Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1190/12.5TTLSB.L2.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
CRÉDITOS LABORAIS
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
ÃCESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS
CUSTAS
Data do Acordão: 11/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO /
VERIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA - CUSTAS JUDICIAIS / RESPONSABILIDADE POR CUSTAS.
DIREITO CONSTITUCIONAL -DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / ACESSO AO DIREITO E TUTELA JURISDICIONAL.
Doutrina:
- Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e Recuperação de Empresas”, Anotado, 2.ª edição, 2013, Quid Juris, pp. 140 e ss., 164 e ss..
- Catarina Serra, “Processo Especial de Revitalização — contributos para uma “rectificação”, Revista da Ordem dos Advogados, A.57-T.2/3, Abril-Setembro, 2012.
- Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Patrício, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. 1º, p. 512, 1999.
- Luís M. Martins, Recuperação de Pessoas Singulares, Vol. I, 2013, p. 38.
- Madalena Perestrelo de Oliveira, “Processo Especial de Revitalização: O Novo CIRE”, Revista do Direito das Sociedades, IV, 2012, 3, p. 718 e segts.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 747.º, N.º1.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 1º, 36.º, N.º1, AL. J), 17.º-A, 17.º-D,N.ºS 3 E 4, 17º-E, N.º1, 17º-F, N.º3, Nº 6, 17.º-G, N.º7, 17.º-I, N.ºS 4 E 6, 128.º, 129.º, 130.º, 212.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - 277º, ALÍNEA E), 536º, Nº 3.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): ARTIGOS 333.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E B), 377.º, N.º1, AL. A), E Nº2, AL. A).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 18/2/2014, PROC. Nº 1786/12, IN WWW.DGSI.PT
-DE 23/3/2014, PROC. N.º 6148/12, IN WWW.DGSI.PT .
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ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR N.º 1/2014, PUBLICADO NO D.R., 1ª SÉRIE, DE 25 DE FEVEREIRO.

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JURISPRUDÊNCIA DAS RELAÇÕES

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 18/12/2013, PROCESSO N.º 407/12.0TTBRG.P1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I – O Processo Especial de Revitalização (designado por PER) traduz-se num instrumento processual, sobretudo de cariz negocial, que visa a revitalização dos devedores em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, tendo sido instituído pelo legislador com o objectivo específico de contribuir para a recuperação de uma empresa que seja, ainda, passível de viabilização económico--financeira.

II – Nos termos do art. 17º-E do CIRE, a aprovação e homologação do plano de recuperação no âmbito do Processo Especial de Revitalização obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.

III – No conceito de “acções para cobrança de dívidas” estão abrangidas não apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa, mas também as acções declarativas em que se pretenda obter a condenação do devedor no pagamento de um crédito que se pretende ver reconhecido.

IV – Tal ocorre com a acção interposta pelo trabalhador contra a empregadora e empresa devedora (que requereu um Processo Especial de Revitalização) e na qual o A. peticiona o reconhecimento da existência de um contrato individual de trabalho e a condenação da empresa no pagamento dos créditos laborais emergentes desse contrato, porquanto a procedência da acção tem reflexos directos no património do devedor.

V – Tendo sido aprovado e homologado um PER, por sentença transitada em julgado, na pendência de uma acção na qual se discute a cobrança de créditos laborais por parte dos AA. - que figuram igualmente no PER como credores a reclamar da Ré devedora o pagamento desses créditos –, aquela decisão vincula todos os credores e não permite a continuação da referida acção em curso.

VI – Por força do preceituado no art. 17º-E, nº 1, do CIRE, não estão verificadas as condições para o prosseguimento da instância na acção em que os AA. buscam a condenação da Ré no pagamento de um crédito superior ao que foi reconhecido no PER, devendo considerar-se, em tal circunstância, extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

VII – Esta interpretação não viola a Constituição da República Portuguesa, inexistindo qualquer discriminação ou violação de direitos dos AA., nem limitação ao acesso ao Direito e aos Tribunais em defesa dos seus interesses e direitos legalmente protegidos.

VIII – A responsabilidade pelas custas da acção cuja extinção foi determinada pela aprovação de um PER, em que a Ré era parte, não pode deixar de se considerar facto imputável à R., pois foi esta que, voluntariamente, requereu o PER, para poder continuar a manter a sua actividade económica, recaindo, por isso, sobre esta, a responsabilidade, nos termos expressos no art. 536º, nº 3, do CPC.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – AA e BB

Intentaram a presente acção com processo comum, contra:

CC, S.A.

Pedindo que seja reconhecido que:
 a) Entre cada um dos Autores e a Ré vigorou um contrato de trabalho, com início a 1 de Outubro de 2003, no caso da Autora, e com início a 16 de Julho de 2009, no caso do Autor;
b) Ambos os Autores resolveram os respectivos contratos com justa causa, pelo que deve ser condenada a Ré nas indemnizações e créditos laborais em dívida, nos termos peticionados.

Alegaram, para tanto, que, em ambos os casos, a Ré deixou de efectuar o pagamento das retribuições mensais que lhes eram devidas, como contrapartida do trabalho prestado por cada um dos Autores, na área jurídica, e não obstante entre ambos os AA. e a Ré se ter estabelecido uma relação laboral, que durou diversos anos, a Ré não quer reconhecer a esses contratos a natureza de contratos de trabalho.

A falta de pagamento por parte da Ré dos vencimentos mensais a cada um dos AA. levou a que estes resolvessem os contratos com justa causa, devendo, por isso, a Ré ser condenada a pagar-lhes as quantias em falta: estão em dívida as retribuições dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2011, o subsídio de Natal de 2011, e o reembolso das despesas efectuadas pelos AA. por conta da Ré e, bem assim, os créditos emergentes da resolução por falta culposa de pagamento de retribuição do contrato de trabalho que os AA. mantinham com a R., férias e subsídios de férias vencidos em 1 de Janeiro de 2012, créditos de horas de formação e indemnização por resolução do contrato de trabalho.

2. A Ré contestou a natureza dos contratos celebrados com os AA., defendendo que se inscrevem na mera prestação de serviços.

3. Foi proferida sentença, em 14.02.2014, pelo Tribunal de Trabalho de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a acção, considerando os contratos celebrados entre os AA. e a Ré como sendo de trabalho e, nessa medida, condenou a Ré, nos seguintes termos:

 “Face ao exposto, declaro a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, consequentemente:
1. Sendo CC, S.A. condenada a reconhecer que entre cada um dos Autores e a Ré vigorou um contrato de trabalho, com início a 1 de Outubro de 2003, no caso da Autora e com início a 16 de Julho de 2009, no caso do Autor;
2. Condeno a Ré a reconhecer que os AA. resolveram os seus contratos de trabalho com justa causa, por falta de pagamento pontual e culposo das suas retribuições;
3. Condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de €19.903,68, a título de indemnização por antiguidade, quantia acrescida de juros de mora à taxa legal sobre essa quantia, vencidos e vincendos desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento;
4. Condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia total de €6.489,73, a título de indemnização por antiguidade, quantia acrescida de juros de mora à taxa legal sobre essa quantia, vencidos e vincendos desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento;
5. Condeno a Ré a pagar à A. a quantia total de €17.039,46, a título de créditos laborais e ajudas de custo, quantia que será acrescida de juros de mora à taxa legal sobre essa quantia, vencidos e vincendos desde a data da cessação do contrato de trabalho ou com o vencimento dos mesmos até efectivo e integral pagamento, quantia a que será deduzido o valor de €2.641,22;
6. Condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia total de €34.392,55, quantia que será acrescida de juros de mora à taxa legal sobre essa quantia, vencidos e vincendos desde a data da cessação do contrato de trabalho ou com o vencimento dos mesmos até efectivo e integral pagamento;
7. Absolvo a Ré do demais peticionado.
8. Custas pela Ré e pelos AA. de acordo com o decaimento” – cf. fls. 704 e 705 do 3º Vol.

4. Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação, requerendo, nomeadamente, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do art. 17º-E, nº 1, do CIRE[1], uma vez que correu termos no Tribunal de Comércio de Lisboa um Processo Especial de Revitalização (=PER), para recuperação da própria empresa Ré, no qual já se procedeu ao pagamento das quantias devidas pela Ré. Argumenta ainda, quanto ao demais, a inexistência de celebração de contratos de trabalho entre os AA. e a Ré – cf. fls. 713 a 805.

Por sua vez o Autor BB interpôs recurso subordinado, no qual requereu a alteração do valor da indemnização que lhe foi fixada na sentença recorrida, e rebateu a alegação da Ré, alegando que a presente acção não é uma acção de cobrança de dívidas, pelo que não pode ser julgada extinta e deve prosseguir – cf. fls. 826 a 936.

5. A Relação de Lisboa proferiu Acórdão, em 17/06/2015, no qual, conhecendo da excepção suscitada pela Ré de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, considerou que com a homologação do plano de recuperação, no âmbito do processo que correu termos no Tribunal do Comércio, extinguiram-se as acções que foram interpostas contra a Ré, incluindo, portanto, a presente acção e, nessa medida, decidiu o seguinte:

…“Julga-se procedente o recurso interposto pela Ré/Recorrente CC, S.A., declara-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, atento ao disposto nos artigos 17º-E, nº 1, do CIRE, e 277º, al. e), do CPC, revogando-se a decisão recorrida.
Custas pela parte vencida” – cf. fls. 1043, do 4º Vol.

6. Irresignados, os AA. interpuseram a presente revista, na qual formularam, em síntese, as seguintes conclusões:


1. Na pendência da presente acção, quando já havia sido produzida a prova e apenas faltavam as alegações orais, a R. requereu um PER[2];
2. A lista provisória de créditos elaborada pelo Administrador Judicial Provisório, no âmbito desse PER, incluía os créditos dos AA. mas em valor muito inferior ao reclamado e atribuindo-lhes natureza comum (logo, não privilegiada, assim lhe recusando a natureza de créditos laborais).
3. Os AA. impugnaram judicialmente a lista provisória de créditos quanto ao valor e à qualificação dos créditos por si detidos sobre a R.
4. Subsequentemente, sem produção de prova a não ser a documental, sem audiência de julgamento ou qualquer outra diligência, o Tribunal do Comércio julgou as impugnações da lista provisória de créditos formuladas pelos AA., decidindo o seguinte:
- Atribuiu a um (o A. marido BB) a qualidade de trabalhador e ao outro (a A. mulher AA) não lhe atribuiu essa qualidade;
- Fixou o valor do crédito de cada um deles em 50% da diferença entre o montante inscrito na lista provisória de créditos e o montante por eles reclamado;
- Consignou que, caso o acordo extrajudicial (pois este PER iniciou-se já com a apresentação de um acordo celebrado entre a R. e alguns dos seus credores) viesse a ser homologado, os credores que impugnaram os créditos poderiam recorrer aos meios judiciais próprios e obter da R. o pagamento do montante a que tenham direito de harmonia com os demais credores que detenham créditos da mesma natureza (ou seja, nos termos que resultam do acordo obtido no PER da R.).
5. Na fundamentação da aludida sentença na qual julgou as impugnações da lista provisória de créditos e fixou, no âmbito do PER, a natureza e o montante dos créditos dos AA. sobre a R., o Tribunal do Comércio afirmou o seguinte:
- Pela estrutura do PER, prescinde-se de um dos princípios transversais ao direito processual – o do contraditório – previsto no nº 3 do art. 3° do CPC, pelo que a consequência a retirar é de que a decisão proferida pelo juiz nesta fase é, em princípio, de natureza perfunctória/provisória, circunscrevendo-se os seus efeitos à fixação de créditos para aferição dos quóruns constitutivo e deliberativo a que alude o art. 212º do CIRE.
(…)
- Caso o acordo extrajudicial seja homologado, os credores que impugnaram os créditos podem recorrer aos meios judiciais próprios para fixação do montante e obter da devedora – a exemplo dos demais credores que não chegaram a reclamar créditos – o pagamento do montante a que tenham direito de harmonia com os demais credores que detenham créditos da mesma natureza, uma vez que a decisão do juiz vincula os credores mesmo que não hajam participado nas negociações – cf. nº 6 do art. 17º-F, ex vi, nº 7 do art. 17º-I, todos do CIRE.
6. A decisão recorrida, ao declarar extinta a presente acção é manifestamente injusta.
7. Na verdade, por referência expressa do Tribunal em que correu o PER da R., a decisão nele tomada sobre os créditos dos AA. é meramente perfunctória/provisória, não visando dirimir definitivamente o litígio entre os AA. e a R., já que os seus efeitos se circunscreviam «à fixação de créditos para aferição dos quóruns constitutivo e deliberativo a que alude o art. 212° do CIRE», ou seja, à determinação do número de votos para efeitos de aprovação da proposta de plano de recuperação.
8. E referiu expressamente que os credores que impugnaram os créditos (entre os quais se contam os AA.) podiam recorrer aos meios judiciais próprios para fixação do montante e obter da devedora o pagamento do montante a que tenham direito de harmonia com os demais credores que detenham créditos da mesma natureza.
9. No caso dos autos, a presente acção, já pendente, e com produção de prova concluída, é o meio judicial próprio para dirimir o litígio a que a decisão do Tribunal de Comércio se refere.
10. Constituiria uma inaceitável e inconcebível violação do princípio da economia processual, que estando já pendente uma acção, e até com a produção de prova concluída, essa acção fosse extinta e os AA. tivessem de propor uma nova acção para repetir todos os actos praticados na referida acção pendente.
11. O art. 17°-E do C.I.R.E. deve ser interpretado no sentido de que, quer quando o litígio sobre o crédito não tenha sido dirimido no PER, maxime quando uma das partes tenha impugnado a lista provisória de créditos e o Tribunal não tenha dirimido o litígio definitivamente, por decisão que produza caso julgado material, nomeadamente por remeter as partes para os meios judiciais próprios para dirimirem esse litígio, uma acção pendente que tenha por objecto esse litígio não deve ser extinta com a homologação do plano de recuperação, pois será nessa acção que o litígio será dirimido, mesmo que o plano de recuperação não preveja a sua continuação.
12. Ao não o interpretar e aplicar nestes termos, o Tribunal “a quo” violou o referido preceito legal.
13. Mesmo que a decisão da questão de fundo fosse correcta (e já se demonstrou que o não é), a decisão sobre as custas seria errada, pois a inutilidade superveniente da lide deve-se a um facto exclusivamente imputável à R.
14. A instauração do PER, no qual foi aprovado e homologado o plano de recuperação que conduziu à extinção da instância, foi um acto voluntário da R., para satisfação dos seus interesses de evitar a insolvência e manter a sua actividade.
15. Assim, as custas da acção e da apelação deveriam ser-lhe imputadas, ao abrigo do disposto no art. 563º, nº 3, do CPC.
16. Não o fazendo, a decisão recorrida incorre em erro de imputação da responsabilidade por custas.
17. Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente revista ser julgada procedente, com a consequente revogação do acórdão recorrido, prosseguindo os presentes autos os seus termos, designadamente com julgamento das apelações pendentes.

7. A R. contra-alegou, concluindo, em síntese, do seguinte modo:


A) A conclusão retirada pelos Recorrentes subverte a ratio de instituição do Processo Especial de Revitalização, previsto nos artigos 17º-A a 17º-I do CIRE, pois esta forma de processo especial destina-se a permitir a um devedor que, comprovadamente, se encontre numa situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a possibilitar, com este acordo conducente à sua revitalização, a sua recuperação.
B) É dominantemente aceite, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, que as acções judiciais referidas naquele preceito são todas as acções declarativas e executivas que possam contender com o património do devedor.
C) E entre estas, estão as acções judiciais que visem a reclamação de eventuais créditos laborais, ainda que as mesmas impliquem o reconhecimento da existência de um Contrato de Trabalho.
D) Nesse sentido, cf. os Acórdãos emitidos pela Relação do Porto, nos processos 407/12.0TTBRG.P1, 523/12.12.9TTBRG.P1 e 516/12.6, e outros, aqui citados, todos em www.dgsi.pt.
E) Saliente-se que um PER é iniciado pelo acordo entre o devedor e um dos credores, mas acaba por também incluir todos os restantes credores.
F) O processo é público e devidamente aberto a todos os interessados, não podendo os Recorrentes alegar que tal processo viola os seus direitos ou apenas favorece determinados credores (mais ainda quando estamos perante um Acordo que foi aprovado quase por unanimidade, como foi o caso do Acordo da Recorrente, que obteve 87,4% dos votos favoráveis).
G) Na homologação do Plano de Recuperação nada houve de provisório ou perfunctório, extinguindo-se o litígio existente entre os recorrentes e a recorrida, por força da aplicação do art. 17°-E do CIRE.
H) Pelo que, se deve concluir como no Acórdão objecto do presente recurso: declarando-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, atento ao disposto nos artigos 17-E do CIRE e 277º, al. e), do CPC.
I) Advogam, ainda, os Recorrentes o erro relativo à decisão sobre as custas, fundamentando o seu entendimento no nº 3, do art. 536°, do CPC, mas não nos parece que esta seja uma dessas situações.
J) Com efeito, a situação económica difícil ou de insolvência iminente que levou a que a R. iniciasse um PER, não decorrerá, com toda a certeza, da sua vontade.
K) Pelo que deverá ser aplicável a regra do artigo 527º do CPC, confirmando-se o Acórdão objecto do presente recurso de revista.

8. A Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu pronúncia no sentido da improcedência do recurso, com base, em síntese, no seguinte entendimento:

* O art. 17º-E, nº 1, do CIRE “é claríssimo” e determina a extinção das acções após a homologação do plano de recuperação no âmbito do PER;
* As decisões do STJ, em matéria de insolvência, são do mesmo sentido, pelo que sendo o regime do PER em tudo semelhante ao do processo de insolvência, neste caso a solução terá de ser igual;
* Também quanto a custas os Recorrentes carecem de razão, pois o art. 536º, nº 3, do CPC, não tem aqui aplicação – cf. fls. 1126 e segts, do 5º Vol.

9. O mencionado parecer, notificado às partes, obteve resposta dos AA./Recorrentes que objectam nos termos que os autos documentam, a fls.1133 e segts.

10. Preparada a deliberação, cumpre apreciar as questões suscitadas nas conclusões da alegação dos Recorrentes, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2 e 679º, ambos do Código de Processo Civil.

II – QUESTÕES A DECIDIR:

- Está em causa, em sede recursória, a questão de saber se:


1. A presente acção deve ser, ou não, declarada extinta por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do art. 17º-E, nº 1, do CIRE;

2. Deve ser alterada a decisão em matéria de custas.

Analisando e Decidindo.

III – FUNDAMENTAÇÃO:

Para a decisão do presente pleito relevam as normas do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, nomeadamente as relativas ao Processo Especial de Revitalização, previstas nos arts. 17º-A e segts, e as do Novo CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que entrou em vigor no dia 1 de Setembro de 2013, mas que tem aplicação aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da sua entrada em vigor, ainda que em acções instauradas antes dessa data, como é o caso sub judice.

A) DE FACTO

- Foram considerados provados os seguintes factos [3]:


1. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras, à compra e exploração de bens imobiliários para fins de desenvolvimento turístico e hoteleiro.
2. Em 1 de Outubro de 2003, a Autora passou a desempenhar, ininterruptamente, as funções de Advogada no Departamento Jurídico da R.
3. No âmbito das suas funções, cabia à Autora, nomeadamente, acompanhar processos de aquisição, oneração e alienação de bens imóveis, acompanhar processos de licenciamento urbanístico e turístico, elaborar e rever contratos, com especial ênfase na área do direito laboral, elaborar, rever e registar actas societárias, preparar e acompanhar processos de licenciamento de direitos de propriedade industrial, emitir opinião legal e prestar apoio jurídico às diversas direcções da Ré, bem como representar extrajudicialmente a Ré.
4. A A. emitia e entregava, inicialmente, mensalmente, depois, a partir de 31/3/2005, trimestralmente, à Ré, um recibo, o comummente designado “recibo verde”, como comprovativo das quantias que mensalmente dela auferia, sendo a Ré quem indicava à Autora quais os valores concretos que deveriam constar dos respectivos “recibos verdes” que esta depois lhe entregava.
5. Ao longo dos anos, a Autora sempre exerceu as suas funções nas instalações da Ré, inicialmente em Lisboa, e a partir de Julho de 2009, no Algarve.
6. Nessas instalações tinha um gabinete próprio, secretária, computador e demais instrumentos pertencentes à Ré e tinha ao seu dispor um serviço de secretariado prestado por funcionários da Ré.
7. A A. assinava documentos em papel timbrado da Ré e utilizava, nos seus contactos, cartões-de-visita atribuídos pela Ré, identificando-a como membro do Departamento Jurídico da Ré.
8. Tinha ainda um endereço de e-mail atribuído pela Ré, identificando-a como advogada integrada no Gabinete de Apoio à Administração da Ré, o qual utilizava diariamente no desempenho das suas funções, quer comunicando com os trabalhadores da Ré, quer comunicando com pessoas e entidades externas.
9. A Autora comparecia todos os dias nas instalações da Ré, chegando normalmente por volta das 10h00 e saindo por volta das 20h00, com duas horas de intervalo para almoço, cumprindo, em média, oito horas de trabalho diárias.
10. Sempre que necessitava de faltar ao trabalho, a Autora tinha que avisar a Ré e informar a sua ausência.
11. Sendo certo que, nas instalações da Ré sitas no Algarve, a Ré não controlava a assiduidade de nenhum dos trabalhadores que ali prestavam trabalho.
12. De igual modo, os 22 dias de férias que a Autora sempre gozou, eram marcados e gozados mediante prévia autorização da Ré, concretamente, da Directora do Departamento Jurídico, Dra. DD e, após a saída desta, do Presidente do Conselho de Administração da Ré, EE.
13. A Autora estava sujeita aos procedimentos e regras internas em vigor na Ré, exactamente nos mesmos termos que os restantes trabalhadores da Ré.
14. A Autora sempre foi convidada para os jantares de Natal da Ré, tal como os trabalhadores desta última.
15. A Autora fazia parte da lista de extensões telefónicas da Ré, estando-lhe atribuída uma extensão específica.
16. Eram-lhe comunicadas todas as alterações que ocorriam na estrutura e organização da Ré, nomeadamente as nomeações e admissões de colaboradores.
17. À Autora, tal como aos trabalhadores da Ré, foi dada a possibilidade de aderir ao “Plano de Saúde Empresa”, contratado pela Ré à seguradora FF.
18. No desempenho das suas funções, a Autora reportava à Directora do Departamento Jurídico, Dr.ª DD, a qual lhe distribuía o trabalho, controlando e supervisionando a respectiva execução, sem prejuízo da autonomia técnica inerente à actividade da Autora.
19. A partir de Setembro de 2010, a Autora foi nomeada para chefiar o então criado “Gabinete de Apoio à Administração”, passando a reportar directamente ao Presidente do Conselho de Administração da Ré, EE, de quem recebia ordens e instruções sobre o modo de desempenho da sua actividade.
20. A 1.ª Autora auferia, como contrapartida da prestação da sua actividade, as quantias mensais x 14 vezes (subsídio de férias e Natal) por ano: a) Outubro de 2003 e Dezembro 2004: € 1.000; b) no ano de 2005: € 1.396,56; c) no ano de 2006: € 1.625,68; d) no ano de 2007: € 1.908,48; e) no ano de 2008: € 1.875,00; f) no ano de 2009: € 2.227,02; g) no ano de 2010: € 2.363,11; h) no ano de 2011: € 2.386,85.
21. Foi atribuída uma viatura à Autora, para uso profissional e pessoal, cujas despesas de combustível e portagens eram integralmente pagas pela Ré.
22. Foi também atribuído à Autora um telemóvel, com limite de chamadas, para uso profissional e pessoal.
23. O Autor exerceu, a partir de 16 de Julho de 2009, as funções de Assessor do Conselho de Administração e Advogado Coordenador do Departamento Jurídico da Ré, em substituição da Dra. DD, reportando directamente ao Presidente do Conselho de Administração da Ré, EE.
24. No âmbito das suas funções, cabia ao Autor, nomeadamente, coordenar as actividades do Departamento Jurídico, elaborar, rever e negociar contratos, emitir opinião legal e prestar apoio jurídico ao Conselho de Administração e às diversas Direcções da Ré e, principalmente, acompanhar processos de licenciamento urbanístico e turístico, em estreita colaboração com o Departamento de Projectos, representando a Ré perante as diversas entidades públicas envolvidas nesses processos.
25. Após ter começado a prestar a sua actividade para a Ré, o Autor alterou o seu domicílio profissional para a sede da Ré, tendo passado a exercer as suas funções nas instalações da Ré, no Algarve.
26. E tendo, por esse motivo, mudado a sua residência de Lisboa para o Algarve (juntamente com a Autora), onde, para o efeito, a Ré lhe atribuiu uma casa.
27. Nas instalações da Ré o Autor tinha um gabinete próprio, secretária, computador e demais instrumentos pertencentes à Ré.
28. Tinha ao seu dispor um serviço de secretariado prestado por funcionários da Ré.
29. O A. assinava documentos em papel timbrado da Ré e utilizava, nos seus contactos, cartões-de-visita atribuídos pela Ré, identificando-o como membro do Departamento Jurídico da Ré e Assessor do Conselho de Administração.
30. Tinha ainda um endereço de e-mail atribuído pela Ré, o qual utilizava diariamente no desempenho das suas funções, quer comunicando com os colaboradores da Ré, quer comunicando com pessoas e entidades externas.
31. O Autor comparecia todos os dias nas instalações da Ré, chegando normalmente por volta das 10h00 – excepto quando realizava diligências externas (reuniões, por exemplo) ou quando se encontrava nos escritórios da Ré, em Lisboa.
32. No desempenho das suas funções, o Autor reportava, directamente, ao Presidente do Conselho de Administração da Ré, de quem recebia instruções sobre o modo de desempenho da sua actividade, sem prejuízo da autonomia técnica inerente à actividade do Autor.
33. De igual modo, os 22 dias de férias que o Autor gozou, eram marcados e gozados em conciliação com os demais colaboradores do departamento.
34. Enquanto Coordenador do Departamento Jurídico, o Autor coordenava os restantes membros do Departamento Jurídico da Ré.
35. O Departamento Jurídico da Ré era então constituído por mais dois advogados, a saber, a aqui Autora, o Dr. GG e, a partir de Janeiro de 2011, a Dra. HH.
36. Tendo a Dra. HH sido inicialmente admitida na Ré através da celebração e formalização de um contrato de trabalho, e o Dr. GG, posteriormente, em Julho de 2011, por contrato de trabalho entretanto formalizado, ao contrário dos Autores, com quem a Ré nenhum contrato de trabalho formalizou.
37. O Autor estava sujeito aos procedimentos e regras internas em vigor na Ré, exactamente nos mesmos termos que os restantes colaboradores da Ré.
38. O Autor era convidado para os jantares de Natal da Ré.
39. Foi precisamente no primeiro jantar de Natal da Ré a que o Autor compareceu, em 2009, que o Presidente do Conselho de Administração, EE, apresentou formalmente o Autor como o novo Assessor do Conselho de Administração e Coordenador do Departamento Jurídico, perante os mais de 500 colaboradores ali presentes.
40. O Autor fazia parte da lista de extensões telefónicas da Ré, estando-lhe atribuída uma extensão específica.
41. Eram-lhe comunicadas as alterações que ocorriam na estrutura e organização da Ré, nomeadamente as nomeações e admissões de colaboradores.
42. Ao Autor, tal como aos trabalhadores da Ré, foi dada a possibilidade de aderir ao “Plano de Saúde Empresa”, contratado pela Ré à seguradora FF.
43. O Autor auferia como contrapartida da prestação, um montante mensal fixo ilíquido, sendo: a) em 2009, um montante no total de € 22.500; b) em 2010, € 3.426,63 mensais; c) em 2011, de € 5.095,54 mensais.
44. Remuneração esta paga pela Ré ao Autor catorze meses por ano, isto é, a Ré não só pagava ao 2.º Autor o período de férias por este gozado, como lhe pagava o respectivo subsídio de férias, assim como o subsídio de Natal.
45. O Autor passava os chamados “recibos verdes”, agregando, em cada recibo, vários meses, o que significa que, em cada um dos recibos está incluída a retribuição de vários meses e ainda o subsídio de férias e de Natal.
46. Foi atribuída uma viatura ao Autor, para uso profissional e pessoal, cujas despesas de combustível e portagens eram integralmente pagas pela Ré.
47. A Ré atribuiu ainda ao Autor uma casa, primeiramente um apartamento e, posteriormente, uma moradia sita na …, …, Lote …, onde este, juntamente com a Autora, passaram a residir a partir de Janeiro de 2011.
48. No dia 7 de Dezembro de 2011, a Ré comunicou aos Autores que se encontrava em curso na empresa um processo de reestruturação.
49. Desde Outubro de 2011, que a Ré não paga aos Autores as suas contraprestações mensais, encontrando-se em dívida as dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro, assim como o respectivo subsídio de Natal do ano de 2011.
50. Os Autores tomaram conhecimento de que a Ré comunicou a todos os seus trabalhadores que, em face da situação da empresa, se previa que não fosse possível proceder ao pagamento da retribuição em dívida referente ao mês de Outubro, nos 60 dias seguintes ao vencimento dessa retribuição.
51. No dia 2 de Janeiro de 2012, os Autores comunicaram à Ré a resolução dos seus contratos de trabalho, com justa causa, em virtude do não pagamento pela Ré das retribuições respeitantes aos referidos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2011, de acordo com documentos de fls. 106 e 107, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
52. Igualmente, a Ré não pagou aos Autores, o subsídio de Natal de 2011, nem férias vencidas no dia 1 de Janeiro de 2012 e respectivo subsídio de férias.
53. A R. não proporcionou formação profissional aos AA.
54. A R. não pagou ao A. o valor respeitante a despesas de transporte e taxa camarária de apreciação de projecto, incorridas pelo Autor por conta da Ré, no valor de € 1.761,31;
55. A R. não pagou à Autora, o montante de € 306,86, respeitante a despesas de transporte, incorridas por esta última por conta da Ré.
56. A R. nunca aplicou qualquer sanção disciplinar à A.
57. O A. prestou serviços de advocacia a outras pessoas e entidades, durante o tempo em que manteve a actividade junto da R.
58. A R. encontra-se submetida a Processo Especial de Revitalização que correu termos nos autos nº 211/13.9TYLSB, do 3º Juízo, do Tribunal de Comércio de Lisboa, tendo nele sido proferido, no dia 9/8/2013, despacho de homologação do Plano de Revitalização da Ré. [4]

B) DE DIREITO:

Cumpre no essencial apreciar se, em face da aprovação do PER (=Processo Especial de Revitalização) em que interveio a R., deve ser confirmada a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, que foi declarada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

A decisão desta matéria não se dissocia da questão de saber quais os objectivos visados com a introdução, no âmbito do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, de um processo dessa natureza e quais os efeitos decorrentes da aprovação de um plano especial de revitalização de uma empresa, in casu, da empresa Ré, relativamente aos restantes credores, independentemente da natureza jurídica dos créditos em causa.

Vejamos, pois, o que de relevante se processa e como se projectam as decisões proferidas no âmbito de tal processo relativamente a outras acções em curso, instauradas contra o mesmo devedor, que se apresenta a requerer a sua recuperação económica ao abrigo desse processo, como acontece no caso sub judice.

1. O Processo Especial de Revitalização – o PER:

1.1. O Processo Especial de Revitalização (designado usualmente pelas suas iniciais - PER) traduz-se num instrumento processual, sobretudo de cariz negocial, criado, e a desenvolver-se, num contexto económico difícil, passível de suportar a viabilização da empresa, assentando a estabelecida eficácia do acordo, para além da esfera dos que nele intervieram, na aprovação por uma maioria que seja apta a vincular a generalidade dos credores.

Extrai-se do art. 17º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (igualmente conhecido pelas suas iniciais – CIRE) que esse tipo de processo destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização.

Revitalização que passa por uma efectiva negociação das dívidas com os credores de modo a que o devedor consiga recuperar da situação económica difícil em que se encontra.

Entendendo-se como situação económica difícil a do devedor que enfrenta dificuldades sérias em cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito por parte das entidades bancárias e financeiras.

1.2. O objectivo do legislador, que presidiu à criação deste regime – do PER – foi o de institucionalizar um processo pré-insolvencial, cuja maior vantagem é a possibilidade de qualquer devedor singular, ou pessoa colectiva, poder obter um plano de recuperação sem ser declarado insolvente.

Procurou-se, assim, através deste processo, conceder primazia à vontade dos intervenientes (devedor e credores), de modo a propiciar uma revitalização célere e eficaz dos devedores que se encontrem numa situação de “pré-insolvência”, pois só nestas condições existe justificação para se privilegiar o interesse público da manutenção do devedor na circulação e actividade comercial.

A criação de um novo processo – diferente do processo da insolvência – por ser mais expedito e de tramitação simplificada, foi norteada pelo desígnio vertido no seu próprio nome: a revitalização da empresa com dificuldades económico-financeiras, a obter através da negociação com os respectivos credores tendente a alcançar um acordo que conduza à revitalização do devedor, se esta se mostrar viável e for esse igualmente o interesse dos credores.

Finalidade que encontra expressão nas normas que regulam este processo especial.

1.3. Com efeito, decorre do art. 1º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (=CIRE), na redacção introduzida pela Lei nº 16/2012, de 20/04, que criou o Plano Especial de Revitalização (doravante PER), que o processo de insolvência é um processo de execução universal “que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e na repartição do produto obtido pelos credores”.

Mas “estando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, o devedor pode requerer ao Tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos arts. 17º-A a 17º-I,” do CIRE – cf. nº 2 do art. 1º.

Este procedimento, simplificado, surgiu porquanto o Estado Português, em forte constrangimento económico e financeiro, assumiu, como é sabido, por imposição do Memorando de Entendimento, celebrado com o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional, no quadro do programa de auxílio financeiro ao nosso País, o compromisso Europeu de legislar no sentido de introduzir um regime legal de cooperação, flexibilização e reestruturação de créditos, seus e/ou de outros credores. [5]

Ou seja, o Estado Português aceitou adoptar, legislativamente, procedimentos flexíveis no ordenamento jurídico Português, no âmbito de créditos dessa natureza, como forma de salvaguarda das empresas, numa comunhão de esforços com os credores particulares, propondo-se alcançar, prima facie, a sua recuperação, que só pode ser obtida, no caso do processo especial em análise, pelo acordo de cada um dos credores do devedor e com todos aqueles que queiram participar.

Criando, para tal, um procedimento de facilitação da aprovação de planos de recuperação do devedor.

1.4. O objectivo, como ressalta de toda a legislação, é contribuir com sucesso para a recuperação da empresa – se esta se mostrar viável – e visa, conforme se salientou supra, a revitalização dos devedores em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecendo, para o efeito, negociações com os respectivos credores de modo a concluir, com a intervenção destes, acordo conducente à revitalização do devedor, por meio da aprovação de um plano de recuperação.

Plano esse que só não deve merecer a homologação do Tribunal se houver fortes razões que obstem a tal. Mas que uma vez homologado, não pode deixar de produzir os respectivos efeitos.

2. Os Efeitos Processuais:

2.1. Entre esses efeitos decorrentes da decisão proferida pelo Tribunal competente, e cumpridas as demais formalidades que as normas conjugadas dos arts. 17º-A a 17º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) prevêem, estão os que constam expressamente do art. 17º-E, nº 1, que, por sua vez, estabelece que:

“A decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”.[6]

Ora, estes efeitos não se confinam ao processo especial de revitalização. Mas como o próprio normativo consagra, estendem-se “às acções em curso com idêntica finalidade” e a “quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor”.

Resulta, assim, da análise da norma em causa, que os efeitos dessa decisão podem conduzir a uma das seguintes situações:
1º Tanto “obstam à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor”;
2º Como “suspendem, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade”;
3º Ou “extinguem aquelas acções logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação”.

Exceptuando-se, apenas, nessa norma, as situações em que se preveja a sua continuação.

2.2. No caso dos autos, sabe-se pelos elementos que o integram, que foi instaurado um processo de recuperação nos termos do art. 17º-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e solicitado ao Tribunal, ao abrigo do normativo citado, a homologação de acordos extrajudiciais de recuperação do devedor.

Ou seja, está-se perante o denominado “PER de homologação”, o que significa que o processo chega ao fim assim que se mostre proferida a decisão judicial que procede à homologação desse plano apresentado pelo devedor.

Tendo a Ré solicitado ao Tribunal, ao abrigo deste procedimento especial, a homologação de acordo extrajudicial de recuperação, a que alude o art. 17º-I do CIRE. Acordo esse assinado pelos credores representando a maioria de votos prevista no nº 1 do art. 212º do CIRE, e cujo plano de recuperação, uma vez aprovado pela assembleia de credores e homologado pelo Juiz competente, encontra-se apto a desencadear os respectivos efeitos legais.

Sendo certo que, in casu, se verifica que, no âmbito do referido PER em que a Ré figura como devedora, o plano de recuperação da empresa Ré já existe e foi homologado por sentença transitada em julgado.

2.3. Com efeito, mostra-se documentado nos autos que, no âmbito do Processo Especial de Revitalização n.º 211/13, em que é interveniente a Ré, como devedora, e que correu termos no Tribunal do Comércio de Lisboa, foi proferido despacho de homologação, relativo ao acordo extrajudicial de recuperação da Ré.

E da decisão judicial do Tribunal do Comércio exarada nesse processo, em 21/5/2013, e inserida a fls. 610 e segts, do 3º Vol., extrai-se que os AA. reclamaram os seus créditos de natureza laboral, e aqui em discussão, tendo sido assinalado, nessa decisão, expressis verbis, que:

“A. Créditos de natureza laboral reclamados por incorrecção do montante:

- BB (aqui 2º Autor);
- AA (aqui 1ª Autora)

As reclamações fazem referência à incorrecção dos montantes relacionados por pecarem por defeito.
A prova documental junta não permite a fixação dos montantes de acordo com o regime laboral, ou mesmo a quantificação dos juros vencidos.[7] No entanto, dúvidas não subsistem que de harmonia com o preceituado no art. 377º, nº 1, al. a) e nº 2, al. a), do Código do Trabalho, os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam de privilégio creditório mobiliário geral, graduado antes dos créditos referidos no nº 1 do art. 747º do CC.

Já no que concerne aos juros, a discrepância de redacção da Lei nº 17/86, de 14 de Junho (Lei dos salários em atraso) e da Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto, em que os créditos emergentes do contrato individual de trabalho ou da sua violação, e respectivos juros, gozavam de privilégio mobiliário e imobiliário gerais (art. 12º/1º, al. a), b) e m), e nº 4, da referida Lei nº 17/86 e art. 4º da Lei nº 96/2001) em relação ao actual Código do Trabalho, art. 333º, que os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios:
- mobiliário geral;
- imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade,
Sugerem alteração de interpretação e aplicação da lei no sentido de que os juros dos créditos resultantes do contrato de trabalho, ou da sua violação, não estão abrangidos directamente pelo normativo que confere o privilégio.
Significa isto que, quando muito, há que aplicar o regime geral, o que implica que só estão abrangidos pelo privilégio os juros relativos aos últimos dois anos.

A ser assim, como julgamos ser, os créditos laborais passam a poder estar abrangidos em todas as categorias:
- Podem ser garantidos ou privilegiados consoante esteja em causa o privilégio imobiliário especial ou o privilégio mobiliário geral, no que respeita aos juros dos dois últimos anos;
- Podem ser comuns quando se constituíram antes da declaração de insolvência, mas já não estão abrangidos pelos dois últimos anos a que se refere o artigo anterior;
- Podem ser subordinados quando são constituídos após a declaração de insolvência, e já não são abrangidos pelos dois últimos anos a que se refere o mesmo artigo.

Em face da documentação junta ou falta dela, são de fixar para efeitos de verificação de quóruns constitutivo e deliberativo:
- BB – impugna o crédito relacionado (44.020,06 €) quanto à natureza e montante, realça a relação laboral entre impugnante e devedora e conclui que detém sobre esta um crédito no valor de 54.366,27 €. A documentação junta permite inferir a existência da relação, pelo que é de considerar a natureza do crédito como privilegiada e fixar o montante em 50% da diferença entre o crédito reclamado e o relacionado perfazendo o total de 49.193,16 €.
- AA – impugna o crédito relacionado (9.457,62 €) quanto à natureza e montante, realça a relação laboral entre impugnante e devedora e conclui que detém sobre esta um crédito no valor de 46.823,35 €. A documentação junta não permite de per se extrair ilações quer quanto à mencionada relação laboral, quer quanto ao montante em dívida. Em face da inexistência de elementos de prova suficientes no sentido alegado, mantém a natureza do crédito, mas fixa-se o montante em 50% da diferença entre o crédito reclamado e o relacionado perfazendo o total de 28.140,48 €” – cf. fls. 630 a 632.

Com a prolação deste despacho pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, em 21/5/2013, a lista de credores, onde estão incluídos os AA., converteu-‑se em definitiva.

E dessa lista definitiva consta o total dos créditos reconhecidos.

Posteriormente, em 09/08/2013, foi homologada, por sentença, o plano especial de revitalização da devedora Ré, por aquele Tribunal – cf. fls. 642 e segts.

Verifica-se, assim, que os AA. reclamaram os seus créditos de natureza laboral, e aqui em discussão, tendo sido reconhecidos nessa decisão a natureza dos créditos nos termos que antecedem, e com a menção expressa de que os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, “enquanto trabalhadores, gozam de privilégio creditório mobiliário geral, nos termos dos arts. 377º, nº 1, al. a) e nº 2, al. a), do CT e nº 1 do art. 747º do CC”.

De acordo com essa sentença, o Tribunal de Comércio classificou os créditos dos AA., “para efeitos de verificação dos quóruns constitutivo e deliberativo”, como sendo de natureza laboral, fixando-os nos seguintes termos:

- À Autora – um total de € 28.140,48;

- Ao Autor – um total de € 49.193,16 €.

Tendo homologado, por sentença transitada, o plano de revitalização da devedora/Ré “CC”, fruto de amplo Acordo celebrado entre o devedor e os credores e aprovado por esmagadora maioria, com inclusão dos referidos créditos dos AA.

Salienta-se que tal decisão vincula todos os credores, mesmo aqueles que não hajam participado nas negociações, por força do disposto no art. 17º-F, nº 6, aplicável, ex vi, art. 17º-I, nº 6, do CIRE.

Podendo ler-se nesses autos que “a Ré procedeu já ao pagamento de todas as quantias que em tal PER foram consideradas”, v.g., as dos próprios AA.

2.4. Aqui chegados a questão que importa dirimir é a que tem gerado divisão na jurisprudência das Relações, com a prolação de decisões nem sempre coincidentes nesta matéria.

- Para uns, como é o caso do aresto da Relação de Lisboa que motivou o recurso de revista, ora em análise, a presente acção cai na alçada do normativo que estabelece que a decisão homologatória do Tribunal no âmbito do processo PER, “obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor”, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação.

- Para outros, essa extinção não pode ocorrer e, por isso, as acções propostas devem prosseguir os seus termos.

Assim sendo, a questão que se coloca é a de saber quais são as acções abarcadas pelo nº 1 do art. 17º-E do CIRE.

Ou seja: que tipo de acções cabem nesta elocução da norma com acepção jurídica “de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor”.

Concretizando: será de incluir a presente acção?

E a resposta, em nosso entender, não pode deixar de ser afirmativa.

Vejamos porquê.

3. As acções para cobrança de dívidas e os créditos laborais:

3.1. Desde logo, porque a lei não distinguiu, nem excepcionou, as acções em que estejam em causa – simultaneamente com a condenação do Réu ao pagamento de uma quantia determinada, devida por falta do pagamento de retribuições e salários – o pedido de reconhecimento da natureza do contrato celebrado entre as partes.

E sendo certo que, in casu, se discute – de acordo com a causa de pedir e o pedido formulado pelos AA. - direitos alegadamente emergentes da relação de trabalho, o certo é que esses direitos, quer no que respeita às indemnizações pedidas, quer quanto às retribuições peticionadas, reconduzem-se a uma expressão numérica: são valores determinados, relativos a montantes em dívida. São créditos laborais.

E uma vez decidida a condenação da Ré no seu pagamento, assumem a plena natureza de direitos de crédito dos AA./trabalhadores sobre a Ré/devedora, por conseguinte, é o património desta que sempre terá de responder por esses créditos.

Quer isto dizer que se as acções dos AA. fossem julgadas procedentes a consequência seria a condenação da Ré nas quantias peticionadas – no todo ou em parte. Com reflexos directos no património da Ré, podendo, a partir de então, ser exigidas.

E se é verdade que uma acção de reconhecimento do contrato de trabalho não é uma acção de cobrança de dívida, não deixa de se assumir – porque o é – como uma acção declarativa de condenação. Em que a condenação se cifra num montante determinado, num crédito, a exigir da Ré e com consequências directas no património e activo desta.

Quando é sabido que a Ré, se apresentou, requerendo por sua iniciativa, um processo especial de revitalização. 

Por conseguinte, entendemos que, situações como a descrita nestes autos, constituem acções de idêntica finalidade e, como tal, mostram-se abrangidas pelo nº 1 do art. 17º-E, do CIRE.

O objectivo central de tal acção é, inquestionavelmente, o reconhecimento de um crédito emergente de contrato de trabalho e, por isso, justifica a sua inserção no conceito de acções para “cobrança de dívidas contra o devedor”, porquanto neste conspecto trata-se de “acções em curso com idêntica finalidade”.


Com efeito, não obstante na acção instaurada pelos AA. se discutirem as questões relacionadas com a natureza da relação contratual mantida entre as partes e se questionar se essa relação é, de facto et de jure, de natureza laboral, tal como os créditos em causa, a verdade é que tal acção não deixa de assumir a natureza de uma acção declarativa de condenação, através da qual se pretende obter a condenação da Ré nos créditos devidos aos AA.

E ao contrário do que alegam os Recorrentes, o art. 17º-E, nº 1, do CIRE, não se limita a incluir nessa extinção “quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor”, porquanto abarca também todas “as acções em curso com idêntica finalidade”.

E essa identidade de finalidade é-nos dada pela natureza da acção declarativa de condenação nos créditos dos AA., já que, o prosseguimento dos presentes autos iria conduzir, de acordo com o pedido formulado, e como se disse, não só ao reconhecimento do alegado vínculo laboral, como também à eventual condenação da Ré em montantes que estariam em dívida – “dívidas contra o devedor, in casu a Ré” – e “créditos para os AA.”.

Ora, são esses créditos que o legislador quis impedir que possam ser exigidos fora deste processo especial de revitalização, sob pena de se penalizar o património do devedor – aqui, a Ré – que se quer liberto de tantas dívidas para recuperação da própria empresa. Mantendo e prosseguindo a sua actividade que, de outro modo, seria afectada pelo reconhecimento e respectivo pagamento de outros montantes que lhe seriam exigidos, fossem eles de natureza laboral ou não.

3.2. Daí que Carvalho Fernandes e João Labareda,[8] explicitem, com a Mestria que lhes é reconhecida nesta área, o sentido adequado a dar a este normativo, na parte que aqui releva:

“A paralisação aqui determinada abrange todas as acções para a cobrança de dívidas e não apenas as executivas, incluindo-se, assim, as acções declarativas condenatórias… e também as acções com processo especial e procedimentos cautelares”.

A razão para tal extrai-se ainda da explanação de outros Autores, v.g. Madalena Perestrelo de Oliveira, quando nos alertam para o seguinte:

O objectivo deste processo é “facultar ao devedor o espaço necessário para levar a cabo a recuperação, com a consequente proibição da prossecução de outras acções, até das próprias acções executivas, como forma de protecção do devedor que fica com a faculdade de tentar a recuperação da empresa, liberto de todas as tentativas de os credores se fazerem pagar e da pressão do mercado que os levou até aquela situação económica depauperada e de insolvibilidade”. [9]

Sistema processual similar está consagrado nos ordenamentos jurídicos Espanhol e Alemão, e com regulação normativa nos EUA, onde o procedimento especial de revitalização aparece designado como “automatic stay” ou o “breathing space”[10] por prever este sistema no qual os credores não podem reclamar os seus créditos.

No mesmo sentido se manifesta Luís M. Martins, a propósito dos créditos dos trabalhadores[11], quando refere que:

“A natureza e fins do processo de revitalização pretendem trazer ao processo todos os credores e respectivos direitos. Motivo pelo qual impende sobre o devedor a obrigação de informar todos os seus credores por carta registada, pretendendo o processo que todo e qualquer credor do devedor, venha a reclamar o seu crédito no processo de revitaliza-ção, de forma a poder ser ressarcido…Todos os credores inclui, por exemplo, aqueles que são fundamentais para a revitalização de qualquer estrutura produtiva – os trabalhadores.

E estes (os trabalhadores), no âmbito de um processo desta natureza não podem, porque a lei que criou e regula o PER o não permite, ter ao longo da sua tramitação tratamento diferenciado dos restantes credores”.

Sobre o entendimento relativo ao art. 17º-E, do nº 1, do CIRE, cf. também Catarina Serra, in “Processo Especial de Revitalização — contributos para uma “rectificação” —, na Revista da Ordem dos Advogados, A.57-T.2/3, Abril-Setembro, 2012.


        3.3.
Ora, estando aqui em causa a cobrança de créditos laborais por parte dos AA. contra a Ré devedora, e uma vez que já foi aprovado e homologado o PER, por sentença transitada em julgado, esta decisão vincula todos os credores, não permitindo, assim, a continuação das acções em curso contra os aqui AA. que figuram igualmente no PER como credores, a reclamar da Ré o pagamento desses créditos.

O que bem se compreende, porquanto a procedência de tais acções projecta-se na determinação de direitos de crédito que, ao serem exigidos, conforme se salientou, se repercutem no património do credor, com reflexos não pretendidos pelo legislador. Por isso, não podem deixar de estar abrangidas pelas consequências de um Processo Especial de Revitalização, cujos efeitos a lei consagrou expressamente no sentido apontado.

3.4. Entendimento que a Relação do Porto veiculou, com grande clarividência, no Acórdão datado de 18/12/2013,[12] em que estavam em discussão créditos laborais, e no qual exarou o seguinte sumário:

“ (…)
II – A suspensão das acções previstas no n.º 1, do artigo 17-E, do CIRE, abrange qualquer acção judicial (declarativa ou executiva) destinada a exigir o cumprimento de um direito e que, por isso, contendam como o património do devedor;
III – Em conformidade, deve ser suspensa, nos termos do normativo legal referido, a acção emergente de contrato individual de trabalho, em que estão em causa direitos de crédito (designadamente indemnização de antiguidade e retribuições) do trabalhador sobre o empregador”.

3.5. Um outro elemento nos parece relevante: conforme se reconhece no Acórdão recorrido, resulta do processo especial de revitalização que se mostram pagas as quantias fixadas aos AA., no referido PER.

E a decisão do juiz – de homologação do acordo –, transitada em julgado, vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações com o devedor, nos termos estipulados pelo art. 17º-F, nº 6, do CIRE.

Ora, nesse processo especial alude-se também à laboralidade da dívida e à qualidade de trabalhador do Autor e até da Autora, embora nos termos já referidos.

E a questão que se pode colocar é a seguinte: partindo da pressuposição que a presente acção prosseguia e que os AA. obtinham uma decisão favorável na acção declarativa, qual o efeito que extrairiam de tal sentença?
- Uma acção executiva – sabe-se que nunca poderia ser proposta, pois a lei impede-a claramente face ao estatuído na citada norma, porquanto se estaria a tentar obter a cobrança de uma dívida, e quanto a este tipo de acções – as executivas – a própria doutrina e a jurisprudência são inequívocas ao considerar que, em tal circunstância, há lugar à extinção da instância.
- E se não podem lançar mão da correspondente acção executiva contra a devedora revitalizada/Ré, então pergunta-se:
     * Para que servirá manter, neste caso, uma acção em juízo?
     * Qual o interesse que lhes pode advir da afirmação judicial de um crédito que os AA. não poderão depois executar?
   

  Tanto mais que, a natureza do crédito foi apreciada pela decisão do Tribunal do Comércio, transcrita supra, em ponto anterior 2.3), a fls. 16, e a lei proíbe a prática de actos inúteis, sancionando com a extinção da instância o litígio em que não se vislumbre interesse útil na sua prossecução, seja por impossibilidade, seja por inutilidade.

3.6. Em Conclusão: em face do preceituado no art. 17º-E, nº 1, do CIRE, não estão verificadas as condições para o prosseguimento da instância na presente acção em que os AA. buscavam a condenação da Ré no pagamento de um crédito superior ao que foi reconhecido no PER, devendo confirmar-se o Acórdão recorrido que, com tal fundamento, declarou a extinção da instância.

Defender outro entendimento seria, quanto a nós, atentar contra a própria ratio que determinou a criação dos PERs.

3.7. Os próprios Carvalho Fernandes e João Labareda, na última versão do seu “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”[13], referindo-se a este novo procedimento, dizem expressamente que: “nos termos em que está concebido e arquitectado, não tem sequer paralelo no Direito pregresso, conquanto se dirija a propiciar um fim – a recuperação do devedor – que fora já móbil de soluções processuais específicas adoptadas anteriormente”.

Tanto assim que, nunca é demais sublinhar, a lei o classifica de processo especial.

E conforme alertam os referidos Autores, no CIRE Anotado, o legislador fá-lo com propriedade.

“Está, com efeito, em causa a adopção de um modelo processual próprio, vocacionado para a satisfação de objectivos específicos, que supõe formas de intervenção dos interessados muito distintas do que é característico do processo civil e impõe, por isso, uma adaptação muito significativa e profunda da moldura comum.[14]

E por isso, acrescentamos nós, comparar a solução criada por os normativos analisados, com outras, ou pretender que impere solução diversa da querida pelo legislador, seria, sem qualquer dúvida, atentar claramente contra a ratio que presidiu à criação deste tipo de processo especial.

Não faria sentido que, uma vez instaurado e aprovado o PER, com a homologação judicial do plano de recuperação da empresa, ficasse, depois, “tudo na mesma”, sem qualquer alteração.

A revitalização de uma empresa projecta-se em função desses efeitos, permitindo-lhe o referido “break” – o “breathing space”, assumida no direito anglo-saxónico, com o renegociar e conter os montantes em dívida dentro de certas margens acordadas, com repercussão nos valores em dívida, nas datas para liquidação dos montantes envolvidos, nos prazos de cumprimento das obrigações a que o devedor estava vinculado, seja na sua globalidade, seja quanto ao valor e ao número de prestações parcelares ou créditos a liquidar.

3.8. Razão pela qual se deve considerar como tendo aqui aplicação a consequência prevista no art. 17º-E do CIRE: a presente instância, atenta a superveniência referida, deve ser julgada extinta.

4. A inutilidade superveniente da lide:

4.1. Entendemos, por isso, que tais acções, onde se engloba o caso sub judice, se extinguem logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação por decisão judicial.

Fundando-se a extinção da instância na inutilidade superveniente da lide, nos termos da al. e) do artigo 277º do CPC.

Efectivamente, a presente acção deixou de produzir os respectivos efeitos úteis a partir do momento em que foi homologado o PER e, por esse motivo, tornou-se inútil, por não ser possível dar satisfação à pretensão dos AA. nos termos em que reclamam; por razões objectivas, tornou-se insubsistente alcançar a produção dos resultados que os AA. pretendiam obter.

Ora, a inutilidade superveniente da instância dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do Autor não se pode manter, v.g., ou porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio ou porque o efeito útil que se pretendia atingir com a propositura da acção não pode manter-se”. [15]

Não podendo confundir-se a decisão de uma questão prejudicial ou a ocorrência superveniente de uma excepção, ambas dando lugar a decisões de mérito, com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, que dá lugar à extinção da instância sem apreciação do mérito da causa.

Aprovado o PER pelos credores que constituíram o quórum exigido, e uma vez homologado, o prosseguimento da presente acção mostra-se incompatível com a natureza deste processo especial, que visa precisamente o saneamento financeiro da empresa, por forma a possibilitar a manutenção da actividade que constitui o seu objecto social.

A acção deixou de poder produzir os seus efeitos úteis normais, tornando-se inútil o prosseguimento da lide.

4.2. Por outro lado, o facto de os AA. terem impugnado a lista provisória dos créditos não acarreta um efeito diverso do expressamente previsto nas normas citadas, não prejudicando a extinção da instância resultante da aprovação do PER, e da sua homologação judicial.

Nada impõe que, em tais circunstâncias, se decida no sentido pretendido pelos AA. – de continuar a discutir a questão nos Tribunais Comuns, fazendo-o ao arrepio da produção dos efeitos consagrados especialmente no CIRE de extinção da instância, por inutilidade da lide.

Tanto mais que, determinando o nº 1 do art. 17º-E, do CIRE, num primeiro momento, a suspensão da instância nas acções pendentes, já num segundo momento, quando seja homologado o PER – como aconteceu – a lei culmina com a extinção da instância as acções que se encontrem em curso.

Imposição que não foi por acaso.

Considerou o legislador que, através dessa homologação, se obteve a solução para as dívidas existentes e respectiva cobrança destas, permitindo ao devedor, por meio do acordo alcançado, a recuperação e revitalização da sua empresa que se encontra em situação económica difícil.

Por conseguinte, nem o facto alegado pelos AA., de os seus créditos terem sido qualificados como “créditos comuns” e não como “créditos privilegiados” encontra outra solução, uma vez que a partir daquele momento o que passa a valer entre os credores é o que foi acordado entre todos e o que se mostra definitivamente fixado no processo especial de revitalização.

4.3. Os próprios arestos emanados do Supremo Tribunal de Justiça, sobre esta matéria, reconhecem que, com o PER, foram adoptados procedimentos que afectam essas garantias, mas que, não obstante isso, são maiores “os benefícios que o erário público colhe quando uma empresa é recuperada e não liquidada pela inviabilidade da sua recuperação”.

Podendo ler-se, nesse Acórdão do STJ., datado de 18/2/2014, o seguinte:

“O Estado Português, aceitou adoptar legislativamente, procedimentos flexíveis quanto aos seus créditos, que no direito português como é consabido, se apresentam exornados de fortes garantias (v.g. privilégios creditórios), em ordem à salvaguarda das empresas em comunhão de esforços com os credores particulares, dando primazia à recuperação”.[16]

Concretamente sobre os créditos laborais, num outro Acórdão do STJ, onde tal questão é igualmente referida, mas no âmbito da análise dos privilégios de que gozam outros créditos, como sejam, os da Fazenda Nacional e da Segurança Social, podendo ser todos eles postergados, diz-se expressamente que:


O princípio da igualdade dos credores “par conditio creditorum” não confere para os que deles beneficiam um direito absoluto, pese embora a natureza muito peculiar do crédito salarial que visa remunerar a força do trabalho, muitas vezes único bem de quem trabalha e esse direito de crédito, como qualquer outro que seja disponível após estar vencido, pode sofrer afrouxamento ou restrição como decorre do texto constitucional que contempla a par do princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade e da proibição do arbítrio coenvolvidos na actuação fundada na legalidade do exercício de direitos e deveres, como é apanágio do estado de Direito baseado na Dignidade da pessoa humana – art. 1º da Lei Fundamental.
(...)
Pese embora os créditos laborais e da Fazenda Nacional e da Segurança Social gozarem de privilégios nos termos da lei, garantias reais, sendo que os créditos laborais têm natureza privada individual visando a remuneração do trabalho; já os créditos por impostos e as contribuições para a Segurança Social, visando assegurar interesses do Estado, quer pela cobrança de impostos, quer pela implementação de um sistema previdencial, assim os tributos e as contribuições realizam interesses públicos, que se situam num patamar diferente, supra individual, sem menosprezo pela dignidade do preço do trabalho.
Esta constatação é indissociável do facto de estar nas mãos dos credores públicos e privados da insolvente o destino da empresa particular enquanto estrutura organizada de meios de produção, cujo funcionamento transcende interesses meramente privados de obtenção de lucro, seja para a empresa e para os seus sócios ou accionistas, já que o seu regular funcionamento cria e mantém postos de trabalho, gerando riqueza; isso implica que, nas concretas circunstâncias do caso, se atenue o princípio da igualdade, de outro modo, para satisfazer plena e imediatamente o interesse do recorrido, muito provavelmente, se impulsionaria a recorrente para o estado da insolvência com a muito provável liquidação, sendo que, no caso em apreço, aqueles entes públicos também abdicaram da intangibilidade dos seus créditos visando a recuperação da empresa. [17]

4.4. Também não faz sentido apelidar de provisória ou perfunctória a decisão homologatória do PER, dado que, para todos os efeitos, transitada em julgado a decisão, passa a reger as relações creditícias em que a empresa era sujeito passivo.

Sendo certo que os AA. tomaram conhecimento da existência do PER, reclamaram os seus créditos e viram-nos reconhecidos nos termos que constam da sentença exarada pelo Tribunal do Comércio.

E receberam os valores aprovados.

Realça-se que com a prolação da decisão do Tribunal de Comércio de Lisboa, em 21/5/2013, a lista de créditos converteu-se em definitiva. E dessa lista definitiva consta o total dos créditos reconhecidos. Tendo, posteriormente, sido homologada por sentença o plano especial de revitalização da devedora Ré, por aquele Tribunal – cf. fls. 642 e segts., do 3º Vol.

E o Juiz, ao abrigo dos seus poderes, “pode computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida”, por força do estatuído no art. 17º-F, nº 3 – cf. tb. nº 4 do art. 17º-I, e nºs 3 e 4 do art. 17º-D, todos do CIRE.

E foi o que fez, considerando os créditos dos AA. como revestindo a natureza laboral, pese embora as insuficiências de prova assinaladas.

4.5. É verdade que os AA. não obtiveram os montantes totais do pedido. Mas também não o é menos que, num processo desta natureza, se torna impossível satisfazer todos os credores.

O que se procura é o equilíbrio entre o deve e o haver: a recuperação económica de uma empresa – com o que tudo isso representa – com a satisfação possível dos créditos devidos.

Valem aqui as restantes considerações tecidas sobre a natureza do PER.

Por outro lado, o acordo a que se chegou no decurso desse procedimento foi aprovado por uma esmagadora maioria, com 87,4% dos votos favoráveis, tendo sido reconhecidos os créditos dos AA. nos montantes referidos.

Permitir aos AA. manter a presente acção em curso, tal como aos restantes credores, sem suspensão ou extinção das mesmas, iria conduzir a que no futuro, lhes fosse permitido reclamar, de novo, eventuais créditos restantes.

Ora, essa situação, multiplicada por todos os credores, com o pretendido prosseguimento dos termos subsequentes da presente acção até julgamento e eventual procedência, levaria a que se perdesse o efeito útil do Processo Especial de Revitalização, subvertendo-se a razão de ser deste procedimento especial.

4.6. É certo que os créditos dos trabalhadores por serem emergentes do contrato de trabalho, da sua cessação e violação, gozam, por força da lei, de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário especial – cf. arts 333º nº 1, alíneas a) e b) do CT.

Mas esses privilégios relevam para efeitos da graduação de créditos que venha a ter lugar, posicionando-os de acordo com a ordem que a lei lhes confere, não sendo essa a função da acção declarativa cuja extinção foi determinada, tanto mais que, como já se disse, os créditos dos AA. que foram aprovados, no âmbito do PER, já foram pagos.

E os privilégios de que gozam os AA. foram reconhecidos nos termos que constam da decisão proferida pelo Tribunal do Comércio, a fls. 610 e segts.

Sendo certo que qualquer eventual reclamação de créditos só pode ter lugar nos termos legais, e no que aqui releva, em sede de PER, tal acontecerá no caso de o processo especial de revitalização ser convertido em processo de insolvência, por força do disposto na alínea j), do nº 1, do art. 36º, ex vi nº 7 do art. 17º-G, do CIRE.

Em tal circunstância, os credores que integrem a lista definitiva, cujos créditos tenham sido reconhecidos, sempre poderão impugnar os créditos no respectivo apenso de verificação e graduação de créditos, por força do preceituado nos arts. 128º, 129º e 130º, todos do CIRE.

4.7. Sobre a questão jurídica da insolvência e a inutilidade das acções declarativas que têm por objecto o reconhecimento de um crédito sobre o insolvente, no âmbito de um processo de insolvência, já se pronunciou este STJ, em Acórdão Uniformizador – Acórdão nº 1/2014, publicado no D.R., 1ª Série, de 25 de Fevereiro – com o seguinte sentido[18]:


 “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287º do CPC”.

Louvou-se o referido Acórdão, nomeadamente, nas normas do CIRE - arts. 85º e 90º - que estabelecem os efeitos da insolvência sobre as acções pendentes, bem como no entendimento dos AA. aí citados, maxime, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, em anotação às correspondentes disposições legais do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado; cujo art. 85º possui conteúdo similar ao plasmado no art. 17º-E, do mesmo Código, sobre os efeitos da decisão proferida no âmbito do Processo Especial de Revitalização.

4.8. Salienta-se que, no caso subjacente à decisão proferida pelo citado Acórdão do STJ Uniformizador, estavam igualmente em causa créditos laborais e a acção instaurada tratava-se de uma acção judicial emergente de um contrato individual de trabalho proposta por um trabalhador que tinha sido despedido da entidade empregadora, que, por sua vez, terá sido, depois, declarada insolvente por sentença proferida pelo Tribunal de Comércio de Lisboa.

Sendo o regime do PER nesta parte, semelhante ao determinado para o processo de insolvência, como se referiu em ponto anterior, não se vislumbram fundamentos para se chegar a conclusão diversa.

Razão pela qual, encontramos respaldo reforçado neste Acórdão Uniformizador para se concluir, no caso sub judice, nos mesmos termos sobre a declaração a produzir relativamente à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

5. Quanto ao teor das conclusões 8) a 10) dos AA., também improcedem, pois claudicam por tudo o exposto, reforçado pelos termos relatados pelo Acórdão Uniformizador, para o qual se remete nesta parte.     

6. O acesso ao Direito e aos Tribunais: a CRP

6.1. Por fim, que não se diga que a interpretação efectuada viola a Constituição da República Portuguesa.

Não existe qualquer discriminação ou violação de direitos dos AA., nem limitação ao acesso ao Direito e aos Tribunais em defesa dos seus interesses e direitos legalmente protegidos.

O acesso à justiça mostra-se garantido, sendo igualmente legítima a interpretação que foi feita em sede recursória pela Relação de Lisboa.

Tendo sido assegurado aos Recorrentes, pois foi exactamente para defesa dos direitos, liberdades e garantias, que a Lei colocou à disposição dos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e eficácia, garantias de imparcialidade e de independência, de modo a obter a tutela efectiva e em tempo útil dos seus direitos, nos termos do art. 20º da CRP.

Aqui se inscrevendo toda a filosofia que conduziu, como se disse, à criação e implementação do PER.

Tanto mais que se sabe que subjacente a este tipo de procedimentos – especiais, como a lei os designa – o que se pretendeu foi dar flexibilidade e eficiência ao processo especial de revitalização para recuperação de empresas em situações de debilidade ou inviabilidade económica, o que envolve dívidas a fornecedores, clientes e trabalhadores.

6.2. Esta simplificação de procedimentos não retira direitos.

Simplifica, tão só, as negociações conducentes à revitalização da empresa em dificuldades económicas e os procedimentos para obtenção do acordo, entre devedor e credores, indispensável à homologação do PER.

Sendo o processo especial de revitalização justo e equitativo no quadro legal em que se mostra delineado, e no âmbito do qual os AA. podem esgrimir os seus argumentos e deduzir a defesa dos seus direitos.

7. Nestes termos, improcede a revista nesta parte, confirmando-se a extinção da presente instância, com base na inutilidade da lide, com assento normativo no art. 277º, alínea e), do Novo CPC, com os presentes fundamentos.

Prejudicadas ficam as restantes questões, em face do decidido.

8. Quanto às custas:

8.1. Em matéria de custas o Tribunal da Relação condenou nos seguintes termos: “custas pela parte vencida”.

Resulta, de facto, do Acórdão da Relação, que foi julgado procedente o recurso interposto pela Ré/Recorrente “CC” e declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, tendo sido condenada em custas a “parte vencida”. Ou seja, os AA.

Insurgiram-se estes, em sede de revista, e há que reconhecer razão aos AA./Recorrentes em matéria de custas.

8.2. Com efeito, não serão necessárias grandes considerações para se concluir pela justeza da posição assumida pelos AA. no que concerne à sua condenação nas custas da acção.

A responsabilidade pelas custas da acção cuja extinção foi determinada pela aprovação de um PER, em que a Ré era parte, não pode deixar de se considerar facto imputável à R., pois foi esta que requereu o PER, de forma voluntária, e para poder continuar a manter a sua actividade económica, recaindo, por isso, sobre esta, a responsabilidade, nos termos expressos no art. 536º, nº 3, do CPC.

Razão pela qual procede, nesta parte, o recurso de revista interposto pelos AA.

IV – DECISÃO:


- Face ao exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso de revista e, por consequência:



1. Confirma-se o Acórdão recorrido quanto à extinção da instância, com fundamento na inutilidade da lide, julgando-se improcedente a revista nesta parte;

2. Julga-se procedente a revista no segmento referente às custas da acção, que devem ser imputadas exclusivamente à Ré.

3. Em matéria de custas vão ambas as partes condenadas nos seguintes termos:

a) As custas da revista ficam a cargo de ambas as partes na proporção de ¼ para a Ré e ¾ para os AA.

b) As custas da apelação independente e subordinada ficam a cargo da Ré.

c) As custas da acção, pelas razões aduzidas, são a cargo também da Ré.


Anexa-se sumário do Acórdão.

Lisboa, 26 de Novembro de 2015

Ana Luísa Geraldes (Relatora)

Pinto Hespanhol

Fernandes da Silva

______________
[1] CIRE = Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[2] PER = Processo Especial de Recuperação/Revitalização.
[3] As questões a dilucidar em sede de revista são estritamente jurídicas, relevando apenas uma pequena parte do acervo fáctico provado.
[4] Mostra-se documentado nos autos, no âmbito deste Processo Especial de Revitalização nº 211/13, em que é interveniente a Ré, como devedora, nomeadamente que:
- Foi proferido despacho de homologação, relativo ao acordo extrajudicial de recuperação da Ré, conforme fls. 610 e segts, do 3º vol.;
- Da decisão judicial do Tribunal do Comércio exarada nesse processo, e inserida a fls. 630, verifica-se que os AA. reclamaram os seus créditos de natureza laboral, e aqui em discussão, tendo sido assinalado, nessa decisão, que os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, “enquanto trabalhadores, gozam de privilégio creditório mobiliário geral, nos termos dos arts. 377º, nº 1, al. a) e nº 2, al. a), do CT e nº 1 do art. 747º do CC”.
- De acordo com essa sentença, o Tribunal de Comércio classificou os créditos dos AA., “para efeitos de verificação dos quóruns constitutivo e deliberativo”, como sendo de natureza laboral, fixando-os nos seguintes termos:
                   - À Autora – um total de € 28.140,48;
                   - Ao Autor – um total de € 49.193,16 €.
- O plano de revitalização da devedora, aqui Ré “CC”, foi homologado por sentença, datada de 09/08/2013 e já transitada em julgado, de onde resulta que o Acordo celebrado entre o devedor e os credores foi aprovado por esmagadora maioria, estando aí incluídos os referidos créditos dos AA.
[5] Sobre esta matéria cf. o Memorando de Entendimento, nomeadamente os seus pontos 2.17, 2.18 e 2.19, que se reporta às linhas gerais do “Enquadramento Legal da Reestruturação de Dívidas de Empresas e de Particulares”.
[6] Sublinhado nosso.
[7] Sublinhado nosso.
[8] In “Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, Anotado”, págs. 164 e segts.
[9] Cf., neste sentido, cf. Madalena Perestrelo de Oliveira, in “Processo Especial de Revitalização: O Novo CIRE”, in RDS (Revista do Direito das Sociedades), IV, 2012, 3, págs. 718 e segts.
[10] Madalena Perestrelo de Oliveira, Ibidem.
[11] In “Recuperação de Pessoas Singulares”, Vol. I, 2013, pág. 38. Sublinhado nosso.
[12] Acórdão proferido no âmbito do processo nº 407/12. OTTBRG.P1, in www.dgsi.pt., e igualmente citado nos autos.
[13] In pág. 140, 2ª Ed., 2013, “Quid Juris”.
[14] Ibidem, págs. 140 e segts. Sublinhado nosso.
[15] Neste sentido, cf. Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Patrício, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, pág. 512, 1999.
[16] Acórdão do STJ, proferido no âmbito do Proc. nº 1786/12.5ª, nº 1786/12, Relator: Fonseca Ramos, e que, no contexto da relação tributária, debruçando-se sobre as prerrogativas dos seus créditos, refere expressamente que:
“Tais prerrogativas dos seus créditos (do Estado) não seriam, sem mais, transponíveis para o processo universal que a insolvência é, e por isso, não estavam os créditos da Autoridade Tributária numa posição de intangibilidade, enquanto os credores privados renunciavam aos seus direitos na tentativa de recuperar a empresa e, reflexamente, outros interesses a ela ligados” – cf. acórdão in www.dgsi.pt
Sublinhados nossos.
[17] Cf. Acórdão do STJ, datado de 23/3/2014, relatado igualmente por Fonseca Ramos, no âmbito do processo nº 6148/12, in www.dgsi.pt.  Sublinhado nosso.
[18] Este Acórdão Uniformizador envolveu, por determinação do Exmº Presidente deste Supremo, o Pleno das Secções Cíveis e Social.