Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A1090
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: NULIDADE PROCESSUAL
NULIDADE DE SENTENÇA
RECURSO
Nº do Documento: SJ200605230010901
Data do Acordão: 05/23/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : 1) Se a nulidade de acto proceder, é afectada a cadeia teleológica que liga todos os actos do processo sendo anulados os subsequentes que dele dependiam absolutamente, independentemente da regularidade, ou bondade, de cada um, quando analisados "per si".

2) A anulação do acto de sequência não implica uma patologia própria já que se trata de mera projecção dos efeitos de uma irregularidade antecedente.

3) Os vícios formais da sentença são elencados nos artigos 667º e 668º do CPC e, embora possam ser supridos na instância onde foram cometidos, devem, tratando-se dos previstos nas alíneas b) a e) do nº 1 do artigo 668º, ser arguidos no recurso, se a sentença o admitir.

4) Já o indeferimento de arguição de uma nulidade processual que afecte actos de sequência deve ser impugnada em agravo autónomo.

5) Se o recurso é julgado deserto por não alegado, tudo se passa como se a decisão não tivesse sido impugnada.

6) O excesso de pronúncia é um mero vício formal - que não erro de substância ou de julgamento - traduzido em decisão para alem dos poderes de cognição do julgador.

7) O nº 1 do artigo 684º-A do CPC pressupõe um decaimento parcial do recorrido, quanto a um dos fundamentos alegados, e não é de aplicar se a decisão conheceu, ainda que "ex abundantia", ou subsidiariamente, o segundo fundamento e o julgar também de proceder.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"AA", residente no Porto, intentou acção, com processo ordinário, contra BB, casada com CC, residentes em Vilar, do Município de Oliveira de Azeméis.

Pediu a declaração de proprietária do prédio denominado "Quinta de Vilar", a condenação dos Réus a restituírem-lha e a declaração de caducidade do arrendamento desse prédio, de que era arrendatário o pai da Ré, DD. Mais pediu a condenação dos Réus a indemnizá-la pela ocupação ilícita do prédio.

Subsidiariamente, pediu a denúncia do arrendamento para exploração directa por si e seus familiares.

Os Réus foram citados e nada disseram em tempo.

No saneador-sentença, o 2º Juízo Cível da Comarca de Oliveira de Azeméis julgou a acção parcialmente procedente, declarou a nulidade do arrendamento e condenou os Réus a restituírem o prédio à Autora, absolvendo-os do mais pedido.

Apelou a Ré.

E em requerimento autónomo arguiu a nulidade de todo o processo posterior à citação.

Este requerimento foi indeferido.

A Ré agravou do despacho de indeferimento.

Não alegou no agravo que, em consequência, foi julgado deserto.

A Relação do Porto julgou a apelação improcedente mas alterou a sentença declarando a caducidade do contrato de arrendamento, condenando os Réus a restituírem o prédio à Autora.

Agrava a Ré para concluir:

- O Acórdão recorrido refere que nas alegações da apelação a Ré aborda a matéria do requerimento de arguição de nulidade, de cujo indeferimento foi interposto recurso que ficou deserto;

- A recorrente sustentou a nulidade, quer da sentença, quer do despacho que deu por provados os factos articulados pela Autora;

- De acordo com os nºs 1 e 3 do CPC a nulidade da sentença de acção que admita recurso pode ser arguida nesse recurso;

- Tendo sido invocada a nulidade do nº 1, d) daquele preceito o lugar próprio seria aquelas alegações;

- A deserção do recurso de agravo não pode ser invocada para não conhecer o recurso nessa parte;

- O Acórdão é nulo (nº1, d) do artigo 668º do CPC);

- O pedido da acção era a caducidade do contrato de arrendamento e dele a Ré foi absolvida sem que tivesse sido interposto recurso;

- Os Autores limitaram-se a pugnar pela tese da nulidade e não usaram a faculdade do artigo 684º A do CPC;

- A improcedência do pedido de declaração de caducidade fez caso julgado (artigos 671º, 497º e 498º do CPC);

- Sempre estando, de qualquer modo, ao abrigo do artigo 684º nº 4;

- O que gera a nulidade do Acórdão por força do nº 1, alínea d) do artigo 668º do CPC;

Contra alegou a recorrida pedindo a confirmação do julgado.

A final veio a recorrente pedir a condenação da Autora, como litigante de má fé, imputando-lhe ter falseado factos nas suas alegações.

A Relação deu por assentes os seguintes factos:

- A Autora é dona de um prédio misto, designado por "Quinta de Vilar" situado na freguesia de Vilar, do Município de Oliveira de Azeméis, composto por vários terrenos de lavradio, de lameiro e pomares com vinha, anexos de lavoura e habitação, inscrito na respectiva matriz predial sob os artigos 786 (urbano) e 1142 (rústico) e descritos na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis, sob os nºs 789º e 795º;

- A mãe e tia da Autora e o pai da Ré, DD, celebraram um contrato verbal, há mais de 30 anos, segundo o qual deram de arrendamento a este, temporariamente, a "Quinta de Vilar", mediante o pagamento da renda anual de 60 alqueires de milho, a pagar no dia 28 de Setembro de cada ano;

- Por um ano, sucessivamente renovável, enquanto não denunciado;

- Com a finalidade do DD e seu agregado familiar cultivarem as terras para sua subsistência;

- O contrato não foi reduzido a escrito porque o arrendatário se recusou a fazê-lo, reiterada e sucessivamente;

- O DD faleceu no dia 3 de Março de 2003, no estado de viúvo de EE, falecida no dia 10 de Junho de 1983;

- Mais de 180 dias após a morte nada foi dito ou comunicado à Autora;

- Os terrenos estão na posse de sua filha BB, a Ré;

- No dia 2 de Fevereiro de 2004, a Autora requereu a notificação judicial avulsa da Ré (invocando a caducidade do contrato, e pretender passar a explorar directamente o prédio) para proceder à entrega da "Quinta de Vilar" no prazo de 90 dias;

- A Ré e o marido não reagiram mas fizeram constar pelas vizinhanças que tinham de entregar a casa e os terrenos;

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo.

1) Nulidade de acto e da sentença.
2) Excesso de pronúncia.
3) Conclusões.

1- Nulidade de acto e da sentença.

Em primeira linha, a recorrente insurge-se contra o Acórdão por não se ter pronunciado sobre a nulidade que arguira, invocando a deserção do agravo.
E refere que, tratando-se de nulidade da sentença, a mesma podia ser arguida no recurso.

É patente a ausência de razão.

Vejamos,

A Ré arguiu a nulidade do processo invocando o não ter sido declarado interrompido o prazo para contestar, face à concessão de apoio judiciário e á necessidade de designação de patrono, apelando para o disposto nos artigos 25º nºs 4 e 5 alínea a), 26º nº 3 alínea b), 32º da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, o que implicou a não garantia de contraditório dos artigos 3º e 3ºA do Código de Processo Civil.

O requerimento foi indeferido tendo a Ré agravado.

O agravo foi, porem, julgado deserto por falta de alegações.

Pretende agora que a questão seja conhecida pois que, se a nulidade arguida afectava a sentença, este vício pode ser conhecido por invocado nas alegações da apelação.

Há uma notória confusão de conceitos.

O que a recorrente arguiu em 1ª instância foi uma nulidade do processo, nos termos do artigo 201º do CPC que, a proceder, implicaria a anulação de todos os termos subsequentes que dele (do acto viciado) dependiam "absolutamente". "In casu", tratando-se de acto ilegal impeditivo de contestação, seriam anulados os actos posteriores e, naturalmente, a sentença final.

Tratar-se-ia de nulidade secundária a afectar a cadeia teleológica que liga todos os actos do processo, independentemente da bondade ou regularidade de cada um desses actos, quando analisados "per si", ou seja, desinseridos da marcha processual.

A proceder a arguição, a sentença seria afectada não por um vício próprio - intrínseco ou estrutural - mas como consequência da sua inserção num desenrolar de actos ligados entre si e como peça de uma cadeia integral, que é o processo.

Já o Prof. Paulo Cunha fazia o "distinguo" entre duas ordens de actos jurídicos: actos de significação individual ou singular, que valem por si mesmos e actos de significação colectiva, que só valem ou cujo regime jurídico só se explica por se conjugarem com outros actos. E subdividia os actos de significação colectiva em dois grupos: actos de massa, cujo valor ou regime jurídico depende de se enquadrarem num conjunto simultâneo e actos de sequência, cujo valor ou regime jurídico resulta de se enquadrarem numa seriação de actos destinados todos à obtenção de um fim ultimo comum.

Ora, os actos processuais são, precisamente, actos de sequência, surgindo não valorados em si mesmos mas na medida em que influem na finalidade comum do processo.

O artigo 201º do CPC ao projectar os efeitos da irregularidade para alem do acto irregular, considera que o vício detectado contendeu com o fim comum.

A sentença é, nesta perspectiva, um acto de sequência.

Mas o acto de significação colectiva pode, por sua vez, ter uma patologia própria.

E as patologias da sentença, em si mesma, em sede meramente formal, são elencadas nos artigos 667º e 668º do CPC.

De entre estas, umas podem ser sempre corrigidas, ou supridas, no juízo "a quo" (artigos 667º e 668º alínea a)); outras, embora possam ser supridas na instância recorrida (nº 4 do artigo 668º), devem ser arguidas perante o juízo "ad quem" se a sentença admitir recurso ordinário (nº 3 do artigo 668º).

Na situação "sub judicio" a recorrente arguiu a nulidade de um acto e pediu, como consequência, a nulidade da sentença, à qual não imputou, então, qualquer vício formal autónomo.

Tal arguição foi, e bem, feita em requerimento separado, o qual foi indeferido.

Desse indeferimento o meio de reacção seria, como foi, o agravo, sob pena do decidido se estabilizar por força de caso julgado.

Tendo sido o recurso julgado deserto, tudo se passou como se não tivesse sido interposto, razão porque o decidido se tornou intocável.

Pretender agora transformar um eventual vicio sequencial num vício formal da sentença, é inaceitável.

Consequentemente, não pode assacar-se qualquer omissão de pronúncia ao Acórdão recorrido, por não ter conhecido aquele ponto já julgado em definitivo.

2- Excesso de pronúncia.

A recorrente pretende, ainda, que o Acórdão "sub judicio" seja nulo - ainda nos termos da alínea d) do artigo 668º do CPC (agora por excesso de pronúncia) - por, na sua óptica, não poder conhecer da caducidade do contrato de arrendamento, por a Ré ter sido absolvida desse fundamento e a Autora não ter usado da faculdade do artigo 684-A da lei adjectiva.

Mais uma vez sem razão.

É sabido que, na elaboração da sentença há um permanente "diálogo entre o facto e o direito", para usar a feliz expressão do Prof. A. Varela (in "Manual de Processo Civil", 666, nota 1) para, uma vez interpretadas e aplicadas as normas, se lograr a fundamentação e, finalmente, a decisão.

O julgador tem que tomar uma posição definida sobre todas as questões que lhe são postas.

Só assim não é quando se trate de opinar sobre divergentes teses jurídicas ou mera argumentação aduzida pela defesa.

O excesso de pronúncia é, como acima se disse, um mero vicio formal traduzido em decisão para alem dos poderes de cognição do julgador.

De contrário não há excesso de pronúncia, como modalidade de nulidade da decisão, mas eventual erro de substância ou de julgamento.

No caso, a Autora pediu se declarasse a caducidade do arrendamento.

A 1ª instância considerou ocorrer nulidade do contrato, por preterição de forma, de conhecimento oficioso e declarou o vício.

Porém, "por mera cautela", "e para o caso de se poder entender" que a nulidade não é de conhecimento oficioso, conheceu a caducidade dizendo: "Como tal e tudo visto, sempre o arrendamento em causa" a considerar-se válido, "ter-se-ia que considerar caducado com a morte do primitivo arrendatário".

As alegações da apelação da Ré apenas se batem contra a nulidade.

A Relação, considerando o não conhecimento oficioso do vicio, julgou improcedente a apelação, mas por caducidade do arrendamento.

Não há qualquer conhecimento indevido.

O que estava em causa era a subsistência do arrendamento. A causa de pedir era a caducidade que também foi conhecida e decidida - embora em segunda linha - na 1ª instância.

A Relação conheceu, como se lhe impunha, da validade e subsistência do contrato.

E nem se invoque o artigo 684-A-1º do CPC, aqui não aplicável, uma vez que pressupõe um decaimento, ainda que parcial, do recorrido num dos fundamentos alegados, quando como se viu, o único fundamento invocado - caducidade - foi julgado, após apreciação subsidiária e com ganho de causa.

Não excedeu, a Relação, os seus poderes cognitivos, balizados pelo nº 4 do artigo 684º.

3- Conclusões.

Pode concluir-se que:

a) Se a nulidade de acto proceder, é afectada a cadeia teleológica que liga todos os actos do processo sendo anulados os subsequentes que dele dependiam absolutamente, independentemente da regularidade, ou bondade, de cada um, quando analisados "per si".

b) A anulação do acto de sequência não implica uma patologia própria já que se trata de mera projecção dos efeitos de uma irregularidade antecedente.
c) Os vícios formais da sentença são elencados nos artigos 667º e 668º do CPC e, embora possam ser supridos na instância onde foram cometidos, devem, tratando-se dos previstos nas alíneas b) a e) do nº 1 do artigo 668º, ser arguidos no recurso, se a sentença o admitir.
d) Já o indeferimento de arguição de uma nulidade processual que afecte actos de sequência deve ser impugnada em agravo autónomo.
e) Se o recurso é julgado deserto por não alegado, tudo se passa como se a decisão não tivesse sido impugnada.
f) O excesso de pronúncia é um mero vício formal - que não erro de substância ou de julgamento - traduzido em decisão para alem dos poderes de cognição do julgador.
g) O nº 1 do artigo 684º-A do CPC pressupõe um decaimento parcial do recorrido, quanto a um dos fundamentos alegados, e não é de aplicar se a decisão conheceu, ainda que "ex abundantia", ou subsidiariamente, o segundo fundamento e o julgar também de proceder.

Nos termos expostos, acordam negar provimento ao agravo.

Custas pela agravante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.


Lisboa, 23 de Maio de 2006
Sebastião Póvoas
Moreira Alves
Alves Velho