Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1839/06.9TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: JORNALISTA
LIBERDADE DE IMPRENSA
DIREITO DE PERSONALIDADE
DIREITO À HONRA E AO BOM-NOME
DIREITO DE CRÍTICA
DIRIGENTE DESPORTIVO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/20/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I) - Um dos limites à liberdade de informar, que não é por isso um direito absoluto, é a salvaguarda do direito ao bom-nome. Os jornalistas, os media, estão vinculados a deveres éticos, deontológicos, de rigor e objectividade.

II) – Assiste aos media o direito, a função social, de difundir notícias e emitir opiniões críticas ou não, importando que o façam com respeito pela verdade e pelos direitos intangíveis de outrem, como são os direitos de personalidade.

III) – O direito à honra em sentido lato, e o direito de liberdade de imprensa e opinião são tradicionais domínios de conflito.

IV) – O sentido crítico dos leitores que seguem o fenómeno desportivo, mormente as discussões em torno do futebol, é exacerbado por questões de toda a ordem, já que o constante debate na imprensa escrita e falada, sobredimensiona a importância de questões que, numa sociedade onde os valores cívicos deveriam ser a preocupação maior dos cidadãos, são relegados para segundo plano pela constante evidência de acontecimentos distractivos, sejam os da imprensa desportiva, cor-de-rosa, ou quejanda.

V) – A crítica tem como limite o direito dos visados, mas não deixa de ser legítima se for acutilante, acerada, desde que não injuriosa, porque quantas vezes aí estão o estilo de quem escreve.

VI) – No âmbito do desporto e do futebol os actores do palco mediático nem sempre convivem de modo são com a crítica, quantas vezes por culpa dos media que se dividem entre apoiantes de uns e antagonistas de outros, não mantendo a equidistância postulada por uma actuação objectiva, com respeito pelos valores da ética jornalística.

VII) – Não lidando bem com as críticas do Autor, o Réu pôs em causa a idoneidade pessoal e profissional daquele, afirmando “que era um opinador pago para dizer mal, diariamente, referenciando o seu nome e afirmando que se pagasse jantares, wkiskeys e charutos seria uma pessoa muito bem vista. O Autor foi, publicamente, apelidado pelo Réu, de jagunço que, notoriamente, é um termo injurioso. Segundo o “Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa”, jagunço significa – “valentão que serve de guarda-costas a fazendeiros”, “homem que serve de guarda-costas a fazendeiros e caciques”, “capanga”, “guarda-costas”, “pistoleiro contratado para matar”, […] pessoa torpe, reles, que vive de expedientes”.

VIII) – Qualquer leitor, medianamente avisado, colherá destas afirmações a ideia que o Autor, como jornalista, é um mau profissional, dado a influências em função de pagamentos e favores, o que é demolidor para o seu trabalho que deve ser isento, e para a sua imagem de pessoa que deve ser incorruptível e séria na suas apreciações, e também o lesa como cidadão que preza a sua honra.

IX) - Criticar implica censurar, a censura veiculada nos media só deixa de ser legítima como manifestação da liberdade individual quando exprime antijuricidade objectiva, violando direitos que são personalíssimos e que afectam, mais ou menos duradouramente segundo a memória dos homens, bens que devem ser preservados como são os direitos aqui em causa, à honra, ao bom nome e ao prestígio social.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA intentou, em 17.3.2006, nas Varas Cíveis de Lisboa, 1ª Vara – acção declarativa de condenação com processo ordinário contra:

BB.

Alegou, em síntese, que, em 13 de Novembro de 2005, o Réu, na qualidade de presidente do Sport Lisboa e Benfica, no decurso de uma deslocação ao Canadá, proferiu um discurso em que fez afirmações ofensivas de jornalistas que “prometeu” identificar na televisão, em entrevista que tinha agendada na RTP Internacional.

Tais afirmações, em que os ditos jornalistas eram apelidados de “jagunços”, de “lixo”, de “porcaria” e que eram pessoas sem valores de família, foram reproduzidas em diversos jornais desportivos nacionais.

No dia 15 de Novembro de 2005 o Réu, em entrevista dada na RTP Internacional, referindo-se ao ora Autor, cujo nome mencionou, disse, entre outras coisas, que o Autor era pago para dizer mal, nomeadamente com almoços, jantares e charutos.

Tais declarações ofendem o Autor na sua honra e consideração, sendo susceptíveis de causar descrédito e desconfiança junto do público.

Pese embora a gravidade dos danos, o Autor não pretende valorizá-los em termos pecuniários, pelo que requer a condenação do Réu no pagamento de uma indemnização no valor simbólico de € 1,00.

O Autor concluiu pedindo que o Réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 1,00.

O Réu contestou, desmentindo as declarações que lhe são imputadas nos jornais e admitindo, relativamente às afirmações proferidas na televisão, apenas o que resultar da gravação de imagem e som da aludida entrevista.

Considerou que as afirmações que lhe são atribuídas não podem ser julgadas ofensivas.

Alegou que as declarações do Réu na entrevista em causa foram prestadas num contexto de resposta a diversas declarações do A. em artigos de sua autoria, que cita, essas sim lesivas da honra e consideração pessoal e profissional do Réu.

Em reconvenção, e apenas para o caso de não ser absolvido do pedido, o Réu pediu que o Autor fosse condenado a pagar-lhe uma indemnização pelos danos não patrimoniais alegadamente causados por essas afirmações, a que atribui o valor de € 2 500,00, acrescida de juros à taxa legal até integral e efectivo pagamento.

O Réu frisou que essa indemnização, cujo valor qualifica de simbólico, seria doada a uma instituição de caridade.

O Autor respondeu à reconvenção, pugnando pela sua inadmissibilidade e bem assim pela sua improcedência, defendendo que os artigos que escreveu na imprensa não são ofensivos e não extravasam os limites do exercício legítimo da liberdade de expressão, de opinião e de imprensa.

O Autor concluiu pela sua absolvição da instância reconvencional ou, caso assim não se entenda, pela sua absolvição do pedido.

A reconvenção foi admitida e o processo seguiu os seus termos.


Em 16.10.2008 foi proferida sentença em que se julgou a acção totalmente improcedente e, consequentemente, absolveu o Autor do pedido e julgou prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional.


O Autor apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão de 14.5.2009 – fls. 540 a 564 –, revogou a decisão recorrida e julgou a acção provada e procedente, condenando o Réu a pagar ao Autor, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 1,00 (um euro) e julgou a reconvenção não provada e improcedente e, consequentemente, absolveu o Autor do pedido reconvencional.

Inconformado, o Réu recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1. Para demonstrar os motivos que justificam a sua absolvição e caso tal improcedesse, sem conceder, os motivos que justificam a condenação do Recorrido, o Recorrente passará doravante a analisar os pressupostos da responsabilidade civil que justificam a sua absolvição e a condenação do Recorrido, complementado essa análise com a resposta aos fundamentos invocados na decisão recorrida.

1. Da devida absolvição do Recorrente:

2. Contrariamente ao que se concluiu na decisão recorrida e com o devido respeito, não estão reunidos quanto ao Recorrente os pressupostos previstos no art. 483 do Código Civil.

Pelos seguintes motivos:

A) Do facto ilícito:

Em primeiro lugar,

3. Contrariamente ao julgado na decisão recorrida (págs. 22), o Recorrente não visou a pessoa do Recorrido, mas sim os seus actos, o conteúdo dos seus artigos de opinião – que de acordo com o que foi julgado provado (cfr. sentença, n.° 5 dos factos da BI provados), não é isenta, mas sim condicionada por terceiros.
Como, muito bem, tinha considerado a 1ª Instância (cfr. sentença, a fls. 428, segundo parágrafo e fls. 429 segundo parágrafo).

Com o devido respeito,

4. Foi incoerente na decisão recorrida aplicar este argumento ao Recorrente sem o fazer ao Recorrido, porque, contrariamente ao que nela se concluiu (págs. 20 e 23), o Recorrido visou a pessoa do Recorrente a pretexto dos seus actos, como notoriamente resulta das expressões supra citadas constantes dos seus escritos.
Já a 1ª Instância tinha considerado pelo menos equivalentes as declarações das partes (cfr. sentença, a fls. 428, terceiro parágrafo).

De igual modo e com o devido respeito,

5. É também incoerente na decisão recorrida criticar a 1ª Instância por esta considerar que o Recorrente só expressou a sua crença e recriminar a este não ter provado que acreditava no que dizia nem ter indicado razões para o acreditar.

6. É que:

6.1. Também não se provou que o Recorrido acreditava no que disse do Recorrente;

6.2. Nem se pode considerar que ele tinha ao menos razões para isso porque, como adiante melhor se verá, não há nos autos sombra de motivo para crer que o Recorrente tenha alguma vez dito ou assumido o momento até ao qual tinha de se demitir que o Recorrido nos seus escritos lhe imputa, sem motivo nem como sendo Outubro de 2005.

B) Da culpa:

7. No caso do Recorrente não existe dolo, porque na matéria de facto nada se provou quanto às suas intenções, uma vez que o nº5 dos factos provados se reporta só ao sentido e interpretação das afirmações do Recorrente e não às intenções com que as afirmações, com tal sentido ou interpretação, teriam sido ditas.

8. A págs. 23 da decisão recorrida considera-se quanto ao Recorrente que à verificação deste pressuposto basta a negligência, mas a ser assim o que não se concede, como adiante se defenderá, terá de ser aplicado ao Recorrido idêntico critério na aferição da sua responsabilidade.

C) Do dano:

Neste âmbito,

9. Com o devido respeito, critica-se à decisão recorrida a absoluta falta de fundamento para concluir (pág. 23) que a entrevista ao Recorrente de que se queixa o Recorrido foi vista por uma audiência de dezenas de milhares de pessoas.

Porque,

10. Como é inequívoco, nada na matéria de facto se alegou e muito menos provou quanto a isto, nem a audiência de um determinado programa televisivo se pode minimamente concluir pelas regras da experiência comum ou pelo conceito de factos do conhecimento geral.

Sem conceder,

D) Da culpa do lesado (art. 570º do Código Civil ):

Como adiante melhor se verá,

11. São absolutamente inequívocos o teor dos artigos e a sua autoria pelo Recorrido (cfr. sentença, n.°s 9 a 12 dos factos da BI provados), bem como a sua elaboração culposa pelo mesmo (com dolo ou quando muito com inegável negligência).

12. E está provado (cfr. sentença, al. F) e n.° 8 dos factos provados) que esses artigos foram a causa determinante das declarações da entrevista televisiva de que se queixa o Recorrido, ou seja, que se tais artigos não tivessem sido escritos pelo Recorrido com o teor com que o foram, o Recorrente não teria respondido nos termos de que aquele se queixa. Numa palavra: foi o Recorrido a dar causa àquilo de que se queixa.

Assim,

13. Estão verificados os pressupostos do art. 570º do Código Civil, de acordo com o qual, face à relevância essencial que o comportamento do Recorrido teve para a conduta do Recorrente, deverá ser inteiramente excluído o direito a qualquer indemnização que se pudesse vir a reconhecer ao Recorrido.

II. Da merecida condenação do Recorrido:

14.Em caso de condenação do Recorrente, que não se concede, o provimento da reconvenção é da mais elementar justiça, porque, como visto, foram os artigos do Recorrido a causa da resposta do Recorrente de que ele se queixa.

Passar-se-á assim doravante a analisar cada um dos pressupostos da sua responsabilidade civil.

A) Do facto voluntário:

15.A sua verificação é inquestionável, à luz n.°s 9 a 12 do elenco de factos provados constante da sentença.

B) Do facto ilícito:

16.Contrariamente ao julgado na decisão recorrida, os escritos do Recorrido são ilícitos, por superarem largamente os limites legais do seu legítimo direito de opinião.
Vão seguidamente expor-se os motivos desta conclusão, incluindo a análise dos fundamentos invocados na decisão recorrida para concluir em sentido contrário. Aproveitar-se-á o ensejo também para, em antecipação às suas contra-alegações, rebater os argumentos que o Recorrido vem usando em sua defesa ao longo dos autos.

Nestes termos:

Da crítica à pessoa ou aos actos:

17.Remete-se para o nº4 destas conclusões, onde já se concluiu que, contrariamente ao sentido da decisão recorrida, a crítica do Recorrido não é meramente objectiva, porque verdadeiramente ele visou a pessoa do Recorrente, a pretexto dos seus actos, como notoriamente resulta das expressões supra citadas constantes dos seus escritos.

Sem conceder,

Do excesso dos limites da crítica objectiva:

18.A Jurisprudência e a Doutrina, como as supra citadas, são unânimes em considerar que mesmo a crítica objectiva, aos actos, incluindo no caso de figuras públicas, não pode ser ofensiva do bom nome, dignidade, honra e consideração do visado, sendo critérios apreciados à luz da sã opinião da generalidade das pessoas.

Sendo certo que,

19.A esta luz, as expressões utilizadas nos escritos do Recorrido, sobretudo as supra destacadas, são inquestionavelmente ofensivas dos direitos de personalidade.

Tanto assim que,

20. Foi julgada provada a ofensa pessoal do Recorrente (cfr. sentença, nº13 dos factos provados) e a lesão da sua imagem enquanto dirigente desportivo (cfr. sentença, nº15 dos factos provados).

Na realidade,

21.Os excessos de linguagem do Recorrido, inclusive de cariz pessoal como visto, foram absolutamente desnecessários à crítica pretendida e são ofensas muito para além do estilo incisivo e contundente do Recorrido e das provocações toleradas aos jornalistas pela jurisprudência do TEDH, com que a decisão recorrida (págs. 19 e 20 e) os quis justificar.

Acresce o seguinte:

Das imprecisões factuais do Recorrido:

22.Conforme o Recorrido fez questão de provar (n.°s 17 a 20 do elenco de factos provados da sentença) ele criticou o Recorrente porque este, segundo ele alega, teria afirmado e não cumprido que se não vendesse certo número de kits de sócio do Sport Lisboa e Benfica até determinada altura, se demitiria da respectiva presidência.

Contudo,

23.O Recorrido não respeitou o dever rigor factual que a Jurisprudência pacificamente impõe mesmo aos casos de crítica objectiva ou aos actos e mesmo aos chamados opinion makers.

Desde logo,

24. Porque na verdade o Recorrente nunca disse que esse momento era o invocado pelo Recorrido nos seus escritos (Outubro de 2005), razão pela qual este não tinha sombra de justificação séria para lho imputar.

Além do mais,

25.Também porque o Recorrido não alegou e muito menos demonstrou acreditar que o Recorrente alguma vez tivesse dito que o limite temporal para a sua demissão era o que o Recorrido lhe imputa, nem sequer trouxe aos autos motivos para essa crença.

26. Mas como visto supra, ao Recorrente a decisão recorrida (pág. 22) recrimina-lhe não ter provado acreditar no que dizia nem ter ao menos indicado razões para o poder acreditar.

Assim,

27.A manter-se a aplicação deste critério para aferir da responsabilidade do Recorrente, o que não se concede, deverá o mesmo ser utilizado para concluir pela responsabilidade do Recorrido.

Da especificidade do contexto:

28. Não pode valer ao Recorrido o argumento, com que ele se vem defendendo, de ser exigível ao Recorrente uma especial tolerância à crítica em virtude de o contexto desportivo deste caso ser por natureza excessivo, porque então ele teria de se impor a si mesmo idêntica tolerância em relação à resposta do Recorrente de que se queixa.

Da relevância pública do Recorrente e dos seus actos:

29.Também não lhe vale argumentar que essa especial tolerância é ainda exigível ao Recorrente por ele ser uma figura pública, porque então essa tolerância também lhe seria exigível a ele Recorrido, por ser igualmente uma figura pública (cfr. n.° 2 do elenco de factos provados da sentença), bem como porque mesmo o escrutínio aos actos públicos das figuras públicas tem limites, impostos pelos direitos de personalidade do visado, que o Recorrido, como visto, manifestamente ultrapassou.

Conclusão quanto à ilicitude:

30.Os escritos do Recorrido são ilícitos, porque foram muito além dos limites legais do seu legítimo direito de opinião, de um modo excessivo e desnecessário, visando a pessoa do Recorrente e não apenas os seus actos, sem sequer cuidar de se alicerçar em factos suficientemente verdadeiros ou ao menos assim justificadamente considerados, lesando os direitos ao bom nome, honra, dignidade e consideração pessoal do Recorrente.

C) Da culpa:

31. O Recorrido agiu com dolo necessário, escrevendo livremente o que quis, ciente de que afectaria os direitos de personalidade do Recorrente.

32. No mínimo e sem conceder o Recorrido agiu com evidentíssima negligência, sem cuidar de saber das consequências que os seus escritos viriam a ter para o Recorrente, o que, a manter-se quanto a este (o que não se concede) o critério de apuramento do pressuposto culpa aplicado na decisão recorrida (cfr. conclusão n.° 8 supra), será suficiente para julgar verificado este pressuposto quanto ao Recorrido.

D) Do dano e nexo causal:

33.A verificação destes dois pressupostos é inequívoca, resultando da prova da matéria dos n.°s 13 a 15 do elenco de factos provados da sentença.

Deve o recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida:
1. Com a consequente absolvição do Recorrente;
Ou caso assim não se entendesse, o que não se concede,
2. Com a consequente condenação do Recorrido no pedido reconvencional.

O Autor contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.



Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que as Instâncias consideraram provados os seguintes factos:

Dos Factos Assentes:

A) - Em Novembro de 2005, o Réu deslocou-se ao Canadá como Presidente do Benfica.

B) - Na edição do jornal O Jogo, de 14/11/2005, foram imputadas ao Réu as declarações que, como ao mesmo pertencendo, constam do doc. 1 que se dá por reproduzido.

C) - No jornal A Bola foram imputadas ao Réu as declarações que, como ao mesmo pertencendo, constam do doc. 2 que se dá por reproduzido.

D) - No jornal Record foram imputadas ao Réu as declarações que, como ao mesmo pertencendo, constam do doc. 3 que se dá por reproduzido.

E) - Em 15 de Novembro de 2005, o Réu deu uma entrevista ao programa “Estádio Nacional” da RTP Internacional, transmitida em directo.

F) - As afirmações do Réu proferidas no discurso e entrevista surgem na sequência de alguns artigos do Autor em que este comenta o denominado “Caso Mantorras” e ainda as declarações do Réu sobre os “kits” de sócio do Benfica, publicados no jornal O Jogo entre Agosto e Novembro de 2005, nos termos que constam dos docs. 5 a 11 que se dão por reproduzidos.

G) - Relativamente ao referido “Caso Mantorras” e na sequência de dois artigos publicados no jornal O Jogo, em 16/11/2005 e 17/11/2005, o Benfica emitiu uma Nota de Imprensa, publicada no mesmo jornal em 17/11/2005, nos termos que constam dos docs. 12 e 14 que se dão por reproduzidos.

Da Base Instrutória:

1. O Autor é jornalista há mais de 30 anos;

2. Sendo à data da interposição da presente acção colaborador dos jornais O Jogo e Diário de Notícias, onde escrevia regularmente colunas de opinião sobre desporto;

3. Na entrevista referida em E), o Réu produziu as afirmações que integram a gravação da entrevista constante do DVD apenso por linha, nos termos consignados a fls. 249, designadamente as seguintes:

“Alguns opinadores desta praça – e não gostaria de os confundir com jornalistas, jornalistas para nós é uma coisa, opinadores são outra – há opinadores que são pagos na realidade para dizer mal, diariamente, é o caso de um senhor chamado António Tavares-Teles isso é demasiadamente evidente para nós. O caso do Miguel foi flagrante também do que é que esse opinador foi falando e não quisemos dizer mais nada do que isso e, entretanto, não tentámos, nem minimamente, comentar, porque entendemos que as pessoas podem ter o direito à sua própria opinião”. “Como eu lhe estou a dizer, nós não comentamos artigos de opinião que as pessoas façam, o que lhe dizemos é que opinadores são pagos para dizer mal.
Aliás, costumo dizer, escreve lá escrever coisas que se calhar por influências de outras pessoas porque se eu se calhar tivesse a Casa do Castelo, compreende, logicamente, ou se convivesse com algumas pessoas opinadores até às três, quatro da manhã, a pagar-lhe jantares, a pagar-lhes whiskeys, a pagar charutos, de certeza que eu era uma pessoa muito bem vista”;

4. “Jagunço” tem como significados “valentão que serve de guarda-costas a fazendeiros”, “homem que serve de guarda-costas a fazendeiros e caciques”, “capanga”, “guarda-costas”, “pistoleiro contratado para matar”, “indivíduo que fazia parte do grupo de fanáticos e revolucionários de António Conselheiro, na Campanha dos Canudos, no final do século passado”, “arma popular que num pau com uma ponta de ferro aguçada” e “pessoa torpe, reles, que vive de expedientes”;

5. Ao afirmar que o Autor é um opinador pago para dizer mal, o Réu pretendeu afirmar que o Autor não é isento e independente, que não pensa pela sua própria cabeça, que escreve aquilo que terceiros querem que ele escreva e que o mandam escrever;

6. O Autor sentiu-se vexado e revoltado ao ler as afirmações proferidas pelo Réu na entrevista referida em E) e as informações imputadas ao Réu que teriam sido proferidas no dia 13 de Novembro de 2005, durante um discurso proferido no almoço realizado na Casa do Benfica, em Toronto;

7. O Autor é um comentador conhecido, nomeadamente dos leitores e telespectadores da imprensa desportiva;

8. As declarações do Réu na entrevista aludida em E) foram prestadas como resposta a diversas declarações públicas do Autor;

9. Num artigo publicado na edição de 10.11.2005 do jornal O Jogo, o Autor escreveu:

“FARSA E VIOLÊNCIA. É verdadeiramente digno de um guião de farsa: BB chantageia os benfiquistas assegurando-lhes, (para não dizer ameaçando-os), em Abril ou Maio, que, se eles não comprassem os famosos “kits” até perfazerem 300 mil sócios em Outubro, se vai embora, farsa até porque desde logo ninguém acreditou nisso — nem que ele venderia “kits” nessa proporção, nem que ele iria embora se não os vendessem.
E farsa também vir afiançar agora que em breve lá chegará — aos tais 300 mil sócios — mas sobretudo — é claro — que não se demite, porque (argumentação de farsa, também ela) “haveria muita gente feliz se abandonasse o clube”; e porque “os sócios iriam levar a mal se fizesse aquilo que tinha assumido”. Para além de que, se a isto acrescentarmos — ainda BB “dixit” — que “o Benfica vai ser campeão europeu esta época” e “em breve será o maior clube do mundo”, teremos em grande medida o retrato do personagem de farsa, pois claro. Só que como este tipo de coisas, que se saiba, não pagam imposto, nem sequer têm quaisquer outras consequências nefastas, a vida lá vai continuando, impávida e serena, ou pelo menos distraída, e nós habituamo-nos a elas como se nada fosse... Sendo que esse é o mal! Porque, quanto ao resto, estou como o outro: farsas há muitas”, nos termos que constam do documento junto a fls. 22 que dá por reproduzido;

10. Num artigo publicado na edição de 13.11.2005 do jornal O Jogo, o Autor escreveu:

“Quem também não precisa de se esforçar muito com maneiras, coerência, medo do ridículo, etc., etc., é o presidente benfiquista. Mesmo depois do caricato episódio dos (inalcançadíssimos) 300 mil sócios e do sequente “não saio, os sócios iriam levar a mal se eu fizesse aquilo que tinha assumido” (que era justamente sair), há ainda quem – António Magalhães, no “Record” de anteontem por exemplo –, talvez insatisfeito com tão pouco, tenha escrito, seguramente sem pestanejar nem rir, antes (também seguramente) muito ufanosa e afanosamente: “ (BB) já tinha deixado claro que o facto de ficar aquém dos 300 mil sócios não o iria levar a bater a porta. Ele tem a noção das responsabilidades”. Para agora repararem no belo e grandiloquente remate para tal prosa: “Talvez seja hora de uma vaga de fundo encarnada fazer ver ao presidente que a sua permanência no clube é fundamental”. “Vaga de fundo”! Então não é uma grande ideia, um extraordinário incitamento às massas?... Eu, se fosse a BB, aproveitava já”, nos termos que constam do documento junto a fls. 24, que se dá por reproduzido;

11. Num artigo publicado na edição de 17.11.2005 do jornal O Jogo, o Autor escreveu:

“Agora, o que é que eu escrevi como opinião? Pois bem, que apesar da chantagem que fez com os benfiquistas garantindo que iria embora da presidência do Benfica em Outubro passado se o número de sócios (pela venda dos “kits”) não atingisse os 300 mil, não o fez, dando por isso justificações verdadeiramente ao nível da banha da cobra (...) chantagem que fez com os benfiquistas (...)“, “ (...) dando para isso justificações verdadeiramente ao nível da banha da cobra. E ainda que ele (BB) não precisa de preocupar-se muito com isso, porque até há jornalistas (e citei dois mas poderia citar mais) que lhe “vendem” despudoradamente a imagem como poucos directores de Comunicação seriam capazes de o fazer. BB não gostou. Pois não, e eu compreendo-o. Mas deve gostar de jornalistas que apelam a “uma vaga de fundo para fazer ver-lhe que a sua permanência no clube é fundamental” e que lhe chama, entre outras coisas ridículas, “presidente universal”... Disso, deve ele gostar. Só que não é do que esta casa gosta.” e “A terminar e quanto ao “jagunço”, à ausência de “família”, de “animais”, à “batota”, aos “almoços” e aos “charutos”, etc. etc. etc. BB responderá por isso mesmo em tribunal, é claro. Ele deve julgar que o facto de ser presidente do Benfica o iliba de tudo, mas creio que está enganado. Porque acredito que, neste país, não se insulta ou calunia gente séria à balda, e porque eu vou fazer tudo para que ele pague pelo que alarvemente largou da boca para fora, no Canadá e na RTP. E não é com dinheiro: felizmente, ainda vou tendo algum para a família, para os animais, para os almoços, para os charutos, e para o resto”, nos termos que constam do documento junto a fls. 25 que se dá por reproduzido;

12. O Autor escreveu, no artigo publicado na edição de 14.11.2005 do jornal Diário de Notícias, o seguinte:

“A argumentação de BB para justificar a sua permanência à frente do Benfica, mesmo perante o mais notório fracasso da operação kit que, aliás, com as peripécias de que foi até hoje revestida, mais pareceu e parece uma operação kitsch... “os sócios” — disse — “levariam a mal que eu fizesse aquilo que tinha assumido”, por isso “fico”. Achará ele que alguém algum dia acreditou na sua chantagem inicial? Santa paciência...”, nos termos que constam do documento junto a fls. 62 que se dá por reproduzido;

13. O Réu sentiu-se, pública e sistematicamente, ofendido e enxovalhado com o teor das declarações do Autor;

14. As declarações do Autor visaram o Réu também enquanto Presidente do Sport Lisboa e Benfica;

15. Em consequência das declarações do Autor, o bom nome, o crédito e a seriedade do Réu, designadamente enquanto Presidente do Sport Lisboa e Benfica, foram questionados por algumas pessoas;

16. O Autor tem adoptado uma linguagem incisiva e contundente para transmitir aos leitores as suas opiniões;

17. O Réu afirmou publicamente que se não fossem atingidos os 300 mil sócios com a venda dos “kits” de novo sócio, se demitiria do cargo de Presidente do Benfica;

18. Na opinião do Autor, tal posição do Réu representou uma chantagem e uma farsa;

19. No entender do Autor, o Réu anunciou a sua demissão como meio de pressão para atingir o seu objectivo, que era o de vender mais “kits” e assim aumentar o número de sócios do clube;

20. No entender do Autor, o Réu sempre soube que nem nunca se venderiam tantos “kits”, nem o Réu se demitiria da sua função de Presidente do clube;

21. A opinião do Autor é aquela que expressou no artigo que escreveu na edição de 13.11.2005 do jornal O Jogo;

22. O Réu exerceu o cargo de presidente do Sport Lisboa e Benfica no triénio com início em 31.10.2003, conforme documento de fls. 293 e 294, que se dá por reproduzido.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o âmbito do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se os escritos do Autor lesaram a honra e o bom-nome do Réu – e se estão verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo do Autor, por violação daquele direito, sendo de considerar a existência de culpas concorrentes.

A problemática da acção e dos recursos gira em torno dos direitos de personalidade, in casu, do direito ao bom-nome e à honra, alegadamente postos em causa pelo Autor pelo teor dos seus escritos na imprensa desportiva, relacionados com o Réu no contexto de uma entrevista televisiva onde o Réu se referiu ao trabalho e escritos do Autor que também se considerou ofendido.

O Autor demandou o Réu por considerar ter sido atingido o seu bom-nome e honra, e o Réu, em sede reconvencional, pediu a condenação do Autor por danos não patrimoniais por ter violado os mesmos direitos.

Vejamos:

Os direitos de personalidade eram objecto de tutela no Código de Seabra sendo aí denominados direitos originários.

O art. 359º definia-os como aqueles “Que resultam da própria natureza do homem, e que a lei civil reconhece, e protege como fonte e origem de todos os outros. Estes direitos são: 1º — o direito de existência; 2.° - o direito de liberdade; 3.° - o direito de associação; 4° — o direito de apropriação; 5.° - o direito de defesa”.

No lato conceito de direito de existência compreendiam-se a vida e integridade do homem, bem como a honra, a reputação e o bom-nome, ou seja, a dignidade moral do ser humano (art.360º).

O citado Código reconhecia também o direito à liberdade de imprensa – art. 570º – sancionando quem dele abusasse com a obrigação de reparar os direitos de outrem ou da sociedade nos termos da lei – art. 364º.

Os direitos originários eram considerados inalienáveis só podendo ser limitados por “lei formal e expressa”, implicando a sua violação obrigação de reparar a ofensa – art. 2361º do citado Código.

Esta protecção com assento constitucional na Lei Fundamental de 1933 e de 1976, tem vindo a ser alargada, não só pelo contributo das ciências sociais como pelo avanço dos estudos doutrinais e jurisprudenciais, sendo que a Constituição de 1976 de modo claro tutela direitos de personalidade como o direito à vida (artigo 24°), à integridade moral e física (artigo 25º); à identidade pessoal, à capacidade civil, à cidadania, ao bom-nome e reputação à imagem, à palavra e à reserva intimidade da vida privada e familiar (artigo 26°), à liberdade e segurança (artigo 27°) e à inviolabilidade do domicílio e da correspondência (artigo 34.°).

O art. 26º, nº1, da Constituição da República consigna:

“A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”.

E o art. 33º – Direito à identidade, ao bom-nome e à intimidade.

“1. A todos é reconhecido o direito à identidade pessoal, ao bom-nome e reputação e à reserva da intimidade da vida privada e familiar.
2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva, ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias”.

A Constituição da República acolhe a tutela da personalidade que pode ser encontrada no princípio fundamental da Dignidade da pessoa humana (art. 1º).

Dignidade é tudo aquilo que não tem preço, segundo a conhecida formulação de Kant – “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” – [tradução de Paulo Quintela, 1986, p. 77]. Nessa obra procura-se distinguir aquilo que tem um preço, seja pecuniário seja estimativo, daquilo que é dotado de dignidade – do que é inestimável, do que é indisponível, do que não pode ser objecto de troca.

Afirma-se lapidarmente:

“No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está cima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade.”.

Gomes Canotilho e Vital Moreira, em comentário ao art. 33º, escrevem, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, 4ª ed., pág.466:

“O direito ao bom nome e reputação (nº1) consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação – cfr. Código Penal, arts. 164° e 165°”.

Na lei ordinária a personalidade moral, o bom-nome e consideração social das pessoas, são valores tutelados (artigos 70º e 484º do Código Civil).

Assim o art. 70º Código Civil estatui:

“1. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.”

Este normativo tutela a personalidade, como direito absoluto, de exclusão, na perspectiva do direito à saúde, à integridade física, ao bem-estar, à liberdade, ao bom nome, e à honra, que são os aspectos que individualizam o ser humano, moral e fisicamente, e o tornam titular de direitos invioláveis.

O art. 484º do citado Código estatui – “Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.”

Este normativo ao proteger o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, tutela um dos elementos essenciais da dignidade humana – a honra.

"A honra abrange desde logo a projecção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela natureza igualmente para todos os seres humanos, insusceptível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância... Em sentido amplo, inclui também o bom nome e reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político" – Rabindranah Capelo de Sousa, “O Direito Geral da Personalidade”, 1995, págs. 303-304.

Maria Paula Andrade, in “Da Ofensa do Crédito e do Bom Nome”, 1996, pág. 97, afirma ser a honra um - “…Bem da personalidade e imaterial, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo a não ser vilipendiado no seu valor aos olhos da sociedade e que constitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidade humana, valor a que a Constituição atribui a relevância de fundamento do Estado Português; enquanto bem da personalidade e nesta sua vertente externa, trata-se de um bem relacional, atingindo o sujeito enquanto protagonista de uma actividade económica, com repercussões no campo social, profissional e familiar e mesmo religioso”.

Pedro Pais de Vasconcelos – “Teoria Geral do Direito Civil” – 2005, pág.38 e segs.:

“ […] O direito à vida, ou à honra, ou à integridade física, ou à privacidade, ou à imagem, por exemplo, não constituem direitos subjectivos autónomos, mas antes poderes jurídicos que integram o direito de personalidade do seu titular, poderes estes que são exercidos quando a dignidade do seu titular for posta em causa através de ameaças ou ofensas àqueles específicos bens de personalidade.
A tipificação dos chamados direitos especiais de personalidade é um reflexo da tipificação de específicos bens de personalidade que integram a dignidade humana e das lesões que historicamente se foram tornando típicas.
A dignidade humana pode ser ameaçada ou ofendida em diversos bens que a integram — vida, integridade física, honra, privacidade, imagem, nome, etc. — para a defesa de cada um dos quais o direito de personalidade contém específicos meios ou bens, que beneficiam de específicos poderes jurídicos” – (destaque e sublinhados nossos).

O mesmo tratadista, in “Direito de Personalidade”. -Almedina 2006 – pág. 76.

“O direito à honra é uma das mais importantes concretizações da tutela e do direito da personalidade.
A honra é um preciosíssimo bem da personalidade.
A honra é a dignidade pessoal pertencente à pessoa enquanto tal, e reconhecida na comunidade em que se insere e em que coabita e convive com as outras pessoas…A perda ou lesão da honra – a desonra – resulta, ao nível pessoal, subjectivo, na perda do respeito e consideração que a pessoa tem por si própria, e ao nível social, objectivo, pela perda do respeito e consideração que a comunidade tem pela pessoa.
A lesão da honra pode não ser total – só em casos excepcionais o será – e limitar-se a um seu detrimento. A honra, neste caso, é lesada, mas não perdida…Todas as pessoas têm direito à honra pelo simples facto de existirem, isto é, de serem pessoas. É um direito inerente à qualidade e à dignidade humana. Mas as pessoas podem perder a honra ou sofrer o seu detrimento em virtude de vicissitudes que tenham como consequência a perda ou diminuição do respeito e consideração que a pessoa tenha por si própria ou de que goze na sociedade.
As causas de perda ou do detrimento da honra – de desonra – são, em termos muito gerais, acções da autoria da própria pessoa ou que lhe sejam imputadas, e que sejam consideradas reprováveis na ordem ética vigente, quer ao nível da própria pessoa, quer ao nível da sociedade.”

Sendo a honra e o direito ao bom-nome valores absolutos que se inscrevem no âmbito dos direitos de personalidade, imprescritíveis e invioláveis, importa saber se os textos escritos pelo Autor lesaram aqueles direitos do Réu, mormente a sua honra lato sensu.

“O Professor Beleza dos Santos ensinava que a honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale, e que a consideração é aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal forma que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa ao desprezo público (R.L.J., Ano 92º, pág. 164)” – cfr. Ac. deste Supremo de 30.10.2003 – Proc. 03P3369 – in www.dgsi.pt.

O mesmo autor, definia “consideraçãocomo - “Aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração ou ao desprezo público; refere-se ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social, ou ao menos de não o julgar um valor negativo” – “Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e injúria”, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 92, n.º 3152, p. 167/168.

Escreveu também:

“Nem tudo aquilo que alguém considere ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria punível (...). Não deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem tudo aquilo que o queixoso entenda que o atinge, de certos pontos de vista, mas aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais”.
“Neste juízo individual ou do público, acerca do que pode ser considerado ofensivo da honra e da consideração é comum a todos os meios e países a exigência do respeito de um mínimo de dignidade e de bom-nome. Para além deste mínimo, porém, existe certa variedade de concepções, da qual resulta que palavras ou actos considerados ofensivos da honra, decoro ou bom nome em certo país em certo ambiente e em certo momento, não são assim avaliados em lugares e condições diferentes. O que pode ser uma ofensa ilícita em certo lugar, meio, época ou para certas pessoas, pode não o ser em outro lugar ou tempo”.

O Professor Faria e Costa, no “Comentário Conimbricense do Código Penal”, pág. 630, afirma que o carácter ofensivo de certas palavras tem de ser visto num “contexto situacional” e que se o significante das palavras permanece intocado, o seu significado varia consoante os contextos.

A afirmação e difusão de factos que sejam idóneos a prejudicar o bom-nome de qualquer pessoa acarretam responsabilidade civil (extracontratual), implicando a obrigação de indemnizar se verificados os requisitos do art. 483º do Código Civil.

O art. 484º do Código Civil prevê um caso particular de antijuridicidade que deve ser articulado com o princípio geral contido no art. 483º, não dispensando a cumulativa verificação dos requisitos da obrigação de indemnizar.

Mário Júlio de Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 11ª edição, págs.564-565, depois de aludir aos “critérios básicos” da responsabilidade civil do art. 483º, nº1, do Código Civil indica como casos especiais de ilicitude a ofensa do crédito ou do bom nome, e depois de transcrever o art. 484º, afirma:

“Infere-se da lei que tem de haver a imputação de um facto, não bastando alusões vagas e gerais.
A regra consiste na irrelevância da veracidade ou falsidade do facto, mas, sempre que esteja em causa a protecção de interesses legítimos, parece de admitir a “exceptio veritatis” (…). Sublinhe-se, por fim, que o facto afirmado ou difundido deve mostrar-se, ponderadas as circunstâncias concretas, susceptível de afectar o crédito ou a reputação da pessoa visada — pessoa singular ou colectiva, onde se incluem as sociedades”.

Menezes Cordeiro, in “Direito das Obrigações”, vol. II, p. 349:

“É indubitável que a divulgação de um facto verdadeiro pode, em certo contexto, atentar contra o bom-nome e a reputação de uma pessoa. Por outro lado, a divulgação de um facto falso atentatório pode não constituir um delito – por carência, por exemplo, de elemento voluntário.
Por isso, a solução deve resultar do funcionamento global das regras da imputação delitual".

Também Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª edição, a propósito do art. 484º do Código Civil (págs. 567-568), afirma:

“Pouco importa que o facto afirmado ou divulgado seja ou não verdadeiro – contanto que seja susceptível, ponderadas circunstâncias do caso, de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que ela seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade".

Dispõe o artigo 483º, nº1,do Código Civil:

“Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

Como pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, são apontados – o facto voluntário do agente, a ilicitude, a culpa (dolo ou negligência), o dano e o nexo de causalidade.

Importa então saber se, in casu, se encontram verificados os requisitos do normativo citado, sobretudo, se ao difundir, via imprensa, as imputações feitas ao Réu, o Autor agiu com culpa, entendida esta como juízo de censura ético-jurídico.

Desde logo, há que ponderar que aos jornalistas assiste o direito de informar e tal direito é uma manifestação constitucional da liberdade de expressão e de imprensa – arts. 37º e 38º da Lei Fundamental – direitos também consagrados na lei ordinária.

Assim o art. 3º da Lei de Imprensa – Lei 2/99, de 13/01:

“A liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática.”

E o seu art. 9º, nº1:

“Integram o conceito de imprensa, para efeitos da presente lei, todas as reproduções impressas de textos ou imagens disponíveis ao público, quaisquer que sejam os processos de impressão e reprodução e o modo de distribuir utilizados.

Um dos limites à liberdade de informar, que não é por isso um direito absoluto, é a salvaguarda do direito ao bom-nome.

Os jornalistas, os media, estão vinculados a deveres éticos, deontológicos, de rigor e objectividade.

Art. 3.º da Lei de Imprensa - Lei 2/99, de 13.1- estatui:

“A liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática.”

A Constituição consagra, igualmente, o direito à liberdade de expressão e de informar e ser informado.

O art. 37º estabelece no seu nº1 que - “Todos têm direito a exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, também como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimento ou discriminações”.

O art. 12.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (adoptada e proclamada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas na Resolução n.º 217 -A (III) de 10 de Dezembro de 1948) afirma:

“Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família ou na na sua correspondência nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões e ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei”.

Pedro Pais de Vasconcelos – “Direito de Personalidade” págs.75-76 afirma certeiramente:

“ São particularmente gravosas – e merecem especial atenção – as ofensas à honra cometidas através da comunicação social… O impacto que os meios de comunicação de massa – imprensa, rádio e televisão e Internet – têm na sociedade e a credibilidade de que, porventura imerecidamente, beneficiam, agravam brutalmente as lesões causadas.
É sabido que a generalidade das pessoas acredita acriticamente no que os jornais, a rádio e principalmente a televisão comunicam e como são ineficazes os desmentidos posteriormente publicados, quase sempre tarde e com impacto insuficiente.
As ofensas à honra assim cometidas são extremamente gravosas e dificilmente reparáveis. A liberdade de imprensa não sobreleva o direito à honra.
Embora ambos estejam formalmente consagrados na Constituição da República como direitos, liberdades e garantias, a defesa da honra situa-se no âmbito superior dos direitos de personalidade e é, por isso, hierarquicamente superior à liberdade de imprensa”.

Assiste aos media o direito, a função social, de difundir notícias e emitir opiniões críticas ou não, importando que o façam com respeito pela verdade e pelos direitos intangíveis de outrem, como são os direitos de personalidade.

O direito à honra em sentido lato, e o direito de liberdade de imprensa e opinião são tradicionais domínios de conflito.

Tendo ambos tutela constitucional e não se divisando critério objectivo para os balizar, entra-se, quantas vezes, no campo da colisão de direitos – art. 335º do Código Civil – sendo que, em relação a factos desonrosos, dificilmente se pode configurar, a nosso ver, a exceptio veritatis a cargo do lesante.

Importa ponderar com Figueiredo Dias, “Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português”, RLJ Ano 115º, págs. 101-102, 105-106 e 170-171:

“... É o próprio texto constitucional que invoca o direito penal a tomar o seu lugar e a sua responsabilidade na solução dos conflitos entre as figuras jurídico-constitucionais do direito à honra e do direito de informação...”.

É socialmente aceitável limitar a tutela da honra se se visar a salvaguarda do núcleo essencial do direito à informação, não sancionando as ofensas, caso constituam “meio adequado e razoável de cumprimento da função pública da imprensa”, usado por esta "com a intenção… de cumprir a sua função pública e, assim, de exercer o seu direito-dever de informação”, desde que, como ensina o reputado Professor, se admita a prova da verdade da imputação "no preciso âmbito do direito de informação”, ainda que através da simples demonstração de "uma crença fundada na verdade” obtida de acordo com "as exigências derivadas das “leges artis” dos jornalistas, das suas concepções profissionais sérias, e que se não contentarão com a criação de um convencimento meramente subjectivo, mas imporão que aquela – a verdade da imputação – repouse numa base objectiva”.

Exigível é que"... A imprensa, no exercício da sua função pública, não publique imputações que atinjam a honra das pessoas e que saiba inexactas, cuja exactidão não tenha podido comprovar ou sobre a qual não tenha podido informar-se convenientemente” – cfr. Estudo citado, págs. 101-102, 105-106 e 170-171.

Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, I Volume – 7ª edição – em nota de rodapé – pág. 559 – ensina:

“Para haver culpa, no caso de afirmação ou divulgação de factos susceptíveis de prejudicar o crédito ou o bom nome de alguém, basta, em princípio, que o agente queira afirmar ou difundir o facto, pouco importando que ele soubesse ou não que, em consequência disso, o lesado perderia um negócio vantajoso ou uma colocação rendosa ou veria desfeito o seu noivado. Desde que o agente conheça ou devesse conhecer a ilicitude ou o carácter danoso do facto, é justo que sobre ele recaia o encargo de reparar os danos efectivamente causados por esse facto”.

Feitas estas considerações, importa saber se a actuação profissional do Autor e os seus escritos nos jornais e a actuação do Réu são reciprocamente lesivas da honra e bom-nome.

A Relação considerou que o Autor foi ofendido nesses direitos de personalidade pelo teor da entrevista televisiva em que foi visado pelo Réu, e não considerou que o Autor tenha ofendido idênticos direitos deste.

O recorrente sustenta que a actuação do Autor preenche todos os requisitos da obrigação de indemnizar, admitindo no entanto concorrência de culpas – art. 570º do Código Civil – mas sustentando que a culpa do Autor, por mais grave (dolo) deverá excluir o dever de indemnizar.

Como antes dissemos e constituiu a pedra angular da controvérsia, importa considerar que o Autor como jornalista tem o direito de crítica que, afinal, mais não é que uma manifestação da liberdade de opinião no contexto da liberdade de imprensa.

Por outro lado, o Réu quer como cidadão quer como figura pública – Presidente de um prestigiado clube de futebol, o Benfica – tem direito a não ver divulgadas publicamente afirmações que violem os seus direitos de personalidade.

O princípio constitucional da igualdade – art. 13º da Lei Fundamental – impõe a não discriminação materialmente infundada.

Ignorar que o litígio se manifesta no contexto do desporto, sobretudo, na discussão quantas vezes apaixonada de questões clubísticas no âmbito do futebol, onde a opinião pública interessada segue atentamente as mais pequenas vicissitudes dos seus emblemas seria não olhar a controvérsia pelo enfoque mais razoável.

O sentido crítico dos leitores que seguem o fenómeno desportivo, mormente as discussões em torno do futebol, é exacerbado por questões de toda a ordem já que o constante debate na imprensa escrita e falada sobredimensiona a importância de questões que, numa sociedade onde os valores cívicos deveriam ser a preocupação maior dos cidadãos, são relegadas para segundo plano pela constante evidência de acontecimentos distractivos, sejam os da imprensa desportiva, cor-de-rosa, ou quejanda.

As personalidades conhecidas do público [o que não equivale a personalidades públicas], seja no meio político, social, lúdico ou desportivo são particularmente escrutinadas pelos media e, por isso, sem prejuízo dos seus inalienáveis e intangíveis direitos, têm de saber lidar com a pressão da imprensa – de que tantas e tantas vezes se servem – sobretudo, quando as notícias, os artigos críticos, a censura de comportamentos, o apontar de incoerência entre as promessas e as realizações são trazidas a nu e esse facto aviva, muitas vezes, a sua conduta pregressa quantas vezes desmentida ou contrariada pela prática que evidencia desrespeito pela palavra dada e pela confiança incutida nos destinatários da mensagem, seja ela ao nível do compromisso político, desportivo, ou do passar para a opinião pública de uma imagem e de um padrão ético ou social que a realidade muitas vezes desmente.

A crítica tem como limite o direito dos visados, mas não deixa de ser legítima se for acutilante, acerada, desde que não injuriosa, porque quantas vezes aí está o estilo de quem escreve.

No âmbito do desporto e do futebol os actores do palco mediático nem sempre convivem de modo são com a crítica, quantas vezes por culpa dos media que se dividem entre apoiantes de uns e antagonistas de outros, não mantendo a equidistância postulada por uma actuação objectiva com respeito pelos valores da ética jornalística.

O Autor nos seus escritos, sem dúvida visou o Réu, mas este nas suas entrevistas públicas também visou o Autor.

Esta relação entre o jornalista e o seu alvo crítico no caso o Réu, assumiu contornos que, efectivamente e encarando agora a actuação do Réu violaram o direito ao bom-nome do Autor.

Não lidando bem com as críticas do Autor, o Réu pôs em causa a idoneidade pessoal e profissional daquele, afirmando que era um opinador pago para dizer mal diariamente, referenciando o seu nome e afirmando que se pagasse jantares, wkiskeys e charutos seria uma pessoa muito bem vista.

Qualquer leitor, medianamente avisado, colherá destas afirmações a ideia que o Autor, como jornalista, é um mau profissional dado a influências em função de pagamentos e favores, o que é demolidor para o seu trabalho de jornalista que deve ser isento, incorruptível e sério na suas apreciações, e também o lesa como cidadão que preza a sua honra.

O grau de culpa do Réu é deveras acentuado, porquanto estas palavras foram proferidas em entrevista pública, numa televisão e em directo, no dia 15.11.2005, anunciada em prévia visita ao Canadá onde o Réu já avisara do seu propósito (vide documento de fls. 15 – excerto de uma notícia do jornal O Jogo) onde o Réu afirma que não poder tolerar “que três ou quatro jagunços digam mal desta direcção. Jagunços a que chamo lixo são aqueles que me querem tirar daqui. Na terça-feira vou denunciá-los na televisão…aliás cumpre a todos nós dar resposta a esse lixo…”.

No jornal A Bola do dia 14.11.2005, fls. 17 – é reportado o discurso do Réu enquanto Presidente do Benfica e aí se dá nota da intenção de denunciar os jagunços.

O Autor foi apelidado de jagunço que notoriamente é um termo injurioso.

Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, jagunço significa – “valentão que serve de guarda-costas a fazendeiros”, “homem que serve de guarda-costas a fazendeiros e caciques”, “capanga”, “guarda-costas”, “pistoleiro contratado para matar”, […] pessoa torpe, reles, que vive de expedientes”.

Afirma o Recorrente que a sua entrevista e as palavras usadas foram provocadas pelos escritos do Autor nos jornais onde colabora, a que aludem os itens) 9), 10), 11) e 12) do factos provados, textos esse todos do mês de Novembro de 2005, implicitando que, por essa via, reagiu às críticas do Autor e, por isso, existiria uma dirimente do seu comportamento com assento na concorrência de culpas – art. 570º, nº1, do Código Civil.

Ora, desde logo, lendo os escritos do Autor e as palavras de reacção do Réu – desconfortado naturalmente com elas – há que saber se se quedaram pelo limite do razoável, em termos de apreciação crítica, à luz de um padrão deontológica e juridicamente aceitável, ou, ao invés, se, extravasando esse plano da apreciação, ainda que contundente, caem no domínio do ilícito.

Antes de tudo, importa afirmar que o Autor, nos textos versados, tratou temas bem identificados factualmente (não se trata de artigos de ficção) – o caso Mantorras, a questão dos Kits de sócio…o que permitiria sempre ao Réu, ao abrigo do direito de resposta e de desmentido contrapor perante os jornais a sua versão dos factos e repor o que, na sua tese, seria a verdade.

O Réu optou por outra via como referimos.

No artigo publicado no jornal O Jogo, de 10.11.2205 – denominado “Farsa e Violência”, a escrita é contundente mas não injuriosa.

A afirmação do Autor - “BB chantageia os benfiquistas assegurando-lhes, (para não dizer ameaçando-os), em Abril ou Maio, que, se eles não comprassem os famosos “kits” até perfazerem 300 mil sócios em Outubro, se vai embora, farsa até porque desde logo ninguém acreditou nisso - nem que ele venderia “kits” nessa proporção, nem que ele iria embora se não os vendessem.
É farsa também vir afiançar agora que em breve lá chegará — aos tais 300 mil sócios — mas sobretudo — é claro — que não se demite, porque (argumentação de farsa, também ela) “haveria muita gente feliz se abandonasse o clube”; e porque “os sócios iriam levar a mal se fizesse aquilo que tinha assumido”.

Aquela afirmação traduz uma crítica acerada tendo em conta um facto – a promessa feita pelo Réu que se demitiria se aquele objectivo não fosse alcançado.

Não o foi como o Autor anteviu e nem o Réu cumpriu a sua promessa de se demitir.

A utilização da palavra chantagem no contexto da notícia e daquilo que fora uma afirmação do Réu, não tem intenção injuriosa, já que dizer que alguém chantageia outrem ou ameaça fazer alguma coisa se não for alcançado um objectivo, ambicioso ou não, ante a constatação de que inalcançado esse objectivo a decisão de demissão não foi cumprida, de certo modo evidencia que a crítica se baseou num facto que a realidade não desmentiu.

Os escritos do Autor não exorbitam a crítica responsável, não visando a honra e a pessoa do Réu, antes censurando-lhe procedimentos factuais, como dirigente desportivo, que, na opinião do jornalista, mereceram a denúncia que os seus textos exprimem.

Criticar implica censurar, a censura veiculada nos media só deixa de ser legítima como manifestação da liberdade individual quando exprime antijuricidade objectiva, violando direitos que são personalíssimos e que afectam, mais ou menos duradouramente segundo a memória dos homens, bens que devem ser preservados como são os direitos aqui em causa, à honra, ao bom nome e ao prestígio social.(1)

Não se antevê que haja concorrência de actuação culposa.

Nem mesmo, caso o Autor violasse direitos do Réu, isso legitimaria como que uma vindicta passando o Réu a fazer imputações como as que fez, essas sim extravasando o âmbito da crítica e da decência, do ponto em que puseram em causa a probidade profissional como jornalista e a sua honra.

Não se mostram, pois, verificados os cumulativos pressupostos da obrigação de indemnizar – art. 483º, nº1, do Código Civil – facto voluntário do agente, ilicitude, culpa (dolo ou mera culpa), dano e nexo de causalidade entre a acção e o resultado danoso, fenecendo aqui os requisitos de ilicitude e culpa do Autor.

Por assim ser, despiciendo é ponderar a existência de culpas concorrentes.

Pelo quanto dissemos o recurso não merece provimento.

Decisão:

Nestes termos nega-se a revista.

Custas pelo recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Janeiro de 2010

Fonseca Ramos (Relator)
Cardoso de Albuquerque
Salazar Casanova


_____________________________________________

(1) No Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 20.7.2008, Proc.08P1410 – in www.dgsi.pt, pode ler-se a certo trecho. […] - “Na interpretação e aplicação desta disposição no que respeita à liberdade de imprensa, a jurisprudência do TEDH tem revelado acentuada coerência em registo de protecção forte, por vezes numa função de verdadeira quarta instância. Os princípios e a definição dos critérios inscrevem-se em fórmulas verdadeiramente tabelares, recorrentemente utilizadas.
Tomem-se, em síntese, como exemplo, algumas recentes formulações (v. g. nos acórdãos Lopes Gomes da Silva c. Portugal, de 28 de Setembro de 2000; Roseiro Bento c. Portugal, de 18 de Abril de 2008 e Azevedo c. Portugal, de 27 de Março de 2008, para só referir caos portugueses).
“A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada pessoa. Sob reserva do parágrafo 2º, a liberdade de expressão vale não só para as “informações” ou “ideias” acolhidas com favor ou consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que melindram, chocam ou inquietam. Assim é exigido pelo pluralismo, pela tolerância e espírito de abertura sem os quais não existe “sociedade democrática”. Como determina o artigo 10º, esta liberdade está sujeita a excepções que devem, contudo, ser interpretadas restritivamente, e a necessidade de qualquer restrição deve ser demonstrada de maneira convincente”.
“Estes princípios revestem uma particular importância para a imprensa. Se esta não deve ultrapassar os limites fixados em vista, nomeadamente, “da protecção de reputação de outrem”, incumbe-lhe contudo transmitir informações e ideias sobre questões políticas bem como sobre outros temas de interesse geral. Quanto aos limites da crítica admissível eles são mais amplos em relação a um homem político, agindo na sua qualidade de personagem pública, que um simples particular.”