Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
695/03.3TTGMR.G1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
TRABALHADOR BANCÁRIO
DESPEDIMENTO
JUSTA CAUSA
Data do Acordão: 03/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO - DIREITO COLECTIVO ( DIREITO COLETIVO ) / ACORDO COLECTIVO DE TRABALHO ( ACORDO COLETIVO DE TRABALHO ).
DIREITO BANCÁRIO - TRABALHADORES AO SERVIÇO DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO / DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.
Doutrina:
- ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2.ª edição, Almedina, p. 232.
- MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 11.ª Edição. 1999, Almedina, p. 555.
Legislação Nacional:
ACORDO COLECTIVO DE TRABALHO (ACT) DO SECTOR BANCÁRIO: - CLÁUSULAS 33.ª, 34.ª, N.º1, AL. B).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 662.º, N.ºS1 E 4.
REGIME JURÍDICO DA CESSAÇÃO DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 64-A/89, DE 27 DE FEVEREIRO: - ARTIGO 9.º, N.ºS 1, 2 E 5.
REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE TRABALHO, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 49 408, DE 24 DE NOVEMBRO DE 1969: - ARTIGO 20.º, N.º1, ALÍNEA C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 7 DE DEZEMBRO DE 2005, PROCESSO N.º 05S1919, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 22 DE SETEMBRO DE 2010, PROCESSO N.º 217/2002.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

1 – No uso dos poderes que lhe são atribuídos pelo n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa da alcançada pelo tribunal de 1.ª instância;

2 – A noção de justa causa de despedimento consagrada no número 1 do artigo 9.º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de fevereiro, pressupõe um comportamento culposo do trabalhador, violador de deveres estruturantes da relação de trabalho, que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral;

3 − No setor bancário, face à atividade realizada pelos respetivos trabalhadores, nomeadamente, quando intervêm no desempenho de funções de “caixa”, dando entrada e saída de verbas pecuniárias atinentes a contas dos clientes, assume especial relevância como fundamento objetivo da permanência do vínculo a base de recíproca confiança subjacente à relação contratual laboral;

4 – Viola grave e culposamente os deveres de obediência e de lealdade o trabalhador bancário que procede a depósito, em conta sua, de cheque que não lhe é dirigido, tendo, previamente anulado o depósito que havia sido efetuado noutra conta, processa depósitos sem dependência de entrada de numerário e os anula, e executa transferências de contas cliente sem dependência de ordens deste;

5 – A conduta do trabalhador descrita no número anterior afeta de forma intolerável a confiança que o empregador nele deposita, tornando inexigível a manutenção da relação de trabalho, integrando, por tal motivo, justa causa de despedimento.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

AA intentou em 23 de maio de 2013, contra “BANCO BB, S.A.”, a presente ação, emergente de contrato de trabalho com processo comum, pedindo: a) – que se considere abusiva e ilegal a decisão do seu despedimento ou se considere o processo disciplinar nulo e inexistente a justa causa invocada pela ré; b) – que se condene a ré a reintegrá-la ao seu serviço e a pagar-lhe todas as quantias mensais de € 1.011,30, acrescida de € 135,88 a título de diuturnidades e de € 150,40 a título de subsídio de refeição, contados desde 30 dias antes da propositura da ação e até à sentença; c) – ou, para além do pagamento de todas essas quantias, caso não opte pela reintegração, se condene a ré a pagar-lhe uma indemnização por antiguidade no valor de € 107.197,80.

Invocou, como fundamento da sua pretensão que foi despedida sem justa causa, devido a motivo improcedente e a inadequação da sanção que considera abusiva.

Alegou igualmente que o processo disciplinar que lhe foi movido está ferido de nulidade por não ter sido notificado o Sindicato dos Bancários do Norte, da qual a autora era delegada sindical com conhecimento da ré.

Na contestação, a ré defendeu a licitude do despedimento efetuado, reiterando a existência de justa causa, bem como a validade do processo disciplinar, alegando desconhecer que a autora fosse delegada sindical e concluiu pedindo que a ação fosse julgada improcedente com absolvição de todos os pedidos contra si formulados.

Foi apensada a providência cautelar de suspensão de despedimento que, antes da propositura desta ação, a autora havia requerido contra a ré e na qual fora proferida decisão a suspender, cautelar e imediatamente, o despedimento daquela e que foi objeto de recurso, tendo sido confirmada pelo Tribunal da Relação.

Por despacho de 6 de fevereiro de 2004, cfr. fls. 342 do 2.º volume, foi deferida a suspensão da instância, requerida pela ré com fundamento em que se «encontrava pendente um processo crime, em fase de inquérito, relativamente aos factos em apreço nestes autos … com vista a saber o desenlace desse mesmo inquérito.»

O processo penal em causa veio a ser decidido por acórdão da 1.ª Vara Mista de Guimarães, de 5 de março de 2013, que transitou em julgado, relativamente à autora em 3 de abril de 2103

A instância manteve-se suspensa até ao despacho de 17 de setembro de 2013, que designou data para uma tentativa de conciliação.

A autora requereu o aditamento de nova causa de pedir e de novo pedido, no tocante a danos não patrimoniais alegadamente sofridos em virtude deste despedimento e a indemnização respetiva não inferior a € 20.000,00, pedido esse que a ré, para além de considerar inadmissível, também impugnara. 

 Realizada a audiência de discussão da causa, foi proferida sentença datada de 6 de março de 2015, que julgou a ação provada e procedente e que integra o seguinte dispositivo:

«I - Declaro a ilicitude do despedimento levado a cabo pela ré, “Banco BB, S.A.”, relativamente à autora, AA;

II - Condeno a ré a reintegrar a autora, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade e sem prejuízo de tal já ter ocorrido na sequência da apensa decisão cautelar em diante;

III - Condeno a ré a pagar à autora as retribuições que tenha deixado de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, sem prejuízo de tal pagamento se demonstrar nos autos já ter sucedido, nomeadamente, na sequência da caução e da decisão na apensa lide cautelar com força executiva e sem prejuízo de se vir a comprovar que sucedeu daí em diante e com as respetivas atualizações salarias e sem prejuízo dos períodos de baixa médica por doença da mesma, cuja liquidação se relega caso seja necessária;

IV – Absolvo a ré do demais peticionado pela autora.»

Inconformado com esta decisão dela apelou o Réu para o Tribunal da Relação de Guimarães que veio a conhecer do recurso por acórdão de 8 de outubro de 2015, decidindo «julgar a apelação procedente, e, em consequência, revogar a decisão recorrida (nos segmentos I, II e III do decisório), absolvendo o R. dos pedidos respetivos.

Custas pela Recrdª».

Não resignada com esta decisão, dela vem a autora recorrer de revista para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«1. Não se conforma a ora Recorrente com a alteração da decisão da matéria de facto operada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

2. Com efeito, atenta a argumentação expendida no acórdão sob recurso, não resulta que a sua intervenção haja sido determinada pela constatação de que a convicção expressa pelo tribunal de 1.ª instância não apresentasse o mínimo de suporte razoável naquilo que a gravação dos depoimentos prestados em audiência contém bem como no teor dos próprios documentos juntos aos autos;

3. Jamais o acórdão recorrido imputa à decisão proferida pela 1.ª instância erro notório na apreciação das provas nem sustenta que a respetiva análise crítica venha impor decisão de sentido oposto à decisão proferida pelo tribunal de 1.ª Instância.

4. O que sucede é que o Tribunal da Relação, perante a audição da prova testemunhal produzida em audiência e análise da documentação junta aos autos, optou por uma valoração crítica de sentido diferente sem que se possa apontar, de forma inequívoca, qualquer erro - muito menos notório - à diferente análise crítica levada a efeito pela primeira instância.

5. Resta concluir que, no caso vertente e ao invés do entendimento acolhido no acórdão em crise, não se verificava o condicionalismo capaz de legitimar, nos termos do disposto no artigo 662.º do CPC, o Tribunal Superior a proceder à modificação desta matéria de facto.

6. Exercidos os poderes, pela Relação, à margem da previsão do art.º 662.º CPC, está-se fora do domínio de aplicação deste preceito e, consequentemente, perante uma ilegalidade não subtraída aos poderes de cognição do STJ.

7. O que pelo presente recurso a Recorrente põe em causa é, precisamente, o uso feito pelo Tribunal da Relação de Guimarães das normas do art.º 662.º CPC, que entende indevido por ter sido violada a lei processual quanto à possibilidade de alteração da matéria de facto.

8. Consta dos presentes autos abundante e suficiente prova, tendo a solução encontrada pelo Tribunal de 1.ª instância estar em conformidade com a prova produzida.

9. No que concretamente diz respeito à prova testemunhal, que é a que, conjuntamente com a documental, foi posta em causa pela R. perante o Tribunal da Relação de Guimarães, que esta estava e está sujeita à livre apreciação do tribunal (art.º 396.º do Código Civil) e que, estando a decisão do julgador da 1.ª instância devidamente fundamentada - como estava - e sendo uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência - como, efetivamente, era - deve acolher-se a opção do julgador em 1.ª instância, até porque foi esse que beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova, tendo a sua decisão sido proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

10. Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se baseia na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só poderia censurá-la se ficasse demonstrado que tal opção era de todo em todo inadmissível face às regras da experiência comum, o que não se verificou.

11. Torna-se manifesto que a intervenção do Tribunal recorrido não foi dirigida à correção de erro notório na apreciação da prova, tendo antes, perante a audição da prova testemunhal produzida em audiência e análise da documentação junta aos autos, o Tribunal a quo optado por uma valoração crítica de sentido diferente sem que se possa apontar, de forma inequívoca qualquer erro - muito menos notório - à diferente análise crítica levada a efeito pela primeira instância.

12. Violou, assim, o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães o disposto no art.º 662.° do Código de Processo Civil quanto ao exercício dos poderes por parte da segunda instância para modificação da matéria de facto fixada na decisão do tribunal de primeira instância.

13. Do acervo fático dado como provado resulta que a A., à data dos factos, possuía a categoria profissional de Grupo I com a função de atendimento geral - administrativo, sendo que, no âmbito destas funções, desenvolvia, essencialmente, tarefas administrativas e que se prendiam com o atendimento a clientes com vista a proceder a aplicações financeiras, abertura de contas e preparação de créditos pessoais. Apenas subsidiariamente e sempre que necessário, prestava funções de "caixa", dando entrada e saída de verbas pecuniárias (débito e crédito em conta) atinentes a diversas contas e diversos clientes da R.

14. Os eventuais ilícitos disciplinares praticados pela A. ocorreram durante 4 dias (dias 14, 16, 19 e 20 de agosto de 2002) nos quais a A. desempenhou as funções de "caixa", dando entrada e saída de verbas pecuniárias.

15. A A. nesses 4 dias desempenhou tarefas que não lhe estavam habitualmente adstritas e que apenas eram por ela desempenhadas quando "necessário".

16. Com exceção do descrito no item 7 da matéria de facto dada como provada, todos os demais factos foram praticados pela A. na sequência de ordens verbais que lhe foram dadas pelo gerente do balcão, seu superior hierárquico e ao qual a A. reportava, com quem a A. trabalhava há cerca de 8 anos e, por esse facto, tinha no mesmo plena confiança quanto à legitimidade das ordens que lhe eram transmitidas.

17. A cessação do vínculo contratual através de despedimento por justa causa é sanção disciplinar que apenas deve ser aplicada a situações de extrema gravidade e elevado grau de culpabilidade do trabalhador.

18. Haverá, assim, justa causa de despedimento apenas quando uma determinada atuação seja capaz de, em concreto, suscitar a impossibilidade prática da subsistência das relações que o contrato de trabalho supõe.

19. Da matéria de facto dada como provada não resulta que a A. tenha tido um comportamento que, pela sua gravidade e consequências, tornasse inviável a manutenção do vínculo laboral de uma trabalhadora que, durante mais de 20 anos, desempenhou a sua atividade profissional sem registo de qualquer censura disciplinar, tendo cometido as eventuais infrações disciplinares que constam dos autos durante 4 dias em que desempenhou tarefas que não lhe eram habituais e as quais foram efetuadas na sequência de ordens verbais transmitidas pelo seu superior hierárquico, a quem reportava, que era também o responsável máximo do estabelecimento onde prestava a sua atividade profissional.

20. A inexistência de uma determinada atuação que seja capaz de, em concreto, suscitar a impossibilidade prática da subsistência das relações que o contrato de trabalho supõe, acabou por ser demonstrada na prática.

21. A Douta Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância fez uma correta análise dos factos provados e não provados, bem como uma superior aplicação do direito a esse acervo fáctico, pelo que deverá ser repristinada na íntegra.

22. Dá-se, ainda, aqui por integralmente reproduzido tudo o que é alegado supra na motivação do presente recurso.»

Termina referindo que «deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-‑se o acórdão recorrido, declarando-se a ilicitude do despedimento levado a cabo pela r., condenando-se a R. a reintegrar a A., sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade e sem prejuízo de tal já ter ocorrido na sequência da apensa decisão cautelar em diante e, ainda, condenar a R. a pagar à A. as retribuições que tenha deixado de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, sem prejuízo de tal pagamento já ter ocorrido, nomeadamente, na sequência da caução e da decisão na apensa lide cautelar com força executiva e sem prejuízo de se vir a comprovar que sucedeu daí em diante e com as respetivas atualizações salariais, como se expôs e com todas as consequências legais, em preito à justiça!»

O recorrido respondeu ao recurso interposto, sustentando a confirmação da decisão recorrida e a absolvição de «todos os pedidos contra ele formulados pela Autora/Recorrente».

Neste Tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta proferiu proficiente parecer, nos termos do artigo 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, referindo que o Tribunal da Relação, no que se refere à reapreciação da matéria de facto, se moveu «no quadro dos poderes … que lhe assistem e sem exceder os limites legalmente impostos» e relativamente à questão da existência de justa causa para o despedimento da Autora, pronunciou-se pela licitude do despedimento e pela confirmação da decisão recorrida.

Notificado este parecer às partes apenas o Réu veio tomar posição sobre o mesmo, dando-lhe a sua concordância.

Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber se: a) O Tribunal da Relação na reapreciação da matéria de facto excedeu os poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil; b) Se o comportamento imputado à Autora integra justa causa de despedimento.


II

As instâncias fixaram a seguinte matéria de fato:

«1 – A autora (AA que, entretanto, alterou para AA) foi admitida ao serviço da ré (Banco BB, S.A.) em 10/9/1980, tendo o número mecanográfico ....

2 − Em 2003, a autora possuía a categoria profissional de Grupo I com a função de atendimento geral – administrativo e desempenhava tais funções, por conta e ordem da ré, no balcão desta, sito em Guimarães (...), mediante o vencimento base de € 1.011,30, acrescido de € 135,88 a título de diuturnidades e de € 150,40 a título de subsídio de refeição.

3 – No âmbito destas funções, a autora desenvolvia, essencialmente, tarefas administrativas e que se prendiam com o atendimento a clientes com vista a proceder a aplicações financeiras, abertura de contas e preparação de créditos pessoais.

4 − Sempre que necessário, a autora prestava funções de “caixa”, dando entrada e saída de verbas pecuniárias (débito e crédito em conta) atinentes a diversas contas e a diversos clientes da ré.

5 – Hierarquicamente, a autora reportava-se à subgerente do balcão (CC), ao gerente do balcão (DD) e, em última instância, ao diretor de área residente (EE) e tendo trabalhado com aqueles dois primeiros durante cerca de 8 anos.

6 – E, no mesmo balcão da ré, também trabalhava FF.

7 – Em 14/08/2002, a A. procedeu ao depósito indevido, na conta à ordem do NUC … (anexo 82), titulado por si e sua mãe, do cheque n° ..., de € 4.850,00 (anexo 83) sacado da conta DO do NUC …, titulada por GG. Tal cheque foi, na mesma data, inicialmente depositado na conta titulada por HH/NUC …, depósito esse que foi abusivamente anulado pela A. (anexo 84), dado que não obteve autorização do titular da conta debitada ou da sua hierarquia comercial.

No verso do cheque em causa encontra-se manuscrito o n.° de conta … (o que implicava o seu depósito naquela) correspondente à cliente II, Unipessoal Lda., de que é representante JJ.

8 − Em 20/08/2002, a A. procedeu à anulação de 4 depósitos em numerário, respetivamente de € 100.000,00 (2), € 103.000,00 e € 90.000,00, que processara nesse mesmo dia na conta da KK, Lda., NUC …, sem que tenha havido efetiva entrada do numerário em causa (depósitos fictícios, mas a que corresponderam registos contabilísticos reais) no Banco ou sido encontrados justificativos para as sequentes anulações.

Tal conta apresentava, em 30/08/2002, um saldo devedor na conta à ordem que ascendia a € - 349.539,59.

9 – Em 14/08/2002, a A. procedeu à abertura do NUC …, em nome de LL, tendo carregado a morada da cliente/conta ao cuidado do Balcão, sem que tenham sido encontradas instruções subscritas pela cliente nesse sentido.

Na mesma data, efetuou cronologicamente as seguintes operações:

- 17,40h: abertura do NUC …, titulado por LL;

- 17,44h: processa um levantamento avulso no montante de € 10,800,00 (Cf. anexo 73 cit. Inf.), sem a presença do cliente;

- 17,51h: processa o depósito de 2 cheques de, respetivamente € 5.050,00 e € 5.800,00, sacados sobre o BB e pertencentes às contas dos clientes MM/NUC 2670301 e NN/NUC … (Cfr. anexo 74 cit. Inf.) na mesma conta, a fim de encobrir o indevido levantamento avulso;

- l8,07h: anula o depósito processado às 17,51h (Cfr. anexo 74 cit. Inf.), sem dispor de autorização do cliente em cuja conta foi efetuado o mesmo.

10 – Em 14/8/2002, a autora procedeu à abertura do NUC …, em nome de OO, tendo carregado a morada da conta ao cuidado do Balcão, nos termos constantes do anexo 51 do PD e cujo teor aqui se dá por reproduzido.

11 − Nesta mesma data, a autora efetuou as seguintes 23 transferências, no valor total de € 107.150,00, a débito desta mesma conta à ordem (titulada por OO/NUC …) para contas de outros clientes:

Data
Montante (€)
Conta creditada
Titular(es) da conta creditada
Obs
14/08/2002
4.900,00
…0.000.001JJa)
14/08/2002
4.900,00
…0.000.001JJa)
14/08/2002
4.900,00
…0.000.001JJa)
14/08/2002
4.900,00
…0.000.001JJa)
14/08/2002
4.900,00
…0.000.001JJa)
14/08/2002
4.900,00
…0.000.001JJa)
14/08/2002
4.900,00
...0.000.001JJa)
14/08/2002
4.900,00
...0.000.001JJa)
14/08/2002
4.900,00
...0.000.001JJa)
14/08/2002
4.900,00
...0.000.001JJa)
14/08/2002
4.900,00
...0.000.001JJa)
14/08/2002
4.900,00
...0.000.001JJa)
14/08/2002
4.950,00
...0.000.001JJa)
14/08/2002
4.950,00
...0.000.001JJa)
14/08/2002
4.950,00
...0.000.001JJa)
14/08/2002
4.950,00
...0.000.001JJa)
14/08/2002
4.950,00
...0.000.001JJa)
14/08/2002
4.950,00
...0.000.001JJa)
14/08/2002
4.950,00
...0.000.001JJa)
14/08/2002
4.950,00
...0.000.001JJa)
14/08/2002
1.750,00
...0.000.001JJa)
14/08/2002
3.500,00
….000.001II Unipessoal, Lda.

(representada por JJ)      

a)
14/08/2002
3.500,00
….000.001II Unipessoal, Lda.

(representada por JJ)

a)

A execução destas transferências ocorreu sem que tenham sido encontradas instruções nesse sentido por parte do cliente debitado.

12 - Em 16/08/2002, a autora executou os seguintes 6 levantamentos avulsos, no total de € 24.080,00, dessa mesma a conta (titulada por OO), nos termos constantes dos anexos 52 a 54 do PD e cujo teor aqui se dá por reproduzido:

Data
Montante (€)
NUC debitado
Obs
16/08/2002
2.100,00
...
Anexo 52
16/08/2002
4.000,00
...
Anexo 52
16/08/2002
4.580,00
...
Anexo 53
16/08/2002
3.950,00
...
Anexo 53
16/08/2002
4.900,00
...
Anexo 54
16/08/2002
4.550,00
...
Anexo 54
24.080,00

 Em 30/08/2002, o saldo devedor da referida conta à ordem, em nome de OO ascendia a € - 123.546,6$.

13 – Em 19/08/2002, a autora processou os seguintes 7 depósitos em numerário nas contas à ordem dos NUC …, …, … e …, no total de € 111.000,00, nos termos constantes dos anexos 75 a 81 do PD e cujo teor aqui se dá por reproduzido:

ImportânciaConta/NUC creditadoObs.
€ 30.000,00…-PPAnexo 75
€ 28.000,00…-QQAnexo 76
€ 20.000,00…-JJAnexo 77
€ 8.000,00…-JJAnexo 78
€ 20.000,00…-RRAnexo 79
€ 500,00…-RRAnexo 80
€ 4.500,00…-RRAnexo 81

14 – No mesmo dia (19/08/2002), a autora efetuou, por débito da conta à ordem NUC…, em nome de SS, os seguintes 23 levantamentos avulso, no total de € 111.000,00, nos termos constantes dos anexos 55 a 66 do PD e cujo teor aqui se dá por reproduzido:

DataMontante (€)Obs
19/08/20022.100,00Anexo 55
19/08/20024.950,00Anexo 55
19/08/20024.950,00Anexo 56
19/08/20024.950,00Anexo 56
19/08/20024.950,00Anexo 57
19/08/20024.950,00Anexo 57
19/08/20024.950,00Anexo 58
19/08/20024.950,00Anexo 58
19/08/20024.950,00Anexo 59
19/08/20024.950,00Anexo 59
19/08/20024.950,00Anexo 60
19/08/20024.950,00Anexo 60
19/08/20024.950,00Anexo 61
19/08/20024.950,00Anexo 61
19/08/20024.950,00Anexo 62
19/08/20024.950,00Anexo 62
19/08/20024.950,00Anexo 63
19/08/20024.950,00Anexo 63
19/08/20024.950,00Anexo 64
19/08/20024.950,00Anexo 64
19/08/20024.950,00Anexo 65
19/08/20024.950,00Anexo 65
19/08/20024.950,00Anexo 66

15 − Com exceção do descrito no item 7, todos os demais factos descritos nos itens que lhe seguiram até este foram praticados pela aqui autora na sequência de ordens verbais que lhe foram dadas pelo gerente do balcão e em demais circunstâncias que não foi possível apurar.

16 − A Direção de Auditoria e Inspeção-Comercial da ré levou a cabo uma averiguação ao balcão 0131, sito em Guimarães-…, entre agosto e setembro de 2002 nos termos constantes de fls. 1 até anexo 92/39 da pasta anexada à providência cautelar apensa aos presentes autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

17 − Na sequência da deliberação do Conselho de Administração da ré, datada de 26/9/2002, a ré instaurou contra a autora um processo disciplinar (designado, abreviadamente, como PD) constante em anexo à providência cautelar apensa aos presentes autos - cfr. fls. 1 a 282 do PD e cujo teor aqui se dá por reproduzido na íntegra.

18 − Mediante carta registada com A/R, datada de 3/10/2003, a ré enviou à autora a nota de culpa, por esta recebida, e na qual é acusada (em suma): de anular depósitos em contas de clientes, um dos quais acabou por reverter em conta de que a autora é cotitular, sem autorização do clientes ou, tão pouco, sem conhecimento da sua hierarquia; de contabilizar depósitos de numerário em contas de clientes sem que os mesmos tivessem entregado os correspondentes fundos; de processar saques em dinheiro através de talões de levantamentos avulsos sem a presença dos clientes sacadores; de executar transferências das contas de alguns clientes para contas de outros, sem que no banco se encontrassem autorizações dos clientes debitados – cfr. fls. 2 a 7 e 8 verso do PD e cujo teor aqui dado como reproduzido.

19 − Juntamente com essa carta, a ré comunicou à autora que ficava suspensa preventivamente da prestação de trabalho, sem perda de retribuição, e que o processo fora instaurado com a intenção do seu despedimento – cfr. fl. 8 do PD e cujo teor aqui dado como reproduzido.

20 − A autora respondeu à nota de culpa (em suma) negando e circunstanciando tais factos nos termos constantes de fls. 10 a 34/A do PD e cujo teor aqui se dá por reproduzido.

21 − Foram prestadas declarações por duas testemunhas arroladas pela autora e por um dos auditores da inspeção e foi elaborado relatório final pela instrutora disciplinar, nos termos constantes de fls. 37 a 41 e 42 a 51 do PD e cujo teor aqui se dá por reproduzido.

22 − A ré enviou cópia do processo disciplinar à Comissão de Trabalhadores, tendo esta emitido parecer segundo o qual deveria aplicar-se uma medida disciplinar conservatória da relação laboral, nos termos constantes de fls. 52 a 56 do PD e cujo teor aqui se dá por reproduzido.

23 − Por carta datada de 25/3/2003, que a autora recebeu em 28/3/2003, a ré proferiu decisão de despedimento da autora nos termos constantes de fls. 57 a 58 verso do PD que dão como parte integrante e consideram integralmente provados todos os factos constantes do aludido relatório final da instrutora de fls. 42 a 51 do PD para o qual remete e cujo teor de todas aqui se dá por reproduzido na íntegra.

24 − A autora não tinha qualquer inscrição no registo disciplinar da ré.

25 – Essa decisão causou tristeza à autora.

26 – Em 4/4/2003, a autora (antes da propositura desta ação) intentou a providência cautelar de suspensão imediata desse despedimento, tendo a mesma sido deferida nesse mesmo mês e confirmada pelo tribunal superior em dezembro desse ano, nos termos constantes de fls. 74 a 76 do apenso A e fls. 70 a 78 do apenso B, cujo teor respetivo aqui se dá por reproduzido.  

27 – A autora, pelo menos em 7/4/1998, foi eleita delegada sindical do Sindicato dos Bancários do Norte no então denominado “Banco TT”, com agência sita em Guimarães e para a região sindical de Guimarães e tendo esse Sindicato emitido para esse estabelecimento bancário o ofício nº …, de 15/5/1998, para comunicar tal eleição – cfr. fls. 880-881 e 150 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.

28 − No âmbito do processo de divórcio litigioso nº 776/03.6TCGMR, que correu termos na 2ª Vara de Competência Mista de Guimarães, foi decretada a dissolução, por divórcio, do casamento da autora com UU e com culpa exclusiva deste, nos termos da sentença transitada em julgado a 19/4/2004 e constante de fls. 950 a 957 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido na íntegra.

29 − Na sequência deste divórcio, a autora alterou o nome para AA – cfr. fl. 959 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.  

30 − Na sequência do pedido da aqui autora à aqui ré, ao que esta se opôs, de passar à situação de reforma por doença, aquela foi sujeita a junta médica de psiquiatria, a qual decidiu, por maioria dos peritos, inexistir justificação clínica para uma incapacidade total e permanente para o trabalho e tendo sido proferida decisão judicial (em setembro de 2012, no âmbito da ação com processo comum nº 1264/08.7TTPRT que correu termos na 3ª secção do Tribunal do Trabalho do Porto) a remeter para tal, considerando não estar a aqui autora incapaz de exercer a sua profissão – cfr. 916 e 918-935 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.

31 − No âmbito do Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº 1738/03.6TAGMR que correu termos na 1ª Vara de Competência Mista de Guimarães e em que a aqui autora estava, juntamente com DD e VV, acusada da prática, em coautoria, concurso real e de forma continuada, dos crimes de abuso de confiança, burla informática, falsidade informática, falsificação de documento e burla, foi proferida decisão, transitada em julgado em 3/4/2013, absolvendo a aqui autora, bem como a outra arguida e condenando o arguido em pena única de prisão suspensa na execução bem como no pagamento de uma indemnização nos termos constantes de fls. 648 a 711 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido na íntegra.      

32 − A autora é beneficiária do Instituto da Segurança Social, I.P. com o nº …, inicialmente do Centro Distrital de Braga (nomeadamente, por residir na Rua …, em Guimarães) e, entretanto, do Centro Distrital do Porto (por ter passado a residir na Travessa …, em ...) – cfr. fls. 458 e 720 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.

33 - Desde o ano 1998 até outubro de 2013, consta da Segurança Social que a autora trabalhou os dias e auferiu as respetivas retribuições nos termos constantes de fls. 731-732 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

34 – Após ter cessado a baixa médica, por motivo de doença, em que esteve desde por volta de abril de 2004 até junho de 2013, a autora retomou a prestação do seu trabalho remunerado na ré (agência de Valongo) em julho de 2013 em diante, sendo que em janeiro de 2014 a autora auferia da ré a retribuição base de € 1.318,96 acrescida de € 244,80 a título de diuturnidades, de € 104,72 a título de subsídio de refeição – cfr. fls. 755 a 876 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido na íntegra. 

35 – A autora desenvolveu doença crónica depressiva de características reativas, com origem e desde data não concretamente apuradas.»


III


1 – Nas conclusões 1.ª a 12.ª das alegações que apresentou, insurge-se a recorrente contra a decisão recorrida na parte em que reapreciou a matéria de facto fixada pelo tribunal de 1.ª instância.

Refere que «o Tribunal da Relação, perante a audição da prova testemunhal produzida em audiência e análise da documentação junta aos autos, optou por uma valoração crítica de sentido diferente sem que se possa apontar, de forma inequívoca, qualquer erro - muito menos notório - à diferente análise crítica levada a efeito pela primeira instância», pelo que em seu entender «ao invés do entendimento acolhido no acórdão em crise, não se verificava o condicionalismo capaz de legitimar, nos termos do disposto no artigo 662.º do CPC, o Tribunal Superior a proceder à modificação desta matéria de facto».

Realça que «exercidos os poderes, pela Relação, à margem da previsão do art.º 662.º CPC, está-se fora do domínio de aplicação deste preceito e, consequentemente, perante uma ilegalidade não subtraída aos poderes de cognição do STJ», pelo que «o uso feito pelo Tribunal da Relação de Guimarães das normas do art.º 662.º CPC, que entende indevido por ter sido violada a lei processual quanto à possibilidade de alteração da matéria de facto».

Termina referindo que se torna «manifesto que a intervenção do Tribunal recorrido não foi dirigida à correção de erro notório na apreciação da prova, tendo antes, perante a audição da prova testemunhal produzida em audiência e análise da documentação junta aos autos, o Tribunal a quo optado por uma valoração crítica de sentido diferente sem que se possa apontar, de forma inequívoca qualquer erro - muito menos notório - à diferente análise crítica levada a efeito pela primeira instância», e que «violou, assim, o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães o disposto no art.º 662.° do Código de Processo Civil quanto ao exercício dos poderes por parte da segunda instância para modificação da matéria de facto fixada na decisão do tribunal de primeira instância».

Em síntese, entende a recorrente que o Tribunal da Relação não podia proceder a uma valoração autónoma da prova no âmbito do recurso de que conhecia, relativamente à efetuada pelo tribunal recorrido, e que só poderia contrariar a valoração dos meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação feita na decisão recorrida se estivesse demonstrado que a valoração feita pelo tribunal recorrido evidenciava uma situação de erro notório.

2 – O Tribunal da Relação no âmbito do recurso de apelação conheceu da matéria de facto dada como provada pela 1.ª instância, nos seguintes termos:

«Iniciaremos a discussão pela 1ª questão acima enunciada – o erro de julgamento da matéria de facto.

Pretende a reapreciação dos depoimentos prestados por XX e DD, de forma a que os mesmos se conjuguem também com documentos que a cada passo menciona e, bem assim, que se valore o depoimento prestado em sede de procedimento disciplinar pela A.

Em causa estão os pontos 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14 e 15 da matéria de facto, cuja correspondência com o articulado em sede de contestação é efetuada na precedente alegação.

(…)

Apreciando:

Relativamente ao ponto 10 da matéria de facto o Recrte. não efetua qualquer correspondência com matéria articulada nos autos, remetendo para o anexo 51 da Infª 57/02L –PD, que obviamente não levaremos em conta. Do mesmo modo, a impugnação referente ao ponto 15 também não reporta a matéria alegada, razão pela qual não nos deteremos igualmente sobre a mesma.

Iremos, então, deter-nos sobre os depoimentos prestados em audiência a fim de aquilatar se os mesmos impõem alguma modificação às respostas.

No que respeita ao depoimento prestado pela A. em sede de Procedimento Disciplinar, o mesmo, visto as provas deverem produzir-se em juízo, não será tido em conta, no que sufragamos a tese defendida pelo Ministério Público junto desta Relação. Tanto mais que houve oportunidade para levar a A. a depor.

Ouvimos na íntegra a prestação de XX a fim de aquilatarmos do seu contributo para a matéria em discussão e verificarmos se, efetivamente, e como menciona a decisão impugnada, o mesmo se revela parcial e conclusivo.

Contrariamente ao que ali se consignou, apercebemo-nos de um depoimento claro, seguro e isento, nele não tendo vislumbrado quaisquer laivos de parcialidade.

Detenhamo-nos, então, sobre o mesmo.

A testemunha exerce funções de auditoria no BB e participou nas averiguações, integrando uma equipa de auditores.

Esclareceu que por força das funções exercidas constatou que em 20/08/2002 existiam depósitos efetuados na conta da KK que, com cerca de meia hora de intervalo, a A. anulou sem dependência de justificativos. A mesma disse que tinha recebido instruções verbais do gerente e que não tinha existido entrega física de dinheiro. Trata-se dos depósitos que integram o anexo 68. Nos anexos 69 e ss. estão suportes documentais que certificam informaticamente depósitos. Os registos informáticos comprovam a anulação dos depósitos pela A.. Na opinião da testemunha, a ter a A. recebido instruções, deveria ter recusado e reportado ao Banco. Em 30/08/2002 esta conta apresentava um saldo negativo de 349.539,59 €.

Por outro lado, a cliente LL teve uma conta aberta em 14/08/2002. No processo de abertura foi carregada a morada da cliente ao cuidado do balcão sem que tivessem sido encontradas instruções da cliente nesse sentido a solicitá-lo. O registo informático comprova que isto é da autoria da A..

A testemunha explicou também que em 30/08 a AA começou por dizer que, quer os depositantes, quer os clientes tinham estado presentes no balcão. Confrontada com o facto de o banco poder verificar as imagens de vídeo, a A. acabou por inverter as suas declarações, vindo a confirmar que os clientes não tinham lá estado e que tinha executado as operações por instruções do gerente.

Esclareceu que um talão de levantamento dá necessariamente origem a uma saída de dinheiro de caixa. Para estes levantamentos é necessário que no cliente esteja presente na caixa, devendo atestar-se a identificação do cliente. Nem uma coisa, nem outra existe nos documentos que integram o anexo 93.

Dizia a A. que o gerente tinha dito que precisava de regularizar umas contas. Daí as operações.

A conta da dita LL em 30/08/2002 apresentava um saldo devedor de 19.497,80 €.

Relativamente ao cliente OO, verifica-se que em 14/08 foi aberta uma conta, conta essa que também foi carregada com morada ao cuidado do balcão sem instruções do cliente nesse sentido. Anexo 51. Na mesma data, foram efetuadas 33 transferências a débito desta conta que beneficiaram a conta de JJ e a conta de uma sociedade unipessoal desta JJ, num total de 107.150,00 €. Movimentos parcelares que nunca ultrapassaram os 5.000,00 €. Se ultrapassassem integrariam uma listagem de grandes movimentos, passível de controle pela contabilidade e pela direção de inspeção. Nos anexos 88/20 e 88/21 encontram-se os registos informáticos que espelham os débitos e os créditos nas duas contas envolvidas. Também estas foram operações efetuadas por instruções do gerente, segundo a A., e não ordenadas pelo cliente.

Em 16/08/2002 houve 6 levantamentos avulsos efetuados na conta de OO, no total de 24.080,00 €.

Mais uma vez estranhou-se que, tendo os levantamentos sido efetuados com intervalo de segundos, que o cliente tenha necessitado de os efetuar. Ainda mais pagando comissões por cada levantamento, quando poderia ter efetuado uma única operação. A A. explicou que os levantamentos já lhe tinham sido entregues assinados pelo titular da conta. Porém, dos 6, nenhum eles está assinado pelo cliente. O saldo desta conta em 30/08/2002 era de 123.546,68 € (devedor). Atualmente esta verba não foi recuperada pelo banco.,

Em 19/0872002 foram depositados 111.000,00 € nas contas de 5 clientes. A A. disse que foram feitos por instruções do gerente, servindo de contrapartida a levantamentos avulsos efetuados por outros clientes.

Nesse mesmo dia a A. efetuou na conta de SS 23 levantamentos avulsos na quantia de 111.000,00 €, que balancearam em termos de saldo de caixa, estes depósitos.

Estes 23 movimentos (levantamentos) não foram feitos apenas num movimento, mas em 23 que não ultrapassaram o valor de 5,000,00 €, que era o montante a partir do qual seriam passíveis de ser auditados.

 A testemunha declarou ainda que falaram com o cliente, que se mostrou completamente à margem destes movimentos. Não obstante estarem assinados. Admitiram que tenha assinado os documentos a pedido de alguém do balcão.

Em 30/08/2002 a conta apresentava um saldo de 111.034,32 €, valor igual ao dos levantamentos e das despesas que estes ocasionaram.

No que concerne ao cheque de 4.850,00 € (anexo 82 a 84). Verificou-se que foi efetuado o depósito na conta da qual a A. é cotitular juntamente com a mãe e que dizia respeito ao cheque, emitido por um cliente do banco – ZZ – ao portador. Tem no verso a indicação de um número de conta que pertence a II Unipessoal, Ld.ª. Não obstante, o cheque ter indicação de uma conta de depósito, foi depositado na conta de HH. Foi, depois, anulado e depositado na conta de A.. Esta explicou que este depósito na conta do HH ocorreu por lapso, pois o cheque destinava-se ao pagamento de uma dívida que a II tinha para consigo, resultante de um empréstimo. Portanto, a colaboradora pediu dinheiro a um cliente do banco para, seguidamente, o emprestar a outro cliente do banco, mediante juros.

Por fim, do depoimento prestado por DD resulta que o mesmo se declara único culpado de toda esta situação e que a senhora executou aquilo que ele lhe ordenara.

 Aqui chegados, urge retirar consequências de quanto ouvimos.

Os poderes de reapreciação da matéria de facto pela Relação estão circunscritos à reapreciação dos concretos meios probatórios invocados, dispondo, contudo, a mesma da possibilidade de valorar de forma diversa da da 1ª instância, os meios de prova sujeitos à sua livre apreciação, como é o caso dos depoimentos testemunhais aqui em causa.

Efetivamente, foi “no campo da oralidade pura e, complementarmente, no reforço dos poderes da Relação, que o legislador interveio em 1995, com o objetivo de permitir uma efetiva sindicância do julgamento da matéria de facto, assegurando o reclamado segundo grau de jurisdição” (António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 273).

E, assim, “a Relação desfruta não apenas do poder dever de aferir da razoabilidade da convicção dos juízes da 1ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, nos casos flagrantes ou notórios de desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão de facto proferida pela 1ª instância, mas também (e sobretudo) de um poder dever de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação da prova...” (J.P. Remédio Marques, Um breve olhar sobre o duplo grau de jurisdição em matéria de facto, Cadernos de Direito Privado, 01, dezembro de 2010).

Ou, como decidiu o STJ, a Relação deverá formar e fazer refletir na decisão a sua própria convicção, na plena aplicação e uso do princípio da livre apreciação das provas, nos mesmos termos em que o deve fazer a 1ª instância, sem que se lhe imponha qualquer limitação, relacionada com convicção que serviu de base à decisão impugnada, em função do princípio da imediação da prova (Ac. de 14/02/2012, disponível em www.dgsi.pt).

Contudo, é consabido que a Relação padece de constrangimentos decorrentes da circunstância de os depoimentos não se desenvolverem presencialmente, o que se traduz no facto de a 1ª instância estar, efetivamente, melhor posicionada para a valoração da prova testemunhal.

É, assim, no equilíbrio destas realidades que se há de proceder à reapreciação desta prova, sendo que, conforme já acima dissemos, concluímos que a testemunha depôs de forma serena e isenta.

Não deixaremos ainda de referir que da decisão impugnada decorre, para além da qualificação já acima denunciada quanto ao depoimento da testemunha XX – que recusamos -, que se desconhecem “as circunstâncias e termos em que pelo mesmo foram colhidas declarações que vieram a ser desmentidas, tanto mais que no PD foram juntas declarações de autorização por parte de clientes e com datas contemporâneas dos respetivos factos, assim como talões de levantamento assinados e de clientes a desmentir que houvesse falta da sua autorização”.

Ora, neste recurso regista-se que a apelada não contrapõe com quaisquer outras provas. E, por outro lado, em sede de impugnação da licitude do despedimento valem as provas produzidas em juízo.

Termos em que respondemos à matéria de facto pela forma seguinte:

Artº 27º e 28º da contestação – Provados.

Artº 14º e 15º da contestação – Provados.

Artº 16º e 17º - Provados.

Artº 21º - Provado.

Artº 23º - Provado.»

3 – Resulta do disposto no n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil em vigor, que «a relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

A diferença de redação deste dispositivo face à da norma do n.º 1 do artigo 712.º do anterior Código de Processo Civil evidencia uma intencionalidade clara relativamente ao sentido daquilo que deve ser a intervenção do Tribunal da Relação relativamente à reapreciação da matéria de facto, impondo-lhe o dever de proceder a nova e autónoma valoração dos meios de prova, bem entendido, no âmbito do recurso interposto.

Referia-se, com efeito neste dispositivo que «a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação».

Conforme refere ABRANTES GERALDES, com a nova redação pretendeu-se que ficasse claro que «quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da ponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras da experiência»[1] e prossegue o mesmo autor, referindo que «igualmente se mantém, agora com mais vigor e clareza, a possibilidade de sindicar a decisão quando assente em prova que foi oralmente produzida e tenha ficado gravada, afastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para os casos de “erro manifesto” ou de que não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1.ª instância relativamente a meios de prova que foram objeto de livre apreciação»[2].

Neste contexto carece de qualquer sentido a pretensão da recorrente de que o Tribunal da Relação, em sede de reapreciação da matéria de facto e no âmbito do recurso interposto, não podia apreciar livremente os meios de prova produzidos e formular uma convicção autónoma daquela que havia sido alcançada pelo tribunal de 1.ª instância.

A intervenção do Tribunal da Relação manteve-se claramente dentro dos poderes que lhe são atribuídos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil, nenhuma censura merecendo a decisão recorrida nesse aspeto.

Por outro lado, importa ter presente que a valoração que o Tribunal da Relação fez dos meios de prova sobre que se debruçou, no âmbito da livre apreciação da prova escapa à intervenção deste Tribunal enquanto Tribunal de revista, não sendo sequer objeto de recurso, conforme decorre do n.º 4 do artigo 662.º do Código de Processo Civil.

Improcedem, deste modo, as conclusões 1.ª a 12.ª das alegações apresentadas pela recorrente.


IV

1 – Nas conclusões 13.ª a 22.ª insurge-se a recorrente contra a decisão recorrida na parte em que considerou que os factos dados como provada integravam justa causa de despedimento.

Refere que «apenas subsidiariamente e sempre que necessário, prestava funções de "caixa", dando entrada e saída de verbas pecuniárias (débito e crédito em conta) atinentes a diversas contas e diversos clientes da R.»; que «os eventuais ilícitos disciplinares praticados pela A. ocorreram durante 4 dias (dias 14, 16, 19 e 20 de agosto de 2002) nos quais a A. desempenhou as funções de "caixa", dando entrada e saída de verbas pecuniárias» e que «com exceção do descrito no item 7 da matéria de facto dada como provada, todos os demais factos foram praticados pela A. na sequência de ordens verbais que lhe foram dadas pelo gerente do balcão, seu superior hierárquico e ao qual a A. reportava, com quem a A. trabalhava há cerca de 8 anos e, por esse facto, tinha no mesmo plena confiança quanto à legitimidade das ordens que lhe eram transmitidas».

Realçou que «da matéria de facto dada como provada não resulta que a A. tenha tido um comportamento que, pela sua gravidade e consequências, tornasse inviável a manutenção do vínculo laboral de uma trabalhadora que, durante mais de 20 anos, desempenhou a sua atividade profissional sem registo de qualquer censura disciplinar, tendo cometido as eventuais infrações disciplinares que constam dos autos durante 4 dias em que desempenhou tarefas que não lhe eram habituais e as quais foram efetuadas na sequência de ordens verbais transmitidas pelo seu superior hierárquico, a quem reportava, que era também o responsável máximo do estabelecimento onde prestava a sua atividade profissional».

Referiu igualmente que não existe uma «atuação que seja capaz de, em concreto, suscitar a impossibilidade prática da subsistência das relações que o contrato de trabalho supõe, acabou por ser demonstrada na prática».

 

2 – Os factos imputados à Autora de cuja qualificação como justa causa de despedimento se cuida no âmbito da presente revista ocorreram, de acordo com a matéria de facto dada como provada, em 14, 16, 19 e 20 de agosto de 2002.

Por outro lado, conforme resulta do ponto n.º 23 da matéria de facto dada como provada, «por carta datada de 25/3/2003, que a autora recebeu em 28/3/2003, a ré proferiu decisão de despedimento da autora nos termos constantes de fls. 57 a 58 verso do PD».

O litígio deve assim ser resolvido com base no Direito que se encontrava em vigor na data em que aqueles factos ocorreram, ou seja, o Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de fevereiro.

O artigo 9.º desse diploma definia no seu n.º 1 justa causa de despedimento como «o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento».

O n.º 2 deste mesmo artigo especificava várias situações integrativas daquele conceito, nomeadamente, «desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores», «desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, das obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho que lhe esteja confiado».

Por outro lado, decorria do artigo 20.º, n.º 1, alínea c) do Regime Jurídico do Contrato de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de novembro de 1969, que o «trabalhador deve: c) obedecer à entidade patronal em tudo o que respeite à execução e disciplina no trabalho, salvo na medida em que as ordens e as instruções se mostrem contrárias aos seus direitos e garantias».

Por sua vez, das cláusulas 33.ª e al. b) do n.º 1 da Cláusula 34.ª do ACT do Setor Bancário, resultava que «o Trabalhador pode sempre, para salvaguarda da sua responsabilidade, requerer por escrito que as instruções sejam confirmadas, também por escrito, nos seguintes casos: (…) Quando as julgue ilegítimas» e «São deveres dos trabalhadores: .. Exercer de forma idónea, diligente, leal, assídua e conscienciosa, segundo as normas e instruções recebidas e com observância das regras legais e usuais da deontologia da profissão e das relações de trabalho, salvo na medida em que essas normas ou instruções ofendam os seus direitos e garantias».

Sobre a interpretação do conceito de justa causa, decorrente do n.º 1 daquele artigo 9.º, referiu-se no acórdão desta Secção de 7 de dezembro de 2005, proferido no processo n.º 05S1919[3], o seguinte:

«O artº 9º-1 da LCCT dá, em cláusula geral, a definição de justa causa: é todo o comportamento culposo do trabalhador ...; que, pela sua gravidade e consequências ...; torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

A justa causa disciplinar pressupõe um ato ilícito - violação dos deveres a que o trabalhador se encontra sujeito e que decorrem do vínculo contratual - imputável àquele a título de culpa.

Não basta, porém, qualquer comportamento do trabalhador (artº 12º-5 da LCCT). Ele tem que ser objetivamente tão grave, em si mesmo e nas suas consequências, que, quebrando a confiança que deve existir entre as partes no cumprimento dum contrato daquela natureza, torne irremediável a rutura da relação contratual (nexo causal). Isto porque se conclui não existir outra sanção suscetível de sanar a crise contratual aberta pelo comportamento do trabalhador, deixando de ser exigível do empregador o respeito pelas garantias da estabilidade do vínculo laboral.

Tal como a culpa, também a gravidade do comportamento do trabalhador e a inexigibilidade da permanência do contrato de trabalho devem ser apreciadas, não em função do critério subjetivo do empregador, mas colocando-nos na perspetiva de um bom pai de família, que, no caso concreto, corresponde ao do empregador normal, norteado por critérios de objetividade e razoabilidade.»

Debruçando-se sobre aquela norma, fazendo a síntese do regime consagrado, referia MONTEIRO FERNANDES, que «a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória»[4].

À luz deste regime jurídico, tal como face ao regime em vigor, os factos integrativos do conceito de justa causa hão de materializar um incumprimento culposo dos deveres contratuais por parte do trabalhador, numa dimensão suscetível de ser considerada como grave, quer a gravidade se concretize nos factos em si mesmos, quer ocorra nas suas consequências.

Para além disso, exige-se que essa dimensão global de gravidade torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, a que a Doutrina vem chamando elemento objetivo da justa causa.

A subsistência do contrato é aferida no contexto de um juízo de prognose em que se projeta o reflexo da infração e do complexo de interesses por ela afetados na manutenção da relação de trabalho, em ordem a ajuizar da tolerabilidade da manutenção da mesma.

Por isso mesmo, por força do disposto no n.º 5 do mesmo artigo 9.º daquele Decreto-‑lei, «para apreciação da justa causa deve o tribunal atender, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes».

A ponderação integral deste conjunto de circunstâncias permite projetar os factos imputados ao trabalhador no contexto da relação de trabalho e ponderar a partir daí o reflexo dos mesmos na estabilidade daquela relação, como base do juízo de tolerabilidade da sua manutenção.

A impossibilidade de manutenção da relação laboral deve ser apreciada no quadro da inexigibilidade com a ponderação de todos os interesses em presença, existindo sempre que a subsistência do contrato represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador.

Por outro lado, conforme se referiu no acórdão desta Secção de 22 de setembro de 2010, proferido no processo n.º 217/2002.L1.S1[5], «No âmbito dos assinalados juízos de prognose, tem vindo a ser enfatizado o papel da confiança nas relações de trabalho, salientando-se a sua forte componente fiduciária para se concluir que a confiança contratual é particularmente afetada quando se belisca o dever de leal colaboração, cuja observância é fundamental para o correto implemento dos fins prático-económicos a que o contrato se subordina» e prossegue-se neste aresto referindo que «Neste contexto, salienta Batista Machado que “... o núcleo mais importante de violações do contrato, capazes de fornecer justa causa à resolução, é constituído por violações do princípio da leal colaboração, imposto pelo ditame da boa fé. Em termos gerais, diga-se que se trata de uma quebra da “fider” ou da “base de confiança” do contrato ...” (in R.L.J. 118.º, 330 e segs.)».

3 – A decisão recorrida considerou que os factos imputados à Autora integravam justa causa de despedimento, com a seguinte fundamentação:

«Quer na doutrina, quer na jurisprudência é uma constante a afirmação da especial relação de confiança que o contrato de trabalho pressupõe, reconduzindo-se o requisito da impossibilidade de manutenção do vínculo à ideia de inexigibilidade para a outra parte de subsistência do contrato. É uma impossibilidade prática.

A valorização deste elemento, pelas características inerentes à própria prestação, vem impondo que a margem de tolerância às violações diminua consoante o grau de exigência determinado pela própria qualificação profissional do trabalhador envolvido.

Tratando-se relações jurídicas de emprego bancário, dada a especial ideia de segurança que subjaz ao próprio setor ainda maior relevância se há de atribuir a esta variante.

No caso concreto, a apelada a autora desenvolvia, essencialmente, tarefas administrativas, que se prendiam com o atendimento a clientes com vista a proceder a aplicações financeiras, abertura de contas e preparação de créditos pessoais. Sempre que necessário, prestava funções de “caixa”, dando entrada e saída de verbas pecuniárias (débito e crédito em conta) atinentes a diversas contas e a diversos clientes da ré. Hierarquicamente, reportava à subgerente do balcão, ao gerente do balcão e, em última instância, ao diretor de área residente. Em 2002, tinha mais de 20 anos de casa.

Sendo embora verdade, que atuou em todos os factos descritos, exceto naquele que tomou o nº 7, na sequência de ordens verbais que lhe foram dadas pelo gerente do balcão, a questão que se coloca é se o dever de obediência justifica os comportamentos perpetrados.

Entendemos que não.

Desde logo porque não vemos que uma pessoa com mais de 20 anos de banco pudesse sentir-se obrigada a obedecer a ordens claramente ilícitas, também não resultando do acervo fático que a apelada desconhecesse que cometia irregularidades graves. Por outro lado, porque do mesmo acervo não emerge sequer que a mesma tenha sido coagida à prática de tais atos.

E, existindo, é certo, um dever de obediência à entidade patronal e aos seus superiores hierárquicos, tal dever respeita á execução e disciplina do trabalho, execução esta que tem, necessariamente que ocorrer dentro dos parâmetros regulamentares. Não é um dever cego. Tal como ensina Jorge Leite “o dever de cumprir ordens cessa nos casos em que estas sejam ilegítimas ou ilegais, isto é, nos casos em que não emanem de quem tem competência para as dar ou nos casos que sejam materialmente ilícitas, quer porque exorbitam dos poderes patronais, quer porque o seu cumprimento se traduz na violação de um direito ou de um interesse legalmente protegido do próprio trabalhador ou de terceiro” (Direito do Trabalho, Vol. II, Serviços de Ação Social da U.C., Coimbra 2004, 90).

Isto mesmo decorre do ACTV para o setor quando, na Clª 34ª/1-b) dispõe que é dever dos trabalhadores exercer de forma idónea, diligente, leal, assídua, pontual e conscienciosa as suas funções, segundo as normas e instruções recebidas e com observância das regras legais e usuais da deontologia da profissão e das relações de trabalho, salvo na medida em que essas normas ou instruções ofendam os seus direitos e garantias.

Não é demais recordar que o ACTV para o setor prevê mesmo um procedimento dito de salvaguarda da responsabilidade do trabalhador, que lhe permite requerer a confirmação de instruções por escrito quando haja motivo para delas duvidar, quando as julgue ilegítimas ou presuma que possam decorrer de procedimento doloso… (Clª 33ª). E, bem assim, que existe um Manual de Contas e Aplicações que a trabalhadora não pode desconhecer.

 Lembremos, então, que concretos comportamentos praticou a A..

Segundo o acervo fático, a mesma depositou numa conta sua, um cheque dirigido a outrem, anulando o depósito sem autorização do titular da conta. Processou diversos depósitos em numerário sem dependência de entrada de numerário e anulou-os. Abriu uma conta em nome de terceiro com morada ao cuidado do balcão, sem que tenha recebido instruções do cliente para tal. Efetuou transferências bancárias sem dependência de instruções do cliente.

Este acervo revela menos do que as acusações que foram imputadas. Contudo, nem por isso, a conduta deixa de assumir, no contexto da relação, enorme gravidade, minando a confiança que deve subjazer à relação e sendo violadora dos deveres de zelo e de lealdade para com o empregador.

Ora, a violação da confiança não admite graduações. Ou na expressão do Recrte., quando cita Byung-Chul Han , “a confiança torna possíveis ações, apesar da falta de saber”, significando a construção de uma relação positiva.

 A atividade de um empregado bancário vive da confiança que aqueles que, por um lado a atribuem e, por outro, a solicitam, nele depositam, pelo que a imagem que transmite há de estar solidamente estruturada.

 De tudo resulta uma particular exigência ao nível do cumprimento do dever de zelo ou, como se escreveu no Ac. do STJ de 22/09/2010, “exige-se dos trabalhadores bancários que assumam uma postura de inequívoca transparência e que exerçam as suas funções de forma idónea, leal e de plena boa-fé” (disponível em www.dgsi.pt, onde também se pode consultar o Ac. do STJ de 23/11/2001, proferido no âmbito do Procº 318/07.7TTFAR.E1.S1, exatamente no mesmo sentido).

Concluímos, pois, que não só não é exigível ao empregador manter esta relação laboral, como a conduta da trabalhadora é adequada a causar a impossibilidade de manutenção da relação por pôr em causa a relação de confiança inerente ao seu desempenho.

 Não há, assim, como não concluir que o despedimento é lícito, por se fundar em justa causa.»

Merecem a nossa adesão estas considerações.

Na verdade, na atividade bancária, conforme tem sido dito repetidamente por esta Secção, as exigências de confiança do empregador nos profissionais ao seu serviço atingem níveis elevados, porque são essenciais ao funcionamento do negócio.

Com efeito, a atividade bancária vive da confiança que os clientes tenham nas instituições e os trabalhadores das agências bancárias são o primeiro elo do contacto com os clientes em geral.

Embora a Autora não desempenhasse funções de direção, situação sobre que têm incidido muitas das pronúncias desta Secção, esse facto não põe em causa a gravidade objetiva das condutas assumidas e o reflexo negativo das mesmas sobre o sentimento de confiança dos clientes na Ré enquanto instituição bancária a quem entregam os seus dinheiros.

Também não tem relevo significativo na redução da culpa com que a Autora atuou o facto de ter recebido ordens verbais do gerente do balcão, conforme decorre do ponto n.º 15 da matéria de facto dada como provada.

A Autora tinha o efetivo dever de recusar o cumprimento dessas ordens, cuja ilegalidade não ignorava e de as reportar superiormente, o que não fez.

Na verdade, a Autora já era uma funcionária bancária com experiência, conhecia os procedimentos de serviço a que devia obediência e o facto de trabalhar com o gerente daquela agência bancária, há vários anos, não a privava do direito de exigir a documentação da ordem em conformidade com o disposto nos instrumentos de regulamentação coletiva e não lhe impunha o cumprimento de ordens cuja ilegalidade não desconhecia.

Não é assim exigível impor ao empregador a manutenção da relação de trabalho com a Autora, pelo que se tem de concluir que os factos que lhe são imputados integram justa causa de despedimento, nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-‑A/89, de 27 de fevereiro.

Improcedem, deste modo, as conclusões 13:ª a 22.ª das alegações da revista.


V


Em face do exposto, acorda-se em negar a revista e em confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Autora.

Junta-se sumário do acórdão

Lisboa, 17 de março de 2016

António Leones Dantas (relator)

Mário Belo Morgado

Ana Luísa Geraldes

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[1] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2.ª edição, Almedina, p. 232.
[2] Ibidem.
[3] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[4] Direito do Trabalho, 11.º Edição. 1999, Almedina, p. 555.
[5] Disponível nas Bases de dados Jurídicas da DGSI.