Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3817/19.9T8MTS.P1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: INTERPRETAÇÃO DE CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO
PENSÃO DE REFORMA
BANCÁRIO
CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
Data do Acordão: 06/01/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário :
I- A letra da convenção é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma.
II- Se uma interpretação proposta não tiver o mínimo de apoio no teor literal da cláusula torna-se desnecessário recorrer a outros elementos, já que o recurso aos mesmos não permite fazer vingar tal interpretação, carecendo a mesma do referido mínimo de apoio na letra da cláusula.
III – O número 3.º da cláusula n.º 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho para o sector bancário, ao referir no seu segundo segmento “entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza”, pretende significar que os trabalhadores, na situação de reforma, só têm a obrigação de entregar as quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social referentes ao período de tempo em que exerceram a sua atividade bancária e em que efetuaram descontos para a Segurança Social, na sequência da extinção da Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários.
IV- As expressões utilizadas na referida cláusula “a diferença entre o valor desses benefícios” na parte final do n.º 1, “benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou Serviços de Segurança Social” no segundo segmento do n.º 2 e “benefícios da mesma natureza” na parte final do n.º 3, referem-se tão só às pensões, não se podendo afirmar que dos respetivos textos resulte um mínimo de correspondência verbal que possa suportar a interpretação no sentido da introdução de um fator de ponderação que tenha a ver com o valor das contribuições efetuadas.
Decisão Texto Integral:


Revista n.º 3817/19.9T8MTS.P1.S1
MBM/JG/RP

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I.

1.1. Réu/recorrente: BANCO BPI, S.A.

1.2. Autor/recorrido:  AA.

X X X
2. O BANCO BPI, S.A. veio interpor recurso de revista excecional do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que confirmou a sentença proferida na ação declarativa de condenação, com processo comum que lhe foi movida pelo A., com fundamento no art. 672º, nº 1, c), do CPC (contradição com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.10.2016, proferido no processo n.º 4150/15.0T8MTS.01, transitado em julgado), alegando ainda nas suas conclusões:

1.   A interpretação das cláusulas regulativas de convenção coletiva de trabalho deve fazer-se de acordo com as regras de interpretação da lei, em particular de acordo com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, como vem sendo entendimento da Jurisprudência, como recentemente foi defendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2019, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 55, de 19 de março de 2019.
2.   Na interpretação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário, deve atender-se aos seus elementos literal, sistemático, histórico e teleológico.
3.   No que respeita ao elemento literal, a redação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (cláusula que veio a ser substituída pela cláusula 94.ª do ACT do setor bancário) é clara nos dois aspetos que aqui relevam.
4.   Primeiro, que nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares - como sucede com o Recorrido, a partir de 1.1.2011, dada a sua integração no regime geral de segurança social por imposição do Decreto-Lei n.º 1-A/2011, de 3 de Janeiro -, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos no ACT – cfr. 2.ª parte do n.º 1 da cláusula 136.ª.
5.   Segundo, que o benefício a “abater” é o que decorre de contribuições feitas no período de serviço contado pelo Banco para o cálculo da pensão a pagar por este, pois, como se refere no n.º 2 daquela cláusula estão em causa os benefícios decorrentes de contribuições.
6.   A “pensão de abate” é, assim, o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP.
7.   A cláusula 136.ª alude, literalmente, ao benefício decorrente das contribuições com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador.
8.   Acresce ainda que, quando no Acordo Coletivo se pretendeu exprimir o critério pro rata temporis tal foi feito de modo particularmente claro e direto (n.º 3 da cláusula 98.ª) sem qualquer semelhança com a redação da analisada cláusula 94.ª.
9.   O elemento sistemático é também conducente ao mesmo resultado interpretativo.
10. A norma em causa insere-se no sistema de previdência e, no caso concreto, na conjugação de dois regimes de previdência: o regime de segurança social do sector bancário e o regime geral de segurança social.
11. A cláusula reenvia para as regras de cálculo do regime geral da segurança social a fim de as utilizar e não de aproveitar os seus resultados.
12. A inserção sistemática da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário impõe a sua interpretação no sentido da aplicação das mesmas regras que servem para o cálculo da pensão do CNP.
13. Ao invés, não há qualquer elemento do sistema que aponte para a interpretação que defende o Recorrido, ou seja, não há qualquer norma no sistema em que se insere a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e a cláusula 94.ª que lhe sucedeu, que contenha norma para o cálculo de benefícios de pensão em razão de qualquer critério de pro rata temporis.
14. O montante da pensão do CNP é igual ao produto da remuneração de referência pela taxa global de formação da pensão e pelo fator de sustentabilidade, como resulta do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio.
15. E a remuneração de referência é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40.
16. São estas as regras do sistema a que apela a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e que, com recurso ao elemento sistemático, devem aplicar-se no apuramento da parte da pensão a pagar pelo CNP que há-de ser entregue pelo Recorrido ao Recorrente.
17. E são essas as regras aplicadas pelo Recorrente, para apuramento da “pensão de abate”.
18. Por fim, o elemento teleológico é particularmente relevante na tarefa interpretativa, pois a norma da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário tem por fim coordenar o percebimento de benefícios por trabalhadores submetidos a ambos os regimes de forma a impedir que, por força do mesmo período contributivo, o trabalhador possa ver-lhe atribuídos benefícios cumulados.
19. É uma expressão do princípio da não acumulação de prestações plasmado no artigo 67.º, n.º 1, da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro).
20. A não acumulação de prestações não pode alcançar-se com recurso, para a repartição da pensão a pagar pelo CNP, a um critério de “regra de três simples pura”.
21. Tal conclusão ofende diretamente o fim a que se propõe a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e a cláusula 94.ª que lhe sucedeu, que é, precisamente, abater à pensão paga pelo Banco Recorrente, a pensão (ou parte de pensão) que for paga ao Recorrido pelo CNP que respeite ao tempo de Banco.
22. O entendimento do Recorrente é, de resto, o que conduz a um resultado mais equitativo.
23. É bom notar que a carreira extra-banco pode ser mais favorável ao trabalhador, o que sucede no caso das remunerações registadas nesse período serem superiores às registadas na carreira ao serviço do Banco.
24. Por isso, acrescenta-se, a este propósito, que o entendimento do Recorrente assegura, inclusivamente, que nesses casos, em que a pensão teórica extra-banco seja mais favorável ao pensionista (por as remunerações auferidas nesse período serem superiores), não veja este o seu benefício penalizado.
25. A questão não é meramente teórica, tendo sido objecto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/11/2017, disponível em www.dgsi.pt.
26. Como sucedeu no caso julgado no referido douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/11/2017, em que estava em causa uma pensão da Caixa Geral de Aposentações e em que o Banco ali Réu reconhecera parte da carreira na CGA, verificou-se que as remunerações auferidas pelo trabalhador no período extra-banco eram superiores àquelas que auferira no período que o Banco lhe contara, tendo o Tribunal concluído que não era aplicável a regra de pro rata temporis, que aquele Banco aplicara.
27. O Tribunal da Relação de Évora acolheu o entendimento aqui defendido pelo Recorrente que, naquele caso, era favorável ao pensionista.
28. O elemento teleológico da norma não consente, assim, outra interpretação que não seja a que lhe dá o Recorrente.
29. A interpretação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e da cláusula 94.ª que lhe sucedeu, com recurso aos elementos de interpretação literal, sistemático e teleológico, conduz ao resultado alcançado pelo Recorrente.
30. A interpretação preconizada pelo douto Acórdão recorrido olvida que para o cálculo do beneficio pago pelo CNP concorre, nos termos do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, não só o tempo (por via da taxa de formação a pensão) mas também as remunerações (por via da remuneração de referência que é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40).
31. Em suma: porque a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (tal como a cláusula 94.ª do atual ACT do setor bancário) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado considerando, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), os montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência), torna-se imperioso calcular as duas pensões teóricas respeitantes a cada um dos períodos em causa e, em função desses resultados, repartir o benefício pago pelo CNP.
32. Entendimento que foi sufragado pelos doutos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10/10/2016 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/09/2017, que se juntaram aos autos.
33. Mais recentemente, e já posteriormente à mencionada douta Jurisprudência do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, foi também este o entendimento versado nas três doutas sentenças proferidas pelo Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo do Trabalho ..., Juiz ..., de 20/02/2020 e de 01/10/2020, e Juiz ... de 25/04/2020, juntas a estes autos.
34. E é também a douta opinião dos SENHORES PROFESSORES DOUTORES BERNARDO LOBO XAVIER e MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO expressa nos doutos Pareceres de Direito juntos aos autos.
35. O entendimento sufragado pelo Recorrido, viola também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República.
36. Ao remeter-se o cálculo da “pensão de abate” para uma “regra de três simples” está o Recorrido, inevitavelmente, a transferir para si, como pensionista, parte do benefício que o Banco deve abater à mensalidade que está obrigado a pagar, potenciando, ilegalmente e em afronta àquele comando constitucional, o benefício que a pensionista teria a receber se isoladamente lhe fosse considerada apenas a carreira contributiva extra-banco.
37. O efeito de tal entendimento é, efetivamente, a violação do preceito constitucional vertido no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República que determina que “Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de atividade em que tiver sido prestado.”.
38. A interpretação dada pelo Recorrido à cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e à cláusula 94.ª do atual ACT do setor bancário, é, assim, materialmente inconstitucional por violação do artigo 63.º, n.º 4 da Constituição.
39. O douto Acórdão recorrido deve, pelos fundamentos expostos, ser revogado, concedendo-se provimento à Revista e, consequentemente, absolvendo-se o Recorrente dos pedidos.
40. Ao decidir como decidiu, o douto Acórdão violou o disposto na cláusula 136.º do Acordo Coletivo de Trabalho do setor bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 – data de distribuição: 24/01/2011) cláusula que veio a ser substituída, com redação similar, pela cláusula 94.º do Acordo Coletivo de Trabalho do setor bancário (BTE n.º 29 de 08/08/2016), os artigos 26.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio e, bem assim, violou também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
3. O recorrido respondeu, pugnando pela inadmissibilidade da revista excecional e, caso venha a ser admitida, pela sua improcedência.

4. A revista excecional foi admitida pela formação dos três Juízes da Secção Social deste Supremo Tribunal a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do CPC (que considerou verificado o alegado pressuposto recurso de revista excecional).

5. Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, parecer a que respondeu o recorrente, em linha com o antes sustentado nos autos.

6. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art.º 608.º, n.º 2, in fine, do CPC), em face das conclusões da alegação de recurso, a única questão a decidir consiste em saber se foi corretamente calculado o valor a abater na pensão de reforma do A., em face da cláusula 136ª do Acordo Coletivo de Trabalho para o sector bancário, cláusula entretanto substituída pela cláusula 94.ª do ACT do sector bancário.
E decidindo.
II.

7. Com relevo para a decisão do litígio, mostra-se fixada a seguinte matéria de facto (transcrição):

(…)
4. O autor foi admitido ao serviço da ré no dia 02/08/1982 – cfr. doc. de fls. 90v a 94v.
5. Por carta datada de 07/11/2011, a ré informou o autor da sua passagem à situação de reforma, com início em 21/10/2011 – cfr. doc. de fls. 95 a 96, no qual se pode ler:
“(…) ser-lhe-á contada a antiguidade bancária de 29 anos e 5 meses.
A esta antiguidade, e também para os mesmos efeitos, acresce tempo de serviço militar correspondente a 1 ano e 7 meses, conforme documento comprovativo arquivado no seu processo individual, uma vez que irá efetuar, nos termos constantes do documento anexo à presente carta, o pagamento ao Fundo de Pensões do Banco BPI do valor devido em consequência do reconhecimento deste período.
Assim, a sua pensão de reforma terá a seguinte composição:
1º período de 31 meses (100%) Mensalidades por inteiro correspondentes ao nível 09 (tabela de pensões), acrescidas de 5 diuturnidades tipo A e 4 anuidades tipo A.
2º e último período Mensalidades correspondentes a 87% do nível 09 (tabela de pensões), acrescidas de 5 diuturnidades tipo A e 4 anuidades tipo A.
(…)
A partir da data em que lhe seja atribuída a pensão pelo CNP ou a partir da data em que tal pudesse ocorrer sem aplicação do fator de redução, ao montante da pensão a cargo do Banco será deduzido, nos termos da Cláusula 136º do ACT, o montante da pensão atribuída, ou que devesse ser atribuída, pelo CNP, decorrente de períodos que tenham sido considerados pelo Banco no cálculo da sua antiguidade. (…)”
6. No documento anexado à carta referida no facto anterior (condições de reconhecimento de tempo de serviço militar obrigatório para efeitos de reforma), consta o seguinte: “Na pensão paga pelo Banco será deduzida a pensão paga pelo Regime Geral de Segurança Social ou outro regime de proteção social referente ao tempo de serviço militar obrigatório reconhecido pelo Banco no cálculo da sua antiguidade” (cfr. fls. 96).
7. Por carta datada de 09/03/2018, a ré comunicou ao autor que deveria requerer a pensão de reforma por velhice junto do CNP – cfr. doc. de fls. 97: “No seguimento da carta de reforma emitida pelo Banco e considerando que irá completar 66 anos e 4 meses de idade em 25-07-2018, recorda-se que deverá requerer a pensão de reforma por velhice junto do CNP (…). A partir da data em que lhe seja atribuída a pensão pelo CNP, ou que devesse ser atribuída, ao montante da pensão a cargo do Banco, conforme previsto na cláusula 94ª do ACT, será deduzido o valor da pensão atribuída, ou que devesse ser atribuída, decorrente dos períodos considerados pelo Banco no cálculo da sua antiguidade. (…)”.
8. Por carta do CNP, datada de 23/08/2018, foi comunicado ao autor que lhe havia sido deferido o requerimento de pensão, bem como que “A pensão por VELHICE tem início em 2018-07-25, sendo o seu valor atual de 110,30 Euros. O pagamento dos valores a que tem direito será efetuado no mês de 2018-10, através de BPI, a partir de 2018-10-08” – cfr. doc. de fls. 97v.
9. À mesma acresciam 272,07€ a título de retroativos (cfr. fls. 99).
10. Na sequência da atribuição desta pensão por velhice, a ré remeteu ao autor a carta datada de 10/10/2018, através da qual comunicou que “ao montante da pensão de reforma paga pelo BPI passará a ser deduzido, a partir do processamento do mês de outubro e com efeitos reportados a 25-07-2018, o valor atual de 36,55€ decorrente das contribuições para a segurança social efetuadas pelo Banco no ano de 2011, que lhe foi reconhecido na antiguidade para efeitos de reforma (detalhe em anexo). Mais se informa que no mesmo processamento o Banco procederá à dedução dos retroativos desde a data da atribuição da pensão do CNP, no valor total de 90,16 (…)” – cfr. doc. de fls. 102v /103.
11. Posteriormente, por carta de 04/10/2018, o CNP informou o autor de que havia sido “efetuado novo cálculo da pensão atribuída ao abrigo da legislação acima citada, dado se dispor de novos elementos relevantes”, sendo que “O valor da pensão por VELHICE, em resultado do novo cálculo, é de 151,66 Euros” – cfr. doc. de fls. 11v a 14.
12. A pensão referida no facto anterior é pagável a partir do dia 08/11/2018.
13. À mesma acresciam 295,04€ a título de retroativos (correspondentes a 525,75€ de retroativos - valor atualizado -, descontadas as deduções já efetuadas no montante de 382,37€ - cfr. fls. 11).
14. Nessa sequência, a ré remeteu ao autor a carta datada de 07/11/2018, com o seguinte teor:
“Revisão do cálculo da pensão de reforma da Segurança Social.
(…), informa-se que no processamento do corrente mês de novembro se procederá ao ajustamento do valor da pensão do CNP a deduzir na pensão do ACT do sector bancário, do seguinte modo:
Data início: 25-07-2018
Valor total da pensão CNP = 151,66 €
Valor da pensão CNP a deduzir pelo BPI = 46,30 €
Valores atrasados a deduzir pelo BPI = 33,09 € (detalhe em anexo)” – cfr. doc. de fls. 14v/15.
15. Aquando do descrito no facto n.º 5, o autor passou à situação de reforma integrado no nível 09 do ACT para o Sector Bancário, passando a auferir uma pensão de reforma (pagável 14 vezes por ano) com a mensalidade base de 1.076,03€, diuturnidades no valor de 204€ e anuidades no valor de 32,64€.
16. Na presente data, a ré paga ao autor uma pensão de reforma (14 vezes por ano), com a mensalidade base de 959,74€, diuturnidades no valor de 208,65€ e anuidades no valor de 33,38€ – cfr. docs. fls. 91v e de fls. 109v.
17. No ano de 2019, a ré deduziu à pensão de reforma do CNP o valor de 49,35€ - cfr. doc. de fls. 64 e 109v.
18. O autor teve uma carreira contributiva com 4 momentos distintos de descontos, a saber:
a) entre abril de 1973 e Outubro de 1975, o autor prestou, sem descontos para tal, Serviço Militar Obrigatório (SMO);
b) entre outubro de 1976 e setembro de 1982, o autor efetuou os descontos para a Segurança Social decorrentes da prestação de atividade dependente remunerada a entidade não bancária;
c) entre 02/08/1982 e dezembro de 2010, o autor, enquanto trabalhador bancário, efetuou os descontos obrigatórios para a Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários (CAFEB) e para o Fundo de Pensões do Banco; e
d) a partir de janeiro de 2011 – após a extinção da CAFEB e a sua integração no ISS, IP (pelo DL n.º 1-A/2011 de 03/01 e art. 2º do DL n.º 247/2012 de 19/11), o autor passou a descontar para a Segurança Social, até passar à situação de reforma (na supra referida data de 21/10/2011).
19. A pensão mencionada no facto n.º 11 teve subjacente os descontos efetuados para a Previdência entre outubro de 1976 e Setembro de 1982 e entre Janeiro e 21/10/2011, sendo ainda contabilizado o período referente ao cumprimento do SMO – cfr. fls. 12.
20. Em momento posterior ao período referido na al. a) do facto n.º 18, o autor efetuou descontos para o Fundo de Pensões do Banco por um período correspondente a 1 ano e 7 meses do SMO.
21. O SBN remeteu, em outubro de 2018, por intermédio da Febase – Federação do Sector Financeiro, uma carta a todos os Bancos outorgantes dos vários IRCT´s da Banca, a instar pelo cumprimento, até ao final desse ano, das decisões judiciais que deram razão à tese preconizada nos presentes autos pelo autor.

III.

8. Os pedidos deduzidos nestes autos pelo autor, bem como a respetiva causa de pedir, coincidem, no essencial, com tudo aquilo que estava em causa noutros processos já julgados nesta Secção Social, nos quais foi demandado quer o mesmo réu, quer outras instituições bancárias.

Também a questão de fundo suscitada no presente recurso de revista coincide com as analisadas e julgadas pelos acórdãos do STJ proferidos em tais processos (em sede de recurso de revista), igualmente sendo coincidentes, no fundamental, os articulados das ações e as alegações de recurso apresentadas - v.g., entre vários, os Acórdãos desta Secção Social de 08.06.2021, P. 2276/20.8T8VCT.S1, de 29.09.2021, P. 17792/19.6T8PRT.P1.S1, de 23.06.2021, P. 2115/20.0T8VFR.S1, e de 29.09.2021, P. 23235/19.8T8LSB.L1.S1.

Dada a similitude dos processos, quer no aspeto factual, quer no plano da argumentação jurídica desenvolvida pelas partes, passamos a reproduzir a fundamentação expendida no sobredito aresto de 08.06.2021, a que por inteiro aderimos:

“(…)
A mencionada cláusula 136.ª do ACT do setor bancário tinha o seguinte teor:

Cláusula 136.ª

“Âmbito
1. As Instituições de Crédito, por si ou por serviços sociais privativos já existentes, continuarão a garantir os benefícios constantes desta Secção aos respetivos trabalhadores, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos neste Acordo.

2. Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos das Cláusulas 17.ª e 143.ª.
3. As Instituições adiantarão aos trabalhadores abrangidos pelo Regime Geral da Segurança Social as mensalidades a que por este Acordo tiverem direito, entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza.” […]

É a partir da interpretação desta cláusula e invocando os elementos literal, sistemático e teleológico que o Recorrente conclui que “a “pensão de abate” é, assim, o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP” (Conclusão 6.ª), defendendo também que “porque a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (tal como a cláusula 94.ª do atual ACT do setor bancário) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado considerando, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), os montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência), torna-se imperioso calcular as duas pensões teóricas” (Conclusão 25.ª).

Este Tribunal tem reiteradamente afirmado que a interpretação da parte normativa das convenções coletivas deve seguir as regras da interpretação da lei.

A este respeito o artigo 9.º do Código Civil, embora afirme no seu n.º 1 que a interpretação não deve cingir-se á letra da lei, afirma, depois, que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete  o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2) e que “na fixação  do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas  e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3).

A letra da lei – aqui a letra da cláusula da convenção – é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, o que é de particular importância nesta sede já que as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações.

Ora da letra da cláusula resulta tão-só a garantia de benefícios pelas instituições de crédito, sendo que caso benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social, aos trabalhadores e seus familiares, as instituições de crédito apenas garantirão a diferença entre o valor desses benefícios e o valor dos benefícios previsto no ACT. Por outro lado, e para o cálculo desta diferença apenas são relevantes os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social respeitantes a períodos que contam para a antiguidade do trabalhador ao serviço das instituições de crédito.

A cláusula refere-se única e exclusivamente ao valor dos benefícios o que, obviamente, e como este Tribunal teve já ocasião de referir, não coincide (nem se confunde) com o valor das contribuições […]. E quando se refere no seu n.º 2 às contribuições é para mandar atender aos benefícios decorrentes das contribuições em um determinado período e, portanto, para esclarecer qual o período de tempo relevante – o período de tempo relevante para a antiguidade do trabalhador ao serviço da instituição de crédito, mas em que houve contribuições para outras instituições ou serviços de Segurança Social.

Em suma, a cláusula nunca refere o valor das contribuições. E partindo da presunção do legislador que se sabe exprimir adequadamente há que concluir que não se pretendeu atribuir qualquer relevância ao valor em concreto dessas contribuições. Acresce que não há qualquer remissão para o Decreto-Lei n.º 187/2007, nem qualquer referência ao cálculo de duas pensões como pretende o Recorrente.

Uma vez que a tese do Recorrente não tem o mínimo de apoio na letra da cláusula, como, aliás, este Tribunal já teve ocasião de afirmar recentemente […], torna-se desnecessário apreciar os outros argumentos aduzidos, já que os mesmos não poderiam fazer vingar uma interpretação sem esse arrimo mínimo.

Acrescente-se, apenas, que não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade nesta cláusula a qual se limita a cumprir o desiderato constitucional do aproveitamento integral de todo o tempo de trabalho […] para o cálculo da pensão (artigo 63.º n.º 4 da Constituição).”

9. Perante a sólida e exaustiva fundamentação transcrita, não se vislumbra qualquer necessidade/utilidade em proceder a desenvolvimentos argumentativos adicionais, igualmente se concluindo no sentido da improcedência da revista.



IV.

10. Em face do exposto, confirmando o acórdão recorrido, acorda-se em negar a revista.
Custas pelo recorrente.


Lisboa, 01 de junho de 2022




Mário Belo Morgado (Relator)

Júlio Manuel Vieira Gomes

Ramalho Pinto