artigos” constantes do Código Civil (dos artigos 1878º e 1905º) e da OTM (artigo 180º), por violação do artigo 69º da Constituição, “tal como interpretados e aplicados pelo acórdão recorrido (…). O acórdão recorrido interpreta e aplica aqueles preceitos legais com o sentido da prevalência do ‘vínculo biológico’ na decisão da regulação do exercício do poder paternal, quando o art. 69º CRP manda atender ao desenvolvimento integral da menor (…).

Começando pela alegada falta de citação no processo instaurado pelo Ministério Público – que, em qualquer caso, só por virtude do disposto no nº 1 do artigo 722º poderia ser apreciada num recurso de revista e desde que não resultasse do nº 2 do artigo 754º a inadmissibilidade de recurso para o Supremo –, trata-se de questão insusceptível de ser apreciada por este Tribunal.
É que, ainda que de falta de citação se tratasse, então, como decidiu a Relação, o “vício” ter-se-ia sanado nos termos previstos no artigo 196º do Código de Processo Civil. Com efeito, se a situação é equivalente para efeitos de qualificação do vício, como sustentam os recorrentes, então também o será para efeitos de regime de sanação.
Seja como for, tendo sido assim colocada a questão pelos recorrentes, haveria de ter sido suscitada em primeira instância.

Relativamente à alegada nulidade do acórdão recorrido, é exacto que se trata de um vício que, “acessoriamente”, como consta do nº 2 do artigo 721º do Código de Processo Civil, pode ser “alegado” no recurso de revista. Sucede, todavia, que para ser apreciado no seu âmbito é necessário que, na mesma revista, se conheça do recurso no que respeita à decisão recorrida, cuja nulidade se arguiu; o que, no caso, não se verifica. Trata-se, naturalmente, de um regime definido em harmonia com o disposto no nº 3 do artigo 668º, aplicável de acordo com o artigo 716º do Código de Processo Civil.

Quanto à apontada contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13 de Fevereiro de 2007, “contradição” da qual os recorrentes não tiram nenhuma consequência que não seja a de constituir mais um argumento no sentido da necessidade de alteração do acórdão recorrido, por errado (ilegal e inconstitucional, segundo afirmam) julgamento, bem como quanto à inconstitucionalidade atribuída às normas acima apontadas, é manifesto que, não podendo o Supremo Tribunal de Justiça apreciar a decisão de mérito proferida pela Relação, também não pode pronunciar-se sobre questões cujo conhecimento pressuporia essa apreciação.
Com efeito, a questão substancial colocada por estes recorrentes ao Supremo Tribunal de Justiça, como se verifica da leitura atenta das conclusões da revista, reconduz-se à decisão de não confiar à sua guarda a menor a que este processo respeita. Em seu entender, o acórdão recorrido não respeitou as normas, constitucionais e legais, que impõem que o tribunal julgue de acordo com o superior interesse da menor, já que faz prevalecer o vínculo biológico sobre a relação de facto que a mesma com eles estabeleceu. Com essa opção, o acórdão recorrido põe em perigo sério o direito da menor a um desenvolvimento integral, compromete o seu equilíbrio psíquico, moral e afectivo, causando “graves descontinuidades no seu ambiente familiar, afectivo e educativo”. Em suma: o acórdão recorrido não decidiu de acordo com o superior interesse da menor, que deveria ter prevalecido, como a Constituição, a lei e os princípios o obrigam.
A verdade, todavia, é que esta alegação demonstra a discordância manifestada pelos recorrentes com a solução que o acórdão recorrido, ponderando todos os interesses envolvidos, considerou ser a mais adequada à prossecução do superior interesse da menor; não assenta na errada aplicação de qualquer norma legal, susceptível de ser controlada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Para além disso, só verificados os pressupostos vinculativamente definidos pelo artigo 1918º do Código Civil é que o acórdão recorrido poderia ter colocado a hipótese de decidir confiar a menor à guarda dos recorrentes (que a podem requerer, nos termos do mesmo artigo 1918º, que remete para o nº 1 do artigo 1915º do Código Civil).
Não é, no entanto, possível dar como preenchidas as condições de exercício de tal poder pelo Tribunal da Relação, já que a matéria de facto definitivamente provada e atrás transcrita o não permite. E, mesmo que o permitisse, estaria na discricionariedade do julgador optar pela medida mais adequada, nos termos do disposto no artigo 1410º do Código Civil e do próprio artigo 1918º do Código Civil: ainda assim, seria insusceptível de controlo pelo Supremo Tribunal de Justiça a opção por uma das outras medidas previstas (em termos muito amplos, aliás) neste último preceito.
A decisão de determinar a entrega da menor ao pai, BB, em vez de a confiar à guarda dos recorrentes – opção que sempre exigiria a verificação dos pressupostos constantes do artigo 1918º, repete-se –, foi tomada de acordo com critérios de conveniência e oportunidade: foi a que o acórdão recorrido considerou melhor prosseguir o superior interesse da menor. Não é susceptível de ser apreciada no recurso de revista.

23. Relativamente ao recurso interposto pelo Ministério Público, colocam-se as seguintes questões:
– Legitimidade para recorrer, questionada por BB;
– Anulação do acórdão recorrido, para ampliação da matéria de facto, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 729º do Código de Processo Civil;
– Ilegalidade do acórdão recorrido, por desrespeito da lei que lhe impunha que decidisse em função do interesse da menor.

Cumpre começar por afastar o obstáculo da alegada ilegitimidade para recorrer. Não decorre de nenhum preceito legal que a não interposição de recurso da sentença proferida em 1ª Instância impeça o Ministério Público de recorrer do acórdão da Relação, proferido em recurso interposto por interveniente diverso; e esta afirmação valeria ainda que as duas decisões fossem exactamente iguais, o que, aliás, não acontece.
Isso não significa, naturalmente, que o Supremo Tribunal de Justiça possa conhecer do recurso.
Tal como os recorrentes anteriormente referidos, o Ministério Público considera, no seu recurso, que o acórdão recorrido, ao determinar a entrega da menor a BB, nas condições em que o fez, não teve em conta o superior interesse da menor. Assim, sustenta, em primeiro lugar, que o acórdão recorrido deve ser anulado, para ser ampliada a decisão de facto, a seu ver, insuficiente para julgar; caso assim não se entenda, considera, em segundo lugar, que o Supremo Tribunal de Justiça devia modificar o mesmo acórdão, nos termos que aponta.
Ora, da leitura dos factores que o Ministério Público refere como devendo ser ponderados por este Tribunal para alterar o acórdão recorrido resulta, sem margem para dúvidas, que o que pretende é que o Supremo Tribunal de Justiça determine quais são as medidas que mais adequadamente permitem salvaguardar o interesse da menor no processo tendente à sua entrega a BB.
Tanto basta para concluir pela insindicabilidade perante o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão recorrido, enquanto decide sobre a entrega da menor.
Assim sendo, também está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça anular o mesmo acórdão para ampliação da matéria de facto, nos termos previstos no nº 3 do artigo 729º do Código de Processo Civil. Tal anulação implicaria que o Supremo Tribunal de Justiça pudesse conhecer da revista interposta; basta ler, conjugadamente, o referido nº 3 e o artigo 730º, do mesmo Código, para o verificar.
Não se conhece, portanto, do recurso interposto pelo Ministério Público.

24. Por fim, vejamos o recurso interposto por AA, relativamente ao qual se colocam as seguintes questões:
– Tempestividade da apresentação das alegações, posta em causa por BB;
– Ilegalidade do acórdão recorrido, por não ter decidido segundo o interesse da menor.

Como se viu, BB sustenta que o recurso deve ser rejeitado por terem sido extemporaneamente apresentadas as alegações. Assim resultaria, a seu ver, de não ter sido considerada a parte do prazo que decorreu em férias judiciais, em infracção do disposto no artigo 160º da OTM, que qualificaria este processo como urgente.
Ora do artigo 160º citado consta que “correm durante as férias judiciais os processos tutelares cíveis cuja demora possa causar prejuízo aos interesses do menor”.
Aceita-se, todavia, a resposta que a recorrente apresentou, justificando a apresentação oportuna das alegações.
Não há dúvida de que se trata de um processo tutelar cível; o que se não pode dizer é que, tendo efeito meramente devolutivo o recurso interposto, possa prejudicar a menor a que o mesmo respeita a demora que eventualmente possa resultar ou, em concreto, ter resultado, da suspensão do prazo de alegações durante as férias judiciais.
Quanto ao objecto do recurso que interpôs, valem as razões já apontadas para que o Supremo Tribunal de Justiça o não possa conhecer, nem sequer anular o acórdão recorrido por falta de elementos de facto.

25. Nestes termos, decide-se não conhecer dos recursos interpostos.
Sem custas.

Lisboa, 27 de Maio de 2008
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lázaro Faria
Salvador da Costa