Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1499/13.0T2AVR.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
LEGITIMIDADE INDIRETA
EXECUÇÕES FISCAIS
CRÉDITO DE INSTITUTO PÚBLICO
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA E BAIXA DOS AUTOS QUANTO AO MAIS
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES / CONSERVAÇÃO DA GARANTIA PATRIMONIAL / DECLARAÇÃO DE NULIDADE / LEGITIMIDADE DOS CREDORES.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 605.º E SS..
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 30.º, N.º 3.
Sumário :
I. A norma legal que atribuiu ao Estado legitimidade para, através do processo de execução fiscal, proceder à cobrança de dívidas contraídas perante o Instituto de Mobilidade e Transportes, IP, traduz uma situação de legitimidade indireta ou extraordinária, já que a titularidade do correspondente direito de crédito não coincide com a identidade de quem instaura ou promove a cobrança coerciva.

II. A legitimidade indireta para a cobrança coerciva estende-se ao uso dos mecanismos de conservação da garantia patrimonial regulados nos arts. 605º e ss. do CC e designadamente à interposição da ação de impugnação pauliana, tendo em vista a obtenção de sentença que permita que a cobrança coerciva do crédito incida sobre os bens alienados pelo devedor a terceiro.

III. Relativamente a essa ação é reconhecida legitimidade ativa ao Estado, representado pelo Ministério Público.

Decisão Texto Integral:
I - O MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação do ESTADO - FAZENDA NACIONAL, intentou ação declarativa de impugnação pauliana contra AA, BB, CC e DD.

Pede que:

a) Seja declarada a ineficácia da doação do prédio urbano descrito na CRP de … sob o nº 232 e inscrito na respectiva matriz sob o art.4242, doação realizada pelos 1º e 2ª RR. a favor dos 3º e 4º RR. através de escritura lavrada em 30-11-11;

b) Seja ordenada a restituição do referido imóvel para que o A. o possa executar no património do R. AA, na medida e até ao limite do seu crédito e da quota-parte que corresponde ao R. no âmbito da comunhão do bem.

Alegou o A. que o 1º R. contraiu dívidas perante o Instituto Nacional de Infra-Estruturas Rodoviárias, IP, no montante global de € 35.578,05, o que motivou a instauração de diversos processos de execução fiscal por parte dos serviços da administração tributária. Mas, para frustrar a cobrança de tais créditos, os 1º e 2º RR. doaram aos 3º e 4º RR., seus filhos, o único imóvel de que eram proprietários.


Os 3º e 4º RR. impugnaram toda a factualidade alegada.


Os 1º e 2º RR. invocaram a ilegitimidade do A., dado tratar-se de dívidas ao INIR, IP - actual IMT, IP - e não à Fazenda Nacional. Alegaram ainda que o 1º R. apresentou oposição em todas as execuções de natureza fiscal onde foi citado, sendo certo que em duas oposições foi declarada a prescrição da dívida e em dois outros processos procedeu ao pagamento da quantia exequenda, não existindo qualquer crédito vencido.


No despacho saneador foi julgada improcedente a invocada exceção de ilegitimidade ativa e, realizado o julgamento, foi proferida sentença na qual se decidiu:

a) Declarar ineficaz em relação ao A. a doação do prédio urbano descrito na CRP de … sob o nº 232 e inscrito na respectiva matriz sob o art. 4242, doação realizada pelo 1º R. e 2ª R. a favor do 3º e 4º RR., através de escritura lavrada em 30-11-11, no Cart. Notarial, sito em …, a cargo de EE;

b) Ordenar a restituição do referido imóvel, para que o A. o possa executar no património do R. AA, na medida e até ao limite do seu crédito e da quota-parte que corresponde ao R. no âmbito da comunhão do bem.


Os 1º e 22º RR. interpuseram recurso de apelação, no qual, para além de invocarem a ilegitimidade ativa, impugnaram alguns segmentos da matéria de facto considerada provada.

A Relação, apreciando o recurso de apelação, considerou que a legitimidade para a interposição da presente ação de impugnação pauliana era exclusiva do IMT, IP, anterior INIR, IP, e considerou prejudicadas as demais questões suscitadas.


O Ministério Público interpôs recurso de revista no qual se insurge contra a declaração de ilegitimidade ativa, afirmando essa legitimidade.

Houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II – Factos que a 1ª instância considerou provados:

1. Com vista a iniciar as obras necessárias à construção de uma moradia num prédio descrito na CRP de … sob o nº 232, em 5-8-96, o R. AA requereu na Câmara Municipal de …, na qualidade de proprietário, o averbamento em seu nome do processo de obras nº 603/95, o qual se encontrava em nome de FF, mãe da R. BB (art. 5º da petição inicial).

2. Tendo tal processo de obras sido averbado em nome do R. AA, em 15-11-96 foi emitido pela Câmara Municipal de …, em nome do mesmo R. e a sua solicitação, alvará de autorização de construção no aludido terreno. (art. 6º da petição inicial).

3. Concluídas as obras de construção da moradia, em 18-1-10 foi emitido em nome do R. AA alvará de utilização da mesma, tendo este aí fixado a residência do respectivo agregado familiar, composto pela cônjuge e aqui R. BB e pelos filhos e aqui RR. DD e CC (art. 7º da petição inicial).

4. O imóvel foi construído com recurso aos rendimentos provenientes da atividade profissional exercida pelo R. AA, pois que a R. BB não declarou o exercício de qualquer actividade profissional no decurso daquele período (art. 8º da petição inicial).

5. O R. AA contraiu diversas dívidas perante o Instituto Nacional de Infra-Estruturas Rodoviárias – INIR, no montante global de € 35.578,05 (art. 9º da petição inicial).

6. Face ao incumprimento do devedor, aqui R. AA, em 19-10-11, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de …-1 o processo de execução fiscal nº 005…02, tendo em vista obter o cumprimento coercivo daquele montante, ao qual foram posteriormente apensados outros processos de execução fiscal (art. 10º da petição inicial).

7. Àquela quantia – € 35.578,05 – acresciam € 941,64, devidos a título de juros moratórios, e € 267,69 relativos às custas com os aludidos processos de execução, pelo que a dívida objecto de cobrança naqueles processos de execução fiscal ascendia a € 36.787,38 (art. 11º da petição inicial).

8. O R. AA foi citado no âmbito daqueles processos de execução fiscal para apresentar oposição, o que fez em Dezembro de 2011 (art. 12º da petição inicial).

9. Estando cientes da pendência daqueles processos de execução fiscal e do montante global da dívida à Fazenda Nacional, em 30-11-11 os RR. AA e BB doaram, por escritura pública, aos dois filhos menores, aqui RR., DD e CC, os únicos bens que possuíam, compostos por:

- Prédio urbano composto por casa de rés-do-chão e primeiro andar, tipo T-3, destinado a habitação, sito na R. …, n.º …, Lugar de Quinta …, freguesia de …, …, descrito na CRP de … sob o nº 232, registado a seu favor pela inscrição Ap. 68 de 18-6-96, sobre o qual incidem as inscrições AP61 de 22-3-99 e AP62 de 23-1-97, relativos a dois registos de hipoteca voluntária a favor do Banco GG, S.A., inscrito na matriz no art. 4242, com o valor patrimonial atribuído de e 176.610,00, correspondente à moradia referida em 3.;

- Todo o recheio da casa de habitação sita na R. …, nº …, freguesia de …, …, inscrita na matriz urbana no art. 4242, no valor global de € 10.000,00 (art. 13º da petição inicial).

10. A realização da mencionada doação teve como único propósito retirar ao credor a possibilidade de ver o seu crédito satisfeito pelo valor do identificado imóvel (art. 14º da petição inicial).

11. O imóvel continuou a ser habitado pelo agregado familiar no qual se incluem todos os RR. (art. 15º da petição inicial).

12. O R. AA procedeu à doação dos mencionados bens ciente de que contra si pendiam diversos processos de execução fiscal para cobrança de um crédito no valor global de € 35.578,05, a que acrescem juros moratórios e custas processuais, bem sabendo que, porque não possui outros bens com aquele valor, tal ato de disposição criou um efetivo prejuízo ao Estado, na medida em que tornou inviável a satisfação integral do mencionado crédito (art. 16º da petição inicial).

13. Deduziu o R. AA oposição a todas as execuções fiscais onde veio a ser citado (art. 32º da contestação dos 1ºs réus).

14. Tendo as mesmas sido admitidas e encontrando-se a correr os respetivos processos no Tribunal Tributário de Lisboa (art. 33º da contestação dos 1ºs réus).

15. Foi proferida sentença no âmbito dos proc. nºs 222/12.1BEAVR e 219/12.1BEAVR, ambos da 4ª Unidade Orgânica do Trib. Trib. de Lisboa, referindo-se tais processos judiciais respetivamente às execuções fiscais nºs 005…33 e 005…71 (art. 36º da contestação dos 1ºs réus).

16. O R. AA procedeu ao pagamento das quantias em execução nos processos referidos em 15. (art. 37º da contestação dos 1ºs réus).

17. Foi proferida sentença em dois processos de oposição à execução fiscal, em que foi declarada a prescrição da dívida, sendo determinada a extinção da execução fiscal (art. 38º da contestação dos 1ºs réus).

18. Subsequentemente, na pendência dos presentes autos, vieram a ser extintos vários processos de execução movidos contra o ora R. AA, em virtude da procedência das respetivas oposições, ficando, consequentemente, a dívida reduzida ao montante de € 8.247,60, acrescida de juros de mora no montante de € 1.427,95 e custas no valor de € 520,07, sendo que o R. solicitou o pagamento de tal dívida em prestações, o que foi deferido pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doc. de fls. 1565 e 1566).

19. Os RR. AA e BB casaram no regime de comunhão de adquiridos (art. 1º da petição inicial).

20.  Deste casamento advieram dois filhos: o R. DD, nascido em 7-2-06, e o R. CC, nascido em 3-11-97 (art. 2º da petição inicial).


III – Decidindo:

1. O recurso de revista gira exclusivamente em torno da decisão da Relação que considerou o Estado, representado pelo Ministério Público, parte ilegítima para a presente ação de impugnação pauliana, ficando de fora outras questões que, embora tenham sido suscitadas no precedente recurso de apelação, foram consideradas prejudicadas pela Relação.


2. Alegaram os recorrentes que não está em causa um crédito do Estado, mas de uma entidade autónoma, o Instituto Nacional de Infraestruturas Rodoviárias, IP, abreviadamente designado por INIR, IP, e que agora se denomina Instituto de Mobilidade e dos Transportes, IP.

A Relação concluiu que “nas execuções para cobrança coerciva dos créditos do INIR, IP, relativos a taxa de portagem, coimas e custos administrativos, que correm nos Serviços de Finanças, e até à entrada em vigor da referida Lei nº 64-B/11, de 30-12” deveria “figurar como exequente o INIR, IP – como resulta, aliás, dos autos, consoante sentenças juntas e pontos 8 e 10 da decisão de facto proferida”. E que “diferentemente do que passou a suceder com a entrada em vigor da Lei nº 64-B/11, de 30-12 – em que a cobrança coerciva dos referidos créditos é promovida pela administração tributária – no caso em apreço foi promovida pelo INIR, IP”, de modo que “apenas o INIR, IP, poderia intentar uma medida conservatória da garantia patrimonial, neste caso, a impugnação pauliana – arts. 610º e ss. do CC”.

Fê-lo a partir da consideração do que dispunha o art. 17º-A, nº 1, da Lei nº 25/06, de 30-6, na redação introduzida pela Lei nº 55-A/10, de 31-12, segundo o qual “compete ao INIR, IP, adotar as medidas necessárias para que, quando ocorra o não pagamento em conformidade com o disposto no art. 16º, haja lugar à execução do crédito composto pela taxa de portagem, coima e custos administrativos, a qual segue, com as necessárias adaptações, os termos dos arts. 148º e ss. do CPPT”. Acrescentando o nº 2 que “as entidades referidas no nº 1 do art. 11º da presente lei preparam e remetem, para emissão, o título executivo ao Instituto de Infraestruturas Rodoviárias, IP, que exerce as funções de órgão de execução, a quem compete promover a cobrança coerciva dos créditos referidos no número anterior”.

Assim, segundo a Relação, atenta a data da constituição das dívidas, quer a legitimidade para a ação executiva, quer a legitimidade para a ação de impugnação pauliana pertenceria ao IMT.

Segundo a Relação,  semelhante conclusão seria extraída mesmo que se aplicasse a norma do art. 17º-A da Lei nº 25/06, de 30/6, na sua versão atual, resultante da alteração introduzida pela Lei nº 64-B/11, de 30-12, segundo a qual “compete à administração tributária promover, nos termos do CPPT, a cobrança coerciva dos créditos compostos pela taxa de portagem, coima e custos administrativos e dos juros de mora devidos”.

Constatado um desfasamento entre o exequente e o credor, a Relação rejeitou que “a atribuição daquela competência à Administração Tributária se estenda às medidas conservatórias da garantia patrimonial, cuja legitimidade cabe aos credores – arts. 605º e ss. do CC”.


3. Concede-se que, como afirmou a Relação, no caso concreto, não se trata de um problema de representação judiciária do credor, o IMT, IP, antes de apurar se o Ministério Público, em representação do Estado (ou, por outras palavras, o Estado, representado pelo Ministério Público), tem legitimidade para a instauração da presente ação de impugnação pauliana.

Tal passa pela identificação do sujeito ou sujeitos com legitimidade para a instauração ou promoção das execuções fiscais que se encontram pendentes e através das quais se pretende a cobrança coerciva de créditos contraído pelo 1º R. junto do IMT, IP.


3.1. Estão na base da presente ação de impugnação pauliana dívidas que constam de uma certidão que, por iniciativa do IMT, IP (anterior INIR, IP), despoletou diversas execuções fiscais que foram deduzidas contra o 1º R.

Face ao incumprimento por este de obrigações contraídas perante o IMT, IP (credor), por iniciativa deste, foi instaurado, em 19-10-11, no Serviço de Finanças de Aveiro-1, o processo de execução fiscal nº 005…02, ao qual posteriormente foram acoplados outros processos de execução fiscal.

Essa iniciativa era sustentada no preceituado no art. 17º-A, nº 1, da Lei nº 25/06, de 30-6, na redação introduzida pela Lei nº 55-A/10, de 31-12, segundo o qual competia ao “INIR, IP (atual IMT, IP) adotar as medidas necessárias para que, quando ocorra o não pagamento em conformidade com o disposto no art. 16º, haja lugar à execução do crédito composto pela taxa de portagem, coima e custos administrativos, a qual segue, com as necessárias adaptações, os termos dos arts. 148º e ss. do CPPT”. Mais prescrevia que “as entidades referidas no nº 1 do art. 11º da presente lei preparam e remetem, para emissão, o título executivo ao INIR, IP, que exerce as funções de órgão de execução, a quem compete promover a cobrança coerciva dos créditos referidos no número anterior”.

Nessa ocasião verificava-se uma coincidência entre a qualidade de credor e de exequente.

Todavia, já então previa o art. 9º do CPPT que:

“1. Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.


4 - Têm legitimidade no processo judicial tributário, além das entidades referidas nos números anteriores, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública.

Ou seja, no que respeita aos processos de execução fiscal, a legitimidade para o seu impulso não era exclusiva do credor (IMT, IP), convivendo com a legitimidade indireta atribuída ao Estado.

Só por este motivo cede a argumentação tecida pela Relação. Sem embargo de se reconhecer que a titularidade do crédito pertence ao IMT, IP, que, como entidade autónoma, não se confunde com o Estado Português, a verdade é que, atenta a natureza pública daquela entidade, é reconhecido ao Estado um interesse paralelo que justifica a atribuição de legitimidade cumulativa para as ações executivas que tenham sido ou devam ser instauradas.


3.2. Ainda que esta conclusão não fosse admissível, o mesmo resultado se atingiria por outra via.

O referido art. 17º-A, nº 1, da Lei nº 25/06, de 30-6, foi alterado pela Lei nº 64-B/11, de 30-12, e passou a prescrever que “compete à administração tributária promover, nos termos do CPPT, a cobrança coerciva dos créditos compostos pela taxa de portagem, coima e custos administrativos e dos juros de mora devidos” (segundo a redação atual introduzida pela Lei nº 66-B/12, de 31-12, “compete à administração tributária, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, promover a cobrança coerciva dos créditos relativos à taxa de portagem, dos custos administrativos e dos juros de mora devidos, bem como da coima e respetivos encargos”).

Tal preceito conferiu inequivocamente ao Estado, através da respetiva Administração Tributária, legitimidade (exclusiva) para promover a cobrança coerciva.

O facto de as execuções fiscais terem sido iniciadas pelo IMT, IP, não interfere na resposta, na medida em que o que importará para aferir a legitimidade atual para as execuções e, depois, para a instauração da presente ação de impugnação pauliana, é a lei agora vigente, considerando o princípio da aplicação imediata da lei adjetiva designadamente na parte que respeita aos pressupostos processuais.

Estamos em boa verdade perante uma situação de modificação superveniente da legitimidade para a instauração das execuções fiscais que agora se inscreve nas atribuições do Ministério Público enquanto representante do Estado-Fazenda Nacional.

Deste modo, se acaso não se admitisse que essa legitimidade ativa (cumulativa) já emergia do art. 9º do CPPT, a referida alteração legal traduziria a atribuição superveniente deste pressuposto processual, aplicando-se às execuções pendentes, de acordo com a regra da aplicação imediata de normas de direito adjetivo.


3.3. Por conseguinte, por qualquer das vias se reconhece ao Estado legitimidade ativa relativamente às execuções fiscais que estão pendentes contra o 1º R.

Trata-se de uma situação que traduz a atribuição de legitimidade indireta ou extraordinária decorrente de lei específica, em termos que se encontram genericamente acautelados no nº 3 do art. 30º do CPC.

Ou seja, por força de disposição legal específica, a qualidade de credor e de interessado na relação controvertida não coincide com a qualidade de parte interessada na ação, à semelhança do que ocorre em certas ações que são interpostas por algum herdeiro ou pelo cabeça de casal, para tutela dos interesses da herança ou do coletivo de herdeiros, ou com o que ocorre com certas ações interpostas pelo administrador da propriedade horizontal mo interesse do condomínio que representa.


4. Decidiu a Relação que ainda que ao Estado fosse reconhecida legitimidade ativa para as execuções fiscais, tal não determinaria a atribuição de legitimidade ativa para a instauração da presente ação de impugnação pauliana.

Tal objeção não encontra fundamento legal.

Reconhecida ao Estado legitimidade promover as execuções fiscais, a qual se configurava logo na ocasião em que foram instauradas ou, de qualquer modo, por via de alteração legal posterior, tal implica necessariamente que se reconheça legitimidade para acionar os mecanismos processuais tendentes à conservação da garantia patrimonial dos créditos exequendos, de modo a tornar possível a cobrança coerciva da dívida exequenda através da execução de bens que foram alienados com o intuito de os retirar da esfera der atuação do exequente.

Sendo agora da exclusiva competência do Estado - Autoridade Tributária promover o cumprimento coercivo das obrigações que o R. contraiu perante o IMT, IP, não poderia deixar de se reconhecer igualmente legitimidade ativa para instaurar ações, como a ação de impugnação pauliana, tendo em vista satisfazer a garantia patrimonial dos créditos correspondentes a tais obrigações.

Deste modo terá que proceder a revista, considerando que o Estado-Fazenda Nacional, no caso representado pelo Ministério Público, tem legitimidade para instaurar a presente ação.


5. Os autos terão de ser remetidos à Relação a fim de serem apreciadas as questões que foram suscitadas no recurso de apelação e que a Relação considerou prejudicadas em face da resposta dada quanto à questão da legitimidade ativa.


IV – Face ao exposto, acorda-se em:

a) Julgar procedente a revista, revogando-se o acórdão recorrido na parte respeitante à questão da legitimidade, afirmando-se a legitimidade ativa do A.

b) Determinar a remessa dos autos à Relação para que nela sejam apreciadas as demais questões que ficaram prejudicadas pela solução dada.

Custas da revista a cargo dos RR. AA e BB.

Notifique.

Lisboa, 8-11-18


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo