Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B1875
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS BERNARDINO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ADMINISTRADOR
CAPACIDADE JUDICIÁRIA
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: SJ20071004018752
Data do Acordão: 10/04/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário :
1. Na propriedade horizontal, a administração das partes comuns cabe, em conjunto, à assembleia dos condóminos e ao administrador do condomínio.
2. Este é o órgão executivo da administração, cabendo-lhe o desempenho das funções referidas no art. 1436º do CC, próprias do seu cargo, assim como as que lhe forem delegadas pela assembleia ou cometidas por outros preceitos legais.
3. O art. 6º, al. e) do CPC ficciona a personalidade judiciária do condomínio relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.
4. O art. 1437º do CC consagra a capacidade judiciária do condomínio, ao estabelecer a susceptibilidade de o administrador, seu órgão executivo, estar em juízo em representação daquele, nas lides compreendidas no âmbito das funções que lhe pertencem (art. 1436º), ou dos mais alargados poderes que lhe forem atribuídos pelo regulamento ou pela assembleia, sendo que, em qualquer dos casos, as acções deverão ter sempre por objecto questões relativas às partes comuns.
5. A acção destinada a efectivar a responsabilidade dos construtores/vendedores do prédio, por defeitos de construção nas suas partes comuns, sendo uma acção obrigacional, pode ser instaurada quer pelo administrador, quer por todos os condóminos, em litisconsórcio necessário.
6. Mas, sendo movida pelo administrador, deve este estar para tanto autorizado pela assembleia, pois a reparação das partes comuns do prédio constitui um acto de administração que extravasa o âmbito das funções que a lei lhe comete.
7. Tendo proposto a acção sem estar autorizado pela assembleia, deve o administrador providenciar pela supressão de tal vício de representação, obtendo, para o efeito, a devida deliberação, sob pena de, não o fazendo no prazo que, para o efeito, lhe for fixado, ser o réu absolvido da instância.
8. Ao conferir ao administrador a possibilidade de actuar em juízo, o art. 1437º do CC mais não faz do que concretizar uma aplicação do disposto no art. 22º do CPC – que estatui sobre a representação das entidades que carecem de personalidade jurídica – eliminando possíveis dúvidas sobre se aquele poderia, no exercício das suas atribuições, recorrer à via judicial.
9. O art. 1437º não resolve, pois, o problema da legitimidade do administrador, que, aliás, não se coloca, porque este age, em juízo, enquanto órgão do condomínio e, portanto, em representação deste. Do que, no fundo, se trata, é de atribuir ao administrador legitimação para agir em nome do conjunto dos condóminos.
10. Parte no processo, relativamente às partes comuns do edifício, é o condomínio, sendo relativamente a este, e não no tocante ao administrador, que se poderá colocar a questão da legitimidade.
11. Sendo inquestionável, no caso concreto, atenta a relação jurídica objecto do pleito, a legitimidade do condomínio, representado pela sociedade administradora, a hipotética incapacidade judiciária desta, decorrente da eventual procedência da acção de anulação judicial da deliberação da assembleia de condóminos que a autorizou a instaurar a presente acção, redundará tão-somente num vício de representação, o qual se deve ter por suprido, à luz do disposto no art. 25º do CPC, com a deliberação da assembleia de 12.04.2005, que, sem votos contra e apenas com uma abstenção, ratificou os actos praticados, na acção, pela administradora.
Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

AA – Administração de Condomínios, L.da intentou, na 3ª Vara Cível de Lisboa, na qualidade de administradora do condomínio do empreendimento BB, contra BB – Construção e Promoção Imobiliária, S.A. e CC Imobiliária, S.A., a presente acção com processo ordinário, em que pede a condenação das rés, solidariamente:
a) a remover o material aplicado no revestimento das fachadas do empreendimento “BB”; e
b) A aplicar, no revestimento das mesmas fachadas, o material publicitado e assegurado, conforme consta do processo inicial, das brochuras publicitárias e da listagem de acabamentos, ou seja, placas de betão pré-fabricado com acabamento con-tech.
As rés contestaram, suscitando, à cabeça, a questão prévia da existência de causa prejudicial, com a seguinte fundamentação:
A autora, administradora do condomínio do BB, funda a sua legitimidade numa deliberação tomada em assembleia geral de condóminos, realizada em 7 de Maio de 2003.
Mas tal deliberação é ilegal, tendo sido requerida a sua anulação judicial, em acção que corre termos na 3ª Secção da 5ª Vara Cível de Lisboa, sob o n.º 6.085/03.0TVLSB.
Se tal acção vier a proceder, o concreto fundamento em que a autora estriba a sua legitimidade activa nestes autos deixará de existir.
Assim, dada a manifesta prejudicialidade da acção de anulação relativamente à presente acção, deve, nesta, ser suspensa a instância até decisão com trânsito em julgado na acção que corre na 5ª Vara Cível, em harmonia com o disposto no art. 279º do CPC.
As rés invocaram ainda a excepção de litispendência (por força da pendência, na 2ª Secção da 11ª Vara Cível de Lisboa, da acção n.º 5974/03.7TVLSB) e impugnaram a matéria da petição inicial.
A demandante replicou, concluindo por pedir se julgue improcedente a alegada existência de causa prejudicial, bem como a excepção de litispendência.
Prosseguindo o processo os seus termos, veio a autora juntar aos autos cópia da acta da assembleia geral de condóminos do empreendimento BB, realizada em 16.09.2003, na qual foi deliberado, por maioria, renovar as deliberações tomadas na assembleia geral extraordinária de condóminos de 07.05.2003.
O Ex.mo Juiz ordenou a junção aos autos de certidão da p.i. da acção pendente na 3ª Secção da 5ª Vara Cível, achando-se tal certidão a fls. 568 e seguintes.
Posteriormente, veio o mesmo Ex.mo Juiz a proferir o despacho de fls. 630/631, em que, analisando a requerida suspensão da instância, entendeu verificada a causa invocada pelas rés e, abonando-se no disposto no art. 279º/1 do CPC, suspendeu os termos dos presentes autos até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo acima identificado, da 3ª Secção da 5ª Vara Cível.
Sustentou, para tanto, que, na hipótese de vir a ser anulada a deliberação de 07.05.2003 – na qual a autora funda a sua legitimidade – a conclusão será a da ilegitimidade da mesma autora para propor a presente acção. E afastou a argumentação da autora – segundo a qual, “sendo a falta de legitimidade uma excepção dilatória e só subsistindo a mesma enquanto a respectiva falta for sanada, pode o juiz, no caso, providenciar, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da ilegitimidade” – aduzindo que a ilegitimidade é suprida através do incidente de intervenção provocada, admissível nos casos de litisconsórcio ou de coligação em relação aos sujeitos da causa principal, e, no caso dos autos, nunca se poderá verificar um caso de litisconsórcio ou de coligação com a autora, pelo que em caso algum poderá, na presente acção, ser acautelada a legitimidade da autora através do mecanismo da intervenção. E a questão não foi ultrapassada com a junção da acta da assembleia de 16.09.2003, dado que à respectiva deliberação “não foi atribuída (eficácia) retroactiva”.
Deste despacho agravou a autora; mas, admitido o recurso, veio a desistir dele, através de requerimento oportunamente apresentado.
Porém, não se ficou por aí. E, algum tempo decorrido, veio apresentar novo requerimento (fls. 648), impetrando o levantamento da suspensão da instância, com o fundamento de que, em 12 de Abril de 2005, os condóminos do “BB” deliberaram, sem votos contra e apenas com uma abstenção, ratificar os actos praticados pela Administração do Condomínio (neste processo) na sequência das deliberações tomadas na assembleia de condóminos de 7 de Maio de 2003, da qual foi lavrada a acta n.º 6, da mesma data, posteriormente renovadas na assembleia geral de 16 de Setembro de 2003, da qual foi lavrada a acta n.º 7, ficando assim, face ao conteúdo desta deliberação, e estando ratificados todos os actos praticados, nos presentes autos, pela administração do condomínio, definitivamente assegurada a legitimidade activa.
Ademais – acrescentou ainda – por força da ratificação aludida, a questão da eventual anulabilidade da deliberação de 07.05.2003, objecto da acção de anulação pendente na 3ª Secção da 5ª Vara, revela-se completamente ultrapassada e inútil.
Foi também, por dois condóminos do empreendimento – JD e JN – requerida a sua intervenção principal, apresentando articulado próprio e alegando legitimidade para se coligarem com a autora e, consequentemente, para intervirem na presente acção, como parte principal (cf. fls. 673 e seguintes).
Relativamente ao requerimento da autora e à pretensão dos dois indicados condóminos foi, pelo Ex.mo Juiz, proferido o despacho de fls. 703, do teor seguinte:
Mantêm-se os pressupostos que determinaram a suspensão da instância, conforme despacho de fls. 630/631, pelo que se indefere o requerido a fls. 648/649.
*
Fls. 673 a 683: Finda a suspensão da instância será proferida decisão.

Da parte do despacho que lhe diz directamente respeito interpôs a autora o pertinente recurso de agravo, que foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
A Relação de Lisboa, em acórdão oportunamente proferido,
- julgou “flagrantemente nulo, por carecer em absoluto de fundamentação”, o despacho recorrido; e,
- conhecendo do objecto do recurso, nos termos do art. 715º/1 do CPC, negou provimento ao agravo, mantendo a decretada suspensão da instância.
Para assim decidir, a Relação ponderou que a deliberação de 12.04.2005 não alterou a situação definida pelo despacho que decretou a suspensão da instância, que considerou que a acção pendente na 5ª Vara Cível seria prejudicial. “Estamos – diz a Relação – no domínio da legitimidade e não no da incapacidade judiciária ou irregularidade de representação”, pelo que, situando-se o objecto da presente acção fora das funções atribuídas ao administrador do condomínio (art. 1436º do CC), só a autorização da assembleia poderá conferir à autora interesse directo em demandar, face ao disposto no art. 1437º/1 do CC. A ratificação dos actos praticados pela autora não lhe confere a legitimidade processual.
E conclui assim: “Uma vez que a instância foi suspensa, nos termos do art. 279º n.º 1 do CPC, até que seja decidido, com trânsito em julgado, a validade ou a anulação da deliberação que concedeu tal autorização, a junção da acta contendo a ratificação dos actos praticados pela autora não é (...) fundamento para levantar tal suspensão.”
Inconformada, a autora interpôs novo recurso de agravo, agora para este Supremo Tribunal, fundando a sua admissibilidade no disposto no n.º 2 do art. 754º do CPC, ou seja, na oposição entre o acórdão aqui em causa e dois outros da Relação de Lisboa e um terceiro da Relação do Porto, que indicou, sendo que o acórdão da Relação de Lisboa, de 16.12.2003 e o da Relação do Porto, de 26.01.2006, se encontram disponíveis, em texto integral (1), em www.dgsi.pt.
A oposição radicaria no facto de, em tais arestos, se haver entendido que, estando em causa a falta de autorização da assembleia de condóminos ao administrador para este agir em juízo na defesa dos interesses do condomínio, não é de ilegitimidade que se trata, mas sim de questão de incapacidade judiciária ou de irregularidade de representação, que pode ser suprida nos termos dos arts. 23º, 24º e 25º do CPC.
Admitido o recurso, por despacho do relator, no Tribunal a quo, face ao fundamento invocado, apresentou a autora as suas alegações, no remate das quais formulou conclusões, que assim se podem sintetizar:
1ª - A alegada falta de legitimidade da autora mais não é do que uma incapacidade judiciária e/ou irregularidade de representação, suprível nos termos dos arts. 23º e 25º do CPC;
2ª - A capacidade judiciária do condomínio compete ao seu administrador, quando autorizado pela assembleia de condóminos, por força do n.º 1 do art. 1437º do CC, uma vez que, no caso em apreço, extravasa as funções que lhe pertencem e que vêm elencadas no art. 1435º do mesmo diploma;
3ª - A falta de um pressuposto processual como é o caso da eventual falta de capacidade judiciária da autora é sanável por meio de autorização e ratificação, ao abrigo do disposto nos arts. 23º, 24º e 25º do CPC;
4ª - O acórdão recorrido violou e aplicou erroneamente estes normativos, ao manter a suspensão da instância com o fundamento de que estamos perante uma falta de legitimidade da autora, que só lhe pode ser conferida mediante autorização para propor a presente acção e essa autorização tem de resultar de deliberação da assembleia de condóminos;
5ª - Mostrando-se suprida a eventual falta de legitimidade/incapacidade da autora, através da ratificação, constante da acta n.º 8, de 12.04.2005, dos actos por si praticados nos presentes autos, e da autorização conferida à autora através da deliberação constante da acta n.º 7, de 16.09.2003, deverá ser revogado o despacho de fls. 703 e substituído por outro que ordene o levantamento da suspensão da instância e o consequente prosseguimento dos autos.
As agravadas, em contra-alegações, pugnam pelo não provimento do agravo e pela manutenção do acórdão recorrido.
Recebidos os autos neste Tribunal, proferiu o relator despacho, determinando que a agravante procedesse à melhor identificação dos acórdãos indicados como fundamento de admissão do agravo e fizesse prova do respectivo trânsito em julgado.
Cumprido que foi este despacho, proferiu o relator novo despacho em que, julgando verificada a oposição de acórdãos, invocada como suporte da admissibilidade do recurso, entendeu não haver obstáculo ao conhecimento do objecto deste.
Mostrando-se corridos os vistos legais, cumpre agora decidir.

2.

Os factos a ter em conta para a decisão do presente recurso são os que integram a descrição operada ao longo do número anterior, até à referência ao acórdão da Relação e indicação do seu fundamento, e que podem assim sintetizar-se:
· a agravante, na qualidade de administradora do condomínio do empreendimento BB, intentou uma acção destinada a efectivar a responsabilidade dos construtores/vendedores do prédio por defeitos de construção nas suas partes comuns;
· fundou tal exercício numa deliberação tomada em assembleia geral de condóminos, realizada em 07.05.2003;
· sucede que corre termos na 3ª Secção da 5ª Vara Cível de Lisboa uma acção na qual foi requerida a anulação judicial da sobredita deliberação;
· entretanto, em 16.09.2003, a assembleia geral de condóminos deliberou, por maioria, renovar as deliberações tomadas na assembleia de 07.05.2003;
· posteriormente, em 12.04.2005, a mesma assembleia geral de condóminos deliberou, sem votos contra e apenas com uma abstenção, ratificar os actos praticados pela agravante nos presentes autos na sequência das deliberações tomadas nas assembleias de 07.05.2003 e 16.09.2003.
Como é sabido, são as conclusões das alegações do recorrente que delimitam o objecto do recurso, pelo que o tribunal ad quem, exceptuadas as que lhe cabem ex officio, só pode conhecer das questões contidas nessas mesmas conclusões (arts. 684.º/3 e 690.º do CPC).
No caso vertente, coloca-se a questão de saber se:
· a sociedade administradora do condomínio carece de deliberação da assembleia de condóminos que a autorize a propor uma acção destinada a efectivar a responsabilidade dos construtores/vendedores do prédio por defeitos de construção nas suas partes comuns; e se
· a eventual falta dessa deliberação acarreta um vício de representação, sanável nos termos do art. 25º do CPC, ou a ilegitimidade processual do administrador.

3.

Na propriedade horizontal concorrem dois direitos reais: um, de propriedade singular, que tem por objecto as fracções autónomas do edifício; outro, de compropriedade, incidente sobre as partes comuns.
O conjunto destes direitos reais é incindível, não podendo o condómino alienar um deles sem que faça o mesmo em relação ao outro, estando-lhe ainda vedada a renúncia à parte comum como meio de se libertar do encargo das despesas inerentes à respectiva conservação e fruição (art. 1420º/2 do CC).
O condómino detém, assim, por força do seu estatuto legal, uma dupla posição jurídica na propriedade horizontal: é proprietário exclusivo da sua fracção e comproprietário das partes comuns do prédio.
A administração da fracção autónoma compete, em exclusivo, ao condómino titular do respectivo direito de propriedade (art. 1305º do CC).
Por seu turno, a administração das partes comuns cabe, em conjunto, a dois órgãos, a saber, a assembleia dos condóminos e o administrador (art. 1430º do CC). À primeira, órgão deliberativo composto por todos os condóminos, compete decidir sobre os problemas do condomínio que se refiram às partes comuns, encontrando soluções para os resolver, delegando no administrador a sua execução e controlando a actividade deste. Ao segundo, órgão executivo da administração, cabe o desempenho das funções referidas no art. 1436º do CC, próprias do seu cargo, assim como as que lhe forem delegadas pela assembleia ou cometidas por outros preceitos legais.
No que concerne especificamente ao órgão executivo, e por forma a tornar efectivo o exercício dos poderes processuais do condomínio, contornando assim os obstáculos decorrentes da falta de personalidade e capacidade jurídicas deste, os arts. 6º, al. e) do CPC e 1437º do CC atribuem ao administrador a função da representação processual do condomínio.
Na verdade, o aludido art. 6º, al. e) ficciona a personalidade judiciária do condomínio relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador. Por seu turno, o art. 1437º do CC consagra a capacidade judiciária do condomínio ao estabelecer a susceptibilidade de o administrador (seu órgão executivo) estar em juízo em representação daquele nas lides compreendidas no âmbito das funções que lhe pertencem (art. 1436º do CC) ou dos mais alargados poderes que lhe forem atribuídos pelo regulamento ou pela assembleia, sendo que em qualquer dos casos as acções deverão ter sempre por objecto questões relativas às partes comuns do edifício (2),. O fundamento do art. 1437º radica na própria natureza das funções de administrar. O administrador não é um mandatário – é, repete-se, um órgão executivo do condomínio a quem cabe a representação orgânica, representando ex necessario o condomínio (3). Não é este que deve estar em juízo, em sentido substancial, mas sim o administrador, na sua qualidade de órgão executivo da assembleia de condóminos.
Por referência ao caso sub judice, é inquestionável que a acção destinada a efectivar a responsabilidade dos construtores/vendedores do prédio por defeitos de construção nas suas partes comuns, por ser uma acção obrigacional (já que assenta na execução defeituosa da prestação debitória do empreiteiro/vendedor, geradora de responsabilidade contratual), pode ser instaurada quer pelo administrador, quer por todos os condóminos, em litisconsórcio necessário (art. 1405º do CC)(4).
Mas sendo a acção movida pelo administrador, ainda assim este deve estar para tanto autorizado pela assembleia, pois a reparação das partes comuns do prédio constitui um acto de administração que extravasa o âmbito das funções que a lei lhe comete. Designadamente, tal exercício não se enquadra na al. f) do art. 1436º do CC, porque os “actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns” são somente aqueles que nada resolvem em definitivo, que não comprometem o futuro e que apenas visam manter uma coisa ou um direito numa determinada situação. Não integra igualmente a al. g) do mesmo artigo, pois este normativo apenas se refere ao uso das coisas, sendo certo que também não está em causa a prestação de serviços de interesse comum.
Não estando autorizado, e sendo a acção proposta, o administrador deverá providenciar pela supressão de tal vício de representação, obtendo para o efeito a devida deliberação, sob pena de, não o fazendo no prazo que para o efeito lhe for fixado, o réu ser absolvido da instância (art. 25º do CPC).
No caso vertente, com base na realidade factual que acima deixámos sinteticamente referida, a 1ª instância suspendeu a lide, ao abrigo do disposto no art. 279º/1 do CPC, considerando existir um nexo de prejudicialidade entre a acção de anulação pendente na 5ª Vara Cível de Lisboa, 3ª Secção, e os presentes autos: procedendo a primeira desaparecerá nos segundos o fundamento concreto da legitimidade no qual a autora fundou a sua legitimidade activa.
O acórdão da Relação manteve a decisão da 1.ª instância. Defendeu ainda que a deliberação de 12.04.2005 não tem a virtualidade de alterar a situação definida pelo despacho recorrido, não constituindo fundamento para levantar a suspensão da instância. Com efeito, está-se no domínio da ilegitimidade e não no da incapacidade judiciária ou irregularidade de representação. Assim, e porque o objecto da presente acção se situa fora das funções atribuídas ao administrador do condomínio, só a autorização da assembleia, e não a mera ratificação dos actos praticados, é que pode conferir à autora interesse directo em demandar, face ao disposto no art. 1437º/1 do CC.
Mas será de sufragar este entendimento?
É indiscutível que o presente litígio está directamente relacionado com a prática de um acto de administração (reparação das partes comuns) que exorbita o âmbito das funções atribuídas pelo art. 1436º do CC ao administrador. Sendo assim, já acima o dissemos, este carecia de autorização da assembleia para propor a presente acção contra as agravadas, conforme decorre expressamente do art. 1437º/1 do CC.
Porém, como também já se deixou entrevisto, este normativo refere-se à capacidade processual e não à legitimidade adjectiva (ad causum) do condomínio, ao invés do defendido no acórdão recorrido. Ao conferir ao administrador a possibilidade de actuar em juízo, o art. 1437º mais não faz do que concretizar uma aplicação do disposto no art. 22º do CPC – que estatui sobre a representação das entidades que carecem de personalidade jurídica – eliminando possíveis dúvidas sobre se aquele poderia, no exercício das suas atribuições, recorrer à via judicial. Fica claro, com o preceito em apreço, que o administrador da propriedade horizontal, na execução das funções que lhe pertencem ou quando munido de autorização da assembleia de condóminos – relativamente a assuntos que, exorbitando da sua competência, cabem, todavia, na competência desta assembleia – pode accionar terceiros ou qualquer dos condóminos, ou por eles ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício. Como anota LUIS A. CARVALHO FERNANDES, “os poderes de representação do administrador não podem deixar de ser encarados e compreendidos à luz da falta de autonomia jurídica do condomínio. Correspondentemente, por referência à personalidade judiciária que lhe é reconhecida, do que no fundo se trata é atribuir, ao administrador, legitimação para agir em nome do conjunto dos condóminos.” (5)
O aludido normativo não resolve, pois, o problema da legitimidade do administrador, que, aliás, não se coloca, visto que este age, em juízo, enquanto órgão executivo do condomínio, e, portanto, em representação deste. Parte no processo, relativamente às partes comuns do edifício – e é só destas que se cura – é o condomínio (que, como vimos já, tem personalidade judiciária (6) , embora não tenha personalidade jurídica), sendo, pois, relativamente a este, e não no tocante ao administrador, que se poderá colocar a questão da legitimidade.
Efectivamente, a legitimidade é uma posição das partes face ao objecto do processo, que, nos termos do art. 26º do CPC, terá de se aferir, em acções propostas pelo administrador ou em que este seja demandado, “pelo interesse que o património comum que representa (e não ele próprio) tenha em demandar ou em contradizer – expresso, no primeiro caso, pela utilidade derivada da procedência da acção e, no segundo, pelo prejuízo que essa mesma procedência possa ocasionar.” (7).
Significa isto que – sendo inquestionável, no caso em apreço, a legitimidade do condomínio, representado pela sociedade administradora, atenta a relação jurídica objecto do pleito – a hipotética incapacidade judiciária desta, decorrente da eventual procedência da acção de anulação judicial da deliberação da assembleia de condóminos que autorizou à aqui agravante a presente demanda, redundará tão-somente num vício de representação, o qual se deve ter por suprido à luz do disposto no art. 25º do CPC.
Com efeito, em 16.09.2003 a assembleia geral de condóminos deliberou, por maioria, renovar as deliberações tomadas na assembleia de 07.05.2003. Posteriormente, em 12.04.2005, a mesma assembleia geral de condóminos deliberou ratificar os actos praticados pela agravante nos presentes autos na sequência das deliberações tomadas nas assembleias de 07.05.2003 e 16.09.2003.
Ora, se o risco decorrente da eventual irregularidade de representação do condomínio já está prevenido e afastado, forçoso é concluir que não existe a apregoada relação de prejudicialidade entre a causa em discussão na acção que corre os seus termos na 3ª Secção da 5ª Vara Cível de Lisboa (proc. n.º 6.085/03.0TVLSB) e os presentes autos, não estando assim reunidos, in casu, os requisitos fixados no n.º 1 do art. 279º do CPC para a suspensão da instância.

E assim, em face do que vem exposto, a decisão recorrida não pode subsistir, devendo a mesma ser substituída por outra que ordene o levantamento da suspensão da instância e o consequente prosseguimento dos autos.


4.

Termos em que ACORDAM os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento ao agravo, revogando o acórdão recorrido e ordenando o levantamento da suspensão da instância e o consequente prosseguimento dos autos.
Custas pelas agravadas.

Lisboa, 04 de Outubro de 2007

Santos Bernardino(relator)
Bettencourt de Faria
Pereira da Silva

________________________
(1)Do outro indicado acórdão da Relação de Lisboa (de 16.05.96) apenas aparece, no site, o respectivo sumário.
(2) Neste sentido, cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in Código Civil Anotado, Volume III (artigos 1251º a 1575º), 2.ª edição revista e actualizada (reimpressão), Coimbra Editora, 1987, págs. 455 e 456, ARAGÃO SEIA, in Propriedade Horizontal, Condóminos e Condomínios, Almedina, 2001, págs. 205 a 208, e SANDRA PASSINHAS, in A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2.ª edição, Almedina, 2002, págs. 338 e 339.
(3) Cfr. FRANCISCO RODRIGUES PARDAL e MANUEL BAPTISTA DIAS DA FONSECA, in Da Propriedade Horizontal no Cód. Civil e legislação complementar, 5ª ed., Coimbra Editora 1988, pág. 277.
(4) Neste sentido, cfr. acórdão do STJ de 06-02-2007, proferido na Revista n.º 4525/06 - 1.ª Secção, e cujo sumário está disponível em www.stj.pt/nsrepo/cont/Mensais/Civeis/Cível022007.pdf.
(5)Cfr. “Da natureza jurídica do direito de propriedade horizontal”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 15 Julho/Setembro 2006, pág. 9.
(6)A personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte – art. 5º/1 do CPC.
(7) Cfr. RUI VIEIRA MILLER, A Propriedade Horizontal no Código Civil, 2ª ed., págs. 283/284