Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10736/18.4T8LSB.1.L1-A.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: LEONOR CRUZ RODRIGUES
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
VALOR DA CAUSA
ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
Data do Acordão: 05/19/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: DEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Sumário :

O recurso interposto com fundamento em imunidade de execução reconhecida em Convenção internacional, que se reconduz à invocação da violação de regras de competência internacional, é admissível independentemente do valor da causa, nos termos do artigo 629.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil.

Decisão Texto Integral:




Procº nº 10736/18.4T8LSB.1.L1-A.S1

4ª Secção

LR/JG/CM

Acordam em conferência na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Notificado do despacho proferido pela relatora em 6.4.2021 – despacho que indeferiu a reclamação que, ao abrigo do disposto no artigo 643º do Código de Processo Civil, deduziu para o Supremo Tribunal de Justiça, sobre despacho do Exmo. Desembargador Relator de 3.2.2021, que lhe não admitira o recurso de revista interposto contra o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 16.12.2020 -, vem agora o Executado/Reclamante CONSULADO-GERAL DO BRASIL EM LISBOA, apresentar reclamação para a Conferência, ao abrigo do disposto no artigo 652º, nº 3, do Código de Processo Civil, invocando, quanto ao mérito, o seguinte:

“II -Quanto ao mérito:

Salvo o devido respeito, o despacho ora Reclamado ao afirmar que em momento algum o Reclamante «…faz referência as regras de competência internacional que determinem a incompetência dos tribunais portugueses, quanto à penhora de suas contas bancárias…» encontra-se, salvo o devido respeito, absolutamente equivocado.

Com efeito, a esse respeito, ao apresentar a Reclamação contra o despacho de não admissão do recurso de revista, proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, a ora Reclamante invocou, textualmente:

«… Com efeito, conforme resulta das conclusões “24ª” à “29ª” do recurso de revista originário (doc 03 junto), as quais dão-se por reproduzidas, o ora Reclamante invocou, inclusivamente, a violação (por parte do douto Acórdão recorrido, do Tribunal da Relação de Lisboa – doc. 04 junto) e conhecimento oficioso de matéria pertinente à incompetência internacional absoluta, dos tribunais portugueses, em ordenar a penhora e bloqueio de suas contas bancárias, em detrimento da imunidade de execução e de penhora relativa às mesmas, por força de fonte de Direito Internacional Público (convenção internacional, costume jurídico e reciprocidade), aliás

como havia reconhecido o despacho judicial de primeira instância que reconheceu tal impenhorabilidade (doc. 05 junto)».

Mas não é só.

Quando em sede de Reclamação originária o ora Reclamante citou o artigo 11.º, do Código de Processo do Trabalho, do Estado Receptor, fê-lo, justamente e, inclusive, porque aquele normativo dispõe, expressamente que «…não podem ser invocados perante os tribunais portugueses os pactos ou cláusulas que lhe retirem competência internacional atribuída ou reconhecida pela lei portuguesa, salvo se outra for a solução estabelecida em convenções internacionais…».

Assim, verifica-se que, contrariamente ao referido pela Decisão ora reclamada, o próprio artigo

11.º, do Código de Processo do Trabalho local, ressalva “outra solução estabelecida em convenções internacionais”, ou seja, a imunidade de execução das repartições consulares, no âmbito diplomático, seja por reciprocidade, costume jurídico, sob a égide do princípio pacta sunt servanda, como fonte de Direito Internacional.

Pelo que, salvo o devido e merecido respeito, que é muito, não se vislumbra como foi possível a Decisão ora Reclamada, afirmar ou fundamentar, verbi gratia, que em “momento algum” o aqui Reclamante fez referência a questão referente as regras de competência internacional que determinem a incompetência internacional dos tribunais portugueses, «…quanto à penhora das suas contas bancárias (…)».

Sem se olvidar, ainda, como suscitado e reclamado anteriormente, que o próprio artigo 629.º, 2, al. a), do Código de Processo Civil, dispõe, quanto a admissão de recurso que:

«...Decisões que admitem recurso

(…)

nº 2- Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

a) Com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado;» (grifo e destaque nosso).

Assim, salvo o devido e merecido respeito, que é muito, contrariamente ao aflorado pelo douto

despacho reclamado, o recurso de revista interposto pelo ora Reclamante é sempre admissível, independentemente do valor fixado à causa.

Pelo que, ao indeferir a Reclamação originária, a Decisão ora reclamada violou, na esteira do despacho de não admissão do recurso de revista, o artigo 629.º, nº 1 e nº 2, al. a), do CPC, bem como o artigo 726.º, nº 2, al. b), ambos do CPC, do disposto pelo artigo 11.º, última parte, do Código de Processo do Trabalho, e, ainda, disposto pelo artigo 22,º nº3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, concluída a 18/04/61 e aplicável, ex vi o disposto pelo artigo 8.º, nº 1, da Constituição da República que a rececionou no Ordenamento Jurídico Interno.

Nos termos do disposto pelo nº 4, do artigo 643.º, do CPC, caso seja proferida decisão que mantenha o despacho reclamado, o mesmo é suscetível de impugnação, ex vi o disposto pelo artigo 652.º, nº 3, do mesmo diploma legal, o qual dispõe que:

«Salvo o disposto no nº 6, do artigo 641.º, quando a parte se considere prejudicada por qualquer decisão do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária…».

Assim, salvo o devido respeito, sendo manifesto o prejuízo do ora Reclamante, em ter suscitado

e invocado concretamente matéria que não foi sindicada e decidida, dada a importância da mesma, ou seja, a imunidade absoluta contra a penhorabilidade de bens e verbas de repartições consulares (no âmbito de relações diplomáticas bilaterais), urge que sob a mesma recaia um Acórdão, nomeadamente quando a própria decisão de Primeira Instância reconheceu e declarou a referida imunidade, pelo que não existe, in casu, dupla conforme, dada a manifesta diferença e discrepâncias manifestas entre as posições decisões de Primeira e Segunda Instâncias.

NESTES TERMOS e, no mais de direito, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, requer-se seja, em sede de conferência, acolhida a presente Reclamação, revogando-se a douta Decisão ora reclamada, substituindo-se por outra que admita o Recurso de Revista interposto, bem como seja ordenado os seus ulteriores termos, a fim de ser julgado por essa Excelsa Corte”.

2. A exequente apresentou resposta, invocando o seguinte:

1. Da decisão que indeferiu a reclamação, veio o aqui reclamante Consulado Geral do Brasil em Lisboa reclamar para a Conferência, repetindo os argumentos já invocados anteriormente e que foram objeto de ponderação do despacho aqui em crise.

2. Ressalvando o devido respeito, o invocado pelo reclamante não permite pôr em causa o entendimento perfilhado pelo douto despacho.

3. Com efeito, como refere o douto despacho, a questão suscitada pelo reclamante reporta-se à impenhorabilidade das contas bancárias, sendo por isso, diverso da incompetência internacional dos tribunais portugueses.

4. Assim sendo, em momento algum o reclamante faz referência a regras de competência internacional que determinem a incompetência internacional absoluta dos tribunais portugueses, quanto à penhora das suas contas bancárias.

5. E mesmo que o fizesse, acabaríamos por concluir que não tinha qualquer razão, na medida em que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para apreciar e ordenar a penhora em apreço

6. Por conseguinte, é indubitável que não estamos perante uma das hipóteses em que o recurso

é sempre admissível, mais concretamente, perante a hipótese prevista na al. a) do nº 2 do art.º 629º do CPC, no que se refere à violação das regras de competência internacional.

7. Assim, e fora dos casos legalmente admissíveis, a lei processual civil consagra, quanto à admissibilidade de recurso, um regime que o faz depender, cumulativamente, do valor da causa e do valor da sucumbência, relevando, no entanto, apenas aquele, em caso de fundada dúvida sobre este, Cf. art.º 629º n.º 1 CPC.

8. Por conseguinte, e como resulta do despacho aqui em crise, deve manter-se o despacho reclamado

Nestes termos e nos demais de direito que V/Exa doutamente suprirá, requer-se que seja indeferida a reclamação à Conferência apresentada pelo reclamante Consulado Geral do Brasil em Lisboa e, confirmado integralmente o despacho reclamado”.

3. O despacho ora reclamado tem o seguinte teor:

1.  O CONSULADO-GERAL DO BRASIL EM LISBOA, executado nos autos à margem referenciados, inconformada com o despacho do Exmo. Desembargador Relator, de 3.2.2021, que não admitiu o recurso de revista que interpôs do acórdão proferido pelo tribunal da Relação em 16 de Dezembro de 2020 vem dele reclamar para o Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo do disposto no artigo 543º do Código de processo Civil.

2. O despacho reclamado tem o seguinte teor “Req. de fls. 110 e s.: Atento o valor da causa e o disposto no art. 629-1 do C.P.C., não se admite o recurso interposto”.

3. A execução foi instaurada na sequência, e com base, da sentença, de 17.6.2018, proferida nos autos emergentes de contrato individual de trabalho em que foi Autora AA e Réu o ora Reclamante Consulado-Geral do Brasil em Lisboa, que declarou ilícito o despedimento da Autora e condenou o R. no pagamento à mesma da quantia de € 13 886,45 a título de indemnização por antiguidade em substituição da reintegração, acrescida das retribuições intercalares.

4. Na execução, uma vez realizada a penhora, tendo o executado invocado a impenhorabilidade das suas contas bancárias, por despacho de 6.1.2020, foi declarada a impenhorabilidade das mesmas com fundamento em que a quantia em dinheiro existente nas contas que foram penhoradas, porque pertencentes a missão consular está necessariamente afecta aos fins da missão, estando, assim, abrangida pela imunidade prevista no artº 22º, nº 3, da Convenção de Viena.

5. Interposto recurso pela exequente veio o mesmo a ser decidido pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16 de Dezembro de 2020, que, no entendimento, por um lado, de que não tem base factual que a suporte a conclusão de que a quantia existente nas contas penhoradas ao executado está afecta aos fins da missão, e considerando, por outro, que, não tendo sido deduzida oposição à penhora, não podia o tribunal a quo oficiosamente ter apreciado a questão da impenhorabilidade dos bens após a penhora ter sido realizada, revogou o despacho recorrido, manteve a penhora das contas bancárias efectuadas nos autos, e determinou o prosseguimento da execução.

4. Desse acórdão interpôs o Executado o recurso de revista que não foi admitido pelo despacho reclamada, com fundamento em ser o valor da causa inferior à alçada da Relação.

 5. Na presente reclamação alega o Reclamante que invocou no recurso de revista matéria pertinente à incompetência internacional absoluta dos tribunais portugueses em ordenar a penhora e bloqueio das suas contas bancárias, em detrimento da imunidade de execução e penhora relativa às mesmas, por força de fonte de Direito Internacional Público, e a violação do disposto nos artigos 726º, nº 1, al. b), do CPC, e 11º do CPT, concluindo, por isso, que o recurso de revista é sempre admissível independentemente do valor fixado à causa.

6. A exequente apresentou resposta, na qual invocou, em síntese, que em momento algum o reclamante faz referência a regras de competência internacional que determinem a incompetência internacional dos tribunais portugueses, quanto à penhora das suas contas bancárias, pugnando pelo indeferimento da reclamação.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso em causa.

7. O despacho reclamado não admitiu o recurso interposto pelo reclamante, face ao valor da causa e ao disposto no artigo 629º, nº 1, do Código de Processo Civil nos termos do qual “o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre (…)”, sendo que, não constando destes autos elementos atinentes ao valor da causa, é incontroverso, e certo e seguro, considerando o montante em que o reclamante foi condenado na sentença proferida na acção declarativa que constitui o título executivo com base no qual foi instaurada a execução, que o valor da execução é inferior à alçada da Relação, actualmente fixada em € 30 000,00 (artº 44º, nº 1, da Lei nº 62/2013 (LOSJ), de 26 de Agosto).

8. O reclamante sustenta, porém que o recurso é admissível, independentemente do valor da causa, nos termos do nº 2, alínea a) do mesmo preceito, por nele ter invocado como fundamento a violação de regras de competência internacional dos tribunais portugueses.

9. Salvo o devido respeito, não é assim. O que o reclamante invoca como fundamento do recurso de revista, tal como havia já invocado nos autos, é que, por força de disposição de convenção internacional, os seus bens, concretamente as quantias existentes nas suas contas bancárias, afectos à acitivade da missão consular, não são, por esse facto, penhoráveis, e, por isso, pugna o reclamante pela revogação do acórdão recorrido e repristinação da decisão de 1ª instância.

10. A questão suscitada nos autos, e no recurso de revista interposto, pelo reclamante é, tão só, a da impenhorabilidade dos bens que foram penhorados, o que é diverso da (in)competência internacional dos tribunais portugueses.

11. Na jurisdição laboral a competência internacional encontra-se contemplada no artigo 10º do Código de Processo do Trabalho, normativo que permite determinar se os tribunais portugueses são, no seu conjunto, competentes para decidir o litígio, sendo que os tribunais portugueses aferem a sua competência internacional de acordo com as regras de direito interno e, também das regras de direito internacional que obriguem o Estado português (artº 59º do CPC).

Se algum instrumento de direito internacional for aplicável na matéria -e dele não resultar a competência dos tribunais portugueses- é pelas regras nele estabelecidas que deve aferir-se a competência dos tribunais portugueses para julgar a causa.

12. Não foi no recurso, nem vem, questionada pelo reclamante a competência (internacional) dos tribunais portugueses para dirimir o litígio e para tramitar e decidir a acção executiva em causa, centrando-se a sua discordância e divergência na (im)possibilidade, por virtude de convenção internacional, de penhora em bens da missão consular, o que, nada tem a ver com a competência internacional, com a jurisdição dos tribunais portugueses, jurisdição essa que o Reclamante reconhece e aceita quando invoca o artigo 11º do CPT, que a pressupõe, e pugna pela repristinação da decisão de 1ª instância, que igualmente a pressupõe.

12. Ponto é que, como afirma a Exequente, em momento algum o Reclamante faz referência a regras de competência internacional que determinem a incompetência internacional dos tribunais portugueses, quanto à penhora das suas contas bancárias.

Deste modo e com base em tudo quanto se deixa exposto, indefere-se a reclamação e mantém-se o despacho reclamado.

Custas a cargo do Recorrente/Reclamante”.

Cumpre apreciar e decidir.

II

Na presente reclamação para a conferência o reclamante invoca, em síntese, que, contrariamente ao decidido no despacho reclamado, o recurso de revista por si interposto contra o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16.12.2020, tem como fundamento a violação de regras de competência internacional dos tribunais portugueses, pelo que, independentemente do valor da causa, o recurso é sempre admissível de conformidade com o disposto no artigo 629º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Civil.

Afirmação que sustenta alegando que, contrariamente ao decidido no sentido de que em momento algum o reclamante faz referência a regras de competência internacional que determinem a incompetência dos tribunais portugueses, quanto à penhora de suas contas bancárias, como já tinha sustentado na reclamação apresentada nos termos e ao abrigo do artigo 643º do CPC, nas conclusões 24ª a 29ª do recurso de revista interposto, invocou a violação pelo acórdão recorrido de matéria, de conhecimento oficioso, pertinente à incompetência internacional absoluta, dos tribunais portugueses, em ordenar a penhora e bloqueio de suas contas bancárias, em detrimento da imunidade de execução e de penhora relativa às mesmas, por força de fonte de Direito Internacional Público (convenção internacional, costume jurídico e reciprocidade).

E a mesma conclusão, no sentido de que foi invocada a incompetência internacional dos tribunais portugueses, alcança o reclamante sustentando que “na reclamação originária o Reclamante citou o artigo 11º do Código de Processo do Trabalho” que, em seu entender, ressalva “outra solução estabelecida em convenções internacionais”, ou seja, a imunidade de execução das repartições consulares.

As conclusões do recurso de revista invocadas pelo reclamante têm o seguinte teor:

“24 – Assim, contrariamente ao sustentado pelo Acórdão ora recorrido, a Mmª Juíza de 1ª instância poderia conhecer oficiosamente da questão e decidir, uma vez que o próprio artigo 734º do CPC, remete para o artigo 726º, do mesmo diploma legal, o qual, através do seu nº 2, alínea b), dispõe sobre a intervenção do juiz, “… quando ocorram excepções dilatórias não supríveis de conhecimento oficiosa…”.

25 - Sem se olvidar que o artigo 11º do Código de Processo do Trabalho dispõe, em sua parte final, o seguinte:

“… Não podem ser invocados perante os tribunais portugueses os pactos ou cláusulas que lhes retirem competência internacional atribuída ou reconhecida pela lei portuguesa, salvo se outra for a solução estabelecida em convenções internacionais”.

26 – Pelo que o legislador do processo instrumental ou adjetivo do Trabalho, RESSALVOU expressamente a solução estabelecida em convenções internacionais, em detrimento da competência internacional dos tribunais portugueses.

27 – Sem se olvidar, ainda, como já visto, que o artigo 22º, nº 3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, concluída a 18/4/61, dispõe sobre a imunidade de execução/jurisdição das missões e de seus bens.

28 – E que, ao abrigo do disposto pelo artigo 726º, nº 2, al. b) do Código de Processo Civil, a Mmª Juíza do Tribunal ad quo, poderia conhecer e decidir oficiosamente e declarar a impenhorabilidade das contas bancárias do ora recorrente/executado.

29 – Assim, o conhecimento oficioso sobre a impenhorabilidade das contas bancárias do recorrente/executado, por parte do Tribunal de 1ª instância é permitida nos termos do disposto pelos artigos 22º, nº 3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, concluída a 18/04/61, ex vi 8º, nº 1, da Constituição da República, em conjugação com o disposto pelo artigo 11º, parte final, do Código de Processo do Trabalho e 726º, nº 2, alínea b), do CPC, que restaram, igualmente violados, pelo Acórdão recorrido”

Tais conclusões e alegação do recorrente visam a decisão proferida no acórdão recorrido ao concluir que a decisão de 1ª instância não se poderia ter pronunciado sobre a impenhorabilidade das penhoras das contas bancárias dizendo:

“(…) é certo que a questão da impenhorabilidade das contas bancárias não foi suscitada pelo executado Consulado Geral do Brasil em Lisboa, não tendo sido deduzida nos autos qualquer tempestiva (ou outra) oposição à penhora nos termos prescritos nos arts. 784º e 785º do CPC, como ao caso poderia caber,

Podia então a Mmª Juíza, oficiosamente, apreciar a questão da inadmissibilidade das penhoras das contas bancárias que fora realizada?

Manifestamente que não.

Decorre do art. 734º do CPC, que o conhecimento oficioso pode ter lugar, essencialmente, em situações que poderiam configurar fundamento para oposição à execução mediante embargos, mas não situações de oposição à penhora, que é o caso dos autos, Assim, a Mª Juíza conheceu indevidamente de matéria que não lhe foi suscitada pelo executado.”

O acórdão recorrido, aqui em convergência com a decisão de 1ª instância, foi de entendimento que da  Convenção de Viena Sobre as Relações Diplomáticas celebrada em Viena em 18 de Abril de 1961, versando sobre relações, privilégios e imunidades diplomáticas, não estabelece (no seu artigo 22º, nº 3), a impossibilidade absoluta de bens de outros Estados sitos nas suas Embaixadas ou Consulados, impossibilidade que respeita unicamente aos bens afectos aos fins da missão, divergiu da decisão de 1ª instância considerando que a conclusão da mesma no sentido de que as contas bancárias pertencentes a uma missão diplomática estão necessariamente afectas aos fins da missão, sendo, por isso, impenhoráveis, era destituída de base factual que a sustentasse e que não atingindo a penhora bens totalmente impenhoráveis, não tendo o executado deduzido oposição à penhora, e estando a Mª Juiz impedida de conhecer oficiosamente de conhecer da impenhorabilidade de tais bens após a penhora ter sido realizada, deveria a penhora ser mantida e a execução prosseguir a sua normal tramitação.

Foi neste enquadramento que no despacho ora sob reclamação se entendeu que a questão suscitada nos autos e no recurso de revista interposto pelo reclamante era tão somente a da impenhorabilidade dos bens que foram penhorados, sendo tal questão diversa da incompetência internacional dos tribunais portugueses que não tinha sido suscitada nos autos, entendimento contra o qual o reclamante se insurge.

Não sendo , no contexto descrito, a questão isenta de dúvidas, há que reconhecer, não obstante, que no recurso de revista interposto o reclamante invoca a imunidade de execução/jurisdição das missões e de seus bens, por força de Convenção internacional à qual o Estado Português se encontra vinculado, imunidade que se traduz em subtrair tal matéria à jurisdição do Estado local, no caso Portugal, por via de instrumento de direito internacional por que se afere também a competência internacional dos tribunais portugueses.

A infracção de regras de competência internacional que do mesmo decorram determinam a incompetência absoluta do tribunal (artº 96º, al. a), do CPC), excepção dilatória de conhecimento oficioso (artºs 97º, nº 1, e 577º, al. a), do mesmo diploma legal), sendo que as questões, decididas no acórdão recorrido, de saber se a questão da impenhorabilidade dos bens/incompetência internacional podia ou não ter sido apreciada oficiosamente após a penhora ter sido realizada, e questão de fundo da impenhorabilidade, e sua extensão, dos bens penhorados, constituem objecto do recurso e delas não há aqui de curar.

III

Nestes termos, acorda-se em deferir a presente a Reclamação apresentada, admitindo-se o recurso e requisitando-se o processo principal ao tribunal recorrido nos termos do artº 643º, nº 6, do CPC.

Custas da Reclamação a cargo da recorrida, que se fixa em taxa de justiça no montante correspondente a 1 UC.

 Anexa-se sumário do acórdão.

Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 15º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março (aditado pelo artigo 3º do Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de Maio) consigna-se que o presente acórdão foi aprovado por unanimidade, sendo assinado apenas pela relatora.

Lisboa, 19 de Maio de 2021

Leonor Maria da Conceição Cruz Rodrigues (Relatora)