Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
71/19.6JAPTM.E1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
REJEIÇÃO PARCIAL
DUPLA CONFORME
CONCURSO DE INFRAÇÕES
CRIME CONTINUADO
ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 12/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - A estrutura do tipo incriminador “abuso sexual de criança” não supõe a reiteração, e o problema da multiplicidade de actos criminosos repetidos sobre a pessoa da mesma vítima, ao longo do tempo, não se encontra abstractamente ponderado no tipo do art. 171.º do CP, sendo inaplicável a figura do trato sucessivo.

II - Uma vez identificada a pluralidade de infracções, é também de afastar a “continuação criminosa”, pois, por um lado, a aglutinação normativa de crimes dependeria sempre da considerável diminuição da culpa do agente, e, pelo outro, estando em causa bens eminentemente pessoais, o n.º 2 do art. 30.º não teria aplicação, por força do seu n.º 3 (“o disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais”).

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:



1. Relatório

1.1. No Processo Comum Colectivo n.º 71/19...., do Tribunal Judicial da ..., Juízo Central Criminal de ..., Juiz ..., foi proferido acórdão a condenar o arguido AA como autor de um crime de abuso sexual de crianças agravado dos artigos 171.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, al. b), do CP, na pena de 2 anos de prisão; quatro crimes de abuso sexual de crianças agravado dos arts. 171.º, n.º 2, e 177.º, n.º 1, al. b), do CP, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão por cada um deles; um crime de abuso sexual de crianças agravado dos arts. 171.º, n.º 3, al. b), e 177.º, n.º 1, al. b), do CP, na pena de 6 meses de prisão; e em cúmulo jurídico na pena única de 10 (dez) anos de prisão. Foi ainda o arguido condenado no pagamento de € 8.000,00 (oito mil euros) a BB.

Do acórdão de 1.ª instância recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de ..., que, por acórdão de 13 de Julho de 2021, julgou improcedente o recurso e confirmou o acórdão recorrido.

Novamente inconformado, vem o arguido recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo:

“1º - Perante uma moldura penal abstracta, cujo limite mínimo é de 3 até 10 anos de prisão, nunca seria de aplicar ao arguido, e com os factos provados, pena superior ao mínimo legal abstracto e suspensa na sua execução.

2º - Conhecendo-se os efeitos nefastos de prolongada reclusão, toda a pena de prisão superior a 10 (dez) anos de prisão, por cúmulo jurídico, que este já enfrenta, necessariamente, irá comprometer a ressocialização do delinquente, e a sua ressocialização, tudo nos termos preambulares da nossa Lei Penal que são integradores dos indivíduos na sociedade ao invés de os ostracizarem de tal meio.

3º -O Arguido é pessoa limitada e inexperiente, e, considerando o depoimento da ofendida, e demais prova, os elementos apontados na decisão recorrida imprimem a ideia de culpa diminuída, nomeadamente atribuindo à adesão do menor às solicitações do arguido uma relevância tal que tenha entorpecido a capacidade deste decidir de uma outra maneira que não a da opção pelo ilícito, configura-se uma situação de concurso real de crimes de abuso sexual de criança do art. 171.º do CP, ainda que esta qualificação não tenha sequência a nível agravativo, nomeadamente tendo em atenção o princípio reformatio in pejus, o que se deverá manifestar em sede de escolha da medida da pena concreta, que sempre deverá ser atenuada, com a devida vénia. 

4º - O arguido, primário, não havia cumprido, à altura, qualquer pena de reclusão, ou medida penal que fosse, 

5º - A ser condenado deverá sê-lo com especial atenuação e em pena não privativa da liberdade, sujeita a regime de prova. 

6º - Na escolha da medida concreta da pena a aplicar, se deveria manifestar diferentemente, e para menos, mas substancialmente menos, na medida concreta da pena, que nunca deveria ultrapassar os 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão, com execução suspensa, coincidente com o limite mínimo abstracto ou algo acima deste, e pela prática de um único crime de furto, na forma consumada. 

7º - Conhecendo-se os efeitos nefastos de uma prolongada pena de reclusão, particularmente quando ao arguido, a aplicação da pena, efectiva, superior ao mínimo legal abstracto e suspensa na sua execução, contraria todos os princípios que devem nortear a escolha das penas a aplicar, por comprometer a Reintegração do Agente na Sociedade - artigo 40º do Código Penal.

8º - Por outro lado, a factualidade apurada configura a prática de um crime de abuso sexual na forma consumada mas ainda assim, nos termos do artigo 30º-2 do Código penal, deveria sempre o arguido só ser condenado em pena especialmente atenuada, ou próximas do seu limite mínimo abstracto, atentos os vigentes critérios da escolha da pena concreta, a existência de consentimento, sendo irrelevante no afastamento da tipicidade criminal pode assumir um significado mais ou menos intenso consoante a idade da vitima, sua capacidade intelectual , ou seja, em equação com maior ou menor proximidade do limite que o legislador entendeu como relevante para a concessão de dignidade penal ao comportamento do arguido. 

9º - O princípio que fundamenta a menoridade sexual não é qualquer suposição de que o jovem abaixo da idade definida legalmente não tenha desejo ou prazer sexual, mas, sim, que ele não desenvolveu ainda as competências consideradas relevantes para consentir a relação sexual, só o tempo, por meio de um processo de socialização no qual o sujeito racional completo é (com)formado permitem um processo de decisão correctamente elaborado.

10º - Dos cento e oitenta (180) crimes por que o arguido vinha Pronunciado, veio a ser “absolvido” ou “ não pronunciado” da prática de pelo menos  cento e setenta e quatro (174) crimes com a natureza de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos artigos 171º nº 1, 2 e 3 e 177º nº 1 a), b) e c) do Código Penal, entendendo que não se conseguiu provar os demais, o que, na prática, o arguido, que nunca foi agressivo ou violento, não compreende, com a devida vénia, e contesta, atendendo a credibilidade da própria ofendida.

11º - Violou, pois, salvo devida vénia, o douto Tribunal” a quo”, o disposto nos artigos 40º-1 e 30º-2 do Código Penal, ao condenar o ora Recorrente, em pena superior ao mínimo legal abstracto efectivo, pela prática de 6 crimes de abuso sexual de crianças,  quando deveria ser aplicada uma pena de 4 anos e 9 meses de prisão, suspensos na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social durante o período de suspensão da pena e adaptado à actual situação pessoal do arguido;

12º - No caso da realização de cúmulo jurídico em que alguma, ou algumas, das penas parcelares são deverão ser pelo mínimo, nomeadamente pelos 4 crimes de abuso de crianças agravado, de 3 anos e 6 meses de prisão, cada, e pelos demais 1 ano, ao invés de 2 anos, e 3 meses, ao invés de 6 meses, e a pena conjunta resultante do cúmulo sempre não superior a 4 anos e 9 meses.

Deverá o douto acórdão, ora recorrido, ser revogado e substituído por outro que, considerando todo o supra invocado pelo recorrente, a moldura abstracta, e o limite mínimo previsto para os crimes praticados, o condene em pena de prisão não superior a 4 (quatro) anos e 9(nove) meses suspensa na sua execução sob regime de prova, assim merecendo provimento o presente recurso.”

O Ministério Público na Relação respondeu ao recurso, pronunciando-se no sentido da improcedência, e concluindo:

“1. No caso dos autos não se verificou uma situação de crime continuado, pois existiu uma nova resolução criminosa do agente em cada uma das situações dadas como provadas (nem tão pouco o designado crime prolongado ou de trato sucessivo, tendo em conta a autonomização espácio-temporal das resoluções criminosas do agente);

2. A dosimetria das penas parcelares e a da pena única aplicada ao recorrente mostram-se adequadas, necessárias e proporcionais, e vão de encontro à medida da culpa;

3. Acautelam, devidamente, as exigências de prevenção geral e especial e de reintegração.”

Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu desenvolvido parecer no sentido da improcedência do recurso, nos seguintes termos.

 “Questão prévia.

Da irrecorribilidade (parcial) da decisão do Tribunal da Relação de ....

Decorre da conclusão 12.ª da motivação do recurso apresentado por AA juízo discordante com o quantum das penas parcelares a que foi condenado, contrapondo o recorrente a pena de 1 ano de prisão, à de 2 anos de prisão que lhe foi aplicada pelo crime de abuso sexual de crianças agravado p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 171.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, al. b), ambos do Código Penal, as de 3 anos e 6 meses de prisão, às de 6 anos e 6 meses de prisão aplicadas por cada um dos quatro crimes de abuso sexual de crianças agravado p.e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 171.º, n.º 2, e 177.º, n.º 1, al. b), ambos do Código Penal, e a de 3 meses de prisão, à de 6 meses de prisão aplicada por um crime de abuso sexual de crianças agravado p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 3, al. b), e 177.º, n.º 1, al. b), igualmente do Código Penal.

Ora, tendo o acórdão ora objecto de recurso confirmado em toda a linha a decisão da 1ª instância, e preceituando o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do C.P.P. que não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, temos não ser admissível o recurso interposto para o S.T.J., na parte relativa às penas parcelares aplicadas pela prática dos crimes por que foi condenado o ora recorrente, já que não excedem, nenhuma delas, 8 anos de prisão, irrecorribilidade que abrange todas as questões que com esses ilícitos se prendam.

É basta a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça que consagra tal entendimento. Considere-se, a título meramente exemplificativo, o acórdão de 08-10-2014 (Processo n.º 81/14.0YFLSB.S1, 3ª Secção, Relator: Conselheiro Maia Costa, in www.stj.pt):

Conforme jurisprudência generalizada do STJ, a al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP ao vedar o recurso para o STJ dos acórdãos condenatórios das Relações proferidos em recurso que confirmem a decisão de 1ª instância e apliquem pena não superior a 8 anos de prisão, impõe a irrecorribilidade, quando a pena conjunta é superior a 8 anos de prisão, das penas parcelares que não excedam essa medida.

Tendo havido “dupla conforme”, ou seja, tendo a Relação confirmado a decisão condenatória da 1ª instância e dado que todas as penas parcelares são inferiores a 8 anos, só a pena única ultrapassando essa medida, fica prejudicada a apreciação das questões colocadas pela recorrente sobre a qualificação do crime de tráfico de estupefacientes (de menor gravidade) e da não consumação (tentativa).

No mesmo sentido, ainda os acórdãos de 02-12-2015 (Proc. n.º 5887/05.8TBALM.L1.S1 – 3.ª Secção, Relator: Conselheiro João Silva Miguel, in www.stj.pt), de 13-04-2016 (Processo n.º 294/14.4PAMTJ.L1.S1 – 3.ª Secção, Relator: Conselheiro Pires da Graça, in www.stj.pt), ou de 02-05-2018 (Processo n.º 51/15.0PJCSC.L1.S1, 3ª secção, Relator: Conselheiro Manuel Augusto de Matos, in www.stj.pt).

E, do passado mês de Setembro, o acórdão de 22-09-2021 (Processo nº 90/16.4JBLSB.C1.S1, 3ª secção, Relator: Conselheiro Paulo Ferreira da Cunha, ainda não publicado):

Cabe recordar, brevitatis causa, o art. 400, do CPP, que estatui, no seu n.º 1: “1 - Não é admissível recurso:

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.

Assim, nos termos deste normativo, conjugado com o disposto no art. 432, nº 1, al. b), também do CPP, o acórdão do Tribunal da Relação é irrecorrível na parte em que confirma as condenações da 1ª Instância (princípio da dupla conforme condenatória) relativas aos crimes em que as penas parcelares foram fixadas em medida não superior a 8 anos de prisão. E, tal como se sumariou no acórdão deste Supremo Tribunal de 14/03/2018, “5. Como tem sido afirmado na jurisprudência do STJ, estando este, por razões de competência, impedido de conhecer do recurso interposto de uma decisão, está também impedido de conhecer de todas as questões processuais ou de substância que digam respeito a essa decisão, tais como os vícios da decisão indicados no artigo 410.º do CPP, respectivas nulidades (artigo 379.º e 425.º, n.º 4) e aspectos relacionadas com o julgamento dos crimes que constituem o seu objecto, aqui se incluindo as questões relativas à apreciação da prova, à qualificação jurídica dos factos e à determinação da pena correspondente ao tipo de ilícito realizado pela prática desses factos ou de penas parcelares de medida não superior a 5 ou 8 anos de prisão, consoante os casos das alíneas e) e f) do artigo 400.º do CPP, incluindo nesta determinação a aplicação do regime de atenuação especial da pena previsto no artigo 72.º do Código Penal, bem como de questões de inconstitucionalidade suscitadas nesse âmbito.”

Consignou-se ainda no sumário daquele acórdão: “2. O regime de recursos para o STJ definido pelas normas dos artigos 400.º, n.º 1, al. e) e f), e 432.º, al. b), do CPP, efectiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição, traduzida no direito de reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto a matéria de facto, quer quanto a matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, enquanto componente do direito de defesa em processo penal, reconhecida em instrumentos internacionais que vigoram na ordem interna e vinculam internacionalmente o Estado Português ao sistema internacional de protecção dos direitos fundamentais (artigos 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção Para a Protecção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais). O artigo 32.º, n.º 1, da Constituição não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição, isto é, de um duplo grau de recurso, em relação a quaisquer decisões condenatórias.”

Acresce que, tal como se realça no texto daquele acórdão, o Tribunal Constitucional pronunciou-se já sobre esta questão, nomeadamente no acórdão 186/2013, de 4 de Abril, decidindo não julgar inconstitucional a norma da al. f), do nº 1, do art. 400, do CPP, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos de prisão não pode ser objecto de recurso para o STJ a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão.”

Pelo exposto, e nesta parte, deverá ser rejeitado, por inadmissível, o recurso interposto pelo arguido, a tanto não obstando o despacho de 04.10.2021 que, sem restrição, o admitiu, já que tal decisão não vincula o tribunal superior, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 420.º, n.º 1, alínea b), e 414.º, n.º 2 e n.º 3, do C.P.P.

7 – Da medida da pena única.

Resta, pois, por apreciar, a questão relativa à medida da pena única (de 10 anos de prisão, recorde-se), a que o recorrente foi condenado, e contra a qual se insurge, defendendo não dever ser a mesma superior a 4 anos e 9 meses de prisão, a suspender na sua execução sob regime de prova.

Na linha, aliás, do entendimento do Ministério Público nas instâncias anteriores, afigura-se não assistir razão ao recorrente e, a par, não suscitar a menor censura a decisão do Tribunal a quo.

Atente-se nos fundamentos alinhados na decisão proferida em 1ª Instância, para os quais expressamente se remete no acórdão ora em recurso:

“Com efeito, e atendendo aos normativos supra citados, verifica-se que a favor do arguido está o facto de não ter antecedentes criminais.

Contra o arguido importa apontar as seguintes circunstâncias:

- o dolo directo com que actuou em todas as situações e a elevada ilicitude traduzida no facto de aproveitar tenra idade de menor, contava apenas com 7 anos quando sofreu os primeiros contactos na vagina e nos seios, iniciando o coito anal com 9 anos e cópula com apenas 11 anos de idade, sendo que nem o facto de se tratar de uma menor que consigo coabitava, sendo a mãe do arguido tutora, refreou os seus ímpetos sexuais.

Note-se ainda que os abusos perduram no tempo (durante 5 anos), sendo que as situações concretas apuradas são, como se refere na factualidade provada, pelo mínimo, em particular de cópula e coito anal, mas pela dificuldade de individualização, não se imputaram ao arguido, numa interpretação mais favorável a este, o que não invalidada que se tenha formado convicção que as situações foram muito mais do que as 4 imputadas, levando-se tal em consideração na medida da pena.

Quanto à zona alvo de abuso (toque), note-se que se trata do ponto mais íntimo da menor, a sua vagina, que o arguido, pelo menos em uma ocasião, acariciou (tendo a menor nesta ocasião apenas 7 anos de idade), tendo ainda, pelo menos por duas vezes praticado coito anal e, pelo menos outras duas, cópula completa (factos entre os 9 e os 12 anos da menor).

Efectivamente, perante o que ficou dito, verifica-se que as necessidades de prevenção especial elevadas, pois embora a ausência de antecedentes criminais, o total desrespeito manifestado pela pessoa da menor, que “coisificou” para satisfação sexual, com completa indiferença pelos seus sentimentos e consequências futuras, revelam uma personalidade com necessidades prementes de educação para o direito.

No que concerne às exigências de prevenção geral, as mesmas revelam-se muito acentuadas, atendendo ao número de vezes que este crime é praticado, causando enorme alarme social, demandando a pena uma expressão que reintroduza na comunidade a confiança na validade da norma violada.

Em face dos factores e das considerações descritas, sempre limitados pela culpa do arguido, entende-se ser adequada e suficiente a aplicação ao arguido das seguintes penas;

- 2 anos de prisão pela prática de cada do crime de abuso sexual previstos no 171.º, n.ºs 1, e 177.º, n.º 1, al. b), do Código Penal;

- 6 anos e 6 meses de prisão pela prática de cada um dos 4 crimes de abuso sexual de crianças, p e p pelo art. 171.º, n.ºs 2, e 177.º, n.º 1, al. b), do Código Penal;

- 6 meses de prisão pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado p. e p. pelo art. 171º, nº 3, al. b) e 177º nº 1 al. b).

Do concurso de crimes

Atento o disposto no artigo 77º, n.º 1 do Código Penal “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única.” Sendo que, a pena aí aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e de 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aos vários crimes (cfr. art.º 77º, n.º 2 do CP).

Como refere Figueiredo Dias, na avaliação da pena unitária “tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente revelará, entretanto, a questão de se saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).” (In Direito Penal Português – As consequências do crime, Aequitas, 1993, págs. 291 e 292.

Face ao exposto, há que proceder ao cúmulo jurídico entre as penas de prisão aplicadas ao arguido. Assim, atendendo ao disposto no n.º 2 do artigo 77º do Código Penal a pena única aplicada tem de situar-se-á entre os 6 anos e 6 meses de prisão (mais alta das penas parcelares) e os 28 anos e 6 meses de prisão (soma de todas as penas parcelares), sempre limitados pelo limite máximo de 25 anos a que alude o referido preceito.

Face às considerações tecidas aquando da determinação das penas parcelares, de que se destaca o número de actos de abuso, bem como a idade da menor e ainda o período em que perduraram (dos 7 aos 12 anos), as necessidades de prevenção geral e especial, fixa-se a pena única do arguido em 10 anos de prisão.”

Patenteia-se, como se vê, uma análise cuidada e objectiva da situação vertente, configurando-se correctas a ponderação e a valoração da ilicitude do facto e da culpa do agente, e respectivos graus, das circunstâncias que rodearam a prática dos factos, bem como das exigências de prevenção geral e especial, havendo que concluir, como tal, que a pena única aplicada respeita os parâmetros decorrentes dos critérios legais fixados nos artigos 40.º, 71.º e 77.º, do Código Penal, sendo justa, adequada e proporcional à gravidade dos factos e à perigosidade do agente, não se descortinando fundamento para que a mesma seja reduzida.

8 – Pelo exposto, emite-se parecer no sentido de 1) dever ser rejeitado, por inadmissível, o recurso interposto pelo arguido AA, na parte relativa à impugnação das penas parcelares a que foi condenado pela prática dos indicados crimes de abuso sexual de crianças agravados e de todas as questões com eles conexas, e 2), no mais, dever ser julgado improcedente este mesmo recurso.”

Não houve resposta ao parecer.

Não tendo sido requerida audiência, teve lugar a conferência.


1.2. O acórdão recorrido, na parte que interessa ao recurso, é o seguinte:

“2.1 Matéria de facto provada

1. A ofendida BB, nascida em XX/XX/2007, reside desde os quatro anos de idade com a sua tutora CC, na Travessa..., ..., em ..., tratando-se de uma moradia com dois andares.

2. Na mesma habitação, juntamente com a menor/ofendida e a tutora, residiam DD de 22 anos de idade, meia-irmã da ofendida, e o arguido AA, filho de CC.

3. A referida moradia tem três quartos, um de CC, outro do Arguido e um último quarto onde dormia DD e a menor BB (ofendida), em camas separadas.

4. Desde data não concretamente apurada, mas situada em meados do ano de 2014 o arguido, começou a dirigir-se à menor, que na altura contava apenas com cerca de 7 anos de idade e, pelo menos uma vez, tocou-lhe com as mãos nos seios e na vagina por cima da roupa.

5. Em datas não concretamente apuradas, mas compreendidas entre o ano de 2016 e o ano de 2018, quando a menor BB tinha nove e dez anos de idade, um número não concretamente apurado de vezes, mas seguramente mais de duas, às 2ªas feiras ou domingos (folgas do arguido), o arguido abeirou-se da menor que estava deitada na cama do seu quarto a ver televisão e introduziu o pénis erecto no ânus da menor, aí o friccionado em movimentos vai vem, até ejacular (coito anal).

7. A partir de 2018, quando BB atingiu os onze anos de idade, e até … de Abril de 2019, o arguido passou a penetrá-la com o seu pénis erecto na vagina, aí friccionado em movimentos de vai vem até ejacular (cópula), o que ocorreu um numero não concretamente apurado de vezes, mas seguramente mais duas.

8. Em datas não concretamente apuradas, mas compreendidas entre o ano de 2016 e … de Abril de 2019, o arguido, um numero não concretamente apurado de vezes, mas pelo menos uma vez, assistiu a vídeos pornográficos no seu quarto na presença da menor BB, sendo que a menor acabava por também assistir aos referidos vídeos.

9. Tais factos cessaram em data não concretamente apurada de Abril/Maio de 2019, tendo a menor contado o sucedido à sua tia EE nos primeiros dias de Maio.

10. O arguido conhecia bem a idade da menor BB nomeadamente que todos estes factos ocorreram quando a menor tinha entre os sete e os doze anos de idade.

11. O arguido bem sabia que a sua conduta atentava contra a liberdade, dignidade e autodeterminação sexual da menor BB e que igualmente punha em causa o normal e livre desenvolvimento da personalidade desta na esfera sexual, o que logrou concretizar.

12. O arguido agiu com o propósito de molestar sexualmente a menor BB, sujeitando-a à prática de actos de cariz sexual com o intuito de satisfazer os seus ímpetos sexuais, o que logrou concretizar.

13. Sabia ainda o arguido que a menor/ofendida BB, sendo menor de idade não tinha capacidade para avaliar e entender o significado dos actos que estava a fazê-la suportar.

14. O arguido agiu voluntária e conscientemente, conhecendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, e actuou com a liberdade necessária para se determinar segundo essa resolução.

15. O arguido não tem antecedentes criminais registados.

16. Presentemente, tal como ocorria à data dos alegados factos, AA reside em casa da sua progenitora, CC, de … anos, reformada. O agregado desta sempre integrou, de forma mais ou menos efetiva, descendentes, filhos e netos, de quem foi ajudando a cuidar.

No presente vive ainda a neta DD, de 23 anos, estudante … e até há um ano e meio vivia a vítima identificada, BB, de 13 anos.

AA encontra-se profissionalmente ativo, como ….. num ….. local.

O arguido descende de uma família numerosa, de fracos recursos. Foi o primeiro dos cinco filhos do casal. A mãe foi ..... e o pai, falecido em 2013, era ...... Da história de vida do arguido, para além do ambiente de violência doméstica e …. do progenitor, a marcar negativamente o seu desenvolvimento, há menção à queda de uma falésia, aos 13 anos, em que ficou politraumatizado, sem acompanhamento psicológico posterior. Em termos escolares, faz menção a um baixo aproveitamento e precoce desmotivação dos estudos, tendo como habilitações o 2º ciclo.

Por necessidade, cedo ingressou no mundo do trabalho, em serviços de ..., ... e ..., não se identificando problemas de integração ou desempenho nestes contextos.

Cumpriu o então Serviço Militar Obrigatório e pela mesma altura, registou o primeiro casamento. Desta união nasceu a única filha do arguido, atualmente com …. anos. Foi referida como uma união pouco duradoura, que terminou depois do termo do SMO.

De regresso ao meio de origem, em 1992, passou a trabalhar efetivo numa ……., assumindo que a partir de então se intensificaram hábitos de consumo abusivo de bebidas alcoólicas.

Entre os 35 e os 42 anos manteve nova relação amorosa, mas que, do seu ponto de vista, não evoluiu para uma vida em comum devido ao seu problema aditivo. Entretanto, associado ao encerramento do posto de trabalho em 2006, crise económica e bem assim ao desregulamento da gestão dos próprios recursos, viu-se obrigado a entregar a casa onde vivia independente e regressar à casa da mãe, conforme assinalado acima.

Em 2011, aos 43 anos, por iniciativa própria, terá deixado em definitivo o consumo de bebidas alcoólicas, no entanto refere que a partir de então se têm vindo a manifestar várias sequelas de saúde física, de índole ….. (doença ……) e ……. (…….), com crises recorrentes relativamente incapacitantes e bem assim o agravamento de estados emocionais disfóricos, incluindo a tendência ao isolamento relacional, falta de interesse, tristeza e ideação suicida.

Porém, não recorreu a qualquer ajuda especializada, além do tratamento para as questões de saúde física.

O contexto familiar de referência denota elevado sentido de entreajuda e gosto pela convivência comum, mas na generalidade um fraco reconhecimento das necessidades emocionais de cada um, tendendo a avaliações algo distorcidas dos comportamentos manifestos.

No meio social envolvente, não existem conflitos de maior, sendo AA tido como pessoa humilde, de fácil trato, generoso e prestável, ainda que se afigurem fracas as ligações.

O atual envolvimento com o sistema de administração da justiça penal não tem grande impacto no meio ou junto de alguns familiares que desconhecem a existência deste processo, sendo que o arguido não é referenciado por questões criminais

A notícia dos factos imputados ao arguido foi, contudo, decisiva no destino da vítima identificada, BB, a quem, no âmbito do processo de promoção e proteção, foi aplicada medida de colocação e acolhimento em instituição. BB, sendo meia-irmã de DD, não tem ligações de sangue com a família do arguido, mas foi acolhida e cuidada como neta por CC, a quem foi oficialmente entregue a guarda desde os 4 anos.

(…) Ora, escreveu-se no Acórdão sob recurso:

“Com efeito, e atendendo aos normativos supra citados, verifica-se que a favor do arguido está o facto de não ter antecedentes criminais.

Contra o arguido importa apontar as seguintes circunstâncias:

- o dolo directo com que actuou em todas as situações e a elevada ilicitude traduzida no facto de aproveitar tenra idade de menor, contava apenas com 7 anos quando sofreu os primeiros contactos na vagina e nos seios, iniciando o coito anal com 9 anos e cópula com apenas 11 anos de idade, sendo que nem o facto de se tratar de uma menor que consigo coabitava, sendo a mãe do arguido tutora, refreou os seus ímpetos sexuais.

Note-se ainda que os abusos perduram no tempo (durante 5 anos), sendo que as situações concretas apuradas são, como se refere na factualidade provada, pelo mínimo, em particular de cópula e coito anal, mas pela dificuldade de individualização, não se imputaram ao arguido, numa interpretação mais favorável a este, o que não invalidada que se tenha formado convicção que as situações foram muito mais do que as 4 imputadas, levando-se tal em consideração na medida da pena.

Quanto à zona alvo de abuso (toque), note-se que se trata do ponto mais íntimo da menor, a sua vagina, que o arguido, pelo menos em uma ocasião, acariciou (tendo a menor nesta ocasião apenas 7 anos de idade), tendo ainda, pelo menos por duas vezes praticado coito anal e, pelo menos outras duas, cópula completa (factos entre os 9 e os 12 anos da menor).

Efectivamente, perante o que ficou dito, verifica-se que as necessidades de prevenção especial elevadas, pois embora a ausência de antecedentes criminais, o total desrespeito manifestado pela pessoa da menor, que “coisificou” para satisfação sexual, com completa indiferença pelos seus sentimentos e consequências futuras, revelam uma personalidade com necessidades prementes de educação para o direito.

No que concerne às exigências de prevenção geral, as mesmas revelam-se muito acentuadas, atendendo ao número de vezes que este crime é praticado, causando enorme alarme social, demandando a pena uma expressão que reintroduza na comunidade a confiança na validade da norma violada.

Em face dos factores e das considerações descritas, sempre limitados pela culpa do arguido, entende-se ser adequada e suficiente a aplicação ao arguido das seguintes penas;

- 2 anos de prisão pela prática de cada do crime de abuso sexual previstos no 171.º, n.ºs 1, e 177.º, n.º 1, al. b), do Código Penal;

- 6 anos e 6 meses de prisão pela prática de cada um dos 4 crimes de abuso sexual de crianças, p e p pelo art. 171.º, n.ºs 2, e 177.º, n.º 1, al. b), do Código Penal;

- 6 meses de prisão pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado p. e p. pelo art. 171º, nº 3, al. b) e 177º nº 1 al. b).

Do concurso de crimes

Atento o disposto no artigo 77º, n.º 1 do Código Penal “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única.” Sendo que, a pena aí aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e de 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aos vários crimes (cfr. art.º 77º, n.º 2 do CP).

Como refere Figueiredo Dias, na avaliação da pena unitária “tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a  conexão e o tipo de conexão entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente revelará, entretanto, a questão de se saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).” (In Direito Penal Português – As consequências do crime, Aequitas, 1993, págs. 291 e 292.

Face ao exposto, há que proceder ao cúmulo jurídico entre as penas de prisão aplicadas ao arguido. Assim, atendendo ao disposto no n.º 2 do artigo 77º do Código Penal a pena única aplicada tem de situar-se-á entre os 6 anos e 6 meses de prisão (mais alta das penas parcelares) e os 28 anos e 6 meses de prisão (soma de todas as penas parcelares), sempre limitados pelo limite máximo de 25 anos a que alude o referido preceito.

Face às considerações tecidas aquando da determinação das penas parcelares, de que se destaca o número de actos de abuso, bem como a idade da menor e ainda o período em que perduraram (dos 7 aos 12 anos), as necessidades de prevenção geral e especial, fixa-se a pena única do arguido em 10 anos de prisão.”

Assim, diga-se que não merece reservas a elencagem de fatores de medida das penas parcelares e única a que procedeu a decisão recorrida.

O tribunal recorrido teve em atenção todos os elementos disponíveis no processo que interessavam em sede de graduação das penas, parcelares e única, sendo avaliada a conduta do arguido em função dos parâmetros legais, que foram respeitados, nada havendo a acrescentar relativamente aos argumentos já aduzidos na fundamentação utilizada para a determinação da medida das penas parcelares e única em relação aos crimes por que foi condenado que justifique a respetiva alteração, pois que as mesmas se mostram criteriosas, adequadas e proporcionais.

Termos em que o recurso improcede também neste particular.”


2. Fundamentação

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (sem prejuízo do conhecimento sempre oficioso de eventuais vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP - AFJ nº 7/95 de 19.10.95), a questão a apreciar circunscreve-se  à medida da pena única.

Na verdade, embora o arguido pretenda impugnar também as penas parcelares, peticionando a sua redução, o recurso é nessa parte inadmissível.

A irrecorribilidade das penas de prisão não superiores a oito anos já confirmadas em recurso por acórdão da Relação é clara e irrefutável.

Preceitua art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP que não é admissível recurso “de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.

O arguido encontra-se condenado  numa pena de dois anos de prisão, em quatro penas de 6 anos e 6 meses de prisão e numa pena de seis meses de prisão (e em cúmulo jurídico na pena única de dez anos de prisão) penas parcelares integralmente confirmadas nas suas medidas e, antes disso, nos seus pressupostos de punição. Confirmadas pelo Tribunal da Relação, na sequência de anterior recurso interposto pelo arguido do acórdão de primeira instância. Nenhuma destas penas excede os oito anos de prisão. O recurso deve ser rejeitado na parte respeitante às condenações nas penas parcelares.

Tem sido esta a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, em interpretação sempre conforme à Constituição de acordo com as decisões do Tribunal Constitucional.

Assim se decidiu, por exemplo, no acórdão do STJ de 11-03-2021 (Rel. Helena Moniz), em cujo sumário pode ler-se:

“II - Tendo em conta o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, onde se impede a possibilidade de recurso das decisões do Tribunal da Relação que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos de prisão, e o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, onde apenas se admite (a contrario) o recurso de acórdãos da Relação que, confirmando decisão anterior, apliquem pena de prisão superior a 8 anos, e sabendo que, segundo a jurisprudência deste STJ, ainda que a pena única seja superior a 8 anos de prisão, se analisa a recorribilidade do acórdão relativamente a cada crime individualmente considerado, necessariamente temos que concluir não ser admissível o recurso das condenações relativas a cada crime, do Tribunal da Relação, quando seja aplicada pena não superior a 5 anos de prisão; e das condenações em pena de prisão superiores a 5 anos de prisão e não superiores a 8 anos de prisão, quando haja conformidade com o decidido na 1.ª instância.”

Ainda mais recente veja-se o acórdão do STJ de 20-10-2021 (Rel. Nuno Gonçalves), em cujo sumário pode ler-se:

“I - A dupla conforme é um mecanismo jurídico-adjetivo destinado a obviar à repetição sucessiva de juízos, em recurso, sobre as mesmas questões.

II - Impede um terceiro juízo sobre todas as questões subjacentes à decisão, sejam de constitucionalidade, substantivas ou processuais, referentes à matéria de facto ou à aplicação do direito, confirmadas pelo acórdão da Relação, contanto a pena judicial confirmada não seja superior a 8 anos de prisão.

III - O acórdão da Relação que apreciou aquelas questões, confirmando a decisão da 1.ª instância, garantiu e, nessa parte, esgotou o direito ao recurso consagrado na CRP e no direito convencional universal e europeu.”

Veja-se por último, e entre muitos, o Acórdão do STJ de 29.04.2015 (Rel. Raul Borges), em cujo sumário pode ler-se:

“II - O STJ tem entendido, que em caso de dupla conforme total, como ora ocorre, à luz do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, são irrecorríveis as penas parcelares, ou únicas, aplicadas em medida igual ou inferior a 8 anos de prisão e confirmadas pela Relação, restringindo-se a cognição às penas de prisão, parcelares e única(s), aplicadas em medida superior a 8 anos.

IV - O recurso é, pois, de rejeitar por inadmissibilidade, nos termos do art. 420.º, n.º 1, al. b), em conjugação com o art. 414.º, n.º 2, ambos do CPP, sendo certo que, como resulta do art. 414.º, n.º 3, do CPP, a decisão que admita o recurso não vincula o tribunal superior.”

Na fundamentação deste acórdão, encontra-se referência abundante à jurisprudência do Supremo no mesmo sentido e a vários acórdãos do Tribunal  Constitucional no sentido da conformidade constitucional do entendimento do Supremo. Assim, pode ler-se ali:

“O Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar que o direito ao recurso como garantia de defesa do arguido não impõe um duplo grau de recurso.(…)

A constitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na actual redacção, na medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, que decidiu não a julgar inconstitucional – acórdão n.º 263/2009, de 25 de Maio, processo n.º 240/09-1.ª Secção (Acórdãos do Tribunal Constitucional – ATC –, volume 75, pág. 249), acórdão n.º 551/2009, de 27 de Outubro - 3.ª Secção, versando a questão, inclusive, ao nível do artigo 5.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do artigo 5.º do CPP (ATC, volume 76, pág. 566), acórdão n.º 645/2009, de 15 de Dezembro, processo n.º 846/2009 - 2.ª Secção (ATC, volume 76.º, pág. 575 - em sumário e com referência ao artigo 5.º, n.º 2, do CPP), o infra mencionado acórdão n.º 649/2009, de 15 de Dezembro - 3.ª Secção, confirmando decisão sumária que emitiu juízo de não inconstitucionalidade (ATC, volume 76, pág. 575, igualmente em sumário), e acórdão n.º 174/2010, de 4 de Maio, processo n.º 159/10-1.ª Secção.

Por seu turno, o acórdão n.º 424/2009, de 14 de Agosto, proferido no processo 591/09- 2.ª Secção, decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), conjugada com a norma do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, na redacção emergente do Decreto-Lei n.º 48/2007, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso para o STJ de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão efectiva. E, mais recentemente, no acórdão n.º 385/2011, de 27 de Julho de 2011, proferido no processo n.º 470/11, da 2.ª Secção, foi decidido “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP, interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que, apesar de ter confirmado a decisão de 1.ª instância em pena não superior a 8 anos, se pronunciou pela primeira vez sobre um facto que a 1.ª instância não havia apreciado.”

No recurso do arguido resta, assim, para apreciação a medida da pena única.

A argumentação que o recorrente desenvolveu respeita essencialmente às penas parcelares, mostrando-se peticionada a redução da pena única em grande parte na decorrência duma pretensão que já pode ser aqui defendida. Ou seja, da redução das penas parcelares decorreria a redução da pena abstracta do cúmulo jurídico, e é esta, no essencial a argumentação do recorrente.

No entanto, impugnou ainda a decisão sobre o concurso efectivo de crimes, ao referir na motivação do recurso que deveria ser punido por crime continuado.  Embora não trazida às conclusões do recurso, não estaria o Supremo dispensado de sindicar o acórdão também na parte relativa à decisão sobre o concurso efectivo de crimes. Pois a determinação da pena única pressupõe sempre a decisão prévia sobre o número de crimes efectivamente cometidos pelo agente e a relação que se estabelece entre eles. Só o concurso real e/ou efectivo de crimes dá lugar ao cúmulo jurídico de penas.

O recorrente não concretizou devidamente a pretensão defendida no que respeita à continuação criminosa. E na resposta ao recurso,  o Senhor Procurador-Geral Adjunto contrapôs que “no caso dos autos não se verificou uma situação de crime continuado, pois existiu uma nova resolução criminosa do agente em cada uma das situações dadas como provadas (nem tão pouco o designado crime prolongado ou de trato sucessivo, tendo em conta a autonomização espácio-temporal das resoluções criminosas do agente)”, o que também não estará muito preciso

Inequivocamente, os factos provados constituem base factual bastante para a afirmação do concurso efectivo de crimes (art. 30.º, n.º 1, do CP), sendo de afastar o crime continuado (art. 30.º, n.º 2, do CP), se bem que não exactamente pelas razões referidas pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto na Relação. De afastar igualmente a figura do trato sucessivo, a que aludiu também.

Como se sabe, as dificuldades de determinação do número de actos concretamente praticados por um agente devem resolver-se, primeiramente, no campo da definição da factualidade. E uma vez definida a matéria de facto juridicamente relevante (a matéria de facto possível), o que inclui os factos que interessam à decisão sobre a unidade e a pluralidade de crime, procede-se ao enquadramento jurídico, identificando também as situações de unidade e de pluralidade de crime, de concurso homogéneo e heterogéneo.

No presente caso, e no que se refere ao número de vezes em que o arguido actuou, foi possível concluir, no plano da factualidade, que o arguido praticou, em ocasiões distintas e suficientemente concretizadas, factos que realizam plenamente um crime de abuso sexual de crianças agravado dos artigos 171.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, al. b), do CP, quatro crimes de abuso sexual de crianças agravado dos arts. 171.º, n.º 2, e 177.º, n.º 1, al. b), do CP, e um crime de abuso sexual de crianças agravado dos arts. 171.º, n.º 3, al. b), e 177.º, n.º 1, al. b), do CP. 

Ainda no plano da factualidade, não é descortinável na matéria de facto provada do acórdão, a unidade de resolução criminosa. O arguido decidiu actuar como actuou de cada uma das vezes em que o fez, ou seja, actuou imbuído sempre de uma nova intenção, ou de uma intenção renovada. O arguido procurou a vítima quando, ou sempre que, decidiu fazê-lo, não o decidiu por uma única vez, numa única resolução criminosa que abarcasse todas as agressões sexuais posteriormente perpetradas. E perpetradas ao longo de cinco anos, note-se.

Inexiste aqui claramente a unidade de resolução, que, para Eduardo Correia, é critério determinante da definição da unidade de infracção. Para o autor, o número de vezes de preenchimento do tipo pela conduta do agente conta-se pelo número de juízos de censura de que o agente se tenha tornado passível, o que, por sua vez, se deve reconduzir à pluralidade de processos resolutivos, resoluções ou decisões criminosas (Eduardo Correia, “Unidade e Pluralidade de Infracções”, in Correia, Eduardo, A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Coimbra: Almedina, 1963 (pp. 7-291).

A unidade de resolução criminosa inexistiu no caso sub judice. Ela não resulta dos factos provados, e estes evidenciam, pelo contrário, a pluralidade de resolução.

A igual solução (de afastamento da unidade de infracção) se chega seguindo a doutrina de Figueiredo Dias, pois não é aqui igualmente descortinável uma unidade de sentido da ilicitude, mas sim tantos os sentidos quantos os concretos episódios que tiveram lugar, com a frequência apurada já referida.

Para Figueiredo Dias, sendo o crime o facto punível, que se traduz numa violação de bens jurídico-penais que preenche um determinado tipo legal, o núcleo dessa violação não é o mero actuar do agente, nem o tipo legal que o integra, mas o ilícito-típico: o que está em causa é então determinar a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica em que o significado do comportamento global do agente se traduz – e é essa determinação que decide da unidade ou pluralidade de crimes (Figueiredo Dias, Direito Penal: Parte Geral I. Questões Fundamentais: a Doutrina Geral do Crime, 2ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2007 (1ª ed., 2004), pp. 977 e ss).

O trato sucessivo é também, e desde logo, de afastar, pois olhando o tipo de ilícito em causa, constata-se que na lógica da previsão dos crimes de abuso sexual de criança, na “norma-critério”, não está pensada a proliferação de actos praticados ao longo do tempo, em períodos de tempo extensos. A realidade social pensada e equacionada pelo legislador não foi essa. Ou seja, no problema pressuposto pela norma-critério não está considerada como probabilidade elevada, ou como probabilidade-regra, o desdobramento da conduta descrita em múltiplos actos repetidos sobre a mesma vítima em ocasiões diversas e ao longo do tempo.

Assim sendo, o problema da multiplicidade de actos repetidos sobre a mesma vítima, em ocasiões diversas e ao longo do tempo, não se encontra ponderado e enquadrado no tipo, diferentemente do que ocorre, por exemplo, com o crime de maus-tratos, o crime de lenocínio ou o crime de tráfico de estupefacientes.

De tudo resulta que, no presente caso, nem a estrutura do(s) respectivo(s) tipo(s) incriminador(es) supõe(m) a reiteração, nem dos factos provados resulta a existência de uma unidade de resolução criminosa ou a presença de outro indicador seguro que permita descortinar um sentido único de ilicitude.

Uma vez identificada a pluralidade de infracções, há que deixar agora consignado que é também de afastar a figura da continuação criminosa, prevista no art. 30.º, n.º 2 do CP.

Na base da continuação criminosa encontra-se um concurso de crimes, que a lei aglutina numa unidade jurídico-normativa. Esta aglutinação de crimes depende sempre da considerável diminuição da culpa.

Os crimes sub judice encontram-se, entre si, numa relação de concurso efectivo, pois o elemento que fundamentaria o crime continuado, a conexão das actividades que constituem o crime continuado, teria de assentar numa considerável diminuição da culpa do agente, que lhe anda necessariamente ligada (Eduardo Correia, loc. cit. pp. 245 e ss).

Havendo que identificar e traçar, sempre em concreto, o quadro das situações exteriores que, criando um cenário propício à perpetuação da actividade criminosa, diminuam sensivelmente a culpa do agente, é hoje pacífico que essa solicitação tem de ser exterior e não provocada pelo agente. Situação que, desde logo, não ocorre aqui.

Acresce que, estando em causa bens eminentemente pessoais, o n.º 2 do art. 30.º também não teria aplicação. Pois dispõe o nº 3,  que “o disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais.”

Confirmada, assim, a correcção do acórdão no que respeita ao concurso efectivo de crimes (homogéneo e heterogéneo), e tendo em conta a moldura penal abstracta do cúmulo jurídico – seis anos e seis meses de prisão a vinte e cinco anos de prisão – constata-se que a pena fixada, de dez anos de prisão, se situa bastante abaixo do ponto médio.

E esta pena única, por um lado, encontra-se correctamente fundamentada no acórdão; pelo outro, o recorrente nada traz ao recurso que possa fragilizá-la: falece a argumentação no referente ao crime único e ao crime continuado; as penas parcelares estão definitivamente fixadas e o mínimo da pena abstracta para o cúmulo é logo bastante superior à pena que peticiona em recurso; as considerações que tece, como a de que “o princípio que fundamenta a menoridade sexual não é qualquer suposição de que o jovem abaixo da idade definida legalmente não tenha desejo ou prazer sexual (…)”, não merecem atenção. Os abusos sobre a vítima iniciaram-se quando esta tinha sete anos de idade,  tendo sido sujeita a coito anal aos nove e aos dez anos de idade, e a cópula vaginal aos onze anos de idade.

Como o Senhor Procurador-Geral Adjunto no Supremo destacou no parecer,  após citar a fundamentação do acórdão em que se disse que “o número de actos de abuso, bem como a idade da menor e ainda o período em que perduraram (dos 7 aos 12 anos), as necessidades de prevenção geral e especial, fixa-se a pena única do arguido em 10 anos de prisão”, “patenteia-se, como se vê, uma análise cuidada e objectiva da situação vertente, configurando-se correctas a ponderação e a valoração da ilicitude do facto e da culpa do agente, e respectivos graus, das circunstâncias que rodearam a prática dos factos, bem como das exigências de prevenção geral e especial, havendo que concluir, como tal, que a pena única aplicada respeita os parâmetros decorrentes dos critérios legais fixados nos artigos 40.º, 71.º e 77.º, do Código Penal, sendo justa, adequada e proporcional à gravidade dos factos e à perigosidade do agente, não se descortinando fundamento para que a mesma seja reduzida.”

Refira-se que o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico também em matéria de pena, e a sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso, abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, e “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (Figueiredo Dias, DPP. As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197).

No presente caso, impõe-se reconhecer que a pena única fixada é a adequada às exigências de prevenção geral e especial, e respeita o limite da culpa.

As “razões de culpa”, “de prevenção” e “da personalidade da pessoa” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, p. 280) justificam o cúmulo jurídico de penas e afastam um sistema de cúmulo material de penas. A pena única determina-se dentro de uma moldura penal de cúmulo, casuisticamente encontrada após fixação de todas as penas parcelares integrantes de uma certa adição jurídica. E na sua fixação, o tribunal tem de proceder à reavaliação dos factos em conjunto com a personalidade do arguido (art. 77º, nº 1 do Código Penal), o que exige uma especial fundamentação na sentença, a fixar “em função das exigências gerais de culpa e de prevenção” (Figueiredo Dias, loc. cit., p. 291).

Na situação sub judice resulta muito claro que essas razões não levam a detectar que a pena única, de dez anos de prisão, se revele, em concreto, excessiva e desproporcionada ou ultrapasse o limite da culpa do arguido. Pelo contrário, as exigências de prevenção geral e especial apresentam-se aqui elevadíssimas. Note-se que as exigências de prevenção especial não têm forçosamente de resultar dos antecedentes criminais do agente, e neste caso resultam logo do próprio episódio global em apreciação (ao longo de cinco anos). E se bem que tais exigências já se mostrem mesuradas aquando da ponderação das penas parcelares, cumpre agora proceder à avaliação do “grande facto”, ou do “ilícito global”, procedendo a uma sua avaliação em conjunto com a personalidade do arguido.

Sobre a personalidade do arguido, os factos delituosos falam por si. Eles revelam uma personalidade altamente desvaliosa. E referimo-nos sempre à personalidade revelada nos factos, porque é desta que se trata – o arguido é julgado pelo que fez e não pelo que é enquanto pessoa. E apesar da evidente gravidade do ilícito global perpetrado, constata-se que a pena única se encontra aqui situada bastante abaixo do seu ponto médio, como se disse já.

Em suma, a avaliação da concreta gravidade da ilicitude global, “que deve ter

em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso”, e considerar a

personalidade do agente e “o modo como esta se projecta nos factos ou é por estes revelada”, ou seja, a “nova culpa” ou a “culpa pelos factos em relação” (STJ 16-12-2010, Henriques Gaspar), no presente caso, justificam (amplamente) a pena única de dez anos de prisão, aplicada na 1.ª  instância e mantida na Relação.


3. Decisão

Face ao exposto, acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar por inadmissibilidade legal o recurso do arguido na parte referente às penas parcelares aplicadas (art. 432.º, n 1, al. b) e art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP), julgando-o improcedente na parte restante.

Custas pelo recorrente (art. 513.º, n.º 1 do CPP), fixando-se a taxa de justiça em

6 UC´s, acrescendo a importância de 3 UC’s (art. 420.º, n.º 3, do CPP).


Lisboa, 15.12.2021


Ana Barata Brito, relatora

José Luís Lopes da Mota, adjunto