Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2302/12.4TBALM.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
COMPRA E VENDA
EMPRÉSTIMO BANCÁRIO
RESTITUIÇÃO DO SINAL
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
BEM IMÓVEL
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
VONTADE DOS CONTRAENTES
DECLARATÁRIO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS.
Doutrina:
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, 441, 561.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, 238.º, N.ºS 1 E 2, 270.º, 275.º, N.º 2, 276.º, 410.º, SS., 799.º.
Sumário :
I - A cláusula inserida em contrato-promessa de compra e venda na qual se previu expressamente que, ocorrendo, no futuro, um facto (a não realização da escritura de compra e venda até Dezembro de 2009 por facto não imputável ao autor), necessariamente incerto, o contrato deixaria de produzir os seus efeitos (fundamentalmente, a realização daquela escritura), consubstancia uma condição resolutiva do contrato (arts. 270.º e 276.º do CC).

II - Estando provado que o promitente-comprador, para proceder ao pagamento do remanescente do preço acordado, necessitaria de um financiamento bancário e que tal facto era do conhecimento da promitente-vendedora, tem de se entender que um declaratário normal, colocado na posição daquele, concluiria que esta última aceitava como facto condicionante do contrato a concessão desse financiamento já que, na economia do contrato e tendo em conta o contexto em que o mesmo foi elaborado, esse era o único facto futuro e incerto cuja verificação as partes podiam prever (art. 236.º do CC).

III - Tendo ficado provado que os dois bancos a que o autor solicitou o empréstimo recusaram a sua concessão por entenderem que aquele não reunia as condições necessárias para o efeito, sem que existam outros factos que levem a concluir que, nessa altura ou na altura em que foi celebrado o contrato-promessa, o autor soubesse desse entendimento dos bancos e sem que existam igualmente outros elementos dos quais se extraia que o autor tenha procedido em termos de provocar essa situação, é de concluir que essa recusa de financiamento bancário não lhe pode ser imputada.

IV - A verificação do acontecimento a que as partes subordinaram a produção de efeitos do contrato, não imputável ao promitente-comprador, opera a destruição retroactiva dos seus efeitos, com a consequente obrigação de restituição, por parte da promitente-vendedora, das quantias que daquele recebeu a título de sinal e princípio de pagamento.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Em 2012.12.19, no então Tribunal Judicial da Comarca de Almada, AA instaurou a presente ação declarativa, sob a forma processual civil experimental, contra Construções BB Limitada.


Pediu que:

- fosse considerado resolvido o contrato promessa celebrado entre o autor e a ré, por causa não imputável ao autor;

- fosse a ré condenada a devolver ao autor as quantias recebidas a título de sinal e reforços do mesmo, que ascendiam a €44.000, acrescidas de juros à taxa Euribor a três meses acrescida de um ponto percentual, contados desde as datas dos respetivos pagamentos até 21 de Novembro de 2011, que se liquidaram em € 3.150 ;

- e a pagar juros de mora à taxa legal sobre a quantia de € 47.150, contabilizados desde 22 de Novembro de 2011, até integral pagamento.


Alegou

em resumo, que

- no dia 29 de agosto de 2009, celebrou com a ré um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel, que identifica, carecendo de um financiamento bancário para a aquisição do mesmo, o que era do conhecimento da ré;

- ficou dele a constar uma cláusula no contrato em que se previa a devolução do sinal ao autor em caso de não cumprimento do contrato por causa que não lhe fosse imputável;

- o autor entregou à ré, a título de sinal, a quantia de 44.000,00 €;

- o empréstimo veio a ser recusado;

- comunicou tal facto à ré, requerendo a devolução das quantias pagas, o que esta não fez.


Contestando

e também em resumo, a ré alegou que

- procedeu à resolução do contrato promessa de compra e venda através de notificação judicial avulsa, tendo feito seu o valor pago a título de sinal;

- de qualquer modo, a não concessão do empréstimo bancário ao autor não derivou de qualquer ato da sua responsabilidade.


Em reconvenção, pediu que

- fosse declarado resolvido o contrato promessa;

- fosse declarada perdida a seu favor a quantia entregue a título de sinal a princípio de pagamento.


O autor respondeu, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.


Em 2015.04.13, após audiência de julgamento, foi proferida sentença, em que se julgou a ação parcialmente procedente e assim:

a) se reconheceu a resolução do contrato promessa celebrado entre o autor e a ré, relativamente ao imóvel supra descrito, por causa não imputável ao autor;

b) condenou a ré a pagar ao autor a quantia de €44.000 a título de devolução de sinal, acrescida dos respetivos juros de mora, calculados à taxa legal, vencidos e vincendos, contabilizados desde o dia 22 de novembro de 2011 até efetivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.


A ré apelou, com êxito, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 2016.10.20, revogado a decisão recorrida e absolvido a ré dos pedidos.


Inconformado, o autor deduziu a presente revista, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

A ré recorrida contra alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

Cumpre decidir.


As questões


Tendo em conta que

- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso;

- nos recursos se apreciam questões e não razões;

- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido

a única questão proposta para resolução consiste em saber se da cláusula contratual referida pelo autor resulta que este, no caso de recusa de financiamento bancário para a aquisição da fração prometida comprar, tinha o direito a lhe ser devolvida pela ré a quantia que havia prestado a título de sinal.


Os factos


São os seguintes os factos que foram dados como provados nas instâncias:

1. Por documento intitulado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, celebrado em 29 de Agosto de 2008, entre o Autor (Segundo Outorgante) e a Ré (Primeira Outorgante), as partes acordaram o seguinte:

Cláusula Primeira: Pelo presente contrato o Primeiro Outorgante promete vender ao Segundo Outorgante, e este promete comprar livre de ónus ou encargos ou outras responsabilidades à data da escritura, a fração autónoma E correspondente ao 1º andar frente, do lote 47, com a tipologia T3, destinada a habitação...”.

“Cláusula Segunda: 1. O preço da prometida compra e venda é de €145.000 […].”

“Cláusula Quinta: Todas as comunicações e/ou notificações a efetuar pelas partes deverão ser dirigidas para as moradas constantes da identificação dos Outorgantes no início deste Contrato [Autor com morada em Rua …, nº …, 2820- Charneca da Caparica], salvo se entretanto qualquer deles indicar à outra parte por escrito, através de carta registada com aviso de receção, outra morada para o efeito.”

“Cláusula Oitava: No caso de a Escritura Notarial de Compra e Venda não se realizar até três meses após a data indicada no número 2 da Cláusula Terceira, ou seja, até dezembro de 2009, estabelece-se o seguinte:

a) Se a causa não for imputável ao Segundo Outorgante, assistirá a este a faculdade de resolver o presente contrato promessa, ficando nesse caso o Primeiro Outorgante obrigado à devolução de todas as quantias recebidas a título de sinal e/ou reforços de sinal, acrescidas de juros à taxa Euribor a três meses acrescida de um ponto percentual, contados desde a data dos respetivos pagamentos até integral devolução.

b) Se o incumprimento do presente contrato for imputável ao Segundo Outorgante, perderá este todas as importâncias entregues a título de sinal, assistindo ao Primeiro Outorgante o direito de as fazer suas e delas dispor livremente.”.

2. Em simultâneo, por documento intitulado “Contrato de Comodato” o Autor e a Ré acordaram, na cláusula segunda, que “em virtude da existência do contrato de promessa de compra e venda [mencionado em 1. supra] o Primeiro Outorgante (ora Ré) empresta gratuitamente ao Segundo Outorgante (ora Autor) o imóvel em causa, investindo este no direito de o usar em seu benefício ou no seu interesse próprio pelo prazo aqui convencionado.”.

Na cláusula sétima, sob a epígrafe “Comunicações”, as partes acordaram que “Quaisquer comunicações a realizar entre as Partes no âmbito da execução do presente Contrato, serão asseguradas por escrito, mediante carta registada com aviso de receção, para as seguintes moradas:

Primeiro Contraente: Construções BB, Lda., Rua …, nº …, 1000 - … Lisboa;

Segundo Contraente: AA, Rua …, nº …, 1º Frente, …, 2815-… Sobreda.”

3. O Autor pagou no ato da outorga do contrato promessa, como sinal e princípio de pagamento, a quantia de €26.000 (vinte e seis mil euros), tendo posteriormente efetuado reforços de sinal no montante de €18.000 (dezoito mil euros).

4. Para proceder ao pagamento do remanescente do preço acordado, o Autor necessitaria de um financiamento bancário, o que era do conhecimento da Ré.

5. O financiamento bancário solicitado pelo Autor veio a ser recusado por duas instituições bancárias, o Banco CC e o Banco DD.

6. Por carta remetida pelo Autor à Ré, datada de 31 de outubro de 2011, que esta recebeu em 4 de novembro de 2011, com o assunto “contrato promessa de compra e venda”, aquele comunicou-lhe o seguinte:

Em 29 de agosto de 2008 assinámos um contrato promessa de compra e venda pelo qual essa sociedade me prometeu vender, e eu prometi comprar, a fração autónoma identificada pela letra E, correspondente ao 1º andar frente do prédio que essa sociedade tinha construído no lote 47 da Quinta …, em …, freguesia de …, concelho de Almada, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o nº 3…, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 51… da respetiva freguesia.

Nos termos da cláusula segunda do contrato promessa o valor acordado para a prometida venda foi de €145.000, dos quais paguei no ato da outorga do contrato promessa como título de sinal e princípio de pagamento a quantia de €26.000.

Posteriormente efetuei um reforço de sinal de €18.000, pelo que até ao presente já entreguei a essa sociedade a título de sinal a quantia de €44.000, faltando por isso pagar a quantia de €101.000, valor que seria para ser pago no ato de outorga da escritura de compra e venda e para pagamento do qual necessitava de um financiamento bancário, facto que era do conhecimento dessa sociedade.

Acontece que diligenciei esse financiamento bancário junto dos Bancos CC e DD e em ambos os Bancos foi o mesmo recusado, conforme declaração emitida por esses Bancos, que anexo a esta missiva.

Em face dessas recusas de financiamento bancário não estou em condições de cumprir o clausulado do contrato promessa, nomeadamente de outorgar a escritura de compra e venda da fração prometida vender.

Deste modo e uma vez que a causa do não cumprimento – recusa de financiamento bancário – não me é imputável, solicito, nos termos do disposto na alínea a) da cláusula oitava do contrato promessa de compra e venda, que no prazo de quinze dias me devolvam a quantia entregue a título de sinal ou reforço do mesmo, ou seja, €44.000.

Em simultâneo com a restituição de tal quantia entregarei a fração prometida vender devoluta de pessoas e bens, assim terminando o contrato de comodato gratuito que assinámos em simultâneo com a outorga do contrato promessa de compra e venda. […]”.

7. Em anexo à missiva aludida em 3, o Autor juntou duas declarações dos Bancos CC e Banco DD, com o seguinte teor, respetivamente,

- a primeira, datada de 14 de setembro de 2011, reza o seguinte: “Temos presente o pedido de financiamento de crédito Crédito Habitação efetuado por V. Exa junto do nosso Banco, em 21.07.2008, … lamentamos não poder dar seguimento ao pedido efetuado por V. Exa.”;

- na segunda datada de 20 de outubro de 2011 pode ler-se :“Na sequência da operação proposta por V. Exas e tendo em consideração o valor decorrente da avaliação do imóvel, dos rendimentos auferidos e do endividamento atual, vimos informar que não se encontram reunidas as condições necessárias à contratação do Crédito Habitação solicitado junto do Banco DD.”

8. Por notificação judicial avulsa, entrada em juízo no dia 6 de Fevereiro de 2012, que veio a ser distribuída ao 3º Juízo Competência Cível do Tribunal de Comarca de Almada, sob o nº 748/12.7TBALM, a Ré requereu a notificação do Autor com residência na Rua …, nº …, 2820 -… Charneca da Caparica, da resolução do contrato promessa celebrado, fazendo suas as quantias pagas a título de sinal.

9. Foi tentada a notificação avulsa do Autor por agente de execução na morada sita na Rua …, nº …, 2820-… Charneca da Caparica, em 23.03.2012, a qual não se efetivou por se ter constatado que o requerido já aí não residia há mais de um ano.


Os factos, o direito e o recurso


Na sentença proferida na 1ª instância julgou-se a ação procedente porque se entendeu que o “autor logrou provar que o incumprimento do contrato promessa não se ficou a dever a um ato culposo da sua parte”, pelo que, tendo em conta o convencionado na cláusula oitava do contrato promessa “ocorrida a condição para a resolução contratual e devolução do sinal, terá a ré que entregar ao autor a quantia correspondente, equivalente a 44.000,00 €”.


No acórdão recorrido julgou-se a ação improcedente, não se reconhecendo a invocada resolução do contrato por parte do autor, porque se entendeu que sendo “o direito de resolução (…) um direito potestativo dependente de um fundamento, uma situação de inadimplência”, “com o vencimento do contrato ambas as partes entraram em mora, sem cessação do contrato”, pelo que “falecem factos que justifiquem o reconhecimento do incumprimento definitivo”, não se encontrando, por outro lado, “vertida no contrato qualquer cláusula que tenha previsto e acautelado a resolução como efeito da falta de financiamento bancário do contrato prometido”.


O recorrente entende que, “porque demonstrada nos autos que o recorrente comunicou à recorrida por carta data de 31 de Outubro de 2011 (…) recebida pela recorrida em 4 de Outubro de 2011, que não logrou obter a concessão do referido crédito, o que lhe foi comunicado definitivamente pelas instituições bancárias em 14 de Setembro de 2011 e 20 de Outubro de 2011, tendo solicitado o valor do sinal e respetivos reforços, num total de 44.000,00 €, no prazo de quinze dais, (…) se tem por operada a resolução do contrato promessa “, assistindo-lhe, assim, o direito à resolução do referido contrato.


Vejamos, então.


Estamos perante um contrato promessa – cujo regime está estabelecido nos artigos 410º e seguintes do Código Civil – pelo qual a ré prometeu vender ao autor e este prometeu comprar, a fração de um prédio urbano em causa no presente processo.


Nesse contrato, foi introduzida uma cláusula – a cláusula oitava – em que as partes estabeleceram o seguinte:

No caso de a Escritura Notarial de Compra e Venda não se realizar até três meses após a data indicada no número 2 da Cláusula Terceira, ou seja, até dezembro de 2009, estabelece-se o seguinte:

a) Se a causa não for imputável ao Segundo Outorgante, assistirá a este a faculdade de resolver o presente contrato promessa, ficando nesse caso o Primeiro Outorgante obrigado à devolução de todas as quantias recebidas a título de sinal e/ou reforços de sinal, acrescidas de juros à taxa Euribor a três meses acrescida de um ponto percentual, contados desde a data dos respetivos pagamentos até integral devolução.

b) Se o incumprimento do presente contrato for imputável ao Segundo Outorgante, perderá este todas as importâncias entregues a título de sinal, assistindo ao Primeiro Outorgante o direito de as fazer suas e delas dispor livremente.


Como sinal e princípio de pagamento, o autor entregou à ré a quantia de 44.000,00 €, sendo que a restante parte do preço seria pago com o recurso a financiamento bancário, de que o autor necessitaria, o que era do conhecimento da ré.


O referido financiamento foi, no entanto, recusado por duas instituições bancárias, pelo que o autor, entendendo não estar em condições para cumprir o contrato e que este facto não lhe era imputável, solicitou à ré a devolução do sinal prestado, invocado o disposto na alínea a) da referida cláusula.


A ré diz que no contrato promessa não existe qualquer cláusula “com uma condição resolutiva em que se disponha que o promitente vendedor restituirá o valor do sinal caso não seja concedido crédito ao promitente-comprador” e que de qualquer forma, o autor não tinha logrado elidir a presunção que para si derivava do disposto no artigo 799º do Código Civil.


Estamos perante uma condição resolutiva quando as partes de um negócio jurídico subordinam a um acontecimento futuro e incerto a resolução dos efeitos jurídicos desse negócio – cfr. artigo 270ºdo Código Civil.


A razão de ser e a importância prática da condição consiste na superação da incerteza objetiva do futuro, através de um regulamento de interesses apto a, em qualquer hipótese, realizar a representação que os sujeitos têm do seu interesse - Mota Pinto “in” Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, página 561.


Verificada a condição, daí resulta a destruição automática e retroativa dos efeitos do negócio – cfr. artigo 276º do Código Civil.


Postas estas noções, parece não pode haver dúvidas que no caso concreto em apreço a referida cláusula consubstancia uma condição resolutiva do contrato.


Na verdade, nessa cláusula, está expressamente previsto que, ocorrendo no futuro um facto – a não realização da escritura de compra e venda até Dezembro de 2009 por facto não imputável ao autor - necessariamente incerto, o contrato deixaria de produzir os seus efeitos – fundamentalmente, a realização daquela escritura.


O facto condicionante aqui consiste em haver uma causa, um facto, não imputável ao autor, que o tenha impedido de cumprir com a sua prestação, ou seja, outorgar na escritura de compra e venda como comprador.


A questão que agora se põe é, pois, a de se saber se tal acontecimento ocorreu com a recusa de financiamento bancário referida no ponto 5 dos factos dados como provados.


Como já ficou referido, enquanto o autor entende que a falta de concessão do financiamento para a compra da fração preenche aquela condição, a ré entende que não.

Trata-se, agora, de interpretar a vontade das partes a respeito desse assunto.


A interpretação de um negócio jurídico consiste em determinar o conteúdo das declarações e vontade e, consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir, em conformidade com essas declarações – Mota Pinto “in” ob. Cit., página 441.


Nessa interpretação, haverá que ter em conta os seguintes princípios:

- a declaração negocial valerá de acordo com a vontade real do declarante, se ela for conhecida do declaratário – artigo 236º, nº2, do Código Civil;

- não o sendo, valerá com o sentido que possa ser deduzido por um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele – artigo 236º, nº1, do mesmo diploma;

- nos negócios formais, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto – artigo 238º, nº1, desse diploma;

- esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validasse – artigo 238º, nº2, também do Código Civil.


No caso concreto em apreço, não está expressamente mencionado na referida cláusula a hipótese de o contrato não produzir os seus efeitos se o empréstimo bancário solicitado pelo autor não fosse concedido, hipótese em que não poderia haver quaisquer dúvidas sobre a determinação do facto condicionante.


Está apenas expresso um conceito abstrato – o contrato não produziria os seus efeitos se a causa da não realização da escritura no prazo convencionado não for imputável ao autor – o que abre a porta a diversas hipóteses concretas nas quais a não realização da escritura no prazo convencionado não fosse imputável ao autor e ao necessário trabalho da interpretação da referida cláusula.


Ora, está provado, conforme já foi aludido, que o autor, para proceder ao pagamento do remanescente do preço acordado, necessitaria de um financiamento bancário e que tal facto era do conhecimento da ré.


Daí, parece ser de concluir que um declaratário normal, colocado na posição do autor, concluiria que a ré aceitava como facto condicionante do contrato a concessão daquele financiamento bancário.


Na verdade, era o único facto futuro e incerto que, na economia do contrato e tendo em conta o contexto em que foi elaborado, as partes podiam prever que podia acontecer.

E que, dada a sua relevância para as partes – para o autor em virtude de acautelar a recusa do financiamento, para a ré em virtude de acautelar as consequências da eventual abrangência como facto condicionante – estas não podiam deixar de tomar em conta na regulamentação dos seus interesses.


Levanta-se agora a questão se a ocorrência desse facto – ou seja, a não concessão do financiamento bancário – não foi imputável ao autor.


Ora, a este respeito, está provado que os dois Bancos a que o autor solicitou o empréstimo bancário recusaram a concessão do mesmo, por entenderem que o autor não reunia as condições necessárias para o efeito - cfr. ponto 7 dos facros provados.


Provado está, pois, que o autor solicitou a concessão do financiamento, não havendo quaisquer factos que nos levem a concluir que nessa altura ou na altura em que foi celebrado o contrato promessa, soubesse do entendimento dos Bancos de que não reunia aquelas condições para o financiamento.


Também não existem quaisquer elementos que permitam chegar à conclusão que o autor tenha procedido em termos de provocar aquela situação de recusa de financiamento, caso em que a condição se teria que considerar como não verificada – cfr. nº2 do artigo 275º do Código Civil.


Concluindo, diremos então que se verificou o acontecimento a que as partes subordinaram a produção dos efeitos do contrato promessa, sem que a ocorrência desse facto possa ser imputada ao autor.


E sendo assim, destruídos retroativamente esses efeitos, a ré terá que restituir ao autor as quantias que deste recebeu a título de sinal e princípio de pagamento, acima referidas.


Nesta medida merecendo censura o acórdão recorrido.


A decisão


Nesta conformidade, acorda-se em conceder a revista, revogando-se o acórdão recorrido e condenando-se a ré a pagar ao autor a quantia de 44.000,00 € (quarenta e quatro mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, a partir de 2001.11.22 e até integral pagamento.


Custas pela recorrida.


Lisboa, 22 de Fevereiro 2017


Oliveira Vasconcelos (Relator)

Fernando Bento

João Trindade