Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3129/16.0TOSTR.E1.S2
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
PRESUNÇÃO JUDICIAL
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : I - Sendo as questões a decidir em tudo semelhantes às que foram objeto do AUJ n.º 8/2022, proferido no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (publicado em Diário da República, I .ª Série, n.º 212, 03-11-2022, pp. 10 e ss.), haverá apenas que verificar se o acórdão recorrido solucionou as questões de direito relativas à ilicitude e ao nexo causal entre o facto e o dano de forma compatível com o estipulado no AUJ, que fixou a seguinte orientação: “1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º, n.º1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 3574/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano. 2. Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco “), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º, do CVM.” 3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir. 4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”
II - Esta metodologia decisória resulta da circunstância de o AUJ, apesar de não gozar do caráter vinculativo das fontes de direito, constituir um “precedente judiciário qualificado”, dotado de especial força de persuasão.

III - Tendo ficado provado que o autor era um investidor conservador que só pretendia aplicar o dinheiro em depósitos a prazo, e que foi o funcionário bancário, em quem depositava absoluta confiança que o aconselhou a subscrever as obrigações SLN, assegurando-lhe que se tratava de um produto com prazo de 10 anos, mas que poderia, proceder ao resgate antecipado ao fim de cinco anos, com capital garantido e rentabilidade assegurada, tem de se concluir que o autor logrou cumprir o ónus da prova que sobre ele recai de demonstrar a violação do dever de informação pelo banco intermediário financeiro.

IV - Considera-se lógica a presunção judicial tirada pela Relação, segundo a qual “(...) os factos provados apontam, necessariamente, para a não subscrição, por parte do autor António Simões, do produto financeiro em causa, se tivesse sido informado, pelo BPN, do decréscimo de garantia de reembolso do capital a investir, relativamente ao depósito a prazo”, pelo que se considera, em consequência, demonstrado o requisito do nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Decisão Texto Integral:             

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – Relatório



1. AA, residente na rua ..., ..., intentou a presente ação declarativa, na forma de processo comum, contra o Banco Bic Português, S.A.,[1] com sede na avenida ..., ..., ..., pedindo a sua condenação no reembolso do capital de €50.000,00, “(…) acrescido dos juros vencidos desde 07 de Maio de 2015, até integral reembolso (…)” e a pagar-lhe “quantia indemnizatória a fixar em liquidação de sentença, mas nunca inferior a  €10.000,00 (…), por danos morais sofridos (…)”, articulando factos que, em seu critério, conduzem à sua procedência, a qual foi julgada parcialmente procedente, sendo, em consequência, a demandada condenada a pagar ao demandante “(…) a quantia de €50.000,00, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde 13.12.2016, até integral pagamento”.


2. Inconformada com o decidido, apelou o Banco Bic Português, S.A., tendo o Tribunal da Relação julgado o recurso improcedente e confirmado a sentença.


3. O recorrente, Banco BIC, interpôs recurso de revista, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

«1. O douto acórdão da Relação ... violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era uma produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação, emitindo opiniões sobre a solvabilidade da entidade emitente quando não conhecia, em concreto a sua situação financeira, configura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado aos AA, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso…

5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes!

9. A SLN era Titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

11. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

12. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

14. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

16. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…

17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo sua obrigação assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

24. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

25. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era do seu interesse e vontade invesJr em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

26. Apesar de os autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

27. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

28. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

29. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua atividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua atividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

30. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

31. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

32. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

33. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

34. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do Jpo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.

35. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do Jpo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

36. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

37. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

38. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

39. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

40. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

41. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

42. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

43. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

44. O arJgo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações.

Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

45. Do elenco de factos provados não resulta sequer um único facto que permita estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. E o acto de subscrição.

46. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

47. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa e efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

48. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

49. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

50. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se jusJfica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

51. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso os AA. É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, suscetível de o caracterizar.

52. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.

53. A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

54. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

55. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

56. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

57. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

58. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

59. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

60. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efecJvo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

61. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

62. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito – uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

63. Não basta afirmar-se genericamente, como afirma o Acórdão Recorrido que eles não foram informados do risco de insolvência ou da caracterísJca da subordinação e que é essa causa do seu dano!

64. Num primeiro momento é indispensável que o invesJdor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

65. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

66. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

67. E nada disto foi feito!

68. A origem do dano dos Recorrentes reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!

Termos em que se conclui pela admissão do presente recurso, e sua procedência, e, por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Banco-R. do pedido, assim se fazendo…

... JUSTIÇA!».


6. Os recorridos apresentaram contra-alegações, em que pugnaram pela manutenção do decidido.


7. Sabido que o objeto do recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, se delimita pelas conclusões, a questão a decidir é a da responsabilidade civil do réu, na qualidade de intermediário financeiro, pela violação do dever de informação.


Cumpre apreciar e decidir.



II – Fundamentação

A – Os factos

1- O Autor AA detinha um depósito a prazo, no valor de €50.000,00[2], na agência de ... do Banco Português de Negócios (BPN), que foi objeto de resgaste, em abril de 2006, para compra de uma obrigação SLN 2006;

2 - Em abril de 2006, o Autor AA dirigiu-se à referida agência, onde foi recebido por um funcionário, que lhe propôs aplicar o seu dinheiro numa aplicação financeira, que lhe traria uma maior rentabilidade e detinha a mesma segurança que um depósito a prazo, com garantia de capital tal como o depósito a prazo.

3 - Para o efeito, e com intuito de convencer o Autor AA, o referido funcionário disse -lhe que tal aplicação seria feita pelo prazo de 10 anos, mas que poderia, eventualmente, proceder ao resgate antecipado ao fim de cinco anos;

4 - Que a aplicação em causa e que lhe estava a propor era absolutamente segura, que não corria qualquer risco, posto que tinha o reembolso de capital investido garantido e lhe daria uma maior rentabilidade ao dinheiro que ele tinha em depósito a prazo;

5 - Perante os argumentos do identificado, o Autor AA acedeu proceder à aplicação do seu dinheiro na aplicação financeira, que se traduzia na subscrição da obrigação, atentas as condições e garantias que lhe estavam a ser dadas pelo funcionário daquele balcão do BPN;

6 - O funcionário do BPN era pessoa que o Autor AA, enquanto cliente do banco, conhecia, há longo tempo, e no qual depositava absoluta confiança, enquanto responsável pelo acompanhamento das contas que o referido demandante detinha no banco, na agência de ...;

7 - O Autor AA questionou o funcionário do banco sobre proposta e este transmitiu que o capital estava garantido e eram-lhe também garantidas elevadas taxas de remuneração, pelo prazo de 10 anos;

8 - Em 18 abril de 2006, o Autor AA adquiriu uma Obrigação SLN 2006, no montante de € 50.000,00, correspondente ao quantitativo que detinha num depósito a prazo, tendo, para o efeito, procedido ao resgate de tal depósito;

9 - Até 7 de maio de 2015, sempre foram pagos ao Autor AA os juros do capital investido na aludida aplicação financeira;

10 - Pagamentos  esses que foram feitos pelo BPN, até 8 de novembro de 2012, e pelo Réu Banco BIC Português, S.A., a partir dessa data;

11- Cinco anos decorridos após a aplicação financeira e, confiando naquilo que o referido gerente do BPN lhe havia afirmado e garantido, o Autor AA deslocou-se ao BPN (nessa data, já nacionalizado), com vista a proceder ao resgate do capital investido;

12 - Nessa data é informado que só ao fim de 10 anos poderia proceder a tal resgate, ou seja, só no fim do prazo contratual, e não antes;

13 - Vencido o prazo de 10 anos, contratualmente estabelecido, foi o Autor AA informado que a aplicação financeira em causa não tem cobertura de garantia de capital, que é uma subscrição de obrigações da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A e que, uma vez que a referida sociedade se mostra insolvente, tal resgate não lhe seria concedido, podendo e devendo reclamar o montante a que se julga com direito no aludido processo de insolvência.


B – O Direito

1. Sendo as questões a decidir em tudo semelhantes às que foram objeto do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (publicado em Diário da República, I .ª Série, N.º 212, 3 de novembro de 2022, pp. 10 e seguintes), haverá apenas que verificar se o acórdão recorrido solucionou as questões de direito relativas à ilicitude e ao nexo causal entre o facto e o dano de forma compatível com o estipulado no AUJ, que fixou a seguinte orientação:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».  


2. Esta metodologia decisória resulta da circunstância de o acórdão de uniformização de jurisprudência, apesar de não gozar do caráter vinculativo das fontes de direito, constituir um “precedente judiciário qualificado” (cfr. Castro Mendes/Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II, AAFDL Editora, Lisboa, p. 201), dotado de especial força de persuasão, conforme se deduz do regime do artigo 629.º, n.º 2, al. c), do CPC, preceito segundo o qual é sempre admissível interpor recurso contra qualquer decisão que contrarie a jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Apesar de não estarmos, rigorosamente, perante um precedente judiciário em relação ao acórdão recorrido, que foi proferido antes do AUJ n.º 8/2022, há que considerar que o presente processo esteve com a instância suspensa a fim de lhe ser aplicada a orientação que viesse a ser fixada no AUJ n.º 8/2022 a proferir no processo n.º1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, pelo que estamos, num sentido substancial, perante uma decisão uniformizadora dotada de uma força especial de persuasão.


3. Inexiste controvérsia relativamente à qualificação da relação jurídica que se estabeleceu entre o recorrente e o recorrido como sendo um contrato de intermediação financeira.

Está apenas em causa saber se o Banco, na qualidade em que interveio na subscrição das "Obrigações SLN Rendimento Mais 2004", isto é, de intermediário financeiro, incorreu em responsabilidade civil. Mais precisamente, importa determinar  se o recorrente violou culposamente os deveres que a lei põe a cargo do intermediário financeiro em matéria de prestação de informação ao subscritor, a qualificação dessa culpa, a verificação de um prejuízo na esfera do subscritor e a indagação da existência de um nexo de causalidade entre a referida violação de deveres e o prejuízo ocorrido.


4. Primeira questão: saber se o acórdão recorrido decidiu de modo conforme ao AUJ n.º 8/2022, quando considerou que o Banco violou culposamente os deveres de informação que sobre si impendiam.

As obrigações SLN em litígio foram subscritas no domínio de vigência do Código de Valores Mobiliários, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 486/99, de 13 de novembro.

Para a determinação dos deveres de informação a cargo do intermediário financeiro e das consequências jurídicas da sua violação, importa atentar no disposto nos artigos 7.°, n.° 1, 304.°, 312.° e 314.° do Código dos Valores Mobiliários (CVM).

Uma vez que estamos perante factos ocorridos em 2006 – Em 18 abril de 2006, o Autor AA adquiriu uma Obrigação SLN 2006, no montante de € 50.000,00, correspondente ao quantitativo que detinha num depósito a prazo, tendo, para o efeito, procedido ao resgate de tal depósito – teremos em consideração a redação dos referidos preceitos legais então vigentes interpretados à luz da orientação fixada no AUJ n.º 8/2022.

 

O artigo 7.º do CVM dispõe o seguinte: 

1- A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às atividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.

2 – O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.

3 – O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.

4 – À publicidade relativa a instrumentos financeiros e a atividades reguladas no presente Código é aplicável o regime geral da publicidade.

Por sua vez, o artigo 304º, sob a epígrafe (Princípios), estabelece que:

1- Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2- Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

(…)»


O artigo 309º (Conflito de interesses) preceitua o seguinte:

1 - O intermediário financeiro deve organizar-se e actuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco de conflito de interesses.

2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores.

4 – (…).


E o artigo 310°, sob a epígrafe (Intermediação excessiva), dispõe no seu nº 1 que:

«1 – O intermediário financeiro deve abster-se de incitar os seus clientes a efetuar operações repetidas sobre valores mobiliários ou de as realizar por conta deles, quando tais operações tenham como fim principal a cobrança de comissões ou outro objectivo estranho aos interesses do cliente».


Deve ainda o intermediário financeiro, em especial, prestar informações que envolvam os “riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar”, sendo que a “extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente” (artigo 312.º, n.º 1, al. a) e n.º 2).

           

No artigo 314.º do CVM estabelece-se a responsabilidade do intermediário financeiro em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública:            

«1. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação».


5. Para além das normas específicas do regime do CVM são ainda convocadas as disposições do Código Civil relativas à responsabilidade civil, na medida em que não tenham sido expressamente afastadas por aqueles preceitos.

Os requisitos da responsabilidade civil, quer pré-contratual quer contratual, são os previstos no artigo 798.º do Código Civil: o facto voluntário, enquanto comportamento dominável pela vontade, que pode revestir a forma da ação ou da omissão; a ilicitude, ou seja, a desconformidade entre a conduta devida e o comportamento do intermediário financeiro, traduzindo-se na inexecução da obrigação para com o cliente (investidor); no caso da responsabilidade pré-contratual, a ilicitude consiste na violação de algum dos deveres de boa-fé contratual, como o dever de informação, o dever de lealdade e o dever de diligência; a culpa, a qual se presume nos termos do n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil; o dano (artigo 562.º do Código Civil) e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (artigo 563.º do Código Civil)


6. Com o AUJ n.º 8/2022, ficou claro que não existem presunções legais de ilicitude nem de causalidade, cabendo ao investidor o ónus da prova da violação do dever de informação e do nexo causal entre o facto e o dano.


7. Quanto ao conteúdo e alcance do dever de informação a cargo do intermediário financeiro, o AUJ n.º 8/2022 atribui-lhe um sentido amplo, que abrange a explicação sobre as caraterísticas do produto financeiro e os seus riscos, com a consequência de, se o intermediário financeiro não informar investidores-clientes não profissionais sobre o risco, que, em abstrato, podem vir a suportar por força do incumprimento do emitente (maxime em virtude de insolvência) de obrigações (maxime subordinadas), viola os deveres legais de informação que sobre si impendem, designadamente nos termos do artigo 312.º, n.º 1, al. e), do CVM. Ou seja, conforme se conclui no segmento uniformizador, «2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.».


8. Apliquemos então esta orientação aos factos do caso, para determinar se houve ou não violação do dever de informação.

Ficou provado que, em 18 abril de 2006, o Autor AA adquiriu uma Obrigação SLN 2006, no montante de € 50.000,00 (factos provados n.º 1 e n.º 8). Foi o funcionário da agência, pessoa em quem o autor depositava absoluta confiança, que lhe propôs aplicar o seu dinheiro numa aplicação financeira que lhe traria uma maior rentabilidade e detinha a mesma segurança que um depósito a prazo, com garantia de capital (factos provados n.º 2 e 6).O referido funcionário disse ao autor que tal aplicação seria feita pelo prazo de 10 anos, mas que poderia, eventualmente, proceder ao resgate antecipado ao fim de cinco anos (facto provado n.º 3) e que a aplicação em causa e que lhe estava a propor era absolutamente segura, que não corria qualquer risco, posto que tinha o reembolso de capital investido garantido e lhe daria uma maior rentabilidade ao dinheiro que ele tinha em depósito a prazo (facto provado n.º 4).

Sobre o perfil de cliente do autor afirmou o acórdão recorrido o seguinte:

«Dúvidas inexistem que o Banco Português de Negócios (BPN) - atualmente, o demandado/recorrente Banco Bic Português, S.A. - conhecia, em meados de 2006, a idade do Autor/recorrido AA, bem como sabia a natureza e montante das suas operações bancárias. Conhecia, igualmente, que, na antes referida data, detinha, apenas, um depósito a prazo, no montante de €50.000,00.

Assim sendo, sabia (ou devia saber) não só que este depósito coincidia com as suas poupanças de uma vida trabalho - garantia de um futuro sem, em princípio, incómodos financeiros -, como, igualmente, conhecia que operação bancária típica do perfil do referido demandante/recorrido era o depósito a prazo».

Ora, recaindo sobre o autor o ónus da prova de demonstrar a violação do dever de informação, considera-se, na presente factualidade, que este ónus da prova foi cumprido, na medida em que o funcionário bancário omitiu informação relevantíssima – o risco de perda do capital – para o autor, um investidor conservador e avesso ao risco, e assegurou-lhe que o produto financeiro em causa era em tudo semelhante a um depósito a prazo e que o capital estava garantido, assim prestando informação inexata e que não corresponde à realidade. Com efeito, subscrevendo as obrigações SLN o autor deixou, contra aquilo que era a sua convicção, de beneficiar do Fundo de Garantia de Depósitos. Faltou, pois, o BPN, à verdade, violando, deste modo, o dever de informação a que estava vinculado, como intermediário financeiro.

Considera-se, pois, que o acórdão recorrido foi fundamentado e decidido de acordo com a orientação que veio a ser estabelecida no segmento n.º 2 do AUJ n.º 8/2022.

Assim sendo, houve violação do dever de informação, estando preenchido o requisito da ilicitude.


9. Vejamos agora o que sucedeu relativamente ao nexo de causalidade:

Para serem indemnizáveis os danos devem ligar-se causalmente ao incumprimento do dever pré-contratual ou contratual (nexo de causalidade).

Prescreve o artigo 563.º, do Código Civil que «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão», ou seja, não fora o incumprimento do dever de informação.

Na disposição normativa supra citada está consagrado o critério da causalidade adequada, pela formulação negativa, ou seja, o incumprimento contratual tem, em concreto, de ter constituído condição necessária ao dano, só se excluindo a responsabilidade se ele for, pela sua natureza, indiferente para a produção daquele tipo de prejuízos, isto é, se o lesante provar que apenas a ocorrência de circunstâncias extraordinárias ou invulgares determinou a aptidão causal daquele facto para a produção do dano verificado.

10. Nos termos do AUJ n.º 8/2022, a presunção de culpa do intermediário financeiro não abrange qualquer presunção legal de causalidade, cabendo ao investidor, nos termos do artigo 342.º, nº 1, do Código Civil o ónus da prova (ponto 1). O AUJ prossegue, afirmando no ponto 3. que «O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir» e no ponto 4. que «Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».        


O ponto 5 da matéria de facto provada, que remete para o estabelecido nos pontos anteriores, dispõe que, perante os argumentos do funcionário que propôs ao autor a aquisição das obrigações SLN, o autor, AA, acedeu proceder à aplicação do seu dinheiro na aplicação financeira, que se traduzia na subscrição da obrigação, atentas as condições e garantias que lhe estavam a ser dadas pelo funcionário daquele balcão do BPN.

Considerou o Tribunal da Relação, com recurso a presunções judiciais, que «os factos provados apontam, necessariamente, para a não subscrição, por parte do Autor AA, do produto financeiro em causa, se tivesse sido informado, pelo BPN, do decréscimo de garantia de reembolso do capital a investir, relativamente ao depósito a prazo».

Estando a presunção tirada pela Relação em consonância lógica com a matéria de facto provada e não havendo qualquer contradição entre essa presunção e a matéria de facto não provada, nem qualquer violação da lei, considera este Supremo que está demonstrado o nexo de causalidade de acordo com o segmento n.º 4 do AUJ n.º 8/2022.

 

11. Provou-se também a verificação do dano patrimonial da perda de capital, no valor de 50.000,00 euros 

Nos termos da factualidade provada, «Vencido o prazo de 10 anos, contratualmente estabelecido, foi o Autor AA informado que a aplicação financeira em causa não tem cobertura de garantia de capital, que é uma subscrição de obrigações da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A e que, uma vez que a referida sociedade se mostra insolvente, tal resgate não lhe seria concedido, podendo e devendo reclamar o montante a que se julga com direito no aludido processo de insolvência», o autor perdeu, contrariamente ao que lhe tinha sido assegurado pelo funcionário do Banco, a totalidade do capital investido.

Assim, apurando-se que o autor investiu em obrigações convencido que estava a investir num depósito a prazo, o dano direto por ele sofrido corresponde aos montantes investidos, acrescido de juros de mora à taxa legal, e, na falta de informação sobre a data de maturidade das obrigações, os juros são devidos desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Em consequência, o Banco Réu incorre na obrigação de indemnizar os autores no montante de 50.000,00 euros.

 12. Não vindo questionada a forma como foi determinado o montante ou a extensão do dano indemnizável, confirma-se a decisão do acórdão recorrido e condena-se o Banco BIC a pagar ao autor a quantia de € 50.000, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.


13. Anexa-se sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC

I – Sendo as questões a decidir em tudo semelhantes às que foram objeto do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (publicado em Diário da República, I .ª Série, N.º 212, 3 de novembro de 2022, pp. 10 e seguintes), haverá apenas que verificar se o acórdão recorrido solucionou as questões de direito relativas à ilicitude e ao nexo causal entre o facto e o dano de forma compatível com o estipulado no AUJ, que fixou a seguinte orientação:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».  

II – Esta metodologia decisória resulta da circunstância de o acórdão de uniformização de jurisprudência, apesar de não gozar do caráter vinculativo das fontes de direito, constituir um “precedente judiciário qualificado”, dotado de especial força de persuasão.

III – Tendo ficado provado que o autor era um investidor conservador que só pretendia aplicar o dinheiro em depósitos a prazo, e que foi o funcionário bancário, em quem depositava absoluta confiança que o aconselhou a subscrever as obrigações SLN, assegurando-lhe que se tratava de um produto com prazo de 10 anos, mas que poderia, proceder ao resgate antecipado ao fim de cinco anos, com capital garantido e rentabilidade assegurada, tem de se concluir que o autor logrou cumprir o ónus da prova que sobre ele recai de demonstrar a violação do dever de informação pelo Banco intermediário financeiro.

IV – Considera-se lógica a presunção judicial tirada pela Relação, segundo a qual «(…) os factos provados apontam, necessariamente, para a não subscrição, por parte do Autor AA, do produto financeiro em causa, se tivesse sido informado, pelo BPN, do decréscimo de garantia de reembolso do capital a investir, relativamente ao depósito a prazo», pelo que se considera, em consequência, demonstrado o requisito do nexo de causalidade entre o facto e o dano.


 

III – Decisão

Pelo exposto, decide-se na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.


Supremo Tribunal de Justiça, 14 de fevereiro de 2023


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto)

Maria João Vaz Tomé (2.ª Adjunta)

_______________________________________________________

[1] Relativamente ao pedido formulado contra a Caixa Geral de Depósitos, S. A., a instância, nesta parte, foi julgada extinta, com fundamento na desistência do pedido.
[2] A referência a €150.000,00 é um lapso (artigo1º da petição inicial).