Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4051/10.9TBPTM.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
CULPA GRAVE
DOLO
EXCLUSÃO DE CLÁUSULA
ABUSO DE DIREITO
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
BOA -FÉ
Data do Acordão: 09/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / ABUSO DO DIREITO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- António Menezes Cordeiro, Direito dos Seguros, 2.ª Edição, p. 731 ; Tratado de Direito Civil, V, Parte Geral, 2.ª Edição, Almedina, p. 306 a 324 ; Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Neves, Volume II, Coimbra Editora, Stvdia Ivridica, Dez. 2008, p. 153;
- António Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I, 2010, 9.ª Edição, p. 332;
- Baptista Machado, Estudo sobre a Tutela da confiança e venire contra factum proprium, Obra Dispersa, Volume I, Scientia Jurídica, Braga 1991, p. 345 e ss. e 415 a 418 ; RLJ, Ano 117º, p. 232;
- Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª Edição, p. 349 e 354;
- João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 2.ª Edição, p. 448 e 449;
- Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2012, 7.ª Edição, Almedina, p. 239 e 240.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 334.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4 E 639.º, N.º 1.
REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO (RJCS), APROVADO PELO DL N.º 72/2008, DE 16-04: - ARTIGO 46.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 12-02-2009, PROCESSO N.º 4069/08;
- DE 12-11-2013, PROCESSO N.º 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1, AMBOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Tendo sido afastada, na sentença de 1.ª instância, a aplicação de cláusulas de exclusão, nomeadamente, no caso de negligência grosseira ou culpa grave do segurado, questão não colocada em causa perante a 2.ª instância, tem-se a mesma por definitivamente decidida, subsistindo a análise do caso à luz apenas do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo DL n.º 72/2008, de 16-04.

II - Sem embargo de se admitir convenção contrária, desde que não ofensiva da ordem pública, a exclusão da cobertura do contrato de seguro está prevista apenas para os actos de natureza dolosa do segurado (art. 46.º desse RJCS, aprovado pelo DL n.º 72/2008, de 16-04).

III - Tal normativo não abrange a negligência grosseira ou culpa grave. Aliás, nada justifica que se estabeleça uma equiparação geral do ilícito negligente com culpa grave ou lata ao ilícito doloso, uma vez que o brocardo latino “culpa lata dolo aequiparatur” não se mantém vigente no direito actual.

IV - A função essencial do abuso de direito consiste em temperar, com o apelo a regras e princípios fundamentais (a boa fé, a confiança legítima, a finalidade económica e social dos direitos) os resultados que decorreriam de uma aplicação estrita ou meramente formal do direito.

V - O abuso do direito, na configuração expressa no art. 334.º do CC tem um carácter polimórfico, sendo a proibição do venire contra factum proprium ou proibição do comportamento contraditóriouma das suas manifestações.

VI - Em todas as modalidades que o abuso de direito pode revestir, exige a lei que se esteja perante uma violação da boa-fé com uma intensidade tal que o reconhecimento do direito, naquela concreta situação, defraude a ordem jurídica, quer na intencionalidade com que o instituiu e reconheceu, quer no que respeita às exigências de lisura e probidade que impõe e constituem limite ao seu exercício.

VII - E revisitada a matéria de facto apurada, não se descortina que a pretensão do autor seja censurável à luz da boa-fé, pois que arredada a intencionalidade (dolo) da sua conduta, mais não temos do que a existência dos contratos de seguro, livre e validamente celebrados, a verificação do sinistro e a exigência à seguradora da prestação convencionada.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Relatório


I AA, residente em Portimão, intentou contra Companhia de Seguros BB, S.A., com sede em Lisboa, acção declarativa, com processo ordinário, a que foi apensada a que corria termos entre as mesmas partes pelo mesmo tribunal sob o n.º 4570/11.0TBPTB, alegando, em síntese, que:

Celebrou com a ré três contratos de seguro do ramo vida e acidentes pessoais, com as coberturas ou garantias de morte (principal) e de invalidez total e permanente (complementar).

No dia 14 de Dezembro de 2009, na vigência desses contratos, foi colhido por um comboio, sofrendo em consequência a amputação dos dois membros inferiores e ficando afectado de invalidez total e permanente, situação coberta pelos seguros contratados.

Com tais fundamentos, concluiu por pedir a condenação da ré a pagar-lhe:

1 - no âmbito do processo principal, o montante de €164 258,51 (cento e sessenta e quatro mil, duzentos e cinquenta e oito euros e cinquenta e um cêntimos), acrescido dos juros de mora desde a citação e até integral pagamento;

2 - na acção apensada, a quantia de €105 742,47 (cento e cinco mil, setecentos e quarenta e dois euros e quarenta e sete cêntimos), acrescida de juros vincendos até integral pagamento.

A ré apresentou contestação em que, depois de confirmar os contratos de seguro, sustentou que a situação do autor se encontra excluída do seu âmbito de cobertura, dado o acidente ter sido causado pela conduta temerária e grosseiramente negligente do próprio, que caminhou pela via-férrea e a atravessou, o que lhe estava absolutamente vedado, e, além disso, ser abusivo, nos termos do artigo 334.º do CC, a reclamação, com sucesso, de qualquer compensação por banda do autor, pugnando, desse modo, pela improcedência das duas acções.

Replicou o autor, sustentando que nunca pela ré lhe foram enviadas as referidas cláusulas gerais e especiais ou delas tomou conhecimento, de nada tendo sido esclarecido, pelo que não lhe podem ser opostas as referidas exclusões, as quais deverão antes ter-se por excluídas dos contratos celebrados.

Tendo o Mmº. Juiz considerado que se estava perante uma ampliação do pedido inicialmente formulado, assim foi admitida a pretendida desconsideração da cláusula de exclusão invocada pela contestante, mas apenas no que se refere aos autos principais (cf. despacho exarado em acta a fls. 162 destes autos).

Teve lugar audiência preliminar, tendo os autos prosseguido com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória, peças que se fixaram sem reclamação das partes.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença que, na total improcedência da acção, absolveu a ré dos pedidos formulados.

Inconformado, apelou o autor, com parcial êxito, tendo a Relação de ... revogado a sentença e condenado a ré a pagar ao autor a quantia de €100 000,00 (cem mil euros), acrescida de juros de mora contados da citação até integral pagamento à taxa supletiva legal, no que respeita ao processo apensado, e a quantia de €160 653,05 (cento e sessenta mil, seiscentos e cinquenta e três euros e cinco cêntimos), acrescida dos juros vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, contados à taxa supletiva legal desde a data da citação e até integral pagamento, no que respeita aos contratos a que correspondem as apólices 15....9 e 15....2 objecto dos autos principais.

Agora inconformada, interpôs a ré recurso de revista, finalizando a sua alegação, com as extensas, repetitivas e redundantes[1] conclusões que se transcrevem:

I - A seguradora Ré aqui recorrente não pode conformar-se com o entendimento consignado no douto acórdão recorrido, por entender que o mesmo, entre o demais, incorre em desadequada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 1º, 46.º e 210.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril {doravante designado abreviadamente por "RJCS”) e 334.º e 762° do Código Civil, com referência ao estatuído no artigo 23.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 39780 de 21.08.1954.

II - Com efeito, sempre com o máximo respeito - e sem jamais olvidarmos que a concreta situação sub Júdice consubstancia uma infeliz tragédia - temos para nós que se impõe a revogação do douto acórdão proferido, devendo ter sido mantida a douta decisão proferida na 1.ª Instância, por ser a única que se mostra consentânea com as imposições legais aplicáveis.

III - Cremos que se poderão subsumir as questões objecto do presente recurso de revista, ao seguinte:

1) Saber se o Autor ora recorrido agiu de forma grosseiramente negligente ou temerária;

2) Saber se, face ao contrato de seguro e ao regime legal que lhe é aplicável, às normas jurídicas reguladoras da disciplina da boa-fé na execução dos contratos, mormente ao instituto do abuso de direito, esta actuação do recorrido, consabidamente causadora do evento danoso, constitui causa de exclusão da obrigação de indemnizar por parte da seguradora, aqui se incluindo também a análise sobre se o concreto evento dos autos observa todos os requisitos necessários para que possa, á luz do contrato e da lei ser configurável como um evento de caracter externo, súbito e imprevisível.

IV - Entendeu-se na douta decisão proferida na 1.ª Instância que "o A. com o seu comportamento, agiu de forma grosseiramente negligente, temerária mesmo, ao proceder a deslocação a pé ao longo da via férrea e atravessá-la em lugar não destinado para o efeito, não podendo ignorar os riscos em que semelhante comportamento o fazia incorrer, e sem que o condutor do comboio tivesse podido fazer algo para evitar o acidente".

V - Diversamente, o Venerando Tribunal da Relação a quo, considerou que, sendo embora inegável que o Autor não deveria ter efectuado a travessia naquele concreto local, o mesmo adoptou cuidados - cfr. alínea 20 dos factos provados - que só não terão sido idóneos a evitar o sinistro porque para o mesmo concorreu um outro evento, que teve por inesperado, e que se mostrou suficiente para afastar a culpa grave.

VI - A conduta protagonizada pelo Autor aqui recorrido e que, inelutavelmente, deu causa ao evento dos autos, é um comportamento que, aos olhos dos critérios legais, consubstancia uma actuação temerária em alto e relevante grau, provável e adequada a causar o evento que, lamentavelmente, veio a ocorrer.

VII - Na verdade, o simples facto de o Autor aqui recorrido se ter deslocado a pé ao longo da linha férrea que, depois decidiu atravessar, não pode deixar de ser visto como uma actuação que consubstancia em si, de forma notória e perante o senso comum, uma conduta grosseiramente negligente que todo o homem médio sabe que é susceptível de levar à ocorrência de situações, como a dos autos, com consequências gravíssimas.

VIII - Como se salientou e julgou indiciariamente provado o Venerando Tribunal da Relação de … no douto acórdão do recurso de apelação interposto pelo Autor ora recorrido da decisão do procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória (processo n.º 4051/10.9TBPTM-A.E1, (processo n.º 4051/10.9TBPTM-A.E1, de 12.07.2012, Relator Jaime Pestana, apenso aos presentes autos e cuja cópia se anexa) - constituindo ademais facto notório e do conhecimento generalizado, "o piso da linha é em cascalho, dificultando a progressão" (vide páginas 5 e 10 daquele douto aresto).

IX - E acrescendo que, como o próprio Autor confessou no artigo 12.º da petição inicial, ser aquele, na altura do acidente, "portador de uma mala com documentos", o que, de igual modo, lhe não facilitaria o caminhar e o transpor da via férrea.

X - Sendo ainda de realçar, e sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, que, ao invés do que se verteu no douto acórdão recorrido, atenta a concreta configuração da linha férrea - que para além de observar os requisitos que habitualmente caracterizam uma linha férrea, se mostra bem evidenciada nas fotografias juntas aos presentes autos - o facto de o Autor aqui recorrido ter ficado com um pé preso na linha era um evento que, atentas as circunstâncias em causa, se podia legitimamente esperar.

XI - É que caminhar ao longo da linha e atravessá-la são condutas manifestamente perigosas, não só pelo facto de, a qualquer momento, por ali poder surgir um comboio em circulação, mas também pela própria configuração e piso da linha que é por demais idónea a provocar quedas, tropeções e mesmo a situação dos autos, i.e., pés presos na linha.

XII - Sendo um comportamento que é, de forma objectiva, grosseiramente negligente.

XIII - Com efeito, é do mais elementar senso comum que a circulação pedestre nas linhas de caminho de ferro é um comportamento, que para além de proibido, é de altíssimo risco.

XIV - Na verdade, "um bom pai de família", que é um homem inteiramente abstracto, colocado nas mesmas circunstâncias externas em que procedeu o recorrido, teria procedido de forma diferente, desde logo não procurando o "atalho" e caminhando ao longo da linha férrea, e muito menos, atravessando a mesma em lugar não destinado para o efeito.

XV - Caminhando e atravessando a linha férrea naquelas circunstâncias, o recorrente aceitou o risco inerente, que não ignorava.

XVI - Numa linha férrea os comboios não surgem do nada e os peões têm de contar com o seu surgimento na medida em que, claro está, a linha férrea é o único e adequado local para que os comboios possam circular.

XVII - E não se diga, como faz o douto acórdão recorrido, que este risco ficou minimizado e que se afastou a culpa grave do Autor aqui recorrido pelo facto de este, antes de iniciar a travessia se ter certificado que não circulava nenhum comboio, pois, na verdade, como se veio a verificar, o Autor acabou por ter sido colhido pela verificação de outro dos riscos previsíveis e inerentes ao atravessamento da linha - o de ficar com o pé preso na linha.

XVIII - Risco este igualmente de senso comum, em virtude da concreta configuração da mesma.

XIX - Era, pois, expectável e previsível, que naquele concreto local ocorresse um acidente como o infeliz evento dos autos.

XX - Prevenindo, justamente, estes efeitos e estes riscos previsíveis, o regulamento para a exploração e de polícia dos caminhos-de-ferro proíbe expressamente a circulação de pessoa na via, junto à via e o seu atravessamento fora de locais a tanto destinados (cfr. o artigo 23.º, nº 1 do Decreto-Lei n.º 39780 de 21.08.1954).

XXI - Em virtude da factualidade dada como provada, dúvidas não subsistem de que era altamente previsível para o Autor aqui recorrido que, optando pela circulação a pé por local vedado à circulação de pessoas e atravessando a linha em local não destinado a tal efeito, pudesse vir a ser colhido por um comboio, o que ocorreu.

XXII - E isto independentemente de ter ou não ficado com o pé preso.

XXIII - O Autor aqui recorrente agiu, pois, de modo inequivocamente temerário, colocando-se, voluntariamente, naquela situação de perigo eminente.

XXIV - A este respeito, de salientar o douto entendimento vertido no acórdão do Tribunal da Relação de …, de 18.03.2009, proferido no âmbito do processo 11240/2008-4, disponível na íntegra in www.dasi.pt.

XXV - E, outrossim, no igualmente douto acórdão do Tribunal da Relação do …, de 26.01.2006, no proc. 0536419.

XXVI - Do mesmo modo, veja-se também o que a este propósito se aduziu no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.12.2010, no proc. 2732/07.3TBFL6.G1.S1 (tal como os dois anteriormente referidos, transcrito no corpo da presente alegação), em situação em tudo similar verificada na travessia de um peão numa auto-estrada.

XXVII - Na senda do entendimento doutamente vertido nos citados arestos, impunha-se considerar que a conduta protagonizada pelo Autor aqui recorrido foi verdadeiramente temerária, tendo o mesmo actuado de forma grosseiramente negligente e, portanto, com culpa grave, com o que, inelutavelmente e de forma exclusiva, deu causa ao evento danoso.

XXVIII - Perante o supra expendido, e sempre com o merecido respeito por entendimento diverso, urge analisar a situação dos autos, à luz do disposto dos contratos de seguro e, bem assim, do RJCS.

XXIX - De facto, não pode deixar de se interpretar o vertido no artigo 46.º, nº 1 do RJCS no sentido de que práticas como a da concreta situação em apreço não podem deixar de ser vistas como adequadas a integrar o âmago daquela norma.

XXX - Com efeito, estamos diante de um comportamento que, previsivelmente, redundaria num resultado trágico, como o que veio a suceder.

XXXI - A conduta temerária do segurado, aqui recorrente que, directa e exclusivamente dá causa ao evento danoso, não pode ter sido uma situação que o legislador pretendeu proteger.

XXXII - Até porque, no caso sub judice, há uma ténue linha separadora entre o dolo e a negligência grosseira, dado que, e sempre com o máximo respeito, a concreta actuação que levou à ocorrência do evento danoso - o caminhar ao longo da via férrea e subsequente travessia da mesma - foi uma actuação intencional e voluntária levada a efeito pelo segurado, aqui recorrido.

XXXIII - Foi o próprio Autor quem, de forma consciente e não podendo ignorar o risco a que estava exposto, se colocou naquela situação.

XXXIV - E, como tal, essa concreta actuação integra-se na previsão do n.º 1 do artigo 46.º do RJCS, como causa legitimadora do afastamento do direito do recorrido às indemnizações advenientes do contrato de seguro.

XXXV - Temos assim que, igualmente nesta sede, andou mal o Venerando Tribunal da Relação, impondo-se, pois, a revogação do douto acórdão recorrido e a sua substituição por outro que, à semelhança do que sucedeu na 1ª Instância, afaste a responsabilidade da ora recorrente Ré seguradora.

XXXVI - Nos presentes autos veio o Autor accionar dois contratos de seguro de acidentes de vida e um de acidentes pessoais que havia celebrado com a seguradora Ré aqui recorrente.

XXXVII - O contrato de seguro é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante o pagamento, por outra, de determinado prémio, a indemnizá-la ou a terceiro pelos prejuízos decorrentes da verificação de certo evento de risco coberto.

XXXVIII - Trata-se de um contrato de natureza consensual e formal: consensual porque se realizada por via do simples acordo entre as partes; formal porque a sua validade depende de redução a escrito consubstanciado na apólice a que se reportam os artigos 32.º e 37.º RJCS.

XXXIX - É essencialmente regulado pelas disposições particulares, gerais e especiais constantes da respectiva apólice, e no que estas sejam omissas, pelo disposto no citado RJCS ou, na falta de previsto deste, pelo disposto no Código Civil (cfr. artigos 11.º do RJCS e 4º do Código Civil).

XL - Ora, atendendo a que o evento dos presentes autos foi causado, de forma exclusiva e voluntária pelo Autor aqui recorrente - que se colocou na sobredita situação de perigo objectivo e emergente - este risco não se poderia ter como aleatório ou externo nos termos do disposto nos artigos 1º e 210.º do RJCS, mas teria sido unicamente decorrente da actuação do Autor ora recorrente, que ora vem reclamar uma compensação pela ocorrência do infeliz sinistro do qual foi único causador.

XLI - Nos termos do disposto o artigo 1.º do RJCS, o risco traduz-se num evento aleatório previsto no contrato de seguro cuja ocorrência determina o segurador a pagar a prestação convencionada.

XLII - E, na senda deste mesmo princípio de aleatoriedade, dispõe o artigo 210.º do RJCS, que no caso dos seguros de acidentes pessoais, o segurador cobre o risco de verificação de lesão corporal, invalidez temporária ou permanente ou morte da pessoa segura, por causa súbita, externa e imprevisível.

XLIII - Como causa súbita, tem-se entendido que é aquela que é imprevista, inesperada, invulgar, que não é expectável e, por isso, está fora de previsão.

XUV - Entendeu-se no douto acórdão aqui posto em crise que este carácter aleatório inerente ao risco previsto pelo contrato de seguro se há-de aferir ao momento da celebração do contrato, "irrelevando portanto para este efeito que o tomador do seguro se venha a colocar numa situação de risco".

XLV - Não podemos, pois, concordar com tal douto entendimento.

XLVI - Volvendo ao caso subjudice, e como se foi salientando supra, temos que inexiste uma causa do evento que se possa apodar de súbita, externa e imprevisível: desde logo, porque foi o Autor aqui recorrente quem, voluntária e conscientemente, se colocou numa situação de perigo objectivo e iminente, que não podia ignorar.

XLVII - Bem como, e aqui apelando aos factos que resultaram inequivocamente provados {e que não foram impugnados, nesta parte, pelo Autor aqui recorrido), era previsível que, naquela situação em concreto, pudesse ocorrer um acidente com um comboio, com consequências drásticas, como lamentavelmente veio a suceder.

XLVIII - Em face disto, urge concordar com o douto entendimento consignado na não menos douta decisão proferida na 1ª Instância, no sentido de que não estão, pois, verificados os pressupostos que o RJCS e o contrato de seguro celebrado exigem para a verificação de um "acidente pessoal" e, nem sequer, a álea própria e inerente ao conceito de risco previsto no contrato de seguro de vida.

XLIX - No que diz respeito à qualificação do sinistro como tendo uma causa súbita, externa e imprevisível, sempre se terá que dizer que, quando à externalidade da causa imediata, admite-se que a mesma se verifica dado que não foi algo de interno ao Autor aqui recorrido que causou, em si, o sinistro, antes um facto externo: a circulação da composição ferroviária.

L - Contudo, há aqui uma actuação intencional do sinistrado - que se colocou naquela concreta exposição ao risco de ser colhido pelo comboio - que não pode deixar de se interpretar como sendo a causa mediata do evento.

LI - Ora, a causa determinante do atropelamento foi a própria actuação do segurado Autor aqui recorrido, que criou todas as condições para que pudesse suceder o evento danoso.

LII - E, nessa perspectiva, haverá aqui uma interioridade e intencionalidade de actuação que afasta, pelo menos no que diz respeito à causa mediata, a externalidade de toda a complexa sucessão de eventos que compõem o sinistro dos autos.

LIII - O facto despoletador do evento danoso não foi alheio ao Autor aqui recorrido, antes tendo por si voluntariamente causado.

LIV - O que, sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, e em face da perpectiva supra enunciada, será adequado a afastar o requisito da externalidade da causa do evento danoso.

LV - De igual sorte, não se pode admitir também que, nas concretas circunstâncias de facto provadas e ocorridas neste sinistro se possa considerar a causa como súbita, desde logo porque um comboio não surge do nada e não tem uma dimensão que importe a sua aproximação de forma não perceptível, muito menos naquele concreto local, que corresponde, ao único local onde poderia surgir um comboio em circulação, a linha férrea.

LVI - Note-se, o termo comboio é muitas vezes usado como hipérbole dada a "dimensão" e forma "imparável" do mesmo ao circular e "levar tudo à frente", intuindo-se assim, sem sombra de dúvida, que tal objecto não aparece sorrateiramente nas costas de qualquer transeunte ou de forma a que o mesmo não se possa aperceber,

LVII - Nessa medida, e sempre com o máximo respeito por entendimento diverso, não se poderá nunca considerar como causa súbita um acidente deste tipo ocorrer numa linha de comboio ao longo da qual se circula a pé.

LVIII - Na verdade, os comboios circulam em horários certos rígidos e, consequentemente, previsíveis, exactamente para, também, evitar acidentes, pelo menos, dado que o acidente não ocorre, por exemplo, numa circunstância, essa sim, súbita, de o Autor, circulando por local seguro, como seja uma passadeira superior à linha, subitamente tropeçar e cair á linha.

LIX - O que manifestamente não é o caso aqui.

LX - Consequentemente, não se pode considerar que este sinistro tenha tido causa súbita, dado que a subitaneidade neste caso demonstra ser impossível quer pela dimensão da composição do comboio, quer pelo facto de este se movimentar exclusivamente em vias férreas, em horários certos e a velocidades controladas e, neste caso, a velocidade reduzida.

LXI - Assim, o aparecimento da composição a circular normalmente no local próprio, em horário normal a velocidade relativamente reduzida, retira às circunstâncias do acidente toda a subitaneidade que poderia caracterizar um "sinistro" idóneo para acionar as garantias do contrato de seguro.

LXII - Por outro lado, quanto à imprevisibilidade, dados os factos provados, o local em que ocorre o sinistro, a forma como o mesmo ocorre e a conduta do sinistrado em concreto, retiram em absoluto a imprevisibilidade da ocorrência.

LXIII - Note-se que, neste concreto aspecto, nem o próprio Venerando Tribunal da Relação consegue evitar aderir, referindo a folhas 23 do seu douto acórdão: "a verdade é que, tratando-se de uma tinha férrea em uso, existe o risco, que o mais elementar bom senso obriga a não ignorar, de surgirem comboios, equipamento que, conforme é também do conhecimento comum, dado o seu peso e velocidades atingidas, não se imobilizam com facilidade"'.

LXIV - Assim, era altamente previsível, senão expectável, que, na circunstância de se caminhar ao longo da linha férrea viesse a surgir um comboio; imprevisível seria que tal não ocorresse.

LXV - O que aqui se deixa expressamente alegado para todos os devidos efeitos legais.

LXVI - As normas consagradas nos artigos 12 e 210.º do RJCS, quando conjugadas com o disposto no artigo 334.º do Código Civil, determinam a necessária conclusão de que, diante o principio da boa-fé, não pode o Autor aqui recorrido - sem incorrer em gritante abuso do seu direito eventualmente emergente das garantias do contrato de seguro - contribuir de forma clara e absolutamente determinante, como o fez, para a produção do sinistro e, subsequentemente, vir reclamar da seguradora Ré aqui recorrente a prestação a que teria direito por força da ocorrência do evento.

LXVII - Aliás, permitimo-nos ir aqui mais longe nesta apreciação, no sentido de fazer notar que esta actuação afronta igualmente o disposto no artigo 762.º do Código Civil, sendo violadora do princípio da boa-fé na execução do contrato.

LXVIII - É que não se pode de todo, olvidar que, situando-se o caso sub júdice no âmbito da apreciação da responsabilidade contratual, impõe-se analisar a conduta das duas partes à luz das normas que regem a execução do contrato, sinalagma esse do qual, necessariamente, emergem deveres e obrigações para ambas as partes.

LXIX - Do contrato de seguro não emerge para o segurado apenas e só a obrigação de pagar o prémio; o mesmo está também obrigado a observar o princípio da boa-fé na própria execução do contrato, nomeadamente no que diz respeito aos deveres acessórios de conduta (vide, neste conspecto dos deveres de boa-fé na execução do contrato de seguro, o que se aduziu no sumário do douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.05.2012, no proc. 2841/03.8TCSNT.L1.S1, acima transcrito).

LXX - Ora, sempre com o merecido respeito por diverso entendimento, temos por certo e indubitável que o Autor aqui recorrido provocou o evento de risco, retirando-lhe, dada a sua intencionalidade e previsibilidade para o homem médio - o bónus pater famílias -, o seu carácter súbito e aleatório, não se podendo igualmente classificar como externo (no sentido de estranho) em relação à sua pessoa.

LXXI. Pelo que, atentas as normas citadas, não pode o Autor aqui recorrido, sem abusar do seu direito, e numa situação de venire contra factum próprio, vir reclamar para si uma compensação pela ocorrência de um sinistro que o mesmo, de forma temerária, praticou e deu causa adequada e exclusiva.

LXXII - Actuação essa que implica, simultaneamente, uma flagrante violação do dever de boa-fé a que o segurado estava adstrito.

LXXIII. Por outro lado, actuou igualmente o Autor numa das demais modalidades em que o instituto jurídico do abuso de direito pode ocorrer, no caso, em tu quoque, traduzindo-se numa regra pela qual a pessoa que viole uma norma jurídica não pode, sem abuso, tentar tirar proveito de uma situação em benefício próprio.

LXXIV - Foi o que, no caso, inequivocamente ocorreu, pois que o sinistro teve a sua causa adequada prevalecente na decisão voluntária do Autor em caminhar e atravessar a linha férrea em local não destinado para tal efeito, em frontal e determinante violação do citado regulamento para a exploração e de polícia dos caminhos-de-ferro que proíbe expressamente a circulação de pessoa na via, junto à via e o seu atravessamento fora de locais a tanto destinados (cfr. o artigo 23.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 39780 de 21.08.1954).

LXXV - O douto acórdão recorrido incorreu, pois, em flagrante violação do disposto nos artigos 1º, 46.º, n.º 1 e 210.º do RJSC e nos artigos 334.º e 762.º do Código Civil, com referência ao estatuído no artigo 23.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 39780 de 21.08.1954.

LXXVI - Impõe-se, assim, a revogação do douto acórdão aqui posto em crise e sua substituição por outro que absolva a seguradora Ré aqui recorrente dos pedidos, nos termos supra apontados.

O autor ofereceu contra-alegação a pugnar pelo insucesso da revista.

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

II - Fundamentação de facto

A factualidade dada como provada, nas instâncias, é a seguinte:

1. No dia 13 de Fevereiro de 2009 o Autor celebrou com a Ré um contrato de seguro, denominado por “Multi Protecção Pessoal”, no ramo dos “Acidentes Pessoais – Individual”, sob a proposta com o n.º 15….8, que deu lugar à emissão da apólice n.º 15…92.

2. Com as seguintes coberturas:

a) morte ou invalidez permanente – valor seguro € 50.000,00;

b) incapacidade temporária absoluta – internamento hospitalar – valor seguro €9.000,00;

c) despesas de tratamento – valor seguro € 2.500,00;

d) despesas de funeral – valor seguro € 1.500,00;

e) assistência às pessoas;

f) Assistência Médico Sanitária.

3. No dia 10 de Dezembro de 2009 o Autor celebrou com a Ré um contrato de seguro, denominado por “Multi Protecção Pessoal”, no ramo do “Vida”, sob a proposta com o n.º 15…97 que originou a emissão da apólice n.º 15…09.

4. Com as seguintes coberturas:

a) Morte ou invalidez permanente – Valor Seguro € 100.000,00;

b) Incapacidade Temporária Absoluta – Internamento Hospitalar – Valor Seguro €18.000,00;

c) Despesas de Tratamento – Valor Seguro € 5.000,00;

d) Despesas de Funeral – Valor Seguro € 2.500,00;

e) Assistência às pessoas;

f) Assistência Médico Sanitária.

5. O contrato de seguro “Multi Protecção Pessoal” do ramo “Acidentes Pessoais – Individual”, sob a apólice n.º 15…92, teve início em 13 de Fevereiro de 2009.

6. O Contrato de Seguro “Multi Protecção Pessoal”, no ramo de “Vida”, sob a apólice n.º 15…09, teve início em 10 de Dezembro de 2009.

7. No dia 09 de Dezembro de 2009 o Autor celebrou com a Ré um contrato de seguro de Vida denominado “Opção Vida Mais”, do ramo dos “Seguros de Vida”, sob a apólice n.º 3…/02…9.

8. O qual contemplava as coberturas de Morte ou Invalidez Permanente, no valor Seguro EUR. 100.000,00 (Cem Mil Euros).

9. Esta proposta de seguro veio a ser analisada e aceite pela Companhia Ré no dia 14.12.2009, tendo o seguro tido início nessa data.

10. O contrato de seguro veio a ser aceite pela Ré e titulado pela apólice n.º 3…/0002…9, sendo que a proposta, condições particulares, gerais e especiais estão juntas como documentos nºs 1 (fls. 106 a 111), 2 (fls. 112-113), 3 (fls. 114-115) e 4 (fls. 116) da contestação do apenso B, aqui se dando por integralmente reproduzidos.

11. Os contratos de seguro, com exceção do segundo seguro de acidentes pessoais, foram celebrados por intermédio de Rogério Rosa Gonçalves, funcionário da Ré, tendo tratado com o Autor dos procedimentos de contratação do seguro.

12. Os documentos de fls. 98 a 101 (condições gerais e especiais do seguro de multi protecção pessoal com início de vigência em 13 de Fevereiro de 2009) e 104 a 116 (condições gerais e especiais do contrato de seguro multi protecção pessoal que teve início em 10 de Dezembro de 2009) dos presentes autos não foram assinados pelo Autor, nem se encontram datados, tratando-se de formulários pré feitos.

13. Aquando da celebração dos contratos, ao Autor foi fornecida explicação sobre as coberturas dos seguros, tendo o funcionário da R. acrescentado que o Autor receberia mais tarde os contratos pelo correio, podendo então tomar conhecimento dos respectivos detalhes.

14. Os documentos contendo as condições particulares e gerais dos seguros não foram assinados pelo Autor, embora o mesmo tenha assinado, designadamente na proposta do seguro “Opção Vida Mais” (constante de fls. 224 a 228 dos presentes autos e 17 a 20 e 106 a 111 do apenso B), a declaração de que tomava conhecimento das condições gerais e especiais dessa apólice.

15. Ao Autor foi dito, nomeadamente, que a Ré pagaria os montantes indicados nas propostas de seguros nos termos descritos em 2. e 4. destes factos provados, caso o mesmo autor ficasse com invalidez absoluta e definitiva.

16. Dos documentos que foram dados a conhecer pela seguradora, Ré, ao Autor (Doc. n.º 1- A da P.I. do apenso B), consta o seguinte, no respeitante ao seguro “Opção Vida Mais”:

1. “Proposta de Seguro Individual – Opção Vida Mais

2. (…) Plano de Coberturas:

3. - Temporário Anual Renovável;

4. - Invalidez Total e Permanente;

5. (…) Capital Seguro – Eur. 100.000,00 (…)”.

17. Ao Autor foi dito que a Ré pagaria o montante indicado na proposta de seguro nos termos descritos em 16. destes factos provados, caso o mesmo autor falecesse ou ficasse numa situação de invalidez absoluta e definitiva e/ou Invalidez Total e Permanente.

18. No dia 14 de Dezembro 2009, pelas 14h00, na cidade de …, área desta Comarca, o Autor pretendeu ver materiais de construção junto de um ponto de venda, perto de uma linha de comboio, vindo a envolver-se num acidente com um comboio.

19. No dia e hora do acidente, o A. AA, a dada altura do seu trajeto de regresso, após tomar um atalho pelo meio do campo que levava à linha de comboio, caminhou ao lado da linha de comboio com o objetivo de chegar ao local, do lado contrário da linha, onde poderia seguir caminho para sua casa, tendo tomado este trajecto por ser o mais curto, sendo que este o obrigava a atravessar a linha, o que decidiu fazer.

20. Ao iniciar a travessia da linha, o A. verificou que não circulava qualquer comboio.

21. Mas quando iniciou a sua marcha ficou com um dos pés preso na linha de comboio.

22. Ao realizar manobras para se libertar, o A. foi surpreendido por um comboio que ali circulava.

23. A dado momento, e subitamente, ouviu a buzina avisadora do comboio.

24. O A. tentou libertar-se, mas não conseguiu, acabando por ser colhido pelo mesmo comboio.

25. No local a linha férrea, única para os dois sentidos de tráfego ferroviário, desenvolve-se em recta com uma extensão de 600 a 700 metros, não havendo inclinações da via que obstruam a visibilidade, não estando destinado à travessia de peões.

26. À data dos factos, o local onde ocorreu o sinistro não era delimitado por qualquer vedação metálica.

27. Sendo por isso de fácil acesso a peões.

28. Nem o local tem afixado qualquer tipo de comunicação proibitiva de circulação de peões.

29. Era possível que naquele local o A. pudesse vir a ser vítima de um acidente ferroviário como o que ocorreu.

30. O Autor foi transportado, no próprio dia, para o Hospital do ..., em ….

31. Onde lhe foram diagnosticados vários ferimentos e fracturas.

32. O Autor foi operado de emergência, realizando-se desarticulação a nível do joelho direito e amputação a nível do terço proximal da esquerda.

33. Como consequência direta e necessária do acidente acima mencionado, resultou para o A. a amputação traumática de ambos os membros inferiores.

34. No pós-operatório o Autor foi sujeito a várias limpezas e mudanças de pensos das cirurgias dos cotos de amputação dos membros inferiores.

35. O Autor esteve internando, a receber tratamento médico, no referido hospital entre o dia 14 de Dezembro de 2009 até ao dia 22 de Janeiro de 2010.

36. No pós-operatório, foi ainda o Autor sujeito a consultas de plástica.

37. O Autor aguarda ainda total cicatrização dos ferimentos, com vista a aplicação de próteses.

38. Como consequência do sinistro, o Autor não consegue caminhar, andar, nem colocar-se numa posição erecta.

39. Só conseguindo locomover-se por meio de cadeira de rodas.

40. Em consequência direta e necessária do acidente em análise, das lesões corporais sofridas pelo Autor, resultou incapacidade para trabalhar.

41. A incapacidade do Autor, em consequência do acidente, é irrecuperável para exercer qualquer atividade remuneratória na sua profissão, ou seja, no ramo da construção civil, nem conseguindo exercer qualquer outra atividade lucrativa correspondente aos seus conhecimentos e capacidades no ramo da construção civil.

42. Não podendo trabalhar desde a data do sinistro.

43. Nem auferindo quaisquer rendimentos.

44. Não podendo, desde a data do acidente, carregar pesos.

45. O A., até à data do acidente, gozava de boa saúde, não apresentando quaisquer problemas físicos.

46. À data do sinistro, o A. trabalhava sob o cargo de Gerente, na sociedade comercial denominada por “CC, Lda.”, auferindo mensalmente, o vencimento ilíquido de € 1.000,00, (mil euros).

47. Dirigindo obras de construção civil na área da cofragem.

48. E executando mesmo tarefas de cofragem em construção civil.

49. A invalidez permanente que do sinistro resultou para o A. situa-se em percentagem de 65%, sendo de admitir a existência de dano futuro.

50. Com impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa.

51. O Autor atualmente subsiste em exclusivo devido ao apoio da sua mulher, quer para subsistência funcional, quer para sobrevivência alimentar.

52. Tendo sofrido dores e, face ao sucedido, desgostos.

53. O Autor tem vivido desde o acidente sempre em sofrimento e angústia.

54. Em consequência do sinistro e dos subsequentes tratamentos médicos a que foi submetido no Centro Hospitalar do …, EPE, esta instituição está a reclamar do Autor o montante de € 7.228,05 a este título.

55. Pelo A. foi participado à Ré o sinistro acima referido, no âmbito dos seguros com esta contratados.

56. No dia 26 de Abril de 2010, o Autor remeteu à Ré a carta de fls. 32 destes autos principais, na sequência de ausência de qualquer resposta das participações do sinistro.

57. Não obstante o Autor ter participado à Ré o sinistro acima referido, esta recusa-se a pagar ao Autor qualquer quantia pecuniária.


III – Fundamentação de direito

A apreciação e decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil), gravitam nuclearmente sobre a definição da responsabilidade da recorrente, na qualidade de seguradora, pelo pagamento ao autor das prestações da cobertura contratada nos três contratos de seguro e abuso de direito por banda do autor.

A 1ª instância entendeu afastar essa responsabilidade, com fundamento na conduta grosseiramente negligente do autor, e considerou abusivo o direito deste em exigir da recorrente o pagamento de quaisquer prestações, enquanto a 2ª instância decidiu, ao invés, que a responsabilidade da recorrente não foi afastada pela conduta do autor e que a exigência de pagamento das prestações derivadas do acionamento dos contratos de seguro celebrados não é abusiva.

A recorrente pugna naturalmente para que fique a subsistir a 1ª decisão, em substituição da ditada pela Relação, abonando-se, para o efeito, em considerações e argumentos ali tecidos, que foram rebatidos, depois, no acórdão posto em crise, em moldes jurídicos que merecem o nosso inteiro aplauso, quer quanto à abordagem aprofundada das temáticas antes enunciadas, quer quanto ao acerto decisório.

Não obstante isso, convém ter em conta que, como se alcança do acervo factual provado, entre a recorrente e o autor foram celebrados três contratos de seguro, o primeiro em Fevereiro de 2009, do ramo acidentes pessoais – individual, os segundo e terceiro em 9 e 10 de Dezembro de 2009, do ramo vida, com cobertura complementar em caso de invalidez permanente, sendo-lhes portanto aplicáveis, para além do regime comum, ainda as disposições comuns atinentes aos seguros de pessoas (Cap. I do Título III, artigos 175.º a 182.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL 72/2008, de 16/4,) e as especiais que regulam os seguros de vida e os seguros de acidentes pessoais (artigos 183.º a 209.º e 210.º a 212.º desse Regime).

Importa ainda relembrar que esses contratos se encontravam em vigor à data em que ocorreu o acidente que vitimou o autor, quando realizava a travessia da via férrea, em local proibido, e que na sentença da 1ª instância foi afastada, atento o teor dos factos assentes sob os n.ºs 12. a 17., a aplicação das cláusulas de exclusão invocadas pela ré, questão não colocada em causa perante a 2ª instância e que, por isso, se tem por definitivamente decidida, subsistindo a análise do caso à luz apenas do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL 72/2008, de 16/4.

Dispõe o seu artigo 46.º, justamente sob a epígrafe de “Actos dolosos”, que:

“1. Salvo disposição legal ou regulamentar em sentido diverso, assim como convenção em contrário não ofensiva da ordem pública quando a natureza da cobertura o permita, o segurador não é obrigado a efectuar a prestação convencionada em caso de sinistro causado dolosamente pelo tomador do seguro ou pelo segurado.

2. O beneficiário que tenha causado dolosamente o dano não tem direito à prestação”.

Não há, portanto, dúvida, face à letra da lei, que a exclusão da cobertura se encontra prevista apenas para os actos de natureza dolosa, sem embargo de se admitir convenção contrária, desde que não ofensiva da ordem pública. E também é fora de dúvida que a conduta do autor que desemboca no acidente ferroviário que desencadeia os riscos cobertos pelos contratos de seguros não pode ser tida como dolosa.

A recorrente não questiona isso, mas insiste que a exclusão de cobertura dos contratos é extensiva ainda à negligência grosseira ou culpa grave, afadigando-se a apresentar argumentação tendente a enquadrar a conduta do autor nesse conceito jurídico. Não se antolha necessário analisar tal temática, já que, como bem equacionou e decidiu o acórdão recorrido, essa modalidade de negligência não se encontra abrangida pelo transcrito normativo.

Com efeito, a interpretação da lei não deve cingir-se à sua letra, impondo-se-lhe que reconstitua o pensamento legislativo, “tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (artigo 9.º, n.º 1 do Cód. Civil). Não poderá, porém, o interprete chegar a um resultado que não encontre na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso, letra da lei que funciona assim como limite inultrapassável (n.º 2), tanto mais que se presume, não só que o legislador adoptou a solução mais acertada, como soube exprimir-se adequadamente (n.º 3).

Tendo em conta tais critérios interpretativos, o primeiro aspecto a sublinhar é que o legislador se referiu apenas a condutas dolosas, sendo certo que podia perfeitamente acrescentar-lhe a actuação por culpa grave (ou negligência grosseira), caso fosse sua intenção incluí-la, tanto mais que esse binómio surge mencionado, por exemplo, no n.º 4 do artigo 1323.º do Cód. Civil e ainda no artigo 8.º do DL 67/207, de 31/12[2]. E se não o fez terá que se entender que não o quis, tendo naturalmente deixado por conta da autonomia das partes e inerente liberdade de estipulação a fixação de cláusulas que regulem aspectos não compreendidos no regime geral[3], designadamente a contratação de cláusulas de exclusão no caso de condutas grosseiramente negligentes.

Deste modo, e porque nada justifica que se estabeleça uma equiparação geral do ilícito negligente com culpa grave ou lata ao ilícito doloso, “uma vez que o brocardo latino «culpa lata dolo aequiparatur» não se mantém vigente no direito actual"[4], há que concluir que apenas os sinistros dolosamente causados pelo tomador do seguro ou pelo segurado se encontram previstos no artigo 46.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL 72/2008, de 16/4.

Significa isto que a exclusão de cobertura no caso dos sinistros causados por negligência, ainda que se trate de culpa grave ou negligência grosseira[5], terá que ser objecto de contratualização entre as partes o que no caso em apreço não ocorreu, rectior não ocorreu validamente.

Na verdade, tendo o autor aderido a contratos de seguro, cujas cláusulas não negociou, por se encontrarem já predispostas, sem a sua intervenção, e não tendo sido demonstrada a observância do dever de informação, no tocante a tais cláusulas, foram as mesmas consideradas excluídas dos contratos, nos termos dos artigos 5.º, 6.º e 8.º, alínea d) do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro. Esse segmento decisório da 1ª instância não foi objecto de impugnação e, como já referido, tem-se por assente, pelo que não poderá equacionar-se o alargamento da exclusão da responsabilidade, prevista nesse clausulado, no caso de culpa grave do segurado, nem interessa dilucidar se foi essa a modalidade de culpa em que o mesmo incorreu.

Sustenta também a recorrente que, em face do que dispõem os artigos 1.º e 210.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL 72/2008, de 16/4, o evento ajuizado não pode/deve ser considerado como aleatório, porquanto “qualquer homem médio dotado de elementar prudência deve ter como previsível que ao deslocar-se ao longo de uma linha de caminho-de-ferro tem a possibilidade de se confrontar com o aparecimento de um comboio”, nem tão pouco se ficou a dever a causa externa e imprevisível, e isto porque “a conduta do autor contribuiu para a produção do acidente”.

Estabelece o artigo 1.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL 72/2008, de 16/4, que “Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso e ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente”. No caso dos seguros de vida, “o segurador cobre um risco relacionado com a morte ou a sobrevivência da pessoa segura” (artigo 183.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL 72/2008, de 16/4), ao passo que no seguro de acidentes pessoais “cobre o risco da verificação de lesão corporal, invalidez, temporária ou permanente, ou morte da pessoa segura, por causa súbita, externa e imprevisível” (artigo 210.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL 72/2008, de 16/4), correspondendo o sinistro, nos termos do artigo 99.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL 72/2008, de 16/4, “à verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia a cobertura do risco prevista no contrato”.

Por seu turno, resulta do transcrito artigo 1.º que a prestação da seguradora fica dependente de um evento futuro e incerto, incerteza que pode abranger a possibilidade de ocorrência ou reportar-se apenas ao momento da sua ocorrência, de que é exemplo paradigmático o seguro de vida, em que a incerteza da verificação se restringe ao momento, já não ao facto. O carácter aleatório, no sentido de incerto, do evento, há-de verificar-se no momento da celebração do contrato, irrelevando, para este efeito, que o tomador do seguro se venha a colocar numa situação de risco, potenciando a verificação do evento (que, em todo o caso, poderia verificar-se ou não).

Na verdade, no caso vertente, poderia o autor ter caminhado ao longo da via e efectuado a travessia da mesma várias vezes sem que surgisse algum comboio ou, surgindo, tivesse completado a travessia sem qualquer dificuldade. Mais, mesmo admitindo que ao caminhar ao longo da via férrea e ao efectuar a sua travessia o autor devesse prevenir a possibilidade de surgir um comboio, já nada fazia prever que iria ficar preso na via em termos de não se conseguir libertar no preciso momento em que um deles se aproximava, o que nos leva a considerar, em total convergência com o acórdão recorrido, que o atropelamento de que foi vítima deverá ser tido sinistro para efeitos de desencadear a cobertura prevista nos contratos.

Definida, pois, a responsabilidade da recorrente pelo pagamento das prestações reclamadas pelo autor, resta ver se este age em abuso de direito.

É sabido que esta figura surge perspectivada como cláusula geral de segundo grau, vocacionada para possibilitar um controlo judicial dos resultados jurídicos que decorrem da aplicação estrita e realizada em primeira linha de outras normas primárias do ordenamento jurídico. A função essencial do abuso de direito consiste precisamente em temperar, com o apelo a regras e princípios fundamentais (a boa fé, a confiança legítima, a finalidade económica e social dos direitos) os resultados que decorreriam de uma aplicação estrita e imediata de outras figuras ou regimes jurídicos, através de uma ponderação e de um decisivo apelo, nomeadamente, a critérios ético jurídicos (no caso, essencialmente o princípio da confiança) – susceptível, em determinadas circunstâncias, de paralisar os resultados que decorreriam de uma aplicação meramente formal ou estrita do direito.

Esse princípio tem, porém, consagração legal, repousando no seio do artigo 334.º do Código Civil e envolve o controlo institucional da ordem jurídica no que tange ao exercício dos direitos subjectivos privados, apresentando-se como um modo de adaptar o direito à evolução da vida e servindo também como válvula de escape a situações que os limites apertados da lei não contemplam, por forma considerada justa pela consciência social, em determinado momento histórico, ou obstando a que, observada a estrutura formal do poder conferido por lei, se excedam manifestamente os limites que devem ser observados, tendo em conta a boa fé e o sentimento de justiça em si mesmo.

Pode dizer-se que o abuso do direito, na configuração expressa no artigo 334.º do Código Civil tem um carácter polimórfico, sendo a proibição do venire contra factum proprium ou proibição do comportamento contraditório[6] uma das suas manifestações, enquadrável na primeira parte da formulação legal: é ilegítimo o exercício de um direito quando o seu titular exceda manifestamente os limites da boa fé. Trata-se, portanto, de uma aplicação do princípio da responsabilidade pela confiança, de uma concretização do princípio ético-jurídico da boa fé, sendo que o exercício posterior de um direito em contradição com a prática passada reiterada e com frustração das expectativas legitima e razoavelmente suscitadas na parte a quem o direito é oposto ou contra quem é exercido, deve ser tido como «conduta eticamente reprovável, indigna de uma pessoa de bem, violadora do dever de honeste (bene) agere» e contrária aos bons costumes e à boa fé»[7].

Como é sabido, «o princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamental e a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem. Poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens; e assegurar expectativas é uma das funções primárias do direito»[8], sendo indicados como pressupostos do venire contra factum proprium, traduzido no exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida: a) a existência de uma situação objectiva de confiança, emergente de uma conduta de alguém que possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura; b) um investimento de confiança e a irreversibilidade desse investimento; c) a boa-fé da contraparte que confiou[9].

Atentos os contornos do instituto na referida modalidade, não vemos que, contrariamente ao sustentado pela recorrente, que a conduta do autor configure uma situação de “venire contra factum proprium”. Nem sequer na categoria particular “tu quoque” expressa na máxima segundo a qual “a pessoa que viole uma norma jurídica não pode, depois e sem abuso: ou prevalecer-se da situação jurídica daí decorrente; ou exercer a posição jurídica violada pelo próprio; ou exigir a outrem o acatamento da situação já violada»[10].

É que em todas as modalidades que o abuso de direito pode revestir, exige a lei que se esteja perante uma violação da boa-fé com uma intensidade tal que o reconhecimento do direito, naquela concreta situação, defraude a ordem jurídica, quer na intencionalidade com que o instituiu e reconheceu, quer no que respeita às exigências de lisura e probidade que impõe e constituem limite ao seu exercício. E revisitada a matéria de facto apurada, não descortinamos que a pretensão do autor seja censurável à luz da boa-fé, pois que arredada a intencionalidade (dolo) da sua conduta, mais não temos do que a existência dos contratos de seguro, livre e validamente celebrados, a verificação do sinistro e a exigência à seguradora da prestação convencionada.

Resta ainda dizer que, pese embora o autor ter incorrido em responsabilidade contraordenacional, o risco transferido para a recorrente não foi o decorrente dessa responsabilidade. Seria caso disso se a transferência tivesse por objecto o risco da imposição de uma coima, cujo pagamento passaria a competir à recorrente, o que é bem diferente do caso ajuizado.

Nesta conformidade, improcedem ou mostram-se deslocadas todas as conclusões da recorrente, a quem não assiste razão para se insurgir contra o decidido pela Relação, que não merece os reparos que lhe aponta, nem viola as disposições legais que indica.

IV - Decisão

Nos termos expostos, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


*



Lisboa, 18 de Setembro de 2018


António Joaquim Piçarra (relator)

Fernanda Isabel Pereira

Olindo Geraldes

_________

[1] Um misto simultaneamente alegatório e conclusivo, com maior pendor para a primeira vertente.
[2] Diploma que contém o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas colectivas de direito público, dispondo no referido art.º 8.º, impressivamente epigrafado de “Responsabilidade solidária em caso de dolo ou culpa grave”, que “1. Os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, por eles cometidas com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo”, distinguindo pois, de forma clara, entre acto intencional e negligência grave, submetendo ambas as situações, mas porque assim entendeu fazê-lo, ao mesmo regime.
[3] Isso mesmo foi assegurado pelo legislador no preâmbulo do diploma, ao referir que “Superando o regime do Código Comercial, mas sem pôr em causa o princípio da liberdade contratual e o carácter supletivo das regras do regime jurídico do contrato de seguro, prescreve-se a designada imperatividade mínima, com o sentido de que a solução legal só pode ser alterada em sentido mais favorável ao tomador do seguro, segurado ou beneficiário. (…) Merece destaque a reafirmação da autonomia privada como princípio director do contrato, mas articulado com limites de ordem pública e de normas de aplicação imediata (…)”.
[4] António Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, vol. I, 2010, 9.ª edição, pág. 332, Inocêncio Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 7ª edição, págs. 349 e 354, e João de Matos Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 2ª edição, págs. 448 e 449.
[5] Cfr., neste sentido, António Menezes Cordeiro, “Direito dos Seguros”, 2ª edição, pág. 731.
[6] Cfr, sobre a evolução histórica, conceito e modalidades, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, V, Parte Geral, 2ª edição, Almedina, págs. 306 a 324.
[7] Cfr., neste sentido, Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2012, 7ª edição, Almedina, pág. 239.
[8] Baptista Machado, In Estudo sobre a Tutela da confiança e venire contra factum proprium, in Obra Dispersa, Vol. I, Scientia Jurídica, Braga 1991, págs. 345 e ss. 
[9] Baptista Machado, In Estudo sobre a Tutela da confiança e venire contra factum proprium, in Obra Dispersa, Vol. I, Scientia Jurídica, Braga 1991, págs. 415 a 418, e RLJ, ano 117º, pág. 232, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, V, Parte Geral, 2ª edição, Almedina, págs. 322 e 323, e acórdãos do STJ de 12.2.2009 (Revista 4069/08) e de 12.11.2013 (processo 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1), ambos acessíveis in www.dgsi.pt.
[10] António Menezes Cordeiro, Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas, in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Neves - Vol. II, Coimbra Editora, Stvdia Ivridica, Dez. 2008, pág. 153, e Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2012, 7ª edição, Almedina, pág. 240.