Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4864/14.2T8ALM.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO PIÇARRA
Descritores: EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS
CADERNO DE ENCARGOS
CONTRATO DE EMPREITADA
CLÁUSULA CONTRATUAL
ADJUDICAÇÃO
PROPOSTA DE CONTRATO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO - CONTRATOS PÚBLICOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 238.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 671.º, N.º1.
CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS, APROVADO PELO DL N.º 118/2008, DE 29-01: - ARTIGOS 41.º, 42.º, 56.º.
Sumário :
I - No âmbito da contratação pública, no regime instituído pelo Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo DL n.º 118/2008, de 29-01, o programa do procedimento consiste apenas num guia do procedimento pré-contratual, definindo os termos a que obedece a fase de formação do contrato até à sua celebração (art. 41.º), enquanto o caderno de encargos, por contraposição àquele, funciona como um projeto de contrato, prevendo as obrigações de ambas as partes em sede de execução contratual (art. 42.º).

II - A proposta constitui, por seu turno, a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade em contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo (art. 56.º).

III - Não tendo sido inserida no caderno de encargos ou no contrato de empreitada celebrado determinada cláusula constante do programa do procedimento e constando dos primeiros cláusula de diferente conteúdo sobre o pagamento do preço só esta vincula a entidade adjudicante.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Relatório


I AA - Sucursal instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB - Sociedade de Distribuição de Gás, S.A., alegando, em síntese, que:

Executou uma obra a pedido da ré e esta comprometeu-se a assegurar-lhe a execução de trabalhos no valor de, pelo menos, €603.248,80, equivalente a 70% do valor previsto do investimento em cada período contratual que era de €1.260.000,00.

O valor inserto na proposta que apresentou teve em consideração a garantia de efectiva realização daquele valor de trabalhos, mas findo o contrato, pelo decurso do prazo previsto, os trabalhos executados ascenderam apenas a €415.704,36.

A redução do valor inicialmente assegurado comprometeu o equilíbrio económico-financeiro subjacente à proposta de contrato, impedindo-a de: i) amortizar integralmente os encargos fixos associados à mobilização dos meios afectos à execução do contrato; ii) amortizar encargos associados à mobilização da sua estrutura central, dos serviços prestados pela casa-mãe em França e; iii) arrecadar a margem de lucro considerada no preço proposto.

A redução na facturação configura uma alteração anormal das circunstâncias em que fundou a decisão de contratar o que lhe confere o direito a resolver ou modificar o contrato, sendo que no caso, terminado o período de vigência do mesmo apenas subsiste o direito à modificação que terá como escopo a reposição da equação financeira em que assentou a formação do contrato, que no caso em apreço ascende a €187.544,44 e tem como medida a diferença entre o valor da facturação mínima assegurada (€603.248,80) e a facturação real (€415.704,36).

Para a execução das obras correspondentes ao valor que foi assegurado incorreu em encargos fixos sendo que, atenta a redução da facturação, não conseguiu amortizar parte deles no valor de €189.152,65, valor esse que deve ser ressarcido pela ré.

Além disso, verificando-se a redução efectiva do valor final após a execução do contrato, a caução deverá ser reduzida em conformidade, sob pena de alteração unilateral e abusiva das condições contratuais que fixam a percentagem de 5% do valor executado.

Com tais fundamentos, concluiu por pedir a condenação da ré no seguinte:

a) Pagar-lhe a quantia de 187.544,44 (cento e oitenta e sete mil quinhentos e quarenta e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos), acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa de juro aplicável às operações comerciais, desde a data da interpelação para pagamento, 29 de Abril de 2014, até integral pagamento;

b) Promover, no prazo máximo de 15 (quinze) dias a contar do trânsito em julgado da sentença, a redução da garantia bancária prestada pela autora, a titulo de caução de boa execução do contrato, de €43.089,20 para €20.785,21, por ser o valor equivalente a 5% da facturação real a que ascendeu a execução do contrato, ao abrigo do que se encontra previsto na cláusula 6.ª do Contrato de Empreitada e no ponto 1.11.1. das Cláusulas Gerais do Caderno de Encargos, sob pena de pagamento à autora da quantia a arbitrar pelo Tribunal, não inferior a €25,00, por cada dia de atraso no cumprimento da decisão, a título de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do disposto no artigo 829.°-A do Código Civil.

Subsidiariamente ao pedido pecuniário formulado, a título principal, na precedente alínea a), quando seja entendido que o mesmo é improcedente, seja a ré condenada:

c) A pagar-lhe a quantia de €189.152,65 (cento e oitenta e nove mil cento e cinquenta e dois euros e sessenta e cinco cêntimos), a título de reposição do equilíbrio financeiro, por ser a compensação pecuniária necessária a ressarci-la da parcela dos seus custos fixos que não foi amortizada pela facturação real atingida.

A ré contestou por impugnação, sustentando, em resumo, que nunca se obrigou a pedir a execução de trabalhos correspondentes a 70% do valor estimado, pois esta percentagem constituía um mero valor referencial, não sendo devidos os valores peticionados pela autora, cujas pretensões carecem de suporte legal ou contratual, concluindo, desse modo, pela total improcedência da acção.

Saneado o processo, foi proferida imediata decisão de mérito que, na total improcedência da acção, absolveu a ré dos pedidos formulados pela autora.

Discordando dessa decisão, apelou a autora, com parcial êxito, tendo a Relação de Lisboa confirmado a absolvição dos pedidos principais, os aludidos em a) e b), e, negando procedência à ampliação do objecto do recurso apresentada pela ré, manteve intocável o quadro factual, mas concluiu que a ré cumpriu defeituosamente o contrato, tendo que indemnizar a autora pelos prejuízos causados, revogou a decisão da 1ª instância, quanto ao pedido subsidiário, determinando que os autos prossigam para julgamento em ordem ao apuramento do montante desses prejuízos alegados nos art.ºs 71º a 79º da petição inicial.

Agora inconformada, interpôs a ré recurso de revista, finalizando a sua alegação, com as seguintes conclusões:

1. Em causa no presente recurso estão duas questões jurídicas essenciais: a) se existia, ou não, uma obrigação contratual associada à realização de 70% de um plano de investimento da BB; b) se a impugnação da matéria de facto em sede de contestação deve, ou não, ser motivada, sob pena de rejeição, sendo que a decisão deste ponto é subsidiária em relação ao primeiro.

2. A referência a 70%, constante do Programa do Procedimento do concurso (ponto 1.3.2.), não corresponde a uma obrigação contratual a cargo da Setgás de solicitara trabalhos à AA naquela percentagem face ao valor do contrato de empreitada, mas apenas um referencial, em função dos dados que estavam disponíveis e das previsões de crescimento do negócio da BB, cuja concretização dependia das necessidades efectivas de ampliação, na zona em causa, de infraestruturas de distribuição de gás.

3. As necessidades efectivas de ampliação de infraestruturas de distribuição de gás não estavam, nem estão, na disponibilidade da BB, antes dependendo dos contratos de fornecimento que esta celebra com os clientes e das solicitações destes, tendo sido por esse motivo que a empreitada foi contratualizada no regime de série de preços, sendo os respectivos trabalhos pagos em função das quantidades executadas à luz das concretas solicitações efectuadas pela BB – 2.2.1. do caderno de encargos e cláusula 7ª, n.º 1, do contrato de empreitada.

4. Não existe qualquer obrigação contratual assumida pela BB de solicitar à AA trabalhos correspondentes a 70% do valor contratual, pelo que a BB cumpriu pontualmente o contrato de empreitada, não lhe podendo ser imputada qualquer violação de uma obrigação contratualmente assumida.

5. Ao conformar a situação jurídicas dos autos como de cumprimento defeituoso (incumprimento parcial) do contrato de empreitada e de uma obrigação contratual centrada na referida parcela de 70%, o acórdão recorrido incorreu em violação de lei substantiva por erro de aplicação dos artigos 397º, 798º e 799º do Código Civil.

6. Em sede de análise da ampliação do âmbito do recurso, o acórdão recorrido rejeitou a alteração do decidido pela 1ª instância a propósito do facto provado N) que traduz a alegação do artigo 14º da petição inicial, por considerar que, no artigo 61º da contestação, a BB se limitou a impugnar aquele artigo da petição inicial sem adequada motivação.

7. A fundamentação do acórdão recorrido diverge da fundamentação da 1º instância, que se limitou a dar como provado, por acordo, o facto N), sendo também contraditório com o entendimento que resulta do acórdão proferido pela Relação de Lisboa de 4 de Dezembro de 2012, no âmbito do processo n.º 1022/03.5TBMTJ.L1-7.

8. Este acórdão e o recorrido foram proferidos no domínio da mesma previsão normativa e sobre a mesma questão fundamental de direito, que se reconduz unicamente a saber se, ao impugnar genericamente os factos da petição inicial, sem concretizar uma especial motivação, o réu tomou posição definida sobre os factos alegados na petição inicial, em termos que permitissem considerar esses factos devidamente impugnados.

9. Na contestação, a BB tomou posição definida sobre os factos que constituem a causa de pedir, tendo impugnado expressa e especificamente o artigo 14º da petição inicial, em termos que exprimem claramente a negação desse facto, o que é relevante e suficiente para efeitos do artigo 574º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

10. Ao julgar improcedente a ampliação do objecto do recurso antes requerida pela BB, o acórdão recorrido incorreu em violação de lei processual, máxime dos artigos 574º, n.º 1, e 674º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, designadamente porque a matéria do artigo 14º da petição inicial foi expressamente impugnada, não é matéria pessoal e encontra-se em contradição com toda a defesa considerada no seu conjunto, pelo que não poderia ser considerada como provada.

11. Deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue improcedente o pedido subsidiário da AA.

12. Para o caso de se manter o decidido quanto ao prosseguimento dos autos para produção de prova e julgamento dos alegados prejuízos, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que considere não provado o facto N) ou determine que a 1ª instância altere, em conformidade, a decisão sobre matéria de facto, em função da impugnação feita na contestação.  

A autora ofereceu contra-alegação a pugnar pelo insucesso do recurso e, colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II - Fundamentação de facto

A factualidade dada como provada, nas instâncias, é a seguinte:

A. Em 16 de Novembro de 2012, a Comissão Executiva da R. decidiu promover o Concurso Público Limitado por Prévia Qualificação para a Contratação de Construção de Extensões de Redes de Distribuição, Ramais e sua Manutenção (2013-2 01 5) na Concessão da BB: "Área Oeste — Concelhos de Almada, Seixal e Sesimbra — Tipologias A e 13" e "Área Leste — Concelhos de Alcochete, Barreiro, Benavente, Moita, Montijo, Palmela e Setúbal — Tipologia B", nos termos que constavam do respectivo Programa do Procedimento (Doc. 1 junto com a p.i. que aqui se dá por integralmente reproduzido).

B. O Procedimento destinava-se a seleccionar dois empreiteiros diferentes para a realização, distinta e separada, de cada uma das áreas geográficas postas a Concurso (Cfr. ponto 1.3. do Programa de Procedimento — Doc. 1).

C. Resulta do disposto na citada disposição do Programa de Procedimento que, na Área Leste foi exigida a disponibilidade de recursos humanos e meios de intervenção para acudir às intervenções que ocorram nesta Área, estando prevista, para o primeiro ano de contrato, a construção de 20.600 m de extensões de redes de distribuição secundária, 650 ramais, sua manutenção e realização de intervenções de emergência, num montante máximo de 1.260.000 (um milhão duzentos e sessenta mil) euros (Cfr. ponto 1.3.2. do Programa de Procedimento — Doc. 1).

D. Resulta da citada disposição concursal que as quantidades previstas em cada área "não constituem compromisso firme, podendo ser revistas." (Cfr. ponto 1.3.2. do Programa de Procedimento — Doc. 1).

E. Bem como que "face à evolução económico-financeira, pode verificar-se a necessidade de ajustamentos ao valor de investimentos e aos prazos de implementação. Nestas condições o Dono da Obra assegura 70% do valor do investimento em cada período contratual." (Cfr. ponto 1.3.2. do Programa de Procedimento — Doc. 1).

F. A R. impôs aos concorrentes que, na proposta, considerassem a existência de um Estaleiro permanente, cuja análise influenciaria os critérios de adjudicação (Cfr. ponto 1.5. do Programa de Procedimento — Doc. 1).

G. E informou os concorrentes que o empreiteiro a quem fossem adjudicados os trabalhos deveriam comprometer-se "(...) em assegurar a mobilização de meios e equipamentos nas Áreas objecto deste procedimento, (...)." (Cfr. ponto 1.5. do Programa de Procedimento — Doc. 1).

H. De acordo com o artigo 5.° do Programa de Procedimento, os trabalhos deveriam ser executados após assinatura do Contrato, a ocorrer em Janeiro de 2013, no prazo máximo de 52 semanas contadas do Auto de Consignação da Obra, que se previu ocorrer em Maio de 2013, para a Área Leste (Cfr. Doc. 1).

I. De acordo com a mesma disposição do Procedimento, os preços resultantes do concurso são firmes para o período inicial de vigência do contrato (um ano), não se reconhecendo ao Empreiteiro qualquer direito a alteração do preço, ainda que sobrevenham circunstâncias previsíveis ou imprevisíveis que tornem mais difícil ou oneroso o cumprimento das suas obrigações (Cfr. ponto 5.4. do Programa do Procedimento — Doc. 1).

J. De acordo com o artigo 14.° do Programa do Procedimento, na instrução da proposta, para cada Área, os concorrentes deveriam ter em conta, entre outros aspectos, que a não mobilização em obra dos meios humanos e equipamentos, na quantidade e qualidade indicadas pelo Adjudicatário, conferia à R. a prerrogativa jurídica de poder rescindir o Contrato sem que assistisse ao empreiteiro o direito a reclamar qualquer verba indemnizatória por esse facto.

K. De acordo com o disposto na cláusula 13.4, alínea c) das Cláusula Gerais do Caderno de Encargos (NPI¬UNGP-015.GIR, Revisão 1), se ocorrer uma redução superior a 20% do preço contratual, o Empreiteiro teria o direito a proceder à resolução do contrato (Doc. 2 que aqui se dá por integralmente reproduzido).

L. Por sua vez, de acordo com a cláusula 15.1. das mesmas Cláusulas Gerais de Caderno de Encargos, o Contrato só poderia ser alterado por acordo entre as Partes, sendo tais alterações formalizadas através de aditamento (Cfr. Doc. 2).

M. A A. participou no referido Procedimento através da apresentação da respectiva proposta, com o preço de € 861.784,00.

N. Na formação do preço proposto, a A. teve em conta todas as disposições acima destacadas do Programa do Procedimento e do Caderno de Encargos.

O. A A. ficou classificada em 1.° lugar na Área Leste.

P. E assim, por Contrato de Prestação de Serviços, identificado com o n.° 4/2313, celebrado em 28 de Fevereiro de 2013, a R. adjudicou à A. "Empreitada de Construção de Extensões de Redes de Distribuição, Ramais e sua Manutenção na Concessão da Setgás Área Leste — Concelhos de Alcochete, Barreiro, Benavente, Moita, Montijo, Palmela e Setúbal — Tipologia B" (Doc. 3 junto com a p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido).

Q. De acordo com a cláusula 1.6 do Contrato, a Empreitada consistia na realização de todos os trabalhos necessários à sua boa e integral execução, conforme definido no Contrato e seus anexos (Cfr. Doc. 3 — cláusula 1.a).

R. O Contrato teve o seu início em 1 de Abril de 2013 e a realização dos trabalhos deveria ser concluída até 31 de Março de 2014 ou até ser realizado o valor contratual de E 861.784,00, caso este se mostrasse exaurido antes da data mencionada (Cfr. Doc. 3 — cláusula 3.8, n.° 1).

S. Em cumprimento do disposto na cláusula 6.8 do Contrato e do ponto 1.11.1. das Cláusulas Gerais do Caderno de Encargos, a A. prestou à R. uma garantia bancária de boa execução — garantia n.° GRE 13036, emitida pelo Banco CC em 5 de Fevereiro de 2013, no valor de E 43.089,20 (Doc. 4 junto com a p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido).

T. Decorre das citadas disposições do Contrato e das Cláusulas Gerais do Caderno de Encargos que no caso de este ser ampliado ou serem realizados trabalhos a mais, a A. teria de reforçar a caução contratual em montante equivalente a 5% do acréscimo, de modo a que esta reflectisse sempre 5% do valor total executado (Cfr. Docs. 3 e 2).

U. Em 31 de Março de 2014 o Contrato terminou por decurso do prazo, nos termos previstos na cláusula 3.8, n.° 1.

V. Uma vez que a A., no exercício da faculdade que lhe é conferida pelos ns. 2 e 3 da citada disposição contratual, não aceitou prorrogar a sua vigência.

W. À data da cessação do Contrato, a A. executou tarefas cujo valor total ascendeu E 415.704,36.

X. Por carta ref.8 PT 1.../01.../FGS de 28 de Abril de 2014, a A. transmitiu à R. o seu entendimento de que esta havia violado o compromisso contratualmente assumido de assegurar ao adjudicatário 70% do valor do investimento (Doc. 5 junto com a p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido).

Y. E, também, que a frustração da facturação mínima assegurada pela R. comprometeu inexoravelmente o equilíbrio económico-financeiro subjacente à sua proposta de preço (Cfr. Doc. 5).

Z. Solicitou, pois, à R. o pagamento do montante de € 187.544,44, correspondente à diferença verificada entre o valor mínimo de investimento por esta assegurado, 603.248,80, e o valor total do investimento real efectuado, 415.704,36 (Cfr. Doc. 5).

AA. Na sua carta de 28 de Abril, a A. pediu, ainda, à R. a redução do montante da garantia de boa execução prestada, de modo a que este correspondesse a exactamente 5% do valor total facturado.

BB. A R. indeferiu ambos os pedidos que lhe foram formulados pela A. através da sua carta ref. 8 STGADM¬0.../14/man de 7 de Julho de 2014 (Doc. 6 junto com a p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido).

CC. Em face de tal resposta, a A. decidiu recorrer ao mecanismo legal de resolução de conflitos previsto no ponto 18.3 das Cláusulas Gerais do Caderno de Encargos (Cfr. Doc. 2), e, no dia 7 de Julho de 2014, através da sua mandatária, notificou a R. para a apresentação de uma proposta de resolução amigável do diferendo (Doc. 7 junto com a p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido).

DD. A R. nada respondeu.

EE. Pelo que A., através da sua mandatária, voltou a dirigir-se à R., decorrido o prazo contratualmente estabelecido para ser alcançada a resolução amigável do diferendo, por carta de 8 de Setembro de 2014, informando-a de que considerava a via conciliatória esgotada (Doc. 8 junto com a p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido).

FF. Mais uma vez, a R. nada respondeu.

GG. Na cláusula 2.2.1 da Norma de Procedimento/Caderno de Encargos referida em K estipulou-se o seguinte "O preço da Empreitada é pago com base nos preços unitários estabelecidos no anexo ao Contrato, aplicáveis a cada espécie de trabalho ou serviço a levar a efeito pelo Empreiteiro às quantidades efectivamente executadas e medidas nos termos estabelecidos em 3.1.1 e 3.4".

HH. Na cláusula 11a do contrato referido em P a U 0 contrato prevalece sobre todos e quaisquer documentos que lhe sejam anexos. São anexos ao presente contrato fazendo parte integrante do mesmo, os seguintes documentos, apresentados por ordem de prevalência: Anexo 1-Programa de Procedimento seus anexos e eventuais esclarecimentos...;Anexo 2-Caderno de Encargos ..."

II. No art.27° do Programa de Procedimento referido em K estipula-se que "Em tudo o omisso no presente Programa de Procedimento, relativamente à fase de contratação, observar-se-á o disposto no Código dos Contratos Públicos".

LL. Na cláusula 6 do Contrato referido em P a U o valor da caução contratual é de €43.089,00 correspondente a 5% do valor estimado do contrato, devendo ser reforçada em caso de prorrogação do mesmo ou realização de trabalhos a mais.

   III – Fundamentação de direito

A apreciação e decisão do presente recurso de revista passam, atentas as conclusões da alegação da recorrente (art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil), pela análise e resolução da primeira questão jurídica por ela colocada a este tribunal e que consiste em determinar se, como decidiu o acórdão recorrido, a acção deverá prosseguir para fixar o montante indemnizatório que é devido à autora pela ré em resultado do cumprimento defeituoso do contrato de empreitada entre elas estabelecido e, subsidiariamente, se o facto constante da alínea N) do elenco factual foi objecto de válida impugnação e não deverá ser tido por assente.

Antes, convém frisar que, não obstante o acórdão, no segmento decisório aqui equacionado, ter determinado o prosseguimento do processo para julgamento não cai no âmbito do n.º 2 do art.º 671º do Cód. Proc. Civil, sendo susceptível de impugnação através do recurso de revista admitido (art.º 671º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil), na medida em que o ordenado prosseguimento do processo, para fixação da indemnização, pressupõe decisão de mérito traduzida no expresso entendimento de que houve por parte da ré cumprimento defeituoso do contrato.

Esclarecido isto, importa sublinhar que o contrato de empreitada foi celebrado, no âmbito da contratação pública, e está sujeito, por isso, ao regime instituído pelo Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de janeiro.

Segundo tal Código, o programa do procedimento é o regulamento que define os termos a que obedece a fase de formação do contrato até à sua celebração (artigo 41º), o caderno de encargos é a peça do procedimento que contém as cláusulas a incluir no contrato a celebrar (jurídicas, económicas e técnicas, gerais e especiais - artigo 42º), constituindo a proposta a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo (artigo 56º).

Daqui decorre que o programa do procedimento consiste apenas num guia do procedimento pré-contratual, definindo os termos a que obedece a fase de formação do contrato até à sua celebração, enquanto o caderno de encargos, por contraposição àquele, funciona já como um projeto de contrato, prevendo as obrigações de ambas as partes em sede de execução contratual.  

Sucede que o acórdão recorrido, sufragando a argumentação da autora, para concluir pelo incumprimento defeituoso do contrato, lançou âncora ao ponto 1.3.2. do programa de procedimento, referido em E. do elenco factual, dele retirando que a ré, na qualidade de dono da obra, se teria obrigado a garantir 70% do valor do investimento, independentemente dos trabalhos efectivamente realizados. Não atentou, porém, que esse ponto não consta do caderno de encargos, de cujo ponto 2.2.1. resulta que a ré apenas se comprometeu a pagar os trabalhos que fossem realizados pela autora, o que está em perfeita consonância, aliás, com o que consta da cláusula 7ª do contrato (cfr. fls. 211) que estipula, no seu n.º 1, que “o pagamento do preço só é devido relativamente aos trabalhos e demais prestações objecto da presente empreitada que tenham sido executados, medidos e incorporados na obra, nas condições fixadas neste contrato e nos documentos que o integram”.

É certo que o programa de procedimento constitui o anexo n.º 1 do contrato de empreitada e, de acordo com a cláusula 11ª deste, é parte integrante do mesmo, mas não é menos verdade que, nos termos dessa mesma cláusula, o contrato prevalece sobre todos e quaisquer documentos que lhe sejam anexos. Quer dizer, não obstante o programa de procedimento prever a vinculação futura mínima da ré no pagamento de 70% do valor do investimento previsto, tanto o caderno de encargos como o contrato a seguir celebrado não contemplam essa obrigação da ré. Pelo contrário, ambos a excluíram, na medida em que expressamente estabelecem que o pagamento é feito em função e em contrapartida dos trabalhos efectivamente realizados pela empreiteira (a autora).

Esta interpretação decorre da economia e carácter oneroso do contrato, tem plena correspondência no respectivo documento (art.º 238º do Cód. Civil), corresponde à que faria um declaratário medianamente sagaz, prudente e diligente e conduz também a um maior equilíbrio das prestações. É, pois, este o sentido que melhor é comportado pelas cláusulas que definem o iter da formação do contrato, as inseridas no programa do procedimento, e as constantes quer do caderno de encargos, quer do contrato escrito, essas sim delimitadoras do objecto contratado e que terão, portanto, que prevalecer sobre as primeiras, nos termos da boa hermenêutica interpretativa.

Deste modo, assiste razão, à ré (a recorrente) em se insurgir contra o decidido pela Relação que, salvo o devido respeito, não fez a melhor interpretação do clausulado no contrato celebrado, quando entendeu que a mesma estava vinculada a garantir o pagamento à autora de, pelo menos 70% do valor do investimento, e concluiu que ocorrera cumprimento defeituoso a justificar a subsequente fixação de indemnização. Tal decisão não merece subsistir, sendo antes de sufragar o que, a tal propósito, entendeu e decidiu a 1ª instância.

Anote-se ainda que, procedendo, neste ponto, a revista, fica prejudicada, desde logo, a apreciação da questão subsidiariamente colocada pela recorrente, a relativa à validade da impugnação que deduziu no tocante à alínea N) do elenco factual.   


IV – Decisão

Nos termos expostos, decide-se conceder a revista, revogando-se o acórdão recorrido, na parte em que entendeu ocorrer cumprimento defeituoso e determinou o prosseguimento da acção, absolvendo-se a ré também do pedido subsidiário.

 Custas (em todas as instâncias) pela autora.


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Anexa-se sumário do acórdão (art.ºs 663º, n.º 7, e 679º, ambos do CPC).

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Lisboa, 06 de Julho de 2017


António Piçarra (relator)

Fernanda Isabel Pereira

Olindo Geraldes