Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ISABEL SALGADO | ||
Descritores: | RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO RECURSO DE REVISTA INADMISSIBILIDADE REQUISITOS EXECUÇÃO EMBARGOS DE EXECUTADO TEMPESTIVIDADE DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO DECISÃO SINGULAR | ||
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Data do Acordão: | 06/22/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC | ||
Decisão: | RECLAMAÇÃO DEFERIDA | ||
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Sumário : | Não é admissível revista do acórdão da Relação que concluiu ser tempestiva a oposição superveniente à execução, considerando a natureza continuada da factualidade fundamento . | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório 1.No âmbito dos embargos à execução para pagamento de quantia certa que AA deduziu contra, BB, findos os articulados e dispensada a audiência prévia, o tribunal a quo proferiu sentença, cujo dispositivo se transcreve- “ (…) Em face de tudo o exposto, decido: a) declarar a inadmissibilidade legal da dedução superveniente de embargos de executado e, b) determinar o prosseguimento da execução nos autos principais. Custas a cargo do embargante. Registe e notifique. Comunique ao Sr. Agente de Execução.” 2. Inconformada, a embargante interpôs recurso de apelação que foi julgado procedente através de acórdão do Tribunal da Relação de Évora com o seguinte dispositivo - “ Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos ulteriores termos dos embargos. Custas como se decidir a final.” 3. Discordante, agora, a embargada, interpôs e motivou recurso de revista - “ (…) nos termos do disposto nos artigos 627º, 629º, nº 1, 631º, nº 1, 637º, 638º, nº 1, 671º, nº 1, 674º, nºs 1 e 2, 675º, nº 1, todos do CPC, e com os fundamentos previstos na alª a) do nº 1 do artigo 615º, no nº 1, alª a) do artigo 674º, todos do CPC, requerendo-se a V. Exas. se dignem ordenar a sua admissão, com todas as consequências legais.” 4. A embargante nas contra-alegações, além do mais, pugnou pela inadmissibilidade do recurso. 5. Em apreciação do requerimento de interposição, conforme previsto no artigo 641º, nº2, do CPC, o Senhor Juiz Desembargador Relator não admitiu a revista pelas razões que constam do despacho, cujo teor se transcreve– “ (..)Porém, a decisão proferida não admite revista, como refere a Executada/Embargante nas contra-alegações, por não caber na previsão das normas do artigo 671º, n.º 1 e 2, ex vi artigo 854º do Código de Processo Civil, porquanto o acórdão recorrido [que incidiu sobre o recurso interposto da decisão da 1ª instância, que declarou a inadmissibilidade legal da dedução superveniente de embargos de executado, por haver concluído não estavam reunidos os pressupostos do artigo 728º n.º 2 do Código de Processo Civil], não conheceu do mérito da causa, pois o recurso tinha por objeto saber se os embargos de executado (supervenientes) tinham sido tempestivamente deduzidos, nem pôs termo ao processo, porquanto mandou prosseguir os embargos. E, ainda que se entendesse que o acórdão recorrido incidiu sobre decisão interlocutória da 1ª instância, incidente sobre a relação processual, não se verificam as circunstâncias de admissibilidade do recurso previstas nas alíneas do n.º 2 do artigo 671º do Código de Processo Civil. Assim, e não estando em causa situação em que o recurso é sempre admissível (cf. artigo 629º, n.º 2, do Código de Processo Civil), não se admite o interposto recurso de revista. Notifique.” 6. Dissentindo, a recorrente reclamou para este Supremo Tribunal à luz da faculdade estatuída no artigo 643.º do Código de Processo Civil. A motivação da reclamante culmina com as conclusões que no essencial se transcrevem –“4. A sua motivação encerra com conclusões que se transcrevem na parte relevante – “1. Em 19-12-2022, a aqui Reclamante BB recorreu do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora que, revogando a sentença da 1ª Instância, decidiu que os embargos deduzidos ao abrigo do nº 2 do artigo 728º do CPC eram admissíveis, com o fundamento de que entre as partes existiu um “acordo simulatório”, de execução continuada e passível de revogação através de uma notificação judicial avulsa que seria, ela própria, o facto superveniente que legitimava a dedução de embargos supervenientes.2. O recurso foi interposto ao abrigo do nº 1 do artigo 671º, pedindo-se a declaração de nulidade ao abrigo da alª e) do artigo 615º do CPC (aplicável ex vi por força da alª c) do nº 1 do artigo 674ºdo CPC) e a revogação da decisão por violação da lei substantiva e por erro de julgamento(erro juris).3. Em 02-02-2023, o Tribunal da Relação de Évora rejeitou o recurso interposto com o fundamento de que a decisão proferida no Acórdão em causa não conheceu do mérito da causa nem pôs termo ao processo, como exige o nº 1 do artigo 671º do CPC – porquanto apenas mandou prosseguir os embargos.4. O entendimento sufragado no Acórdão prolatado não pode colher, porquanto, em 1º lugar, é inegável que cabe recurso de revista dos Acórdãos da Relação proferidos em recurso de oposição deduzida contra a execução, cfr. artigo 845º do CPC. 5. E, em 2º lugar, porque a norma contida no nº 1 do artigo 671º não pode ser lida nem interpretada com base, apenas, no seu elemento literal. 6. E sustentamos esta afirmação nos excertos seguintes do Acórdão do STJ, Processo 1006/12.2TBPRD.P1- A.S1, Relator ABRANTES GERALDES, Sessão 28 Janeiro, 2016: (…).» 7. Bem como, ainda, no Acórdão do STJ de 08-07-2020, Proc. 2624/18.0T8FNC-A.L1.S1, (…)8. Consideramos que o raciocínio jurídico constante dos Acórdãos supra referidos é suficientemente elucidativo quanto à correcta interpretação do que dispõe o nº 1 do artigo 671º do CPC pelo que, sem necessidade de outras considerações, para nós resulta claro que a norma em causa abrange, como recorríveis para o STJ, todos os Acórdãos em que a Relação se tenha envolvido efetivamente na resolução material do litígio, no todo ou em parte.9. Como, de facto e de direito, sucedeu no caso sub judice. (…)22. Matéria que, a nosso ver, seria exclusivamente debatida em sede de embargos, pelo que, de forma imprópria, antecipou o Tribunal da Relação uma apreciação parcial sobre o mérito dos embargos, i.e., pronunciou-se sobre a questão de fundo – ainda que de forma parcial.(…) 29. Para o que aqui releva, resulta de forma cristalina que o Acórdão da Relação de Évora não só pôs termo a uma parte do processo como conheceu do mérito da causa, ainda que de forma parcial, pelo que deverá considerar-se que cabe recurso de revista de tal Acórdão, nos termos do nº 1 do artigo 671º do CPC. Por todo o exposto supra, deverá a presente reclamação ser recebida e atendida e, em consequência, admitir-se o recurso de revista interposto no dia 19-12-2022 e ordenar-se a sua subida. “ 8. Por despacho da relatora, deferiu-se a reclamação. Inconformada, a reclamada pediu que sobre a matéria se pronuncie a Conferência. Apresentou as conclusões que se sintetizam na parte relevante: « (…) 5ª O douto Acórdão apenas mandou prosseguir o processo, não aplicou o direito aos factos, nem poderia, pois nos autos ainda não se conheceu dos factos alegados que podem levar à procedência do pedido. Assim,6ªO douto Acórdão decide, como se escreveu no despacho reclamado, “acerca do pressuposto dos embargos (supervenientes) – oportunidade/tempestividade da oposição – (prazo perentório)…" (cit.).7ªA tempestividade é comummente qualificada como pressuposto processual, porque é requisito que deve estar presente para que o tribunal deva conhecer do pedido que lhe é dirigido (v.g. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-02-2018, Maria da Graça Trigo, Processo: 8440/14.1T8PRT.P1.S1). Assim,8ªO douto Acórdão não decide do mérito da causa e, em consequência, o recurso de revista não é admissível e deve manter-se a sua rejeição. ,19ªNessa interpretação, o artigo 728º do CPC é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 20º da Constituição. Pelo exposto, 20ª A, aliás, douta decisão reclamada violou o disposto no 671º, nº. 1, do C.P.C. ou, quando menos, os artigos 20º da Constituição, 1º, 2º, 728º, nº. 2, 729º e 731º do Código do Processo Civil e 9º, 240º, 1156º e 1157º do Código Civil, pelo que deve ser revogada e o recurso de revista interposto pela exequente/embargada deve ser rejeitado, apenas assim se assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.» * Colhidos os vistos, cabe, doravante, ao Coletivo decidir se, é passível de revista o acórdão da Relação que revogou a decisão primeira instância e admitiu os embargos supervenientes de executado e consequente prosseguimento da instância. II. Fundamentação A. Os factos Os factos a atender constam do relatório e estão documentados nos autos. B. Do Direito Na contraposição de diferente apreciação e reponderada a avaliação inicial da relatora, em profícua dialética do direito, concluímos que a boa interpretação da lei vai no sentido da inadmissibilidade do recurso de revista nos autos. Vejamos. Os recursos de revista no processo executivo estão limitados às situações prevenidas no artigo 854º do CPC, ressalvadas as hipóteses expressamente previstas na 2.ª parte, em conjugação, v.g, com a norma geral do artigo 671.º, n.º 1, do CPC. A situação em juízo diz respeito a decisão proferida em oposição à execução e está contemplada naquele normativo . No decurso dos autos de execução para pagamento de quantia certa, tendo por base uma escritura de confissão de dívida, decorrendo a penhora efetiva dos valores da pensão da executada, veio a mesma opor embargos supervenientes à execução, ao abrigo do disposto no artigo 728º, nº2, do CPC. Alegou , para o que ora importa, que a dívida exequenda não existe, pois resulta de um acordo firmado entre as partes e com a finalidade única de evitar a penhora da sua pensão de reforma pela autoridade tributária; não tendo, porém, a exequente cumprido o mandato, uma vez que se recusa a devolver os valores penhorados e desistir da execução, apesar da notificação judicial avulsa que lhe dirigiu para o efeito. A exequente contestou, alegando que a quantia exequenda corresponde à dívida efetiva de honorários da executada , mas que, ainda assim, não se trata de factualidade superveniente à instauração da execução, pugnando pela rejeição dos embargos. A primeira instância considerou que a factualidade fundamento dos embargos correspondia a um acordo de simulação(absoluta) subjacente à instauração da execução, e declarou a inadmissibilidade legal dos embargos. O acórdão da Relação coincidiu quanto ao alegado acordo simulatório entre as partes, mas veio a admitir os embargos (supervenientes), ao considerar a natureza continuada da factualidade-fundamento, e determinou o prosseguimento da instância. [2] Seguro é que, conforme salientou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.01.2021 - “I - O que releva para efeitos de cabimento da revista reportado ao mérito da causa, em sede de embargos de executado, nos termos conjugados dos arts. 671.º, n.º 1, e 854.º, do CPC, é o conhecimento pelo acórdão da Relação do mérito dos embargos, seja ele respeitante a fundamentos de natureza adjetiva, seja ele referente a fundamentos de matriz substantiva.”[3] Já não se afigura , contudo, de estender tal asserção ao perímetro decisório do acórdão dos autos, que relevou a natureza de execução continuada da factualidade - fundamento dos embargos supervenientes. [4] Com efeito, o Tribunal da Relação ingressou na alegada factualidade-fundamento substantivo dos embargos apenas para aferir da tempestividade da oposição (superveniente) à execução, sem repercussão (ainda que parcial) no mérito da causa e do direito de que a embargante se arroga que terá ainda de provar no prosseguimento da instância. [5] Para significar que o objecto decisório do acórdão inscreve-se ainda na fase vestibular da oposição à execução, rectius, verificação do prazo processual de dedução dos embargos de executado.[6] Obiter dictum, acolhendo o entendimento doutrinário e jurisprudencial prevalecente, segundo o qual, na oposição à execução inexiste o ónus da concentração da defesa, sempre poderia afinal a executada instaurar acção declarativa com outro fundamento, em ordem a discutir a substanciação da dívida exequenda.[7] Daí que, o acórdão prolatado não admite o recurso de revista interposto pela exequente e embargada, em conformidade com o disposto no artigo 854º ex vi artigo 671º, nº1, do CPC. Pelo exposto, deferindo a reclamação para a Conferência, não se admite o recurso de revista. Não são devidas custas. Lisboa, 22.06.2023 Isabel Salgado (relatora) Maria da Graça Trigo Catarina Serra _____ [1] Valor : 115.627,99 €. |