Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1560/08.3TBOAZ.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
SÓCIO
DIREITO À INFORMAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/16/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO COMERCIAL - DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
Doutrina: - Carlos Maria Pinheiro Torres, O Direito à Informação nas Sociedades Comerciais, 1998, páginas 121, 122,131, 208, 209, 219. 221, 222, 223 e 283.
Legislação Nacional: CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 58.º, N.º1, C), 65.º, Nº2, 66.º, NºS1 E 2, 210º, Nº1, 214º, NºS 1, 2, 3, E 7, 215º, NºS1 E 2 E 216º, Nº1, 290.º, Nº1
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 676.º
Sumário :
1) - O direito a obter informações consiste, “grosso modo”, na possibilidade de solicitar ao órgão habilitado para tal, esclarecimentos, dados, elementos, notícias, descrições sobre factos, actuais e futuros, que integrem a vida e gestão da sociedade, incluindo a possibilidade de dirigir essa solicitação em assembleia geral.
2) - A informação prestada deve ser verdadeira, completa e elucidativa, exigência presente para todas as sociedades comerciais.
3) - Informação completa é aquela que contém todos os elementos necessários para corresponder a toda a plenitude da solicitação do sócio, pelo que o critério para se distinguir a completude da incompletude da informação será fornecido pelo teor do requerimento que desencadeie a respectiva prestação.
4) - Informação elucidativa, é aquela que remove e esclarece as dúvidas ou o desconhecimento acerca de factos ou razões ou justificações para a sua prática, tal como se contém na solicitação do sócio.
5) - Existe recusa de informação, no sentido de recusa ilícita de informação, sempre que o órgão competente para a sua prestação, face a uma solicitação feita por um ou mais sócios, nas condições de legitimidade estabelecidas na lei, ou no contrato, quando admissíveis, e nos limites fixados, denegue essa mesma prestação ou forneça informação falsa, incompleta ou não elucidativa.
6) - Há casos, no entanto, em que a recusa da prestação de informação é admitida, ainda que a sua solicitação se tenha de conter nos limites legais e contratuais aplicáveis.
7) - Para as sociedades de quotas, determina-se no artigo 210º, nº1, que a recusa de prestação de informação é lícita quando for de recear que o sócio utilize a informação para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta e, bem assim, quando a prestação ocasionar violação de segredo imposto por lei no interesse de terceiro.
8) - O critério razoável para apreciar esse “receio” será o seguinte: a recusa deve haver-se como legítima “quando as circunstâncias do caso indicam razoável probabilidade de utilização incorrecta da informação”, como resultado de uma apreciação objectiva.
9) - Para que a recusa seja lícita é necessário que haja receio de utilização da informação para fins estranhos à sociedade e de que, da utilização, decorra para esta um prejuízo.
10) - A recusa de informação é, ainda, lícita, quando a sua prestação ocasionar violação de segredo imposto por lei no interesse de terceiros.
11) - Só quando a falta de informação tenha efectivamente viciado a manifestação de vontade do sócio sobre o assunto sujeito a deliberação é que deverá admitir-se a solução da anulabilidade: é necessário que a não prestação de informação tenha influído directa e decisivamente no sentido da deliberação, por ter impedido que a vontade do sócio votante se manifestasse de forma completamente esclarecido.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 08.06.30, no Tribunal Judicial da Comarca de Oliveira de Azeméis – 2º Juízo Cível - AA intentou acção declarativa, com processo ordinário, contra BB, Limitada

pedindo
- que se julgassem nulas ou anularem-se as deliberações da Ré, tomadas na Assembleia-geral de 08.05.30, mediante as quais foram aprovados os relatórios e as contas dos exercícios de 2007 (ponto 1 da ordem de trabalhos) e aprovada a aplicação dos resultados daquelas contas (ponto 2 da ordem de trabalhos);
- que a Ré fosse condenada a reconhecer a nulidade ou anulação dessas deliberações;
- que fosse ordenado o cancelamento ou anulação, na Conservatória do Registo Comercial, da inscrição relativa à apresentação das contas que porventura aí viesse a ser ou tivesse sido feita com base nas referidas deliberações

Alegou, em síntese, os factos atinentes ao reconhecimento da sua pretensão (anulação de deliberação social por violação do direito à informação do demandante enquanto sócio da demandada).
Citada, a ré contestou, impugnando, negando a invalidade da deliberação social tomada em 08.05.03.

Proferido despacho saneador, fixada a matéria assente e elaborada a base instrutória, foi realizada audiência de discussão e julgamento.

Em 10.04.23, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

O autor apelou, com êxito, pois a Relação do Porto, por acórdão de 10.09.04, revogou a decisão recorrida e, julgando procedente a acção
- anulou as deliberações da sociedade Ré, tomadas na Assembleia-geral de 08.05.30, mediante as quais foram aprovados os relatórios e as contas dos exercícios de 2007 (ponto 1 da ordem de trabalhos) e aprovada a aplicação dos resultados daquelas contas (ponto 2 da ordem de trabalhos);
- condenou a Ré a reconhecer a invalidade dessas deliberações;
- ordenou o cancelamento ou anulação, na Conservatória do Registo Comercial, da inscrição relativa à apresentação das contas que porventura aí vier a ser ou tiver sido feita com base nas referidas deliberação.
Inconformada, a ré deduziu a presente revista, apresentando as respectivas alegações e conclusões.
Não houve contra alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões

Tendo em conta que
- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;
- nos recursos se apreciam questões e não razões;
- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido
são os seguintes os temas das questões propostas para resolução:
A) – Nulidade
B) – Direito à informação por parte do autor
C) – Núcleo mínimo de informação e influência de falta de informação sobre o assunto sujeito a deliberação.

Os factos

São os seguintes os factos que foram dados como provados nas instâncias:
A) A sociedade BB, Lda. encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Oliveira de Azeméis através da Ap. 0000000, com o capital social de €69.831,70,tendo como objecto a indústria de transformação e produção de matérias plásticas (cfr. Certidão de fls. 78 e ss., cujos demais termos se deu por reproduzidos).
B) Através da Ap. 0000000 foi registada uma alteração do pacto social da R., passando o sócio AA a deter uma quota €36.412,24, o sócio AA a deter uma quota de €16.709,73 e a sócia CC a deter uma quota de €16.709,73 (cfr. certidão de fls. 78 e ss., cujos demais termos se deu por reproduzidos).
C) Através da mesma inscrição, ficou registado que a gerência pertence ao sócio AA ou a qualquer outra pessoa, sócia ou estranha à sociedade que venha a ser nomeada em assembleia geral, obrigando-se a sociedade com a assinatura de um gerente ou de procurador ou mandatário nomeado nos termos do nº6 do art. 252º do Código das Sociedades Comerciais (cfr. certidão de fls. 78 e ss., cujos demais termos se deu por reproduzidos).
D) O A. e CC são irmãos entre si e filhos de AA (cfr. certidões de fls. 87 a 92, cujos demais termos se deu por reproduzidos).
E) Com data de 15/5/2008, a R. enviou ao A. uma carta com a epígrafe “Convocatória”, com o seguinte texto:
”Nos termos do disposto nos artigos 21º, nº1, al. B); 65º; 246º, nº1, alª e)e 248º, nº3, todos do Código das Sociedades Comerciais e em cumprimento do estabelecido nos estatutos desta sociedade, convoco V. Ex.ª para a Assembleia Geral, a realizar na sede da sociedade, no próximo dia 30 de Maio de 2008, às 9 horas e 30 minutos, com a seguinte ordem de trabalhos:
Ponto Um: Aprovação do relatório de gestão e contas do exercício de 2007;
Ponto Dois: Aprovação da proposta de aplicação dos resultados.” (cfr. documento de fls. 130, cujos demais termos se deu por reproduzidos).
F) No dia 27/5/2008, o A. deslocou-se à sede da R. acompanhado de um técnico da sua confiança, tendo solicitado ao Técnico Oficial de Contas indicado pela gerência daquela os seguintes documentos:
- Inventário, à data;
- Inventário a 31/12/2007;
- Facturas de compra e venda de imobilizado;
- Regularização do inventário;
- Reavaliação do terreno da unidade industrial em Bustelo, São Roque, Oliveira de Azeméis;
- Estimativa de IRC;
- Inventário de Caixa;
- Reconciliações bancárias;
- Extractos da conta “Sócios” e documentos de suporte aos movimentos;
- Extracto da conta “Acréscimos e Proveitos” e documentos de suporte aos movimentos;
- Nota da contabilidade relativa ao fornecedor DD, Lda.;
- Relação de empréstimos além das contas caucionadas;
- Comprovativos de pagamento ao sócio gerente AA e documento de suporte aos movimentos;
- Extractos da conta “Vigilância e Segurança” e documentos de suporte aos movimentos;
- Extractos da conta corrente de fornecedores com movimento acima de €500,00 com movimentos nas contas ou de honorários, trabalhos especializados ou ainda vigilância e segurança.
G) Nessa ocasião a R. entregou ao A. os seguintes documentos:
- Inventário a 31/12/2007;
- Facturas de compra e venda de imobilizado;
- Regularização do inventário;
- Reavaliação do terreno da unidade industrial em Bustelo, São Roque, Oliveira de Azeméis;
- Estimativa de IRC;
- Inventário de Caixa;
- Extractos da conta “Sócios” e documentos de suporte aos movimentos.
H) Nessa ocasião a R. não entregou ao A. os seguintes
elementos:
-Extractos da conta “Honorários” e documentos de suporte aos movimentos;
-Extractos da conta “Trabalhos Especializados” e documentos de suporte aos movimentos;
-Extractos da conta “Vigilância e Segurança” e documentos de suporte aos movimentos;
I) Por telefax enviado à R. em 28/5/2008, o A. exigiu ao Técnico Oficial de Contas da R. a entrega dos extractos de conta honorários, vigilância, segurança e trabalho especializado.
J) Da referida assembleia foi lavrada uma acta, à qual foi dado o nº 42, com o seguinte conteúdo:
“aos trinta dias do mês de Maio de 2008, pelas nove horas e trinta minutos reuniu a assembleia geral de sócios da sociedade comercial BB Lda.”, na sua sede social, sita na rua ........., em Bustelo, oliveira de azeméis, na freguesia de São Roque matriculada sob o número 00000 e com o nipc 0000000000, com capital social de sessenta e nove mil oitocentos e trinta e um euros e setenta cêntimos integralmente realizados em dinheiro dividido em três quotas sendo uma de trinta e seis mil quatrocentos e doze euros e vinte e quatro cêntimos pertencente ao sócio AA e duas no valor de dezasseis mil setecentos e nove euros e setenta e três cêntimos cada, pertencentes, uma ao sócio AA e outra à sócia CC.
Encontram-se presentes todos os sócios e nos termos do disposto no artigo 248º, nº4 do código das sociedades comerciais assumiu a presidência o sócio AA.
Esta sociedade decidiu convocar a assembleia geral em curso nos termos da convocatória subscrita pelos gerentes AA e CC nessa qualidade e ainda invocando a qualidade de sócios que são nos termos do disposto no artigo 248º números 2 e 3 do código das sociedades comerciais cuja ordem de trabalhos é constituída por:
Ponto um: aprovação do relatório de gestão e contas do exercício de 2007 Ponto dois: aprovação da proposta de aplicação de resultados.
Iniciada a apreciação do primeiro ponto da ordem de trabalhos e no âmbito da sua discussão foi pedida a palavra pelo sócio AA o qual solicitou a entrega para análise imediata dos seguintes elementos: documentos de suporte aos movimentos na conta de acréscimos de proveitos, extracto da conta honorários e documentos de suporte dos seus movimentos, extracto da conta trabalhos especializados e documentos de suporte aos seus movimentos, extracto da conta vigilância e segurança e documentos de suporte dos seus movimentos, comprovativos de pagamento ao sócio AA, extractos bancários que comprovem as reconciliações apresentadas, extractos da conta corrente de fornecedores com valores acima e 500€ e com movimentos nas contas ou de honorários, ou trabalhos especializados ou ainda vigilância e segurança.
O sócio AA procedeu à entrega dos seguintes
elementos: extractos bancários e documentos comprovativos da conta de acréscimos de proveitos.
Quanto aos restantes elementos aqui solicitados uns porque não é possível entregá-los no imediato outros porque colidem com a necessidade de preservar e respeitar regras relativas ao funcionamento desta empresa, ao segredo do negócio e ao sigilo merecido por terceiros, não procederam à sua entrega.
Terminada a discussão foi este ponto da ordem de trabalhos colocado à votação, tendo obtido os votos favoráveis dos sócios AA e CC, pelo que foi aprovado.
O sócio AA pediu a palavra e no uso da mesma disse as contas reprovam-se na sua globalidade sendo para isso necessários os seguintes elementos de informação que não foram facultados ao sócio ora reclamante: comprovativos de pagamentos ao sócio gerente AA, extracto da conta honorários e documentos de suporte dos movimentos, extractos da conta de trabalhos especializados e documentos de suporte dos movimentos, e finalmente extractos de conta corrente de fornecedores das contas anteriores com movimentos acima de 500 euros. As razões invocadas para não facultar esses elementos - regras de funcionamento da empresa, sigilo de negócio, e sigilo merecido por terceiros - não estão acima do direito do sócio à informação sobre as contas da actividade da sociedade.
Veja-se nesse sentido que a despesa relativa a fornecimentos e serviços de terceiros traduz um aumento de 32% relativo ao exercício anterior, sem que o sócio saiba as razões de tal aumento.
Além disso dos elementos que lhe foram facultados imporiam um seu voto contra a aprovação das contas alguns aspectos fundamentais, diante dos quais destaco os seguintes: o saldo devedor de 301.481,07 euros lançado na conta 271- acréscimos de proveitos resulta de um artifício baseado em documentos forjados entre a actual gerência efectiva da empresa e o marido da gerente CC, sendo este na qualidade, abusiva, de gerente da sociedade A...J&P...J, Lda.; no que se refere à conta 38- regularização de existências - não se compreende e não se aceita a rectificação através de supostas declarações de testemunhas, de um inventário aprovado e assinado um ano e
meio antes pelos gerentes AA e CC; finalmente no que respeita à conta 56- reservas de reavaliação- a gerência encomendou a avaliação do terreno onde está implantada uma unidade fabril com mais de 700 m2 de área coberta, como expediente para compensar o valor de existências em falta ou desviadas, e não como objectivo sério de gestão e de atenção à situação patrimonial da empresa, sendo certo que se avaliou um prédio – terreno – que deixou de existir juridicamente e de facto a partir do momento em que nele foi implantada a unidade fabril atrás referida; além disso, sendo o valor da avaliação encontrado à medida dos interesses da gerência tinha que forçosamente se desacreditar a si próprio porque pelo método que foi encontrado não garante a edificabilidade com base na qual, e com recurso aos critérios dos códigos das expropriações, foi encontrado, e além disso, supõe o terreno livre e não prevê os custos elevadíssimos da eliminação dos vestígios da unidade fabril nele existente e da própria unidade, claro.
Passada á discussão do segundo ponto da ordem de trabalhos, o sócio AA propôs à assembleia que o resultado líquido do exercício de 2007 de 35.977,53 euros fosse aplicado em reservas livres.
Passados à votação da proposta colheu os votos favoráveis dos sócios AA e CC, tendo o sócio AA votado contra, pelo que foi aprovado.
Nada mais havendo a tratar foi esta assembleia encerrada às onze horas e trinta minutos do mesmo dia 30 de Maio do ano 2008 e achado conforme o seu conteúdo, vai a mesma acta ser assinada pelos sócios, na folha 16 deste livro”.
(da Base Instrutória)
1º) No dia 08.05.27, o A. deslocou-se à sede da R.acompanhado de um técnico da sua confiança, tendo solicitado ao Técnico Oficial de Contas indicado pela gerência daquela, além dos referidos em F), os seguintes documentos:
- Extractos da conta “Honorários” e documentos de suporte aos movimentos;
- Extractos da conta “Trabalhos Especializados” e documentos de suporte aos movimentos.
2º) No dia 08.05.27, a R. não entregou ao A., além dos referidos em H), os seguintes documentos: Nota de contabilidade relativa ao fornecedor A....J.....§ P....J....., Lda.; Relação de empréstimos além das contas caucionadas; e Extractos de conta corrente de fornecedores com movimentos acima de €500.

Os factos, o direito e o recurso

A) – Nulidade

Entende a recorrente que no acórdão recorrido foi cometida uma nulidade prevista na alínea d) do nº1 do artigo 668º do Código de Processo Civil na medida em que não teria havido pronúncia sobre a questão de o autor não ter o direito à informação que invoca porque era seu gerente.
A questão não foi posta pela ré no seu articulado, pelo que não tinha que ser conhecida, como melhor se explicitará aquando da apreciação da questão seguinte.
Não foi, assim, cometida a nulidade invocada pela recorrente.

B) – Direito à informação por parte do autor

Entende a ré recorrente que o autor, porque era seu gerente, não era titular do direito à informação, uma vez que podia conhecer directamente todos os factos sociais, sendo que aquele direito à informação estava reservado apenas aos sócios não gerentes.
Não pode ser.
A questão é nova, uma vez que não foi levantada pela ré na sua contestação.
Antes e pelo contrário, nesta a ré aceitou que o autor tinha aquele direito à informação, sustentado apenas que “o invocado direito à informação pelo sócio aqui demandante foi escrupulosamente cumprido” – artigo 67º da mesma peça.

Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo acto recorrido.
Quer dizer: o objecto do recurso é, fundamentalmente, a decisão impugnada ou recorrida e não a questão ou litígio sobre que recai a decisão impugnada.
Sendo os recursos meios de impugnação das decisões judiciais, destinados à reapreciação ou reponderarão das matéria anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal “a quo” e não meios de renovação da causa através da apresentação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada) ou formulação de pedidos diferentes (não antes formulados), ou seja, visando os recursos apenas as modificações das decisões relativas a questões apreciadas pelo tribunal recorrido (confirmando-as, revogando-as ou anulando-as) e não criar decisões sobre mataria nova, salvo em sede de matéria indisponível, a novidade de uma questão, relativamente à anteriormente proposta e apreciada pelo tribunal recorrido, tem inerente a consequência de encontrar vedada a respectiva apreciação pelo tribunal “ad quem” – artigo 676º do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, não se conhece a questão.

C) – Núcleo mínimo de informação e influência de falta de informação sobre o assunto sujeito a deliberação


Na sentença proferida na 1ª instância entendeu-se que apesar de não terem sido fornecidos ao autor alguns dos elementos que peticionou, os que foram colocados à sua disposição habilitavam-no “a tomar uma decisão esclarecida e fundamentada sobre as contas da empresa”.

No acórdão recorrido entendeu-se que não era justificável a conduta da ré ao não entregar ao autor os extractos da conta “Honorários” e documentos de suporte aos movimentos, os extractos da conta “Trabalhos Especializados” e documentos de suporte aos movimentos, os extractos da conta “Vigilância e Segurança” e documentos de suporte aos movimentos, a nota de contabilidade relativa ao fornecedor A....J.....§ P....J....., Lda., a relação de empréstimos além das contas caucionadas e os extractos de conta corrente de fornecedores com movimentos acima de €500 e que tal documentação fazia parte “dos elementos mínimos de informação necessária à votação consciente dos dois pontos da ordem de trabalhos submetidos à apreciação e deliberação na aludida assembleia geral”.

A recorrente entende que os elementos fornecidos ao autor eram suficientes para este tomar uma decisão consciente e esclarecida e constituíam o mínimo de informação que um sócio devia ter para o efeito.
Cremos que não tem razão e se decidiu bem.

Nas palavras de Carlos Maria Pinheiro Torres “in” O Direito à Informação nas Sociedades Comerciais”, 1998, página 121 – obra que seguiremos de perto nas considerações a seguir aduzidas - “o direito à informação, como direito do sócio, desdobra-se, na perspectiva do Código das Sociedades Comerciais, em quatro direcções diferentes, podendo nele considerar-se compreendidos: um direito a obter informações, um direito de consulta dos livros e documentos da sociedade, um direito de inspecção de bens sociais e, embora noutro plano, um direito de requerer inquérito judicial”.

“O direito a obter informações consiste, “grosso modo”, na possibilidade de solicitar ao órgão habilitado para tal, que é, normalmente, entre nós, órgão de gestão da sociedade (gerência, administração, direcção), esclarecimentos, dados, elementos, notícias, descrições sobre factos, actuais e futuros, que integrem a vida e gestão da sociedade, incluindo a possibilidade de dirigir essa solicitação em assembleia geral” – ob. cit. página 122.
Nas sociedades por quotas, esse direito encontra-se previsto nos nºs 1 e 3 do artigo 214º, para as informações não prestadas em assembleia geral, e no artigo 290º, nº1 “ex vi” do nº7 do artigo 214º, para as informações solicitadas em assembleia geral.

O direito de consulta dos livros e documentos da sociedade numa sociedade por quotas encontra-se delimitado no artigo 214º, em termos idênticos ao atribuído aos sócios das sociedades em nome colectivo, sendo certo que a lei não exige a apresentação da qualquer justificação ou motivação para a consulta.

Ao lado da informação directamente dirigida aos sócios, prestada ou não a requerimento destes, existe o que poderemos chamar de informação indirecta, ou seja, de informação emitida pela sociedade, através dos seus órgãos, mas com vista ao público e a entidades determinadas, e que, chegando à esfera do conhecimento dos sócios, também a estes aproveita – ob.cit. página 131.

Do referido artigo 214º, resulta que a informação prestada deve ser verdadeira, completa e elucidativa, exigência presente para todas as sociedades comerciais.

Informação completa é aquela que contém todos os elementos necessários para corresponder a toda a plenitude da solicitação do sócio, pelo que o critério para se distinguir a completude da incompletude da informação será fornecido pelo teor do requerimento que desencadeie a respectiva prestação – cfr. ob. cit. página 208.

No entanto, estando a iniciativa do sócio objectivamente limitada pela lei, a completude da prestação deve aferir-se também pelo que legalmente for consentido.
Assim, nas sociedades por quotas, o sócio está limitado no seu direito de pedir informações fora da assembleia geral à “gestão da sociedade”, nos temos do nº1 do artigo 214º, e aos “assuntos sujeitos a deliberação”, quanto às informações requeridas em assembleia geral.

A informação deve ser também elucidativa, isto é, deve remover e esclarecer as dúvidas ou o desconhecimento acerca de factos ou razões ou justificações para a sua prática, tal como se contém na solicitação do sócio – ob. cit. página 209.

Existe recusa de informação, no sentido de recusa ilícita de informação, sempre que o órgão competente para a sua prestação, face a uma solicitação feita por um ou mais sócios, nas condições de legitimidade estabelecidas na lei, ou no contrato, quando admissíveis, e nos limites fixados, denegue essa mesma prestação ou forneça informação falsa, incompleta ou não elucidativa. Assim é possível concluir para as sociedades por quotas, dos artigos 214º, nº2, 215º, nº2 e 216º, nº1 (…) – ob cit. página 219.

Há casos, no entanto, em que a recusa da prestação de informação é admitida, ainda que a sua solicitação se tenha de conter nos limites legais e contratuais aplicáveis.
São os casos de recusa lícita de informação.

Para as sociedades de quotas, determina-se no artigo 210º, nº1, que a recusa de prestação de informação é lícita quando for de recear que o sócio utilize a informação para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta e, bem assim, quando a prestação ocasionar violação de segredo imposto por lei no interesse de terceiro.

O critério razoável para apreciar esse “receio” será o seguinte: a recusa deve haver-se como legítima “quando as circunstâncias do caso indicam razoável probabilidade de utilização incorrecta da informação”, como resultado de uma apreciação objectiva.
Sendo que este receio se deve alargar ao prejuízo da sociedade.
Quer dizer: para que a recusa seja lícita é necessário que haja receio de utilização da informação para fins estranhos à sociedade e de que, da utilização, decorra para esta um prejuízo – ob. cit. página 221.

A recusa de informação é, ainda, lícita, quando a sua prestação “ocasionar violação de segredo imposto por lei no interesse de terceiros” – nº1 do artigo 215º.
Neste caso, ficam apenas abrangidas as obrigações de segredo impostas por lei e não as obrigações de segredo voluntariamente assumidas pela sociedade face a terceiros, já que assim não fosse, poderia haver uma exagerada tendência para alargar os compromissos de segredo da sociedade para com terceiros com a consequência da redução, também exagerada, da amplitude do dever de informação.

Como segredo imposto por lei no interesse de terceiro, apontam-se o segredo de estado, o segredo militar, o segredo profissional, o sigilo bancário, o segredo dos intermediários financeiros – cfr. ob. cit. páginas 222 e 223.

Nos termos do disposto na alínea c) do nº1 do artigo 58º do Código das Sociedades Comerciais “são anuláveis as deliberações que não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação”.

Estamos, pois, perante a questão de saber qual o critério com base no qual se pode atribuir à falta de informações o efeito de produzir a anulabilidade de uma deliberação social.

Na verdade, “não pode ligar-se, sem um qualquer critério, à omissão ou recusa de prestação de informações, esse efeito anulatório, sob pena de se criarem condições propícias a uma instabilidade inaceitável na vida da sociedade (…).
“Assim, só quando a falta de informação tenha efectivamente viciado a manifestação de vontade do sócio sobre o assunto sujeito a deliberação é que deverá admitir-se a solução da anulabilidade: é necessário que a não prestação de informação tenha influído directa e decisivamente no sentido da deliberação, por ter impedido que a vontade do sócio votante se manifestasse de forma completamente esclarecida (…)” – ob. cit., página 283.

Postos estes conceitos, atentemos no caso concreto em apreço.

Sendo o autor sócio da ré, parece não haver dúvidas que, enquanto tal, tinha direito a informação acima referida.

A assembleia-geral da ré designada para o dia 30 de Maio de 2008 – cujas deliberações se pretende anular – tinha como assuntos a tratar a aprovação do relatório de gestão e contas do exercício de 2007 e da proposta de aplicação de resultados.
Em 27 de Maio do mesmo ano, o autor solicitou diversos documentos, referidos na alínea F) dos factos assentes e na resposta ao ponto 1º da base instrutória.
Nessa ocasião, foram entregues os documentos referidos na alínea G) desses factos, mas não lhe foram entregues os documentos referidos na alínea H),também desses factos e na resposta ao ponto 2º da base instrutória.
Na assembleia-geral em causa, o autor insistiu pela apresentação de documentos, tendo o gerente AA apenas apresentado alguns.
E quanto aos restantes elementos, alegou que em relação a uns não era possível entregá-los no imediato e quanto a outros alegou que colidiam “com a necessidade de preservar e respeitar regras relativas ao funcionamento desta empresa, ao segredo do negócio e ao sigilo merecido por terceiros”.

Concretizando, a ré não entregou ao autor os seguintes documentos por ele solicitados:
- Extractos da conta “Honorários” e documentos de suporte aos movimentos;
- Extractos da conta “Trabalhos Especializados” e documentos de suporte aos movimentos;
- Extractos da conta “Vigilância e Segurança” e documentos de suporte aos movimentos;
- Nota de contabilidade relativa ao fornecedor A....J.....§ P....J....., Lda.;
- Relação de empréstimos além das contas caucionadas;
- Extractos de conta corrente de fornecedores com movimentos acima de €500.

Nos termos do disposto no nº1 do artigo 66º do Código das Sociedades Comerciais, “o relatório de gestão deve conter, pelo menos, uma exposição fiel e clara sobre a evolução dos negócios e a situação da sociedade”.
Sendo que no nº2 do mesmo artigo se indicam em especial, os elementos, factos e informações que constituem o conteúdo mínimo do relatório de gestão, cuja exigência não pode ser dispensada mas tão só complementada no contrato de sociedade – cfr. nº2 do artigo 65º.

A conta de resultados descreve, no quadro de um exercício, os encargos e os produtos referentes ao conjunto das actividades de uma empresa.
Na conta de exercício estão estabelecidas previsões financeiras ou são avaliados os resultados financeiros.

Ora sendo assim, parece não pode haver dúvidas que os documentos solicitados pelo autor e não entregues pela ré, poderiam ter interesse para o autor poder avaliar a evolução dos negócios e a situação da sociedade ré.

A questão que se levanta agora é a de saber se esses documentos eram necessários para o autor formular um juízo sobre os assuntos submetidos à apreciação da assembleia, tendo em conta que lhe tinham sido disponibilizados pela sociedade outros elementos sobre os mesmos.

Entendemos que a valoração da utilidade e adequação das informações solicitadas por um sócio deve ser feita segundo as regras da experiência comum.
Ora sendo assim, não havendo quaisquer factos que nos permitam concluir que os elementos solicitados pelo autor/sócio não contribuem para a formação e fundamentação da sua opinião sobre os assuntos a deliberar, temos que aceitar que esses elementos são susceptíveis de ter esta contribuição.

Temos, pois, que concluir, que a informação fornecida pela ré ao autor foi incompleta.

E também não elucidativa, na medida em que na assembleia-geral não foram removidas e esclarecidas as dúvidas aí apresentadas pelo autor e que constam da respectiva acta.
Ora sendo assim, também não podemos deixar de concluir que a não prestação das informações e esclarecimentos acima aludidos impediram que a vontade do autor/sócio votante se manifestasse de forma completamente esclarecida.

Assente, pois, que as informações solicitadas pelo autor e não fornecidas preenchiam o conteúdo mínimo de informação a que ele tinha direito e que eram necessárias para a formulação da sua opinião, resta apreciar se a recusa da ré em fornecê-las era lícita.
Tendo em conta os conceitos acima referidos, cremos que a resposta não pode deixar de ser negativa.

A autor invocou para a recusa o facto de a entrega dos elementos ou de alguns dos elementos não fornecidos colidirem “com a necessidade de preservar e respeitar regras relativas ao funcionamento da empresa, ao segredo do negócio e ao sigilo merecido por terceiros”.
Não pode ser.

E não pode ser porque, utilizando o critério da razoabilidade acima enunciado, não existem quaisquer factos que nos permitam concluir pela relevância dos motivos invocados pela ré para o não fornecimento das informações.
Como se disse, a mera invocação do segredo do negócio e do sigilo de terceiros voluntariamente assumidos pela sociedade ré não é motivo para a recusa de informação.
Sob pena de se aceitasse tal prática, se reduzir de forma exagerada a amplitude do direito à informação de um sócio, pois uma sociedade podia aumentar desmesuradamente as áreas em que considerava haver segredo, com evidente prejuízo para o direito à informação que é legalmente atribuído aos sócios.

Por tudo o que se acabou de dizer, concluímos que efectivamente as deliberações tomadas na assembleia-geral da ré de 30 de Maio de 2008 não foram precedidas do fornecimento ao autor de elementos mínimos de informação, pelo que são anuláveis.

Desta forma não merecendo qualquer censura o acórdão recorrido.

A decisão

Nesta conformidade, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 16 de Março de 2011


Oliveira Vasconcelos (Relator)
Serra Baptista
Álvaro Rodrigues