Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1837/10.8TBCTB.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: CONDIÇÃO
INTERPRETAÇÃO DO TESTAMENTO
VONTADE DO TESTADOR
VOCAÇÃO SUCESSÓRIA
ASSOCIAÇÃO
CAPACIDADE SUCESSÓRIA
SUCESSÃO DO ESTADO
ENCARGO DA HERANÇA
Data do Acordão: 10/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA DO STJ - Nº 259 - A. XXII - T. III/2014 -P. 75-81
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PESSOAS COLECTIVAS - FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS SUCESSÕES / ABERTURA DA SUCESSÃO E CHAMAMENTO DOS HERDEIROS / CAPACIDADE SUCESSÓRIA / ENCARGOS DA HERANÇA / SUCESSÃO LEGÍTIMA / SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA.
Doutrina:
- Antunes Varela, in RLJ, Ano 102º, 39 e ss..
- Artur Marques e Helder Leitão, Direito das Sucessões, 4ª edição, segundo as preleções do Doutor Pereira Coelho ao 4º Ano Jurídico de 1966-67, Unitas, 1970, 61 e 62, 151 e nota (1), 154, 175, 178, 275.
- Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, II, 3ª edição renovada, Coimbra Editora, 2002, 77 e 78.
- Castro Mendes, in RDES, 24, 102, 103, 105; RLJ, Ano 108º, 45.
- Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, IX, Coimbra Editora, 1935, 566.
- F. Santoro-Passarelli, Teoria Geral do Direito Civil, Atlântida, Coimbra, 1967, 158, 160, 169, 170.
- Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, refundido e atualizado, Coimbra Editora, 2002, 283.
- Guilherme de Oliveira, O Testamento, Apontamentos, 98 a 104.
- Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 2ª reimpressão, Almedina 1966, 393, 394.
- Maria Rosário Palma Ramalho, “Sobre a Doação Modal”, O Direito, Ano 122º (1990), III-IV (Julho-Dezembro), 738.
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, 583, 584.
- Oliveira Ascensão, “A teoria geral do negócio jurídico e o negócio testamentário”, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, I, Direito da Família e das Sucessões, Coimbra Editora, 2004, 879 e nota (11) e 880.
- Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2012 - 7ª edição, Almedina, 532.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, VI, Coimbra Editora, 1998, 33, 36, 304 e 305, 386, 387.
- Vaz Serra, RLJ, Ano 112º, 75 e 76.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 158.º, N.ºS 1 E 2, 167.º, N.º1, 168.º, N.ºS 1, 2 E 3, 185.º, Nº 1, 236.º, N.º1, 270.º, 2033.º, N.º 1 E N.º2, AL. A), 2042.º, 2068.º, 2069.º, 2071.º, N.º1, 2133º, Nº 1, A) A E), 2147º, 2152.º, 2179.º, N.º 1, 2180.º, 2187.º.
REGIME DO REGISTO NACIONAL DAS PESSOAS COLETIVAS: - ARTIGO 33.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 8-2-1974, BMJ Nº 234º, 293;
-DE 17-10-1985, Pº Nº 072191, WWW.DGSI.PT ;
-DE 3-5-1990, BMJ Nº 397, 448;
-DE 15-1-2002, Pº Nº 01A4049; WWW.DGSI.PT;
-DE 7-2-2006, Pº Nº 05A4273;
-DE 12-3-2013, Pº Nº 5077/05.4TVLSB.L1.S1.
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ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 7/97, DE 25-2-1997, BMJ Nº 464, 58.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 3-3-1961, JR, ANO 7º, 1961, TOMO I, 457 A 461.
Sumário :
I - A distinção entre a condição e o modo há-de resolver-se, de harmonia com as particularidades da espécie e as regras de interpretação, devendo, em caso de dúvida, em nome do princípio da conservação dos negócios jurídicos, entender-se que o negócio deve considerar-se antes modal que condicional, até pela maior consistência daquele relativamente a este último.

II - A condição e o modo referem-se à eficácia do negócio, mas, enquanto que a condição suspensiva torna incertos, no todo ou em parte, os efeitos típicos do negócio, que não se produzem, imediatamente, mantendo-se o período da pendência, até à verificação ou não verificação do evento condicionante, o modo enxerta ou acrescenta aos efeitos típicos outros efeitos, acessórios ou secundários, relativamente aos primeiros, mas os efeitos negociais típicos produzem-se, imediatamente, sem modificações, não tornando incertos os efeitos da disposição, ao contrário do que acontece com a condição.

III - O beneficiário onerado com o encargo modal pode ser obrigado ao seu cumprimento, ao passo que nenhuma obrigação resulta da cláusula condicional.

IV - Na cláusula sob reserva, não é exigido ao beneficiário qualquer prestação, como sucede na cláusula modal, em que o disponente usa o direito potestativo que a cláusula contratual lhe confere de sacar sobre o beneficiário a obrigação de cumprir a prestação a que se encontra vinculado, dentro do limite do valor dos bens dispostos, não ficando o beneficiário, na cláusula sob reserva, adstrito ao cumprimento de qualquer dever jurídico autónomo, em relação à prestação dispositiva, limitando-se este a aceitar a limitação do conteúdo do objeto da atribuição efectuada, ad initio, pelo disponente.

V - A instituição de herdeiro do remanescente de todos os bens do testador, com a condição de o beneficiário lhe prestar toda a assistência de que viesse a necessitar, enquanto fosse vivo, impõe a este um encargo, no interesse do disponente, isto é, o cumprimento do dever jurídico autónomo de assistência, enquanto vivo fosse, em ordem a limitar-lhe o benefício recebido, através da prestação dispositiva, que não constitui uma disposição condicional ou uma cláusula com reserva, mas antes uma deixa testamentária que contém uma cláusula modal.

VI - A fixação do sentido e alcance das disposições testamentárias realiza-se, indistintamente, em função de quatro coordenadas fundamentais, isto é, de acordo com «a vontade do testador», «conforme o contexto do testamento», com a admissibilidade de «prova complementar», mas com o limite para a relevância da última vontade do testador, de que «tenha no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa».

VII - A denominação escolhida pelo testador de “L. S. S…”, para a futura associação a constituir, a quem beneficiou com uma deixa testamentária, mas que, por imperativo legal, que o RNPC acolheu, passou a adoptar “L. Homenagem a S. S…”, em obediência ao princípio da novidade, destinado a garantir a sua inconfundibilidade, respeitou ainda a provável intenção ou vontade real do testador, de acordo com o texto das disposições exaradas no testamento.

VIII - São pressupostos da vocação sucessória a titularidade da designação sucessória prevalente, a existência do chamado e a sua capacidade sucessória, por ocasião da morte do de cujus.

IX - A constituição de uma associação que ainda não existia, à data da abertura da sucessão do de cujus, que efetuou a favor da mesma uma deixa testamentária, por não dispor de capacidade sucessória, não é destinatária da vocação, não podendo, em consequência, ser beneficiária do testamento realizado.

X - Na falta de herdeiros das três primeiras classes da sucessão legal, são chamados à sucessão os restantes colaterais, até ao quarto grau, sem que haja direito de representação nesta classe de sucessíveis, ao contrário do que sucede na classe anterior, pelo que, inexistindo colaterais, até ao 4.° grau de parentesco, o Estado passou a ser chamado, supletivamente, em 5.° e último lugar. Devendo cumprir, subsequentemente, o encargo da herança resultante da execução do testamento, em benefício do respectivo destinatário.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:

             

            “AA” e “BB” propuseram a presente ação declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra CC, todos, suficientemente, identificados nos autos, pedindo que, na sua procedência, seja reconhecida a validade e eficácia do testamento, outorgado por DD, em 15 de Dezembro de 2009, no Cartório Notarial de Castelo Branco [1] e sejam declarados nulos e de nenhum efeito os registos efectuados, a favor da ré, dos prédios descritos em 41º da petição inicial, emitindo-se a respetiva certidão que permita o seu cancelamento [2].

            Com vista a alcançar a finalidade visada com a ação, as autoras alegam, em síntese, que tendo o aludido DD falecido, em 17 de Agosto de 2010, outorgou o mesmo um testamento, em que instituiu vários legatários, sendo que nele, também, nomeou herdeira do remanescente dos seus bens a “associação a constituir, com a denominação BB”, com sede na ..., ..., Castelo Branco, desde que tal herdeira lhe prestasse toda a assistência de que necessitasse enquanto vivo.

Embora o autor AA tivesse, então, já iniciado a construção do edifício, onde se instalaria o BB, sempre se disponibilizou a prestar ao testador todos os cuidados e assistência que este solicitasse, o que aconteceu, esporadicamente.

A autora BB foi, efectivamente, constituída, em 18 de Outubro de 2010, por não ter sido autorizada a denominação “BB”, pelo que com a concretização da prestação de cuidados ao falecido DD e a construção do aludido lar, estão preenchidos os factos requeridos pelo testador.

A ré foi habilitada como única herdeira legítima do aludido DD, sob a falsa invocação do não cumprimento da condição imposta no testamento e, com base nessa habilitação, a mesma procedeu ao registo, em seu nome, da aquisição, por via hereditária, dos bens que eram pertença do falecido, sendo certo que estes registos são nulos, porquanto se encontram suportados por um título que não é válido.

Na contestação, a ré excepciona a ilegitimidade do autor AA, porquanto já existia, à data do testamento, e o testador, sabendo-o, não o instituiu logo como seu herdeiro, e a falta de capacidade sucessória da autora BB, uma vez que só veio a constituir-se, após a morte do testador.

Porém, a entender-se, de outro modo, a ré invoca que, pelo menos, não foi cumprida a condição estabelecida no testamento, pois não só a “associação a constituir” nunca se constituiu, em vida do testador, como nunca lhe prestou a requerida assistência em vida, cuidados que sempre foram, exclusivamente, prestados pelo Lar ..., onde, de resto, o mesmo viria a falecer, concluindo pela improcedência de todos os pedidos formulados e com a invalidade da habilitação da autora BB.

Na réplica, os autores refutam as exceções aduzidas, reiterando a factualidade já explicitada, na petição inicial, e concluindo da mesma forma.

No saneador, declarou-se o autor AA parte legítima, e, a final, a sentença julgou a acção, parcialmente, procedente, por, parcialmente, provada, declarando-se válido o testamento efectuado por DD, em 15 de Dezembro de 2009, e absolvendo-se a ré do demais peticionado.

Desta sentença, os autores interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação, revogando, em parte, a sentença e, em função disso, julgou a acção improcedente, por não provada, relativamente ao autor AA, absolvendo-se a ré dos pedidos por ela formulados [A] e, procedente por provada, relativamente à autora BB, pelo que condenou a ré a ver declarada a validade e eficácia do testamento, aludido em 2, 3 e 4 dos factos provados, e, nomeadamente, a reconhecer a referida segunda autora como única herdeira, aí instituída, do remanescente dos bens do falecido DD, ordenando-se o cancelamento de todos os registos de aquisição de imóveis lavrados a favor da ré, com base na escritura de habilitação de herdeiros, a que se reporta o nº 11 dos factos provados [B].

Do acórdão da Relação de Coimbra, a ré interpôs agora recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que julgue improcedente o pedido formulado pela autora BB, confirmando a decisão proferida pela 1ª Instância, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem:

1ª – É pacificamente aceite na doutrina e na jurisprudência que na interpretação dos testamentos, como é o caso nos presentes Autos, a vontade real do testador deve aferir-se, atento o disposto no artigo 2187º do Código Civil, em função do contexto do testamento e da prova complementar, sendo que esta não pode ser atendida se as conclusões obtidas por essa via não tiverem um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso no texto do testamento.

2ª - Nos Autos está provado que, não só que na data em que o Testamento foi outorgado, o Testador já necessitava de cuidados e tratamentos que recebia no Lar …  em ..., como mais ficou provado que as obras que o mesmo pretenderia fossem feitas para a construção do lar que ele desejava frequentar tinham já sido iniciadas pela aqui 1ª Autora, entidade que o mesmo bem conhecia, como ficou provado.

3ª - Mais ficou provado que do Testamento não consta a vontade de o Testador instituir como herdeira a 1ª Autora.

4ª - Pelo que, é certo que o Testador não poderia querer beneficiar com a deixa Testamentária que introduziu no Testamento em causa nos presentes Autos a obra, ou o referido edifício, cuja construção foi iniciada por aquela, pois se assim fosse por certo teria instituído como herdeira a Associação já existente, que ele bem sabia tinha iniciado a construção de um edifício com o objetivo de nele instalar um lar de terceira idade para prestar nomeadamente alojamento aos respetivos utentes.

5ª - Acresce que, as mesmas pessoas que integram os órgãos diretivos da 1ª Autora, são os que integram os órgãos diretivos da 2ª Autora;

6ª - Mais se verificando que a 2ª Autora não tem a denominação exigida de forma clara e expressa pelo Testador na deixa testamentária.

7ª - É pois manifesto que a 2ª Autora, que tem como órgãos as mesmas pessoas que a 1ª Autora, e tem sede no edifício que a mesma estava a construir já em vida do Testador, e não tem a denominação indicada expressamente no testamento, não é nem pode ser a beneficiária que o Testador quis instituir como sua herdeira no Testamento em causa nos presentes Autos.

8ª - Na esteira do que vem sendo dito, impõe-se referir que é pacificamente aceite na Jurisprudência que é, necessariamente, "objecto de exclusão aquela interpretação que não recolha um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa, no conteúdo formal do documento lavrado" - cfr. Ac. STJ, in www.dgsi.pt, 12.01.2010, Proc. 33/08.9YRGMR.S1.

9ª - Acresce ainda o aresto proferido no proc. 259/10.5TBESP.PI.SI, do STJ, que refere expressamente que, "A/o interpretação do testamento vale a vontade querida pelo testador, apenas com a limitação da exigência da repercussão literal mínima, ainda que imperfeitamente expressa no contexto do testamento, exigida pela sua natureza formal.

Essa interpretação, de cariz subjetivista, a refletir o sentido atribuído à declaração pelo respetivo autor, deve ser acolhida reportada ao tempo da elaboração e aprovação do texto, mas sem desprezar a globalidade das circunstâncias reconhecíveis ao tempo da sua abertura.

Esgotado o processo interpretativo, as declarações negociais do testador não podem ser objeto de integração, por ampliação, se a cláusula não prevista corresponder a uma adição de previsão factual que não encontra correspondência na vontade expressa no contexto do testamento."

10ª - Atento o que, é manifesto que a 2ª Autora não é, nem pode ser a Entidade referida pelo Testador na Disposição Testamentária em causa nos presentes Autos, devendo em consequência ser julgado totalmente improcedente, por não provado o pedido relativamente à Autora, absolvendo-se a Ré, aqui Recorrente dos pedidos por ela formulados.

SEM CONCEDER,

11ª - No Acórdão ora em crise foi entendido que a disposição Testamentária em apreço não é uma condição em sentido próprio, mas, antes, um encargo ou modo, traduzido como uma conduta específica a preencher pelo já herdeiro de pleno direito.

12ª - Sucede que a 2.a A., tal como resulta inequivocamente provado, apenas foi constituída vários meses após a morte do Testador, verificando-se neste intervalo de tempo um hiato em que o remanescente da herança por ele deixado se encontra num vácuo legalmente inadmissível, já que não se enquadra em nenhuma das situações que a lei contempla com a capacidade sucessória.

13ª - Situação que se mantinha à data em que foi outorgada a habilitação de herdeiros a favor da Ré, aqui Recorrente.

14ª - Se a intenção do Testador fosse, QUE NÃO FOI, estipular uma condição realizável após o respetivo falecimento, ou até nem estipulasse nenhuma condição e apenas instituísse herdeira do remanescente a "associação a constituir", estaríamos perante uma situação análoga à sucessão dos concepturos, esta sim, legalmente prevista e tutelada.

15ª - Mas, nesta hipótese o Testador teria que o ter declarado na disposição Testamentária - O QUE NÃO FEZ - que pretendia, após a morte, ver o seu património afeto à constituição da dita entidade jurídica e, nomeando a associação constituída herdeira do remanescente, impor-lhe-ia um encargo que ela cumpriria ou não, mas mantendo sempre a qualidade de herdeira instituída.

16ª - Ora, não se afigura à Recorrente que este fosse o desígnio, e muito menos a vontade do Testador, pois consta de forma clara e expressa do Testamento que ele condicionou a instituição de herdeiro a uma associação que ele queria fosse constituída em sua vida para que lhe prestasse a assistência e os cuidados indicados, facto que não pode ser derrogado pela eventual prova testemunhal produzida, atentas as regras de interpretação do Testamento, que limitam a "pretensa" vontade real, impondo que a mesma não é suscetível de derrogar a vontade do Testador que expressamente consta do texto.

17ª - O testamento data de Dezembro de 2009, e que o Testador faleceu em Agosto de 2010, sendo este intervalo de tempo mais do que suficiente para que a 2ª A. se constituísse e lhe prestasse a assistência pretendida, tanto mais que como ficou provado a construção do edifício estava já em curso, e as pessoas que vieram a integrar os órgão diretivos da 2ª Autora, são as mesmas que vieram a integrar a 2ª Autora, tratando-se a constituição da mesma de uma mera formalidade que não estava dependente de qualquer ato ou omissão.

18ª - Atento o que a 2ª Autora, NUNCA PODERIA SER A BENEFICIÁRIA INDICADA PELO TESTADOR NA DISPOSIÇÃO TESTAMENTÁRIA EM CAUSA NOS PRESENTES AUTOS.

19ª - Não pode ter sido vontade do Testador que expressamente exigiu a constituição de uma entidade específica, que identificou nominalmente, com o objetivo de a mesma lhe prestar cuidados e assistência, instituir herdeira do remanescente da sua herança uma qualquer associação que pudesse vir a ser constituída, seja por quem for, com denominação diversa da indicada, mais de dois meses após o seu falecimento.

20ª - O facto de a 2ª R. não se ter constituído em vida do Testador, retira-lhe necessariamente vocação sucessória para ser instituída herdeira do remanescente da herança daquele, até porque nada impedia que tal tivesse ocorrido, pelo contrário, estando a construção do edifício iniciada, faria todo o sentido que a mesma se tivesse entretanto constituído para lograr conduzir as obras e obter o fim almejado, que era a criação de um lar de 3ª idade.

21ª - Entender diferentemente desvirtua de forma cabal a vontade e propósito do Testador, elementos que são, como se sabe, os únicos fatores que podem e devem ser atendidos na interpretação do texto testamentário, ultrapassando de forma manifestamente excessiva, por legalmente inadmissível a vontade do Testador que resulta do Texto expresso do Testamento.

22ª - A concluir-se como no Acórdão ora em crise, parece resultar que qualquer Associação que se constituísse, em qualquer altura, desde que com sede em ..., poderia ser admitida como herdeira do remanescente da herança do de cujus, o que obviamente não é legalmente admissível.

23ª - E nem se diga que para tanto contribuiu o facto de o de cujus não querer beneficiar a Recorrente com o testamento, pois nunca a Recorrente quis fazer prova do contrário.

24ª - Entendendo diferentemente o douto acórdão proferido violou de forma expressa e direta o disposto no Art. 2187º do CC, pelo que deve ser revogado e substituído por um que, julgando improcedente o pedido formulado pela 2ª Autora, confirme a decisão proferida pela 1ª Instância.

AINDA SEM PRESCINDIR,

25ª - E, admitindo ainda que por mera hipótese académica que assim não venha a ser entendido, a Recorrente não se conforma ainda com o Acórdão ora em crise, no que concerne à atribuição de capacidade sucessória à Autora.

26ª - A questão da capacidade sucessória tem que ser interpretada à luz do disposto no Artigo 2033º do Código Civil, não aceitando a Recorrente o que veio a ser entendido no Acórdão ora em crise a tal respeito, designadamente que possa vir a ser atribuída capacidade sucessória à aqui 2ª Autora.

27ª - Sendo que NA OBRA CITADA NO Acórdão para sustentar a posição defendida o Autor apenas defende no eu respeita à capacidade sucessória das pessoas coletivas a constituir, tal é possível e legalmente admissível quando o Testador deixa os respetivos bens para constituir a dotação de uma fundação a constituir, até porque tal hipótese está expressamente prevista no Artigo 185º do Código Civil.

28ª - Ora, salvo melhor opinião, este não é manifestamente o caso dos Autos, desde logo porque não estamos perante uma deixa testamentária na qual esteja previsto que os bens deverão constituir a dotação de uma fundação.

29ª - As Associações nos termos do disposto no Artigo 168º do Código Civil, ao contrário das fundações, não podem constituir-se por testamento.

30ª - Mas, ainda que por analogia pudéssemos transpor tal hipótese para o caso em apreço aplicando os mesmos princípios à associação a constituir (o que apenas por hipótese de raciocínio se concebe), o certo é que, no caso em apreço, da disposição testamentária resulta expressamente que os bens se destinam a uma associação que terá que estar previamente constituída, não tendo sido intenção do Testador que os mesmos viessem a constituir a dotação necessária, e muito menos fossem condição para a constituição da associação.

31ª - Assim resultando do artº 2033º que apenas têm capacidade sucessória as pessoas não físicas que estejam constituídas à data do óbito, é manifesto que a 2ª Autora não tinha, como não tem capacidade sucessória à data da abertura da sucessão, em nada relevando a constituição tardia da mesma.

32ª - Até porque, no caso dos Autos não estamos perante nenhuma das excepções legalmente previstas, pois só se vislumbram duas outras situações em que o chamamento possa ocorrer de forma distinta: a dos artº 185.º, n.º 1 e do art.º 197.º.

33ª - Nos presentes autos, e porque não tratamos da existência de qualquer Fundação (185º, n.º 1), teríamos que subsumir a situação de facto em apreço ao disposto no art. 197º do C.C., no entanto que, este preceito apenas admite liberalidades em favor de associações sem personalidade jurídica as quais considera feitas aos respetivos associados.

34ª - No caso em análise, não só não existia, à data do óbito, qualquer associação, ainda que sem personalidade jurídica, como, nem sequer, e como tal, seria possível identificar quais os seus associados (até porque o Testador não identifica qualquer pessoa nessa qualidade, podendo até entender-se que queria excluir as pessoas que integravam a 1ª Autora, uma vez que não as instituiu voluntariamente como herdeiras), sendo assim inaplicável o disposto no Artigo 197º ao caso aqui em apreço.

35ª - É, pois, inevitável concluir que a 2ª A. não cumpre qualquer requisito legalmente imposto para que possa considerar-se que tem capacidade sucessória e, nesses termos, poder ser como considerada herdeira testamentária do testador, devendo em consequência improceder necessariamente o pedido formulado pela 2ª Autora.

36ª - Entendendo diferentemente o douto acórdão proferido violou de forma expressa e direta o disposto no Art. 2033º do CC, pelo que deve ser revogado e substituído por um que, julgando improcedente o pedido formulado pela 2ª Autora, confirme a decisão proferida pela 1ª Instância.

Os autores não apresentaram contra-alegações.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:

1. No dia 17 de Agosto de 2010, às 09.00 horas, faleceu o Sr. DD, nascido a 21.12.1928, viúvo, natural da freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, filho de EE e de FF.

2. O Sr. DD deixou testamento, outorgado no dia 15 de Dezembro de 2009, no Cartório Notarial de Castelo Branco, sito na Rua …, n.º … – 1.º Andar, lavrado pela respectiva notária, GG.

3. Por esse testamento, o testador instituiu vários legatários, a quem fez diversos legados dos seus bens.

4. Nesse testamento, o Sr. DD declarou: “Que institui herdeira do remanescente de todos os seus bens, a associação a constituir, que vai adoptar a denominação “BB”, com sede na ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, com a condição de essa instituição lhe prestar toda a assistência de que necessitar enquanto for vivo, nomeadamente alojamento, alimentação, vestuário e cuidados médicos”.

5. Pelo referido testamento do dia 15 de Dezembro de 2009, o Sr. DD revogou qualquer outro testamento feito, anteriormente, nomeadamente, o outorgado, naquele Cartório, a 03 de Novembro de 2009, exarado a partir de fls. trinta do respectivo livro número três – T.

6. A Associação “BB” foi constituída, no dia 18 de Outubro de 2010, no Cartório Notarial, sito na Rua …, … – ….º, em Lisboa, perante o notário HH.

7. O escopo social da referida Associação é a prossecução dos seguintes fins:

- A criação e administração de um lar de terceira idade;

- Prestação de cuidados continuados a idosos e famílias carenciadas;

Nomeadamente, confecção e distribuição de alimentos e apoio domiciliário;

- Apoio médico e fornecimento de medicamentos;

- Criação de instalações de convívio e apoio a idosos.

8. Esta associação nunca prestou ao Sr. DD qualquer tipo de assistência, nomeadamente, de alojamento, alimentação, vestuário e cuidados médicos.

9. O Sr. DD vivia, no Lar …, em ..., onde veio a falecer, não recorrendo, naquela altura, nomeadamente, em matéria de alojamento, alimentação e vestuário, à assistência da 1.ª autora, por dela não precisar, já que era providenciada pelo lar onde vivia.

10. Os órgãos directivos do AA, associação sem fins lucrativos, com o NIPC … , com sede na ..., s/n, na freguesia de ..., no concelho de Castelo Branco, e da Associação “BB”, que foi constituída, no dia 18 de Outubro de 2010, são compostos pelas mesmas pessoas.

11. No dia vinte e três de Setembro de dois mil e dez, perante II, notária no concelho de Lisboa, no seu Cartório, na Avenida …, Lote…, Loja …, na referida cidade de Lisboa, compareceram: JJ, KK, e, LL. Que declararam que, “no dia dezassete de Agosto de dois mil e dez, na freguesia ..., concelho de Castelo Branco, faleceu DD, natural da freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, sem descendentes nem ascendentes vivos, sem irmãos ou sobrinhos vivos, no estado de viúvo de MM, com ultima residência habitual no Lar … em ..., concelho de Castelo Branco.

Que o falecido deixou testamento público, efectuado no cartório notarial em Castelo Branco de GG Prudente, em quinze de Dezembro de dois mil e nove, exarado a fls. 45 a 46 verso, do Livro de Testamentos e Escrituras de Revogação de Testamentos numero 3-T, no qual efectuou vários legados e dispôs:

Que institui herdeira do remanescente de todos os seus bens, a associação a constituir, que vai adoptar a denominação “BB”, com sede na ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, com a condição de essa instituição lhe prestar toda a assistência de que necessitar enquanto for vivo, nomeadamente alojamento, alimentação, vestuário e cuidados médicos.”

Mais declararam “que é do conhecimentos dos declarantes que a referida associação não foi constituída e que o falecido DD teve a sua ultima residência habitual no Lar …, em ..., Castelo Branco.

Que não existe qualquer instituição registada com a denominação “BB”, nos registos do Governo Civil de Castelo Branco, não foi dado início de actividade nos serviços de Finanças de Castelo Branco e não existe qualquer inscrição no Registo de Pessoas Colectivas…

Que assim ao falecido sucedeu como sua única herdeira:

A prima:

CC, natural da freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, viúva, residente no Centro Comunitário NN, em Castelo Branco.

Que não existem outras pessoas que segundo a lei e o invocado testamento possam preferir à indicada herdeira, ou que com ela possam concorrer nesta sucessão.”

12. Aquando da celebração da escritura de habilitação da ré, como única e universal herdeira do Sr. DD, aquela já tinha conhecimento da existência do testamento, por ele celebrado no dia 15 de Dezembro de 2009.

13. No seu testamento, exarado no dia 15 de Dezembro de 2009, o Sr. DD não fez qualquer referência à ré CC, seja na qualidade de herdeira, seja na qualidade de legatária.

14. Também, em nenhum outro dos seus testamentos anteriores, o Sr. DD não fez qualquer referência à ré CC, seja na qualidade de herdeira, seja na qualidade de legatária.

15. Com na habilitação de herdeiros, lavrada no dia vinte e três de Setembro de dois mil e dez, que a declara como única e universal herdeira do Sr. DD, a ré já procedeu, em 06 de Outubro de 2010, pelas apresentações 535 e 734, ao registo de propriedade, em seu nome, do património hereditário dos bens que eram pertença do referido DD, que era constituído, à data da sua morte, pelos seguintes bens:

- prédio urbano, sito na Rua …, ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo …;

- prédio urbano, sito no Largo …, ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 475;

- prédio urbano, sito em …, …, freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número 407, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 900;

- prédio urbano, sito na Avenida …, ..., freguesia de …, concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 34;

- prédio urbano, sito no Largo …, ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 85;

- prédio urbano, sito no Largo …, ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 86;

- prédio urbano, sito no Largo …, ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 758;

- prédio urbano, sito no Largo …, ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 87;

- prédio rústico, sito em …, freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo …- Secção O.

- prédio rústico, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 10 - Secção O.

- prédio rústico, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 18 - Secção F;

- prédio rústico, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 35 Secção A;

- prédio rústico, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 15 - Secção E;

- prédio rústico, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo … - Secção D;

- prédio rústico, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 5 - Secção F;

- prédio rústico, sito em ... (...), freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número ..., da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 13 - Secção G;

- prédio urbano, sito na Rua …, ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo …;

- prédio rústico, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o actual artigo … - Secção D (resultou da desanexação do artigo 181 - Secção D);

- prédio rústico, denominado "...", freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob número que se desconhece, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2 - Secção G. 20; -

- prédio urbano, denominado "...", sito em ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo …;

- prédio rústico, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo … - Secção D;

- prédio rústico, sito em …, freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 78 - Secção D.

- fracção autónoma, destinada a habitação, designada pela letra "O", correspondente ao terceiro andar, esquerdo sul-poente, letra "A", do prédio urbano, sito em ... à …, freguesia de Torres Vedras (S. Pedro e Santiago), concelho de Torres Vedras, descrito na Conservatória de Registo Predial de Torres Vedras, sob o número …, da freguesia de Torres Vedras (S. Pedro e Santiago), inscrito na respectiva matriz sob o artigo ….

16. O AA, associação sem fins lucrativos, com o NIPC …, com sede na ..., s/n, na freguesia de ..., no concelho de Castelo Branco, já estava constituído, no dia 15.12.2009, quando o Sr. DD outorgou o seu testamento.

17. Do texto do testamento outorgado pelo Sr. DD, no dia 15.12.2009, não consta a sua vontade declarada no sentido de instituir sua herdeira a Associação AA, aqui primeira autora.

18. Na habilitação de herdeiros, junta aos autos com a PI, como doc. n.º1, consta que “…o falecido, DD, deixou como única herdeira, por vocação testamentária, a associação, hoje constituída, “BB”, com sede na ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco”, e que “…não existem outras pessoas que segundo a lei ou o testamento, possam preferir ou concorrer com a herdeira instituída na sucessão à herança”.

19. Sabendo da morte do Sr. DD, a ré averiguou, junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, se existia alguma associação constituída, com a denominação “BB”, com sede na ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco.

20. E, só depois de receber uma resposta negativa do referido organismo consultado e verificada a existência dessa associação, a ré procedeu à sua habilitação, como única e universal herdeira do Sr. DD.

21. Em 18.10.2010, aquando da outorga da habilitação da 2.ª autora, como herdeira do Sr. DD, as pessoas que integravam a direcção das duas autoras sabiam que aquela havia sido constituída naquela mesma data, que não tinha a denominação que ele indicou no testamento e que a mesma nunca prestou quaisquer cuidados ou assistência àquele.

22. Em 15.12.2009, a 1.ª autora não tinha os equipamentos necessários para que fosse possível prestar cuidados e assistência, diurna e nocturna, a quem dela necessitasse.

23. Presentemente, a associação constituída, “BB”, ainda não tem instalações próprias concluídas, nem presta qualquer tipo de cuidados ou assistência.

24. Já em 03 de Novembro de 2009, o Sr. DD tinha outorgado um testamento, do qual já constava a mesma deixa a favor da “BB”.

25. Nessa data, o Sr. DD já vivia, no Lar …, em ....

26. E, nesse testamento, não se faz qualquer referência à aqui ré.

27. A Associação AA, associação sem fins lucrativos, com o NIPC …, com sede na ..., s/n, na freguesia de ..., no concelho de Castelo Branco, comunicou ao Sr. DD a sua disponibilidade para lhe prestar os cuidados e assistência que este solicitasse quando entendesse ter deles necessidade, nomeadamente, para lhe prestar serviços de refeições, e participação em convívios e ocupação do seu tempo.

28. O Sr. DD participou, em alguns convívios, no AA, de ....

29. O Sr. DD tinha a expectativa de vir a alojar-se no lar, pertença da associação a constituir, com a denominação “BB”, com sede na ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco.

30. Em 15 de Setembro de 2009, aquando da outorga do testamento, pelo Sr. DD, as obras do lar que viria a pertencer à associação a constituir, com sede na ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, já tinham iniciado.

31. E foi o AA que iniciou essa construção de um lar.

32. Obra essa que ainda hoje decorre.

33. E tem em vista proporcionar aos seus utentes a satisfação de todas as necessidades, em matéria de assistência, designadamente, em matéria de alojamento, alimentação, vestuário e cuidados médicos.

34. Assistência essa que ocorrerá, quer em período diurno, quer em período nocturno.

35. O que sucederia com o Sr. DD, caso ele solicitasse essa assistência.

36. E é nesse mesmo local que está em construção a sede da associação constituída, “BB”.

37. E é, também, o local onde está em construção o edifício onde irá, futuramente, funcionar o “BB”.

38. O AA prestava e presta assistência diurna a diversas pessoas, designadamente, fornecendo refeições e proporcionando cuidados médicos.

39. A Associação “BB”, constituída no dia 18 de Outubro de 2010, foi, assim, denominada, por não ter sido autorizado, pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas, a denominação de “BB”, como era vontade do Sr. DD.

40. A vontade do Sr. DD, ao inserir a disposição transcrita em 4., no seu testamento de 15.12.2009, foi a de mobilizar meios e vontades que levassem edificação de um lar que pudesse prestar todos os cuidados que qualquer pessoa, incluindo ele próprio, pudesse necessitar, nomeadamente, em matéria de alojamento, alimentação, vestuário e cuidados médicos.

41. E bem assim que lhe fossem prestados todos os cuidados de que necessitasse.

42. E bem assim deixar o remanescente dos seus bens não legados a uma associação a constituir, denominada “BB”.

43. O Sr. DD visou afectar o remanescente dos seus bens a essa Associação a constituir.

43-A (resposta ao nº 19 da b.i.) Não foi vontade do testador que a Associação aludida no testamento fosse, necessariamente, constituída enquanto ele fosse vivo.

44. (resposta ao nº 21 da b.i) Não foi vontade do Sr. DD que, por sua morte, lhe sucedesse, como sua herdeira, a aqui ré.

44-A. (resposta ao nº 22 da b.i) A qual pretendia excluir da sua herança.

45. Em 17-08-2010, fazia parte dos bens deixados por Sr. DD um depósito bancário, numa conta aberta em seu nome, no OO, e ainda uma carteira de acções, tudo no valor de cerca de € 350.000,00.

46. E bem assim, um depósito bancário, efectuado numa conta aberta em seu nome, na PP, no valor aproximado de 20 000,00 Euros.

47. A ré, com o objectivo de se apropriar do valor depositado na conta aberta no Banco OO, enviou a esta instituição a habilitação de herdeiros, onde ela própria figura como única e universal herdeira do Sr. DD.

(Anteriores nºs 48, 49, 50, 51: eliminados).

48. Não era sua vontade (do Sr. DD) fazer depender a constituição dessa associação da afectação à mesma do seu património hereditário.

49. Em 17 de Agosto de 2010, não havia ainda a indicação ou identificação das pessoas designadas para a constituição da futura associação.

50. Em 23.09.2010, aquando da habilitação da ré como herdeira do Sr. DD, aquela tinha conhecimento que este viveu até à sua morte no Lar ... e não recebia assistência de qualquer outra associação que não do referido Lar.

51. Por isso, e por ter procedido em conformidade com o consignado em 19, se convenceu da inexistência da associação pretendida pelo testador.           
                                                               *
Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, são as seguintes:
I - A questão da natureza jurídica da cláusula constante do testamento.

II – A questão da determinação do sentido da vontade do testador ou da prevalência da designação sucessória.

III -  A questão da existência do chamado e da capacidade sucessória da autora “BB”.

I. DA NATUREZA JURÍDICA DA CLÁUSULA CONSTANTE DO TESTAMENTO

I. 1. A sentença proferida, em sede de 1ª instância, considerou que a cláusula aposta no testamento, realizado por DD, tem a natureza de uma «condição», enquanto que o acórdão recorrido a qualificou como «modo».

A condição e o modo são, além de outros, elementos acidentais dos negócios jurídicos, isto é, duas das cláusulas acessórias típicas gerais, o que afasta do conceito de negócios puros aqueles a quem tenha sido aposta uma condição ou um modo.

Ao lado da vontade dirigida, apenas, aos efeitos típicos do negócio, que, então, se designa, como negócio puro, admite-se uma vontade que introduza modalidades, caso em que o negócio se designa de modal, «lato sensu»[2].

            Quando as partes subordinam a um acontecimento futuro e incerto a plena eficácia do ato, a condição diz-se suspensiva, e resolutiva quando as mesmas subordinam a esse acontecimento a súbita cessação da eficácia iniciada, atento o preceituado pelo artigo 270º, do Código Civil (CC).

            Numa perspetiva estrutural ou dogmática, o modo consiste numa cláusula, pela qual, nas doações, liberalidades testamentárias e, eventualmente, noutros negócios gratuitos, o disponente impõe ao beneficiário da liberalidade um encargo, isto é, a obrigação imposta ao beneficiário de uma atribuição patrimonial de adotar um certo comportamento no interesse do disponente, de terceiro, ou do próprio beneficiário[3].

            No aspeto funcional ou instrumental, o modo carateriza-se por não ser o correspetivo ou a contraprestação da disposição patrimonial, mas antes uma simples limitação dela, que, muitas vezes, mas não, necessariamente, se reflete, logo, materialmente, no facto bastante expressivo de o objeto do encargo haver de sair do objeto da atribuição básica (…)[4] e, por isso, a causa do negócio atributivo continua a ser liberal, sem mistura com um elemento de onerosidade[5], porque é menos grave para o instituído e menos incerto quanto à sua execução[6].

            Porém, as duas figuras só podem prestar-se a alguma confusão quando se esteja perante a condição potestativa, em que o evento condicionante é um ato do credor condicional, ou seja, a condição potestativa, «a parte creditoris», sendo certo que a questão da distinção entre a condição e o modo há-de resolver-se de harmonia com as particularidades da espécie e as regras de interpretação, devendo, em caso de dúvida, em nome do princípio da conservação dos negócios jurídicos, entender-se que o negócio deve considerar-se antes modal que condicional, até pela maior consistência daquele relativamente a este último[7].

Quer a condição, quer o modo se referem à eficácia do negócio, mas enquanto que, na condição suspensiva, única modalidade que aqui interessa considerar, a condição torna incertos, no todo ou em parte, os efeitos típicos do negócio, que não se produzem, imediatamente, mantendo-se o período da pendência até à verificação ou não verificação do evento condicionante, o modo enxerta ou acrescenta nos efeitos típicos outros efeitos, acessórios ou secundários, relativamente aos primeiros, mas os efeitos negociais típicos produzem-se, imediatamente, sem modificações, não tornando incertos os efeitos da disposição[8], ao contrário do que acontece com a condição.

Por outro lado, enquanto o beneficiário onerado com o encargo modal pode ser obrigado ao seu cumprimento, nenhuma obrigação resulta da cláusula condicional, podendo afirmar-se, consequentemente, que o modo vincula, enquanto que a condição não obriga[9].

Figura dogmática distinta, mas com alguma aproximação à cláusula modal, é a cláusula sob reserva, na qual não é exigida ao beneficiário qualquer prestação, como sucede na primeira, não ficando adstrito ao cumprimento de qualquer dever jurídico autónomo, em relação à prestação dispositiva, limitando-se o beneficiário com a cláusula sob reserva a aceitar a limitação do conteúdo do objeto da atribuição efetuada, «ad initio», pelo disponente[10].

De todo o modo, na doação com reserva do doador sobre determinada quantia, quando aquele exige essa quantia ao donatário, este fica investido no dever jurídico de lha confiar, transformando-se, assim, a doação com reserva em doação modal[11].

Aliás, a doação já foi qualificada, simultaneamente, como modal e com reserva, numa hipótese de doação com reserva de usufruto e com a obrigação de os donatários cuidarem, carinhosamente, a doadora[12].

Porém, desde que o beneficiário fique vinculado ao cumprimento de uma prestação, está caraterizada a disposição como modal e não sujeita a reserva, quer o dever de efetuar a prestação seja suportado pelas forças do próprio bem disposto, quer pelos restantes bens do património do disponente[13].

É que a liberalidade só deixa de ser qualificada como uma simples doação com reserva para integrar uma autêntica doação com encargos, quando o disponente usa o direito potestativo que a cláusula contratual lhe confere de sacar sobre o beneficiário a obrigação de cumprir a prestação a que se encontra vinculado, dentro do limite do valor dos bens dispostos[14].

I. 2. Revertendo à factualidade que ficou consagrada, importa reter, neste particular, que, no dia 15 de Dezembro de 2009, DD realizou uma deixa testamentária, em que instituiu vários legatários, a quem fez diversos legados dos seus bens, declarando ainda “Que institui herdeira do remanescente de todos os seus bens, a associação a constituir, que vai adoptar a denominação “BB”, com sede na ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, com a condição de essa instituição lhe prestar toda a assistência de que necessitar enquanto for vivo, nomeadamente alojamento, alimentação, vestuário e cuidados médicos”.

Nessa data, as obras de construção do edifício onde iria, futuramente, funcionar o “BB”, já tinham sido iniciadas, pelo autor AA, com vista a proporcionar aos seus utentes a satisfação de todas as necessidades, em matéria de assistência, designadamente, alojamento, alimentação, vestuário e cuidados médicos, como sucederia com o testador, caso ele solicitasse essa assistência, mas que ainda decorriam, pelo menos, à data do encerramento da audiência de discussão e julgamento.

Efetivamente, o referido testador viria a falecer, no dia 17 de Agosto de 2010, no Lar …, em ..., não recorrendo, naquela altura, nomeadamente, em matéria de alojamento, alimentação e vestuário, à assistência do autor AA, por dela não precisar, já que era providenciada pelo aludido lar, onde vivia, embora na expectativa de vir a alojar-se no lar pertença da associação a constituir, com a denominação “BB”.

Sabendo da morte do testador, a ré averiguou, junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, se existia alguma associação constituída, com a denominação “BB”, com sede na ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, e, depois de receber uma resposta negativa e verificada a existência da “BB”, a ré promoveu a celebração, no dia 23 de Setembro de 2010, de escritura pública de habilitação de herdeiros, onde se declarou que, “no dia dezassete de Agosto de dois mil e dez, na freguesia ..., concelho de Castelo Branco, faleceu DD,…, sem descendentes nem ascendentes vivos, sem irmãos ou sobrinhos vivos, no estado de viúvo de MM,….

Que o falecido deixou testamento público, efectuado no cartório notarial em Castelo Branco…, em quinze de Dezembro de dois mil e nove,…, no qual efectuou vários legados e dispôs:

Que institui herdeira do remanescente de todos os seus bens, a associação a constituir, que vai adoptar a denominação “BB”, com sede na ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, com a condição de essa instituição lhe prestar toda a assistência de que necessitar enquanto for vivo, nomeadamente alojamento, alimentação, vestuário e cuidados médicos.”

Mais se declarou, então, “que é do conhecimentos dos declarantes que a referida associação não foi constituída e que o falecido DD teve a sua ultima residência habitual no Lar …, em ..., Castelo Branco.

Que não existe qualquer instituição registada com a denominação «BB», nos registos do Governo Civil de Castelo Branco, não foi dado início de actividade nos serviços de Finanças de Castelo Branco e não existe qualquer inscrição no Registo de Pessoas Colectivas…

Que assim ao falecido sucedeu como sua única herdeira:

A prima:

CC, natural da freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, viúva, residente no Centro Comunitário NN, em Castelo Branco.

Que não existem outras pessoas que segundo a lei e o invocado testamento possam preferir à indicada herdeira, ou que com ela possam concorrer nesta sucessão”.

Aquando da celebração da predita escritura de habilitação da ré CC, como única e universal herdeira de DD, aquela já tinha conhecimento da existência do testamento, por este celebrado, no dia 15 de Dezembro de 2009.

Com base na habilitação de herdeiros, acabada de considerar, a ré procedeu, em 6 de Outubro de 2010, ao registo de propriedade, em seu nome, de vários prédios urbanos e rústicos, que constituíam o património hereditário dos bens que eram pertença do referido DD.

Porém, no dia 18 de Outubro de 2010, foi constituída, por escritura pública, a “BB”, por não ter sido autorizado, pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas, a denominação de “BB”, como era vontade do testador, cujo escopo social é a prossecução da criação e administração de um lar de terceira idade e a prestação de cuidados continuados a idosos e famílias carenciadas, mas sem nunca ter prestado ao testador qualquer tipo de assistência, nomeadamente, de alojamento, alimentação, vestuário e cuidados médicos.

Seguidamente, no próprio dia 18 de Outubro de 2010, no mesmo cartório notarial, foi celebrada outra escritura pública de habilitação de herdeiros, onde se declarou que “…o falecido, DD, deixou como única herdeira, por vocação testamentária, a associação, hoje constituída, “BB”, com sede na ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco”, e que “…não existem outras pessoas que segundo a lei ou o testamento, possam preferir ou concorrer com a herdeira instituída na sucessão à herança”.

Aquando da outorga desta última escritura de habilitação, as pessoas que integravam a direcção dos dois autores sabiam que a autora “BB” havia sido constituída, naquela mesma data, que não tinha a denominação que o «de cujus» indicou no testamento e que a mesma nunca prestou quaisquer cuidados ou assistência ao testador.

A “BB” ainda não tem instalações próprias concluídas, nem presta qualquer tipo de cuidados ou assistência.

A “Associação AA” comunicou ao testador a sua disponibilidade para lhe prestar os cuidados e assistência que este solicitasse, quando entendesse ter deles necessidade, nomeadamente, para lhe prestar serviços de refeições e estar presente em convívios para ocupação do seu tempo, tendo o mesmo participado, em alguns convívios, no AA, de ....

A vontade do testador, ao instituir herdeira do remanescente de todos os seus bens, a associação a constituir, que vai adoptar a denominação “BB”, foi a de mobilizar meios e vontades que levassem à edificação de um lar que pudesse prestar todos os cuidados que qualquer pessoa, incluindo ele próprio, pudesse necessitar, nomeadamente, em matéria de alojamento, alimentação, vestuário e cuidados médicos.

Contudo, não foi sua intenção que a associação a criar fosse, necessariamente, constituída, enquanto ele estivesse vivo, tendo-se, igualmente, demonstrado que não foi sua vontade que, por sua morte, lhe sucedesse, como sua herdeira, a aqui ré, a quem pretendia excluir da sua herança.

I. 3. Efetivamente, DD instituiu herdeiro do remanescente de todos os seus bens, a associação a constituir, que vai adoptar a denominação “BB”, com a condição de a mesma lhe prestar toda a assistência de que viesse a necessitar, enquanto fosse vivo, nomeadamente, ao nível do alojamento, alimentação, vestuário e cuidados médicos, numa altura em que as obras de construção do edifício, onde iria, futuramente, funcionar a aludida associação, já tinham sido iniciadas, e, decorrido pouco mais de oito meses, viria a falecer, no Lar …, em ..., não recorrendo à assistência do autor AA, por dela, então, não precisar, porquanto era providenciado pelo aludido lar, onde vivia, muito embora o mesmo lhe tenha comunicado a sua disponibilidade para lhe prestar os cuidados e assistência que este solicitasse, quando entendesse ter deles necessidade, nomeadamente, para lhe prestar serviços de refeições e participar em convívios e ocupação do seu tempo, tendo o mesmo estado presente em alguns convívios daquele autor.

O DD instituiu na deixa testamentária a aludida cláusula limitativa, com o propósito de mobilizar meios e vontades que conduzissem à edificação de um lar que pudesse prestar todos os cuidados que qualquer pessoa, incluindo ele próprio, pudesse necessitar, nomeadamente, em matéria de alojamento, alimentação, vestuário e cuidados médicos, embora não tenha sido sua vontade que a associação fosse, necessariamente, constituída, enquanto ele estivesse vivo, ainda que vivesse na expectativa de vir a alojar-se no lar, pertença da associação, que se constituiu dois meses após a sua morte, mas cujas instalações não haviam sido concluídas, nem prestando ainda qualquer tipo de cuidados ou assistência.

Deste modo, instituindo herdeiro do remanescente de todos os seus bens a associação a constituir, que iria adoptar a denominação “BB”, com a condição de a mesma lhe prestar toda a assistência de que viesse a necessitar, enquanto fosse vivo, nomeadamente, ao nível do alojamento, alimentação, vestuário e cuidados médicos, o testador impôs ao beneficiário da liberalidade um encargo, no interesse do disponente, isto é, o cumprimento do dever jurídico autónomo de assistência, enquanto vivo fosse, em ordem a limitar-lhe o benefício recebido, através da prestação dispositiva, sendo certo que o testador não reclamou do beneficiário a obrigação de cumprir a prestação a que este se encontrava vinculado.

Não se está, assim, perante uma disposição condicional ou uma cláusula com reserva, mas antes, indiscutivelmente, perante uma deixa testamentária que contém uma cláusula modal, muito embora os efeitos negociais típicos da mesma, que não, obviamente, os respetivos efeitos, acessórios ou secundários, se não produzam, imediatamente.

Com efeito, sendo o testamento “o acto unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles”, atento o estipulado pelo artigo 2179º, nº 1, do CC, sem embargo da sua natureza de ato de disposição patrimonial, «mortis causa», o testador não deixa de ser titular das coisas e dos bens, antes da sua morte, altura em que as disposições testamentárias são abertas e postas em execução, pelo que o beneficiário não é titular dos mesmos antes dessa data, a não ser “de uma expetativa de facto de suceder”[15], não se produzindo, portanto, imediatamente, os efeitos negociais típicos da mesma, ou seja, no caso, o ingresso dos bens deixados no património da entidade beneficiária, o que já não acontece, como é óbvio, sob pena de total subversão do instituto, com a produção dos seus efeitos, acessórios ou secundários, isto é, quanto ao dever jurídico de assistência, a favor do testador.

Se assim não fosse, no âmbito da figura dogmática eleita pelo testador, uma vez que a prestação de assistência deveria ser realizada durante o período da vida daquele, se a obrigação de assistência fosse contemporânea com a produção dos efeitos negociais típicos da deixa testamentária, ficaria reduzida à inocuidade a prestação acessória do beneficiário.

Mas, como o cumprimento da obrigação de assistência, a cargo do beneficiário, não funciona como contraprestação do ato de disposição do testador, aquela ter-se-ia iniciado aquando do conhecimento do conteúdo do testamento, ou, pelo menos, desde o momento em que o testador tivesse dado conhecimento aos autores do encargo contido naquele, porquanto, sendo um negócio unilateral não recetício, a declaração de vontade do testador não tem de ser levada ao conhecimento de ninguém.

De todo o modo, sendo a prestação do beneficiário independente da prestação do disponente, aquela seria exigível, uma vez que a Associação AA tomou conhecimento do seu conteúdo, tendo comunicado ao testador a sua disponibilidade para lhe prestar os cuidados e assistência que este solicitasse, quando entendesse ter deles necessidade, nomeadamente, para lhe prestar serviços de refeições e participar em convívios de ocupação do seu tempo.

Porém, o testador entendeu declinar, então, a exigibilidade do início do cumprimento da prestação assistencial, sendo seu propósito mobilizar meios e vontades que levassem à edificação de um lar que pudesse prestar todos os cuidados que qualquer pessoa, incluindo ele próprio, viesse a necessitar, mas não, obrigatoriamente, que a associação estivesse constituída, enquanto ele fosse vivo, limitando-se, então, a participar em alguns convívios organizados pelo autor AA.

De todo o modo, o testador DD teve nas suas próprias mãos a chave da solução da questão de saber se a entidade associativa constituenda estava a ser conduzida, em conformidade com a sua vontade mais profunda, porquanto, sendo o testamento um ato, livremente, revogável, ao abrigo do preceituado pelo artigo 2179º, nº 1, do CC, poderia ter posto fim ao mesmo, como já o havia feito, em relação a um outro, anteriormente, outorgado, sendo certo, também, que se não provou que se não encontrasse no uso das suas faculdades inteletuais, no lapso de tempo, de pouco mais de oito meses, que decorreu ente a feitura daquele e a sua morte.

II. DA DETERMINAÇÃO DA VONTADE DO TESTADOR / PREVALÊNCIA DA DESIGNAÇÃO SUCESSÓRIA

II. 1. Começa a ré por alegar, a este propósito, que é manifesto que a autora “BB”, por não ter a denominação indicada, expressamente, no testamento, não é, nem pode ser a beneficiária que o testador quis instituir como sua herdeira no mesmo.

A delimitação da interpretação do sentido da vontade do testador encontra-se, desde logo, consagrada, no artigo 2187º, do CC, que prescreve, no seu nº 1, que “na interpretação das disposições testamentárias observar-se-á o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento”, acrescentando o respetivo nº 2, que “é admitida prova complementar, mas não surtirá qualquer efeito a vontade do testador que não tenha no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa”, complementada pelo artigo 2180º, do mesmo diploma legal, que comina com a sanção da nulidade o “testamento em que o testador não tenha exprimido cumprida e claramente a sua vontade,…”.

O mencionado artigo 2187º, constitui uma deriva, de natureza subjetivista, em relação à doutrina objetivista da teoria da impressão do destinatário, consagrada pelo artigo 236º, nº 1, ambos do CC, para os negócios jurídicos em geral.

A fixação do sentido e alcance das disposições testamentárias realiza-se, indistintamente, em função de quatro coordenadas fundamentais, isto é, de acordo com «a vontade do testador», real ou psicológica, ou seja, com a intenção do testador, «conforme o contexto do testamento», com a admissibilidade de «prova complementar», mas com o limite para a relevância da última vontade do testador, de que «tenha no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa»[16], “para permitir o máximo de aproveitamento da vontade do testador, o que significa que se leva, “o mais longe possível o subjetivismo, mas a vontade tem de encontrar apoio num mínimo de formalização”[17].

II. 2. Ficou provado, no que interessa à matéria da presente questão decidenda, que, no dia 15 de Dezembro de 2009, DD, tendo como propósito mobilizar meios e vontades que levassem à edificação de um lar que pudesse prestar todos os cuidados que qualquer pessoa, incluindo ele próprio, viesse a necessitar, nomeadamente, em matéria de alojamento, alimentação, vestuário e cuidados médicos, instituiu herdeira do remanescente de todos os seus bens, a associação a constituir, que iria adoptar a denominação “BB”, com sede na ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco.

Porém, no dia 18 de Outubro de 2010, foi constituída, por escritura pública, a “BB”, por não ter sido autorizado, pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas, a denominação de “BB”, como era vontade do testador, cujo escopo social é a prossecução da criação e administração de um lar de terceira idade e a prestação de cuidados continuados a idosos e famílias carenciadas.

Deste modo, sendo vontade do testador instituir como herdeira do remanescente de todos os seus bens, a associação a constituir, com a denominação “BB”, com sede na ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, a fim de prestar todos os cuidados que qualquer pessoa pudesse necessitar, nomeadamente, em matéria de alojamento, alimentação, vestuário e cuidados médicos, foi constituída uma associação, dez meses depois, com idêntico escopo social e sedeada no mesmo local, mas com a denominação “BB”, por não ter sido autorizada, pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas, a denominação de “BB”.

O elemento distintivo da «denominação» da associação a constituir, a que alude o artigo 167º, nº 1, do CC, tem subjacente o princípio da novidade, destinado a garantir a sua inconfundibilidade, atento o preceituado pelo artigo 33º, nº 1, do Regime do Registo Nacional das Pessoas Coletivas, razão pela qual, certamente, o nome a adotar escolhido pelo testador, como “BB”, teve de dar lugar, por imperativo legal que o Registo Nacional de Pessoas Colectivas observou, a “BB”, ou seja, tornou-se indispensável, a fim de respeitar a vontade do testador, intercalar, no nome preferido por este, “BB”, a expressão substantiva “Homenagem”, que significa admiração, preito, reverência, tributo, veneração[18].

Deste modo, a execução do testamento, relativamente à entidade com a denominação “BB”, teve por base o texto das disposições nele exaradas, as quais se inspiraram na provável intenção ou vontade real do testador.

A transmissão «mortis causa» do património do DD, através da via testamentária por ele escolhida, não colide, neste particular, com a alteração da denominação da associação constituída, inexistindo a nulidade da disposição, a que alude o artigo 2180º, do CC, que, a verificar-se, determinaria a eficácia supletiva da sucessão legítima, mas que foi, explicitamente, afastada pela vontade do «de cujus».

Assim sendo, encontra-se, presente, igualmente, o primeiro dos pressupostos da vocação sucessória, ou seja, a prevalência da designação da sucessória testamentária, e não da sucessão legítima, como defendia a ré.

III. DA EXISTÊNCIA DO CHAMADO E DA CAPACIDADE SUCESSÓRIA DA AUTORA

Alega ainda a ré que a autora “BB” não dispõe de vocação sucessória, por se não haver constituído em vida do testador.

Para além do pressuposto da vocação sucessória da prevalência da respetiva designação sucessória, analisado em II, os outros dois pressupostos da vocação sucessória consistem na existência do chamado e na capacidade sucessória, por parte do sucessível, no momento da abertura da sucessão, os quais se poderiam reduzir a um só, que seria o da capacidade sucessória, porquanto as pessoas inexistentes, também, são incapazes, no sentido «lato» desta ultima expressão.

Ora, o chamado há-de existir como pessoa jurídica, no momento da abertura da sucessão, desde logo, no sentido que aqui interessa considerar, de que há-de existir, no momento da morte do autor da sucessão, isto é, tratando-se de uma pessoa coletiva, importa que esteja reconhecida, no momento da abertura da sucessão[19].

A capacidade sucessória é a personalidade jurídica ou a capacidade de gozo ativa de adquirir o direito de suceder «mortis causa» a outrem[20].

Dispõe o artigo 2033º, nº1, que “têm capacidade sucessória, além do Estado, todas as pessoas nascidas ou concebidas ao tempo da abertura da sucessão, não exceptuadas por lei”, acrescentando o seu nº 2 que, “na sucessão testamentária ou contratual têm ainda capacidade: a) Os nascituros não concebidos, que sejam filhos de pessoa determinada, viva ao tempo da abertura da sucessão; b) As pessoas colectivas e as sociedades”.

Assim sendo, na sucessão testamentária, têm capacidade sucessória as pessoas colectivas, ou seja, neste particular, as associações e as fundações.

Devendo a capacidade sucessória existir, por via de regra, no momento da abertura da sucessão, abriram-se três exceções a essa regra, uma das quais respeitava às pessoas coletivas, “quando se trate de pessoa colectiva ainda não constituída, mas cuja fundação o testador tenha ordenado”, dizia-se no nº 2, do § 1º, do artigo 9º, do Anteprojecto de Galvão Telles.

Porém, a eliminação da distinção, quanto à capacidade sucessória, entre pessoas coletivas já constituídas e pessoas coletivas a constituir, por força do testamento, retirada do texto do aludido Anteprojeto, para se consagrar que “na sucessão testamentária…têm ainda capacidade (sucessória) as pessoas coletivas”, obviamente, já constituídas, até com fundamento no argumento «a contrario», que decorre do artigo 2033º, em apreço, no seu nº 1, “todas as pessoas nascidas ou concebidas ao tempo da abertura da sucessão”, e, no seu nº 2, a), “os nascituros não concebidos, que sejam filhos de pessoa determinada, viva ao tempo da abertura da sucessão;”, constitui sinal inequívoco de que o legislador do Código Civil atual, apenas, confere, na hipótese em análise, capacidade sucessória, na sucessão testamentária, às pessoas coletivas já constituídas.

Aliás, as associações não podem constituir-se por testamento, ao contrário do que acontece com as fundações, atento o estipulado pelos artigos 158º, nºs 1 e 2, 168º, nºs 1, 2 e 3 e 185, nº 1, todos do CC[21].

Com efeito, o chamado já há-de ter personalidade jurídica, no momento da abertura da sucessão, a qual, relativamente às pessoas coletivas, se inicia com o reconhecimento do respetivo substrato[22].

Assim sendo, considerando que a autora “BB” não se encontrava ainda constituída, à data da abertura da sucessão do «de cujus», considerando, igualmente, que essa constituição é um requisito de eficácia ou «conditio iuris», por não dispor de capacidade sucessória, não pode ser beneficiária do testamento efetuado, anteriormente, ao falecimento daquele.

Na verdade, se a associação visada pelo DD pudesse ter sido constituída, através de testamento, este não deixaria, por certo, de o fazer, conjuntamente, com a deixa testamentária que realizou.

Deste modo, a deixa testamentária que tenha por objeto a criação de uma associação que ainda não exista, no momento da abertura da sucessão, não podendo reverter para o seu beneficiário, deve considerar-se como um encargo imposto aos sucessores[23].

E os sucessores do DD, falecido, no estado de viúvo, sem ter deixado ascendentes, descendentes ou irmãos e seus descendentes, não são as filhas habilitadas da ré CC, QQ e RR, mas antes o Estado, porquanto, na sucessão legal, na falta de herdeiros das três aludidas classes, são chamados à sucessão os restantes colaterais, até ao quarto grau, sem que haja direito de representação nesta classe de sucessíveis, ao contrário do que sucede na classe anterior, pelo que, inexistindo colaterias, até ao 4º grau de parentesco, onde, na melhor das hipóteses, se situa a ré CC, dada a falta de outros elementos nos autos, o Estado passou a ser chamado, em 5º e último lugar, dentro do perímetro da sucessão legítima, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2133º, nº 1, a) a e), 2147º, 2152º e 2042º, todos do CC.

Deste modo, a autora “BB” não é a destinatária da vocação, porquanto, embora sendo a titular da designação sucessória prevalente, por ocasião da morte do «de cujus», não reunia, a essa data, os dois restantes pressupostos da vocação sucessória, isto é, a existência do chamado e a sua capacidade sucessória.

Dispõe o artigo 2068º, que “a herança responde pelas despesas com o funeral e sufrágios do seu autor, pelos encargos com a testamentaria, administração e liquidação do património hereditário, pelo pagamento das dívidas do falecido, e pelo cumprimento dos legados”, acrescentando o artigo 2071º, ambos do CC, no seu nº 1, que “sendo a herança aceita a benefício de inventário, só respondem pelos encargos respectivos os bens inventariados, salvo se os credores ou legatários provarem a existência de outros bens”.

Pelos encargos da herança é, diretamente, responsável a massa patrimonial que constitui o acervo da herança, a que se reporta o artigo 2069º, do CC, como reflexo da autonomia patrimonial da herança e do seu caráter de universalidade de direito, pelo que os herdeiros, apenas, são responsáveis pelos encargos da herança, na medida em que são titulares dessas massas patrimoniais autónomas, razão pela qual a sua responsabilidade se limita às forças da herança[24].

Como assim, a deixa testamentária não beneficia, imediatamente, a autora “BB”, devido à não verificação dos requisitos da existência do chamado e da capacidade sucessória, na sua pessoa, tendo o Estado, o herdeiro sucessível chamado, supletivamente, de cumprir, subsequentemente, o encargo da herança resultante da execução do testamento, em benefício daquela autora.

Procedem, pois, apenas, em parte, mas sem consequências visíveis na pretensão da ré, as conclusões constantes das alegações da revista da mesma.

CONCLUSÕES:

I - A distinção entre a condição e o modo há-de resolver-se, de harmonia com as particularidades da espécie e as regras de interpretação, devendo, em caso de dúvida, em nome do princípio da conservação dos negócios jurídicos, entender-se que o negócio deve considerar-se antes modal que condicional, até pela maior consistência daquele relativamente a este último.

II - A condição e o modo referem-se à eficácia do negócio, mas, enquanto que a condição suspensiva torna incertos, no todo ou em parte, os efeitos típicos do negócio, que não se produzem, imediatamente, mantendo-se o período da pendência, até à verificação ou não verificação do evento condicionante, o modo enxerta ou acrescenta aos efeitos típicos outros efeitos, acessórios ou secundários, relativamente aos primeiros, mas os efeitos negociais típicos produzem-se, imediatamente, sem modificações, não tornando incertos os efeitos da disposição, ao contrário do que acontece com a condição.

III – O beneficiário onerado com o encargo modal pode ser obrigado ao seu cumprimento, ao passo que nenhuma obrigação resulta da cláusula condicional.

IV - Na cláusula sob reserva, não é exigido ao beneficiário qualquer prestação, como sucede na cláusula modal, em que o disponente usa o direito potestativo que a cláusula contratual lhe confere de sacar sobre o beneficiário a obrigação de cumprir a prestação a que se encontra vinculado, dentro do limite do valor dos bens dispostos, não ficando o beneficiário, na cláusula sob reserva, adstrito ao cumprimento de qualquer dever jurídico autónomo, em relação à prestação dispositiva, limitando-se este a aceitar a limitação do conteúdo do objeto da atribuição efetuada, «ad initio», pelo disponente.

V – A instituição de herdeiro do remanescente de todos os bens do testador, com a condição de o beneficiário lhe prestar toda a assistência de que viesse a necessitar, enquanto fosse vivo, impõe a este um encargo, no interesse do disponente, isto é, o cumprimento do dever jurídico autónomo de assistência, enquanto vivo fosse, em ordem a limitar-lhe o benefício recebido, através da prestação dispositiva, que não constitui uma disposição condicional ou uma cláusula com reserva, mas antes uma deixa testamentária que contém uma cláusula modal.

VI - A fixação do sentido e alcance das disposições testamentárias realiza-se, indistintamente, em função de quatro coordenadas fundamentais, isto é, de acordo com «a vontade do testador», «conforme o contexto do testamento», com a admissibilidade de «prova complementar», mas com o limite para a relevância da última vontade do testador, de que «tenha no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa».

VII - A denominação escolhida pelo testador de “BB”, para a futura associação a constituir, a quem beneficiou com uma deixa testamentária, mas que, por imperativo legal, que o Registo Nacional de Pessoas Colectivas acolheu, passou a adotar “BB”, em obediência ao princípio da novidade, destinado a garantir a sua inconfundibilidade, respeitou ainda a provável intenção ou vontade real do testador, de acordo com o texto das disposições exaradas no testamento.

VIII – São pressupostos da vocação sucessória a titularidade da designação sucessória prevalente, a existência do chamado e a sua capacidade sucessória, por ocasião da morte do «de cujus».

IX - A constituição de uma associação que ainda não existia, à data da abertura da sucessão do «de cujus», que efetuou a favor da mesma uma deixa testamentária, por não dispor de capacidade sucessória, não é destinatária da vocação, não podendo, em consequência, ser beneficiária do testamento realizado.

X - Na falta de herdeiros das três primeiras classes da sucessão legal, são chamados à sucessão os restantes colaterais, até ao quarto grau, sem que haja direito de representação nesta classe de sucessíveis, ao contrário do que sucede na classe anterior, pelo que, inexistindo colaterais, até ao 4º grau de parentesco, o Estado passou a ser chamado, supletivamente, em 5º e último lugar, devendo cumprir, subsequentemente, o encargo da herança resultante da execução do testamento, em benefício do respetivo destinatário.

DECISÃO[25]:


Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista, no seu pedido essencial, e, por falta de existência do chamado e concomitante não verificação de capacidade sucessória da autora “BB”, que, por não ser destinatária da vocação, não beneficia, imediatamente, da deixa testamentária realizada pelo «de cujus», sendo o Estado o herdeiro sucessível chamado, supletivamente, que se condena a cumprir, subsequentemente, o encargo da herança resultante da execução do testamento, em benefício daquela autora.
 Revoga-se, assim, nesta parte, o douto acórdão recorrido, que se confirma, em tudo o mais, ou seja, na parte em que “julgou a acção improcedente por não provada relativamente à 1ª A. AA, absolvendo-se a Ré dos pedidos por ela formulados”, “condenou a Ré a ver declarada a validade e eficácia do testamento aludido em 2, 3 e 4 dos factos provados” e “ordenou o cancelamento de todos os registos de aquisição de imóveis lavrados a favor da Ré com base na escritura de habilitação de herdeiros a que se reporta o nº 11 dos factos provados”.

                                                    *

Custas da revista, a cargo da ré.

                                                    *

Notifique.

Lisboa, 21 de Outubro 2014

Helder Roque (Relator)

Gregório Silva Jesus

Martins de Sousa

____________________
[1] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.
[2] F. Santoro-Passarelli, Teoria Geral do Direito Civil, Atlântida, Coimbra, 1967, 158.
[3] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 2ª reimpressão , Almedina 1966, 393; Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, 583; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, VI, Coimbra Editora, 1998, 386.
[4] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, VI, Coimbra Editora, 1998, 386 e 387; Antunes Varela, RLJ, Ano 102º, 39; Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, refundido e atualizado, Coimbra Editora, 2002, 283.
[5] F. Santoro-Passarelli, Teoria Geral do Direito Civil, Atlântida, Coimbra, 1967, 170.
[6] Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, IX, Coimbra Editora, 1935, 566.
[7] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 2ª reimpressão , Almedina 1966, 394; Vaz Serra, RLJ, Ano 112º, 75 e 76; Guilherme de Oliveira, O Testamento, Apontamentos, 98 a 104.
[8] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, VI, Coimbra Editora, 1998, 387.
[9] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, 584; Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2012 - 7ª edição, Almedina, 532; F. Santoro-Passarelli, Teoria Geral do Direito Civil, Atlântida, Coimbra, 1967, 160 e 169.
[10] Maria Rosário Palma Ramalho, Sobre a Doação Modal, O Direito, Ano 122º (1990), III-IV (Julho-Dezembro), 738.
[11] Antunes Varela, RLJ, Ano 102º, 40 e ss.
[12] RC, de 3-3-1961, JR, Ano 7º, 1961, Tomo I, 457 a 461.
[13] Acórdão de Uniformização de Jurisprudência deste STJ, nº 7/97, de 25-2-1997, BMJ nº 464, 58; STJ, de 12-3-2013, Pº nº 5077/05.4TVLSB.L1.S1, relatado pelo meu Exº 2º Adjunto, Conselheiro Martins de Sousa; STJ, de 7-2-2006, Pº nº 05A4273; STJ, de 15-1-2002, Pº nº 01A4049; www.dgsi.pt; STJ, de 3-5-1990, BMJ nº 397, 448; STJ, de 17-10-1985, Pº nº 072191, www.dgsi.pt
[14] Antunes Varela, RLJ, Ano 102º, 41.
[15] Artur Marques e Helder Leitão, Direito das Sucessões, 4ª edição, segundo as preleções do Doutor Pereira Coelho ao 4º Ano Jurídico de 1966-67, Unitas, 1970, 275.
[16] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, VI, Coimbra Editora, 1998, 304 e 305; Castro Mendes, RDES, 24, 102, 103, 105; RLJ, Ano 108º, 45; STJ, de 8-2-1974, BMJ nº 234º, 293.
[17] Oliveira Ascensão, A teoria geral do negócio jurídico e o negócio testamentário, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, I, Direito da Família e das Sucessões, Coimbra Editora, 2004, 879 e nota (11) e 880.
[18] Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Instituto António Houaiss de Lexicografia Portugal, Temas e Debates, 2003, 4435.
[19] Artur Marques e Helder Leitão, Direito das Sucessões, 4ª edição, segundo as preleções do Doutor Pereira Coelho ao 4º Ano Jurídico de 1966-67, Unitas, 1970, 151 e nota (1) e 154.
[20] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, VI, Coimbra Editora, 1998, 33.
[21] Artur Marques e Helder Leitão, Direito das Sucessões, 4ª edição, segundo as preleções do Doutor Pereira Coelho ao 4º Ano Jurídico de 1966-67, Unitas, 1970, 175.
[22] Artur Marques e Helder Leitão, Direito das Sucessões, 4ª edição, segundo as preleções do Doutor Pereira Coelho ao 4º Ano Jurídico de 1966-67, Unitas, 1970, 154 e 178.
[23] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, VI, Coimbra Editora, 1998, 36.
[24] Artur Marques e Helder Leitão, Direito das Sucessões, 4ª edição, segundo as preleções do Doutor Pereira Coelho ao 4º Ano Jurídico de 1966-67, Unitas, 1970, 61 e 62; R Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, II, 3ª edição renovada, Coimbra Editora, 2002, 77 e 78.
[25] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.