Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3527/18.4T8VCT.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DOLO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
CULPA IN CONTRAHENDO
PRESSUPOSTOS
BOA FÉ
DEVER DE INFORMAÇÃO
AÇÕES
VALORES MOBILIÁRIOS
ANULABILIDADE
ERRO
VÍCIOS DA VONTADE
PRAZO DE CADUCIDADE
Data do Acordão: 09/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. O dolo, definido no art.º 253.º do Código Civil, constitui uma modalidade de erro-vício e releva enquanto vício na formação da vontade do declarante, caracterizando-se por uma divergência entre a vontade real e a conjectural ou hipotética.

II. Apenas tem relevância como fundamento de anulabilidade do negócio o “dolus malus”, o qual depende da verificação cumulativa de três requisitos: que o declarante esteja em erro; que o erro tenha sido provocado ou dissimulado pelo declaratário ou por terceiro; e que o declaratário ou terceiro haja recorrido, para o efeito, a qualquer artifício, sugestão ou embuste.

III. Para aferir da verificação dos requisitos do dolo indicados importa apreciar os deveres que as partes contratantes, em geral, devem observar e decorrentes da boa-fé, nomeadamente os deveres que o art.º 227.º do Código Civil lhes impõe, bem como os deveres especialmente impostos, no caso de intermediação financeira, ao intermediário financeiro.

IV. No âmbito dos deveres legalmente impostos ao intermediário financeiro, assume especial relevância o dever de informação aos investidores, devendo a informação respeitante aos instrumentos financeiros ser completa, verdadeira, actual, clara, objetiva e lícita.

V. Não cumpre o dever de informação o intermediário financeiro que propõe a troca de obrigações subordinadas por acções a investidores não qualificados, avessos ao risco, sem os informar de forma pormenorizada sobre a natureza, os riscos e benefícios de cada um dos produtos financeiros em causa, possibilitando-lhes tomar uma decisão consciente com base na comparação dos dois instrumentos para poderem escolher a solução mais conveniente aos seus interesses.

VI. Sendo-lhes prestada informação incompleta e inexacta, induzindo-os em erro, fazendo-os acreditar que trocando as obrigações pelas acções deixavam de correr o risco de perder o capital investido, quando o risco associado às acções é ainda maior, o intermediário financeiro violou os deveres de informação, além do dever geral de boa-fé a que estão associados os deveres de transparência e lealdade, pondo em causa a confiança depositada em si pelos clientes/investidores, actuando com dolo susceptível de fundamentar a anulabilidade do negócio.

VII. Não ocorre a caducidade do direito de acção com fundamento em anulabilidade do negócio quando não decorreu o prazo de um ano entre a cessação do vício que lhe serve de fundamento e a propositura da acção.

Decisão Texto Integral:

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Processo n.º 3527/18.4T8VCT.G1.S1[1]



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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]:


I. Relatório


AA e BB instauraram, em 17/10/2018, a presente acção declarativa, com processo comum, contra o Banco Comercial Português, S.A., todos melhor identificados nos autos, formulando os seguintes pedidos:

i. Ser declarada a anulabilidade do negócio de troca das obrigações por ações ocorrido em junho de 2015, e atento o seu carácter retroativo, deve o Réu ser condenado a restituir aos Autores a quantia de € 200.000,00, na data de vencimento das obrigações subordinadas, a que acrescem os juros gerados pelas obrigações em 27 de Fevereiro e 27 de Agosto dos anos de 2016, 2017 e 2018 e os juros que se vencerão em 27 de Fevereiro e 27 de Agosto de 2019 e 2020, caso a presente ação não seja julgada até essas datas; sobre os juros remuneratórios das obrigações devidos aos Autores, deverão incidir juros de mora calculados à taxa comercial em vigor contados desde a data em que se venceram/vencerão os juros das obrigações até efetivo e integral pagamento.

Subsidiariamente,

i. Ser declarada a resolução do negócio jurídico de troca das obrigações pelas ações, devendo, em consequência o Réu ser ainda condenado no pagamento dos juros gerados pelas obrigações em 27 de Fevereiro e 27 de Agosto dos anos de 2016, 2017, 2018 e os juros que se vencerão em 27 de Fevereiro e 27 de Agosto de 2019 e 2020, caso a presente ação não seja julgada até essas datas; sobre os juros remuneratórios das obrigações devidos aos Autores, deverão incidir juros de mora calculados à taxa comercial em vigor contados desde a data em que se venceram/vencerão os juros das obrigações até efetivo e integral pagamento.

ii. Se assim se não entender, ser o Réu condenado a indemnizar os Autores pela diferença entre a quantia de € 200.000,00 e o valor que tiverem as ações à data em que forem alienadas, acrescida dos juros de mora calculados à taxa comercial em vigor, em cada momento, até efetivo e integral pagamento.”

Para tanto, alegaram, em resumo, o seguinte:

Estavam convictos de, em Julho de 2010, terem constituído um depósito a prazo por cinco anos, como pediram à sua então gestora de conta e como esta lhes transmitiu.

Quando estava próxima a data de vencimento, a nova gestora de conta transmitiu-lhes que era necessário assinarem um documento para trocar a aplicação dos 200.000,00€ por acções, dado que aquele produto tinha acabado. Os autores referiram que não queriam, mas a gestora reiterou que tinham mesmo de trocar por acções senão perderiam todo o dinheiro. Assustados e depois de pressionados pelos funcionários do Banco, acabaram por assinar a documentação que foi apresentada para formalizar a troca.

Só em Novembro ou Dezembro de 2017 acabaram por perceber realmente o que tinha acontecido com as suas poupanças, depois de falar com um funcionário do Banco Santander Totta.

Defendem que foram alvo de coacção moral.

Caso assim não se entenda, sustentam que o negócio é anulável por dolo e, subsidiariamente, por erro.

Por fim, afirmam que houve violação dos deveres legais e contratuais pelo intermediário financeiro e que o Banco se constituiu em responsabilidade contratual.


O réu contestou, por impugnação e por excepção, alegando, em síntese, que toda a movimentação das poupanças dos autores foi efectuada de acordo com a sua vontade e depois de terem sido devidamente informados. Foram os autores que pretenderam investir em obrigações subordinadas, por lhes terem explicado que as mesmas asseguravam o pagamento de um juro superior em mais de três dígitos do que os juros proporcionados pelos vulgares depósitos a prazo. No que respeita à operação de troca, os autores, depois de devidamente informados pelos funcionários do Banco réu, mostraram-se interessados na mesma. O autor marido disse que queria trocar todas as obrigações por acções e assinou o Boletim de Troca, apondo nele a sua assinatura; fê-lo de livre vontade, sem pressões, ameaças, enganos ou sugestões. Os autores aceitaram a troca cientes de que as acções estavam sujeitas ao risco de descerem ou subirem de cotação. De qualquer modo, os pretensos direitos decorrentes da violação do dever de informação e da anulabilidade já tinham caducado aquando da instauração da acção. Concluiu pela improcedência da acção.


Os autores responderam pronunciando-se pela improcedência das excepções invocadas.  


Na audiência prévia realizada, foi proferido despacho saneador, onde foi proferida decisão, posteriormente confirmada pela Relação, em acórdão já transitado em julgado, a julgar improcedente a excepção da caducidade do exercício do direito à indemnização com fundamento na responsabilidade civil do réu, prevista no art.º 243.º do CVM ex vi art.º 251.º do mesmo diploma legal, tendo sido relegado para final o conhecimento da dita excepção na parte referente à anulação com base nos vícios invocados da coacção moral, dolo e erro, por depender da produção de prova.

Seguiu-se a fixação do objecto do litígio e foram enunciados os temas de prova, sem reclamações.

           

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, onde se decidiu julgar “totalmente improcedente, por não provada, a presente acção e absolver o Réu integralmente do pedido”.


Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por acórdão de 8/4/2021, conhecendo da matéria de facto impugnada, após alteração da mesma, deliberou:

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em revogar a sentença recorrida, declarando a anulação do negócio realizado em 2015 de troca das obrigações subordinadas MBCP por acções, e consequentemente:

1º. Condenam o réu a restituir aos autores a quantia de € 200.000,00, a que acrescem os juros gerados pelas obrigações em 27 de Fevereiro e 27 de Agosto dos anos de 2016, 2017 e 2018 e os juros que se venceram em 27 de Fevereiro e 27 de Agosto de 2019 e 2020, e sobre esses juros remuneratórios, desde a data do seu vencimento, os juros de mora calculados à taxa comercial em vigor até efectivo e integral pagamento;

2º Por sua vez, devem os autores restituir as acções ao réu.”


Não conformado, desta feita, o réu interpôs recurso de revista e apresentou as correspondentes alegações que terminou com as seguintes conclusões:

“1ª) Trabalhando os factos que se sentiu livre para dar por provados, o acórdão recorrido, julgando a acção procedente, cometeu grave erro de julgamento por os factos que deu provados não autorizarem, em correcta decisão de direito, declarar nulo o negócio dos autos com fundamento em dolo;

2ª) Não pode afirmar-se que houve engano caracterizador do dolo se os factos dados por provados o que demonstram é tão só que o Banco: a) escreveu ao autores anunciando uma oferta de troca das obrigações que detinham em carteira por acções do seu próprio capital, convidando-os a uma reunião para apresentação da oferta; b) deu a conhecer a oferta a quem, como os autores, há treze anos tinha obrigações em carteira, sendo obrigações e acções produto financeiro igual do ponto de vista do risco e acessível aos autores, como investidores “Não Profissionais”; c) disse e era verdade que existia o risco de o próprio Banco não conseguir pagar as obrigações no vencimento, enquanto as acções lhes possibilitavam liquidez imediata;

3ª) O pensamento jurídico que alicerça, no acórdão recorrido, a existência de dolo inverte a lógica que, em termos de filosofia de direito, disciplina o pensamento jurídico uma vez que a argumentação em que se louva não tem suporte nos factos que lhe servem de apoio, correspondendo o enunciado das razões que elenca a mera imaginação dialéctica destinada a oferecer cobertura formal a uma decisão que não se revê substancialmente nos factos dados por provados;

4ª) Tendo o Autor marido aposto a sua assinatura sobre o Boletim de Aceitação de Troca das obrigações por acções imediatamente a seguir a cláusula onde declara “para todos os efeitos legais que conhece e aceita as condições da Oferta tendo-lhe sido prestados os esclarecimentos que entendeu solicitar (…) e que tem conhecimento das advertências e aceita os riscos associados ao investimento referidos neste boletim de subscrição e no Prospeto”, vedado é aos autores, na esteira do Ac. da Relação de Coimbra de 08.11.2011, citado em texto, agitar o desconhecimento das condições do negócio, estando por ele vinculados;

5ª) Ao anular com base em dolo do Recorrente o contrato de troca de obrigações por acções celebrado entre as partes, o Acórdão recorrida violou, por aplicação indevida, o disposto no art.º 253º do Código Civil.

6ª) No quadro dos factos que o acórdão recorrido deu ou manteve como provados, o início da contagem do prazo de caducidade de um ano a que a que se refere o artº 287º do Código Civil começou a correr no dia 1 de Junho de 2015: quando a acção entrou em Juízo no dia 17 de Outubro de 2018 já há muito que estava, pois, caducado o direito à arguição da anulabilidade por dolo;

7ª) Decidindo como decidiu, o acórdão recorrido, sobre ter cometido grave erro no julgamento de direito que efectuou, violou o disposto nos artºs 253º e 287º do Código Civil.

TERMOS EM QUE, no provimento da presente revista, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por acórdão deste Alto Tribunal que, tanto por via da impugnação, como pela via da deduzida excepção de caducidade, repristine a decisão da Primeira Instância e julgue a acção improcedente, com a consequente absolvição do Recorrente do pedido, com todas as legais consequências.

É o que se espera resulte da sempre douta e esclarecida reflexão de Vossas Excelências.

Assim decidindo, farão Vossas Excelências

J U S T I Ç A”


Os autores contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.


O recurso foi admitido como de revista, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo actual Relator.


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.

Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões do recorrente, nos termos dos art.ºs 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, todos do CPC, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, as questões que importa dirimir consistem em saber:

1. Se inexiste dolo para anulação do negócio de troca das obrigações subordinadas pelas acções do Banco réu;

2. E se ocorreu a caducidade da correspondente acção, pelo decurso de um ano nos termos previstos no n.º 1 do art.º 287.º do Código Civil.


II. Fundamentação


1. De facto


No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos (indicando-se aqui a negrito os que foram alterados na sequência da impugnação da decisão de facto):

1) O Autor completou a 2ª classe de escolaridade e a Autora completou a 3ª classe.

2) Ambos começaram a trabalhar aos 10 anos de idade, o Autor na construção civil e a Autora na agricultura.

3) Os Autores são pessoas humildes e na sua infância, juventude e parte da idade adulta viveram com grandes dificuldades económicas.

4) Em 1965 emigraram para ..., em busca de uma vida melhor.

5) Em ..., o Autor trabalhou na construção civil e a Autora trabalhou como empregada doméstica.

6) E assim foi até se reformarem, em 2005, quando tinham 65 anos de idade.

7) Em Junho de 2010 regressaram ao seu país e à sua terra natal (...).

8) Dois dos seus filhos permaneceram a viver em ... e o outro emigrou para os ... .

9) Depois de emigrarem para ..., os Autores abriram uma conta bancária junto do banco Réu.

10) Quando regressaram a Portugal, em Junho de 2010, trouxeram as poupanças que tinham e que resultaram da venda do imóvel onde viviam em ..., tendo transferido a quantia de € 215.000,00 do banco ... Credit Agricole para o banco Réu, balcão de ....

11) No mês de Novembro ou Dezembro de 2017, numa das deslocações ao Banco Santander Totta, S.A., os AA. abriram-se com o diretor do balcão, CC, a quem contaram que estavam a perder muito dinheiro no BCP porque, em 2015, este os tinha obrigado a trocar um depósito a prazo, dizendo que aquele produto tinha acabado e que se não o fizessem perderiam todo o dinheiro.

12) O diretor do balcão, que já conhecia os Autores há algum tempo e com quem mantinha uma boa relação, tentou perceber o que se passava.

13) A seu pedido, os AA. mostraram-lhe os extratos de conta e os documentos que tinham em seu poder.

14) Depois de os analisar, o referido colaborador do BST verificou que, em Julho de 2010, não tinham constituído um depósito a prazo por 5 anos, mas antes comprado obrigações subordinadas, que tinham o capital garantido na data do vencimento, em Agosto de 2020.

15) O referido colaborador disse-lhes que estas obrigações não deixaram de existir em 2015 e que podiam ter optado por não efectuar a troca por acções, mantendo as obrigações, que tinham o capital de € 200.000,00 garantido na data de vencimento, em Agosto de 2020.

16) No início de 2018, em data não concretamente apurada, os Autores entregaram no balcão do banco Réu a seguinte carta, cujo conteúdo se transcreve: “AA e BB em 2010 depositamos 200.000.00 euros a prazo por 5 anos até 2015 chegou 2015 obrigaram-nos a assinar e pôr em acções senão iamos perdêr o dinheiro todo nós tivemos mêdo e assinamos. Ficou em 2.122302 acções a seguir sem o nosso consentimento puseram-nos 28.297 acções dizendo que era para lhes dar maior valôr a seguir disseram-nos que tínhamos uns direitos de 14.000.00 para comprar novas acções somaram 181.000.00 acções tem feito isto para nos enganar e nós não sabemos a quem nos dirijir para nos ajudar…Temos na nossa posse um extrato a dizêr-nos que as obrigacções sobordinadas são um com capital garantido no vencimento, comonicamos que não assinamos o decomento que foi enviado pelo Banco para trocarmos as obrigações por acções. e não assinamos esse decomento porque não percebêmos nada de acções e porque as obrigações eram de capital garantido. Acabamos por assinar os decomentos na sacursal depois de insistência dos gestores agora querêmos saber o que nos vai acontecêr em agosto 2020 data em que o banco tem de nos devolver os 200.000.00 euros que são as nossas poupanças de uma vida já falamos com o nosso advogado sobre este assunto.”

17) O banco Réu respondeu através de carta datada de 16.04.2018, dizendo que enviou documentação esclarecedora da operação de troca para a morada dos Autores, que a troca não era obrigatória, que não foi omitida a informação relevante, e que não podia responsabilizar-se pelo comportamento do mercado de capitais.

18) Os Autores voltaram então a entregar nova carta com o mesmo teor da anterior.

19) E o banco Réu voltou a dar a mesma resposta.

20) Em 08.06.2018, os Autores entregaram nova missiva, dizendo: “AA 78 anos 3ª clace BB 79 anos 3ª classe recebêmos a vossa carta e não aceitamos a resposta porque não concordamos com o que escrito e porque querêmos o nosso dinheiro fruto do trabalho de uma vida como imigrantes em ... . Nós não querêmos saber se as acções estão altas ou baixas porque não percebêmos nada disso. Falamos com o nosso Advogado que nos disse que o Banco nam podia aconsilhar-nos a pôrmos o nosso dinheiro todo em acções de uma unica impresa porque é um risco muito grande e porque temos só a 3ª classe e quase 80 anos. o nosso Advogado vai fazêr um reclamação no Banco de Portugal e numa comição em Lisboa que trata dêstes assuntos. vai uma fotocópia da venda da nossa casa em ... que foi o dinheiro de uma vida que em 2010 depositamos de boa fé neste Banco para recebêrmos juros e hoje em 2018 não têmos esse dinheiro, é isto que vamos explicar no Banco de Portugal e na comição de valorês em Lisboa.

21) O banco respondeu por carta datada de 03.08.2018 remetendo para o teor da missiva anterior.

22) Os AA. são titulares da conta de depósito à ordem aberta nos Balcões do Banco Comercial Português com o nº ...399.

23) Em 07.07.2010, a conta de depósitos à ordem foi creditada com a quantia de € 215.000,00.

24) No dia 08.07.2010 foi constituído um depósito a prazo, no montante de € 32.000,00, denominado aforro crescente semestral com o nº ...847.

25) Em 09.07.2010 foi constituído um depósito a prazo nº ...860, no montante de € 200.000,00.

26) No dia 26.08.2010, o depósito a prazo no montante de € 200.000,00 venceu-se.

27) Subscrição com data-valor de 27 de Agosto de 2010 de 200 títulos de Obrigações MBCP Subordinadas Agosto 2020 pelo montante de 200.000,00 €.

28) Em 08/07/2010, os AA. assinaram o boletim de subscrição das obrigações subordinadas que foram adquiridas em 27.08.2010.

29) Em Junho de 2015 e na sequência da operação de troca das obrigações por acções BCP, os Autores passaram a deter 2.122.302 acções, cotadas a € 0,0780, perfazendo € 165.539,56.

30) Creditada na conta à ordem a quantia de 215.000,00 € supra-referida, os AA. decidiram que a quantia de 200.000,00 € seria aplicada em Obrigações MBCP Subordinadas Agosto 20 que o Banco iria emitir nos finais do mês de Agosto imediato.

31) A decisão de os autores em investir a quantia de 200.000,00€ nas obrigações subordinadas foi determinada pelo facto de terem considerado um produto atractivo, depois de lhe ter sido explicado pela gestora de conta que proporcionavam um juro crescente e superior ao dos vulgares depósitos a prazo, e com o capital nominal garantido no vencimento;

32) Nos extractos de conta aparece sempre feita a referência a “produto com capital garantido no vencimento” para tornar clara a garantia de constância do valor nominal à data do reembolso no vencimento.

33) Eliminado.

34) O resgaste das obrigações subordinadas poderia ser feito por decisão do Banco, sem necessidade de recurso ao mercado secundário, ao fim de cinco anos após a emissão.

35) Os funcionários do R. disseram aos AA. que a aplicação era em obrigações e pelo prazo de dez anos.

36) A funcionária facultou aos autores o manuscrito que constitui o documento 2 com o cálculo dos juros durante os primeiros cinco anos;

37) O Boletim de subscrição que o Autor marido assinou atesta tratar-se de uma aplicação feita em 2010, com prazo até 2020.

38) Tanto as obrigações como as acções estavam classificadas pelo departamento central do BCP como produtos financeiros simples (Grupo 1), e recomendados para investidores não profissionais;

39) Os autores tiveram pelo menos desde Setembro de 2002 obrigações de caixa BCP poupança crescente.

39-A. A gestora de conta DD não explicou aos autores o que são obrigações subordinadas, o risco de em caso de falência do emitente poderem ver reavido o capital investido após o pagamento preferencial de todos os demais credores do emitente, e se era um produto passível de transacção/endosso;

39-B. Os autores não faziam ideia do que eram obrigações subordinadas;

39-C. Os autores são avessos ao risco de perda de capital, e não queriam correr o risco de perder as poupanças que amealharam;

39-D. Até à subscrição das obrigações em causa, os autores constituíram um depósito a prazo por 48 dias por serem estes os dias que era preciso esperar pela emissão das obrigações.

40) Em Maio de 2015 (cinco anos depois da subscrição) o BCP, devidamente autorizado pela CMVM e pelo Banco de Portugal, lançou uma Oferta Pública de Troca (OPT) tendo por objecto trocar, entre outros produtos, as Obrigações Millenniumbcp 2010/2020 que os AA tinham subscrito em 2010, por acções do próprio Banco.

41) Esta oferta foi dada a conhecer aos clientes titulares das obrigações objecto da oferta através do anúncio público obrigatório e ainda através dos Balcões do Banco.

42) Por esta ocasião, os serviços do Banco, depois ainda de ter sido remetida uma carta para o domicílio dos AA., reuniram com os mesmos com o objectivo de lhes apresentar a operação de troca que se encontrava em curso.

42-A: Após terem recebido a carta referida no ponto 42, os autores reuniram com os serviços do banco, começado por recusar a ideia da troca das obrigações por acções do banco e ameaçaram retirar o dinheiro. A gestora EE, conhecendo bem o perfil dos autores, no sentido de os persuadir a fazer a troca referiu-lhes que não podiam resgatar as obrigações sem a autorização do Banco de Portugal, e que existia o risco de o próprio banco não conseguir pagar no vencimento, enquanto as acções lhes possibilitavam uma liquidez imediata.

42-B. Nesse encontro nenhuma explicação foi lida e prestada aos autores se as obrigações eram ou não passíveis de transacção e endosso, e que a troca implicava uma desvalorização à cabeça das obrigações em 11,5% do capital nominal.

42-C. Os AA não foram submetidos pelo banco a qualquer teste para determinação do seu perfil.

43 e 44: Eliminados.

45: Após as explicações dadas ao balcão pela gestora EE, os autores ficaram convictos de que corriam o risco de perder o capital caso mantivessem as obrigações subordinadas, pelo que aceitaram a troca destes títulos por acções do banco, tendo o A. marido assinado o correspondente boletim em 1 de Junho de 2015.

45-A. Passados alguns meses após a troca, os autores foram ao balcão do banco manifestar o seu descontentamento pela desvalorização das acções.

46) Se os AA. não tivessem aceitado a troca, o dinheiro continuava aplicado em obrigações e estas apenas se venceriam em 2020.

47) Em consequência de terem aceitado a troca, o extracto da conta passou a reflectir a existência de acções BCP, precisamente aquelas que, conforme o rácio de troca, substituíram as obrigações.

48) Os Autores compreenderam a explicação que lhes foi dada pelos funcionários do R.

49) O Autor apôs a sua assinatura por baixo dos seguintes dizeres: “O Ordenante declara para todos os efeitos legais que conhece e aceita as condições da presente Oferta constantes do respectivo Prospeto e documentação complementar, tendo-lhes sido prestados os esclarecimentos que entendeu solicitar, que não está impedido de alienar e receber por depósito as acções, pela legislação da jurisdição aplicável, e que as informações constantes do presente Boletim correspondem à verdade. O Ordenante declara ainda que tem conhecimento das advertências e aceita os riscos associados ao investimento referidos neste boletim de subscrição e no Prospeto”.

50) Do próprio Boletim de Aceitação da Oferta, constava a seguinte advertência relativamente ao facto de o Autor passar, pela troca, a deter acções do capital do Banco:

I. O preço do mercado das acções é e pode ser volátil:

II. O preço do mercado das acções BCP pode vir a ser negativamente afectado por vendas adicionais de acções BCP por parte dos demais accionistas que detenham posições significativas no capital social do banco;

III. O Millenniumbcp não pode assegurar que o preço de emissão das acções a entregar em contrapartida na Oferta corresponda ao valor de mercado das mesmas no momento da sua admissão à negociação;

IV. A aceitação da ordem tem implícita assunção de uma perda imediata decorrente da fixação de um valor de troca inferior ao valor nominal dos valores mobiliários.


2. De direito

2.1. Do dolo


O art.º 253.º do Código Civil define o dolo, dispondo:

1. Entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante.

2. Não constituem dolo ilícito as sugestões ou artifícios usuais, considerados legítimos segundo as conceções dominantes no comércio jurídico, nem a dissimulação do erro, quando nenhum dever de elucidar o declarante resulte da lei, de estipulação negocial ou daquelas conceções.”

           

O dolo constitui uma modalidade de erro-vício e releva enquanto vício na formação da vontade do declarante determinando-o a “manifestar uma vontade que não quereria se se tivesse apercebido da existência do erro provocado ou dissimulado pelo declaratário ou por terceiro”, caracterizando-se, assim, “por uma divergência entre a vontade real (a efetivamente formada pelo declarante) e a conjetural ou hipotética (a que manifestaria, não fosse o facto de ter sido enganado)[3].

Em função da relevância que assuma, pode o mesmo ser classificado em: i) dolo ilícito ou relevante (dolus malus - n.º 1) e ii) dolo ilícito ou irrelevante (dolus bonus - n.º 2). Apenas o primeiro fundamenta a anulabilidade do negócio cuja vontade tenha sido por ele determinada (art.º 254.º, n.º 1, do CC), além de poder constituir em responsabilidade o autor do dolo.

No que concerne ao “dolus malus”, segundo a doutrina e a jurisprudência, a sua relevância depende da verificação cumulativa de três requisitos:

a) Que o declarante esteja em erro;

b) Que o erro tenha sido provocado ou dissimulado pelo declaratário ou por terceiro;

c) Que o declaratário ou terceiro haja recorrido, para o efeito, a qualquer artifício, sugestão ou embuste[4].

Estes três requisitos revelam uma dupla causalidade.

Para ter relevância jurídica, o dolo ilícito tem de ser causa do erro e “o erro deve ser determinante para a emissão da declaração negocial pelo declarante” ou, pelo menos, para a emissão da declaração negocial nos termos em que a fez. “O dolo tem, pois, de ser determinante da vontade. É esse o sentido a retirar da expressão «cuja vontade tenha sido determinada por dolo»[5] (cfr. citado art.º 254.º, n.º 1).

 Ou, conforme sustenta Castro Mendes[6]: “é preciso que o dolo seja determinante do erro e o erro determinante do negócio” (veja-se também o Acórdão do STJ de 05-05-2020, Revista n.º 3833/17.5T8LRA.C1.S1[7]).

Porém, importa distinguir o erro simples do erro qualificado por dolo, pois como ensina Menezes Cordeiro: “sendo o erro simples, o negócio só é anulável se ele recair sobre o elemento essencial e se o declaratário conhecer ou dever conhecer essa essencialidade; sendo o erro qualificado por dolo, essa anulabilidade surge se for determinante da vontade: não tem de ser essencial, pois bastará que, por qualquer razão (mesmo periférica) tenha dado lugar à vontade e não se põe o problema do conhecimento uma vez que, neste caso, ele foi pura e simplesmente causado pelo declaratário” (op. cit., págs. 873 e 874).

Por outro lado, o dolo pode ser positivo ou comissivo quando se verifique o emprego de qualquer sugestão ou artifício com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, ou negativo ou omissivo quando tenha lugar a dissimulação pelo declaratário ou por terceiro, do erro do declarante (cfr. Mota Pinto, op. cit., pág. 523). Porém, como aponta este último autor, “o dolo negativo ou omissivo, a que a lei anterior chamava má-fé e a doutrina reticência e dolo de consciência não existe em todos os casos de silêncio perante o erro em que versa o declarante. A omissão de esclarecimento só constituirá dolo ilícito, quando existia um dever de elucidar, por força da lei, de estipulação negocial ou da concepções dominantes do comércio jurídico (cfr. 2.ª parte do n.º 2 do art. 253.º).”

No que concerne à sugestão ou artifício previstos no n.º 1 do art.º 253.º do CC, defendeu Manuel de Andrade[8] que “há-de traduzir-se em quaisquer expedientes ou maquinações tendentes a desfigurar a verdade (manobras dolosas) – e que realmente a desfiguram (de outro modo não haveria erro) –, quer criando aparências ilusórias (suggestio falsi; obrepção), quer destruindo ou sonegando quaisquer elementos que pudessem instruir o enganado (suppressio veri; subrepção). Deve tratar-se, portanto, de qualquer processo enganatório. Podem ser simples palavras contendo afirmações sabidamente inexactas (allegatio falsi; mentira), ou tendentes essas palavras a desviar a atenção do enganado de qualquer pista que poderia elucidá-lo; e podem ser obras (factos) adrede realizadas para provocar ou manter o engano.”

Mas para aferir da verificação dos requisitos do dolo acima indicados importa apreciar os deveres que as partes contratantes, em geral, devem observar e decorrentes da boa-fé, nomeadamente os deveres que o art.º 227.º do Código Civil impõe aos contraentes, bem como os deveres especialmente impostos ao aqui réu enquanto instituição de crédito e intermediário financeiro, atenta a natureza do negócio cuja validade aqui é discutida.

Nos termos do disposto no art.º 227.º, n.º 1, do CC: “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

Como se salienta no acórdão do STJ de 08-06-2010 (Revista n.º 1335/2002.L1.S2, não publicado na DGSI), “agir de boa fé é agir com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, é ter uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correcção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da outra parte, é não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar. A culpa in contrahendo funciona, assim, quando a violação dos deveres de protecção, de informação e de lealdade conduza à frustração da confiança criada na contraparte pela actividade anterior do violador ou quando essa mesma violação retire às negociações o seu sentido substancial profundo de busca de um consenso na formação de um contrato válido, apto a prosseguir o escopo que, em termos de normalidade, as partes lhe atribuam”.

Ensina o Prof. Almeida Costa[9], a propósito deste preceito legal, que: “durante as fases anteriores à celebração do contrato – quer dizer, na fase negociatória e na fase decisória –, o comportamento dos contraentes terá de pautar-se pelos cânones da lealdade e da probidade. De modo mais concreto – apontam-se aos negociadores certos deveres recíprocos, como por exemplo, o de comunicar à outra parte a causa de invalidade do negócio, o de não adoptar uma posição de reticência perante o erro em que esta lavre, o de evitar a divergência entre a vontade e a declaração, o de se abster de propostas de contratos nulos por impossibilidade do objecto, e, ao lado de tais deveres, ainda, em determinados casos, o de contratar ou prosseguir as negociações iniciadas com vista à celebração de um acto jurídico.”

Sobre a relação destes deveres impostos pela boa-fé aos contraentes com o chamado “dolus bonus” previsto no n.º 2 do art.º 253.º do CC, a propósito da questão de saber se existe a obrigação de esclarecer o erro em que a contraparte incorre, sempre que dele se tenha conhecimento, o mesmo Professor refere que “numa compreensão moralizante do direito, pode entender-se que existe, como regra, o dever de esclarecimento e não apenas quando ele se infira de norma especial da lei, de cláusula negocial ou das concepções fácticas dominantes no comércio jurídico” (op. cit., pág. 311). Conclui o referido autor que “numa pura perspectiva formal, os dois preceitos conjugam-se do modo seguinte: a esfera de acção do n.º 1 do art. 227.º começa onde termina a do n.º 2 do art. 253.º, isto é, a responsabilidade pré-contratual apoia-se em factos que não se qualifiquem como dolo tolerado.” (op. cit., pág. 312).

Mas sendo o réu uma instituição bancária e envolvendo o negócio aqui em causa a transação de valores mobiliários, para além das disposições gerais acima referidas, importa ainda ter em consideração o regime legal especialmente aplicável a negócios desta natureza.

O art.º 73.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL n.º 298/92, de 31/12), na redacção em vigor na data da celebração do negócio aqui em discussão, vinculava o aqui réu “a assegurar, em todas as atividades que exerça, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência.” De acordo com o art.º 74.º do mesmo regime: “os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.”

Por sua vez, de acordo com o n.º 1 do art.º 77.º (Dever de informação e de assistência): “as instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes.” E o n.º 5 prevê que “os contratos celebrados entre as instituições de crédito e os seus clientes devem conter toda a informação necessária e ser redigidos de forma clara e concisa.”

Estando em causa operações envolvendo valores mobiliários emitidos pelo aqui Banco réu (obrigações subordinadas e acções), os mesmos são caracterizados como instrumentos financeiros, inserindo-se, portanto a actividade desenvolvida pelo aqui Banco réu, como o exercício de uma atividade de investimento em instrumentos financeiros [art.º 290.º, n.º 1, al. e), do Código dos Valores Mobiliários] e como tal, como uma actividade de intermediação financeira [art.º 289.º, n.º 1, al. a) do mesmo Código] sujeita à disciplina prevista nesse código.

Nos termos do art.º 304.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários (CVM), “os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.” E nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, “devem, nas relações com todos os intervenientes no mercado, observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.”

No âmbito dos deveres impostos ao intermediário financeiro, assume especial relevância o dever de informação aos investidores, devendo a informação respeitante aos instrumentos financeiros ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (art.º 7.º, n.º 1 do CVM).

Por sua vez, resulta do art.º 312.º, n.º 1, do mesmo Código, na redação do DL n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, vigente na data da celebração do negócio em causa nos autos, um dever geral de informação a cargo do intermediário financeiro que deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, com algumas exemplificações nas alíneas desse preceito, prevendo-se as informações respeitantes:

a) Ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados;

b) À natureza de investidor não qualificado, investidor qualificado ou contraparte elegível do cliente, ao seu eventual direito de requerer um tratamento diferente e a qualquer limitação ao nível do grau de protecção que tal implica;

c) À origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar, sempre que as medidas organizativas adoptadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309.º e seguintes não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados;

d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas;

e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar;

f) À sua política de execução de ordens e, se for o caso, à possibilidade de execução de ordens de clientes fora de mercado regulamentado ou de sistema de negociação multilateral;

g) À existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;

h) Ao custo do serviço a prestar.

Os intermediários financeiros estão, assim, vinculados a deveres principais (de protecção dos legítimos interesses dos clientes, de informação e publicidade) e a deveres acessórios de boa-fé nas relações que estabelecem com todos os intervenientes no mercado.

Como se refere no Acórdão do STJ de 14-03-2019 (Revista n.º 2547/16.8T8LRA.C2.S1, disponível em www.dgsi.pt), o dever de informação que recai sobre o intermediário financeiro destina-se, “do ponto de vista do investidor, a permitir uma decisão de investimento consciente e, do ponto de vista do mercado e por isso mesmo, a contribuir para o seu correcto e eficiente funcionamento”.

Sendo que nos termos do n.º 2 do art.º 312.º do CVM, “a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.”

Assim, conforme se escreve no Acórdão do STJ de 11-10-2018 (Revista n.º 2339/16.4T8LRA.C2.S1, disponível em www.dgsi.pt), “o cumprimento dos deveres de informação que impendem sobre o intermediário financeiro é, porém, de geometria variável. Quer isto significar que a intensidade dos deveres de informação varia em função do tipo contratual em causa e do concreto perfil do cliente.”

Sendo que este dever de informação e, em geral, o princípio de protecção dos clientes, “tem especial relevância em relação aos clientes não qualificados, face a falta de conhecimento que normalmente lhes acompanha[10].

Como se aponta no acórdão do STJ de 14-03-2019 (Revista n.º 2547/16.8T8LRA.C2.S1), acima citado, existem os deveres, “do lado da instituição financeira, de avaliar as características do investidor e de dosear proporcionalmente o grau de informação a prestar, sobre o concreto produto em negociação e, do lado do investidor, a exigência de diligenciar no sentido de obter as informações necessárias a uma tomada de decisão devidamente esclarecida (…); embora o sistema, assente no objectivo de protecção do investidor e, por essa via, do mercado, seja antes de mais exigente com a imposição ao intermediário financeiro da obrigação de informação do investidor, mesmo que o investidor não tome a iniciativa de se informar.”

 Sendo que, como se realça no Acórdão de 15-12-2020  (Revista n.º 2243/18.1T8STR.E1.S1, não publicado), “relativamente aos deveres de protecção dos legítimos interesses dos clientes, o intermediário financeiro deve averiguar não apenas os objectivos concretos visados pelo cliente, mas ainda se é do interesse deste a recepção do serviço de intermediação face à sua situação financeira e à sua experiência em matéria de investimento (artigo 304.º, n.º 3, CVM), pelo que não pode incentivar o cliente a efetuar operações que tenham objetivos contrários aos interesses do mesmo (artigo 310.º, n.º 1 CVM), fazendo prevalecer os interesses do cliente sobre os seus ou de outros eventuais interessados (artigo 309.º, n.º 3, CVM).”

No caso concreto, resultou provado que o autor completou a 2.ª classe de escolaridade e a autora completou a 3.ª classe. Ambos começaram a trabalhar aos 10 anos de idade, o autor na construção civil e a autora na agricultura. Depois de emigrarem para ... em 1965, o autor trabalhou nesse país na construção civil e a autora como empregada doméstica, situação que perdurou até 2005, data em que se reformaram aos 65 anos de idade.

Mais se provou que os autores tiveram pelo menos desde Setembro de 2002 obrigações de caixa BCP poupança crescente, além de terem subscrito em 2010 as obrigações subordinadas cuja troca por acções está em causa nestes autos, embora se tenha provado que os mesmos não faziam ideia em que consistia esse produto financeiro.

Provou-se ainda que os autores são avessos ao risco de perda de capital e não queriam correr o risco de perder as poupanças que amealharam, sendo que tanto as obrigações como as acções estavam classificadas pelo departamento central do BCP como produtos financeiros simples (Grupo 1) e recomendados para investidores não profissionais.

Perante estes factos provados, é manifesto que os autores, na data de celebração do negócio aqui em causa, eram investidores não qualificados, o que tem repercussões no regime aplicável e, como acima vimos, reforça a intensidade dos deveres de informação a cargo do aqui Banco réu.

À data da celebração do negócio (2015) dispunha o art.º 312.º-A, n.ºs 1 e 2, do CVM, relativa à qualidade da informação destinada a investidores não qualificados na redação do Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro que:

“1 - A informação divulgada pelo intermediário financeiro a investidores não qualificados deve:

a) Incluir a sua denominação social;

b) Não dar ênfase a quaisquer benefícios potenciais de uma actividade de intermediação financeira ou de um instrumento financeiro, sem dar igualmente uma indicação correcta e clara de quaisquer riscos relevantes;

c) Ser apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio;

d) Ser apresentada de modo a não ocultar ou subestimar elementos, declarações ou avisos importantes.

2 - A comparação de actividades de intermediação financeira, instrumentos financeiros ou intermediários financeiros deve incidir sobre aspectos relevantes e especificar os factos e pressupostos de que depende e as fontes em que se baseia.”

Por sua vez, o art.º 312.º-C, n.º 1, do mesmo Código, referente à informação relativa ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados, na redacção do Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, previa que:

“1 - O intermediário financeiro deve prestar a seguinte informação a investidores não qualificados:

a) A denominação, a natureza e o endereço do intermediário financeiro e os elementos de contacto necessários para que o cliente possa comunicar efectivamente com este;

b) Os idiomas em que o cliente pode comunicar com o intermediário financeiro e receber destes documentos e outra informação;

c) Os canais de comunicação a utilizar entre o intermediário financeiro e o cliente, incluindo, se for caso disso, para efeitos de envio e recepção de ordens;

d) Declaração que ateste que o intermediário financeiro está autorizado para a prestação da actividade de intermediação financeira, indicação da data da autorização, com referência à autoridade de supervisão que a concedeu e respectivo endereço de contacto;

e) Sempre que o intermediário financeiro actue através de um agente vinculado, uma declaração nesse sentido, especificando o Estado membro da União Europeia em que o agente consta de listagem pública;

f) A natureza, a frequência e a periodicidade dos relatórios sobre o desempenho do serviço a prestar pelo intermediário financeiro ao cliente;

g) Caso o intermediário financeiro detenha instrumentos financeiros ou dinheiro dos clientes, uma descrição sumária das medidas tomadas para assegurar a sua protecção, nomeadamente informação sintética sobre os sistemas de indemnização aos investidores e de garantia dos depósitos aplicáveis ao intermediário financeiro por força das suas actividades num Estado membro da União Europeia;

h) Uma descrição, ainda que apresentada sinteticamente, da política em matéria de conflitos de interesses seguida pelo intermediário financeiro, de acordo com o artigo 309.º-A e, se o cliente o solicitar, informação adicional sobre essa política;

i) A existência e o modo de funcionamento do serviço do intermediário financeiro destinado a receber e a analisar as reclamações dos investidores, bem como indicação da possibilidade de reclamação junto da autoridade de supervisão;

j) A natureza, os riscos gerais e específicos, designadamente de liquidez, de crédito ou de mercado, e as implicações subjacentes ao serviço que visa prestar, cujo conhecimento seja necessário para a tomada de decisão do investidor, tendo em conta a natureza do serviço a prestar, o conhecimento e a experiência manifestada, entregando-lhe um documento que reflicta essas informações.”

Relativamente à informação referente aos instrumentos financeiros, dispunha o art.º 312.º-E, n.ºs 1 a 3, na redacção do Decreto-Lei n.º 63-A/2013, de 10 de Maio, o seguinte:

“1 - O intermediário financeiro deve informar os investidores da natureza e dos riscos dos instrumentos financeiros, explicitando, com um grau suficiente de pormenorização, a natureza e os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

2 - A descrição dos riscos deve incluir:

a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;

c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;

d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

3 - A informação, prestada a um investidor não qualificado sobre um valor mobiliário objecto de uma oferta pública, deve incluir a informação sobre o local onde pode ser consultado o respectivo prospecto.”

No caso dos autos, está em causa o negócio de troca de obrigações subordinadas Millenniumbcp 2010/2020, que os autores tinham subscrito em 2010, por acções do próprio Banco, no âmbito de Oferta Pública de Troca (OPT) autorizada pela CMVM e pelo Banco de Portugal, lançada pelo réu em Maio de 2015.

No que respeita às obrigações subordinadas, importa ter presente o Aviso do Banco de Portugal nº 6/2010, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 253, 2.º Suplemento, Parte E, de 31-12-2010 em cujo art.º 7.º, n.º 1, alínea i), se fixaram as condições a que estão sujeitas as obrigações subordinadas, prevendo-se nessa norma as seguintes condições para os contratos que formalizem esse tipo de empréstimo:

“i)       Estabeleçam, iniludivelmente, que em caso de insolvência ou liquidação do mutuário o reembolso do mutuante fica subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores não subordinados;

ii)      Estabeleçam um prazo de vencimento inicial não inferior a cinco anos, podendo, após esse prazo, ser objeto de reembolso;

iii)      Não contenham qualquer cláusula de reembolso antecipado em relação ao prazo de vencimento, por iniciativa do mutuante;

iv)     Esclareçam que o eventual reembolso antecipado terá de ser precedido do acordo prévio do Banco de Portugal.”

No caso em análise, o prazo de vencimento das obrigações subordinadas subscritas pelos autores era de dez anos, até 2020, prevendo-se, porém, que o resgaste das obrigações poderia ser feito por decisão do Banco, sem necessidade de recurso ao mercado secundário, ao fim de cinco anos após a emissão, ou seja, em 2015.

De acordo com o regime legal acima descrito, estando em causa a troca de um valor mobiliário por outro, cabia ao Banco réu informar de forma pormenorizada os aqui autores sobre a natureza, os riscos e benefícios de cada um dos produtos financeiros em causa, possibilitando aos autores tomar uma decisão consciente com base na comparação dos dois instrumentos para que pudessem escolher a solução mais conveniente aos seus interesses.

 Estando em causa uma operação de troca de obrigações subordinadas por acções, sendo os clientes investidores não qualificados, constituía dever do Banco réu, na descrição do risco, elucidar os autores sobre o risco de perda da totalidade do investimento em relação a cada um dos instrumentos financeiros, bem como a volatilidade do preço de cada um dos instrumentos financeiros, em especial no que respeita às ações, sendo certo que resultou provado que apesar de terem subscrito em 2010 obrigações subordinadas, em 2015, os autores continuavam a desconhecer a concreta natureza desse instrumento financeiro. Provou-se também que não lhes foi explicado o risco de em caso de falência do emitente apenas poderem ver reavido o capital investido após o pagamento preferencial de todos os demais credores do emitente, nem lhes foi explicado se era um produto passível de transacção/endosso. Quanto a esse instrumento financeiro, provou-se apenas que os autores sabiam que o mesmo proporcionava um juro crescente e superior ao dos vulgares depósitos a prazo, e com o capital nominal garantido no vencimento que sucederia no prazo de dez anos, até 2020.

Assim, era crucial que aquando da celebração do negócio de troca de obrigações por acções, fosse explicado aos autores as características de cada um dos instrumentos financeiros e não apenas de um deles.

Compulsada a matéria de facto provada, podemos concluir que a informação prestada aos Autores foi incompleta, inexacta e deturpada. Senão vejamos:

Resultou provado que os serviços do Banco, depois ainda de ter sido remetida uma carta para o domicílio dos autores, reuniram com os mesmos com o objectivo de lhes apresentar a operação de troca que se encontrava em curso. Após terem recebido a carta referida no ponto 42 dos factos provados, os autores reuniram com os serviços do banco, começando por recusar a ideia da troca das obrigações por acções do banco e ameaçaram retirar o dinheiro. A gestora EE, conhecendo bem o perfil dos autores, no sentido de os persuadir a fazer a troca referiu-lhes que não podiam resgatar as obrigações sem a autorização do Banco de Portugal, e que existia o risco de o próprio banco não conseguir pagar no vencimento, enquanto as acções lhes possibilitavam uma liquidez imediata. Nesse encontro nenhuma explicação foi lida e prestada aos autores se as obrigações eram ou não passíveis de transacção e endosso, e que a troca implicava uma desvalorização à cabeça das obrigações em 11,5% do capital nominal. Os autores não foram submetidos pelo banco a qualquer teste para determinação do seu perfil.

Mais se provou que, após as explicações dadas ao balcão pela gestora EE, os autores ficaram convictos de que corriam o risco de perder o capital caso mantivessem as obrigações subordinadas, pelo que aceitaram a troca destes títulos por acções do banco, tendo o A. marido assinado o correspondente boletim em 1 de Junho de 2015.

Provou-se ainda que os autores compreenderam a explicação que lhes foi dada pelos funcionários do R e que o autor apôs a sua assinatura por baixo dos seguintes dizeres:

“O Ordenante declara para todos os efeitos legais que conhece e aceita as condições da presente Oferta constantes do respectivo Prospeto e documentação complementar, tendo-lhes sido prestados os esclarecimentos que entendeu solicitar, que não está impedido de alienar e receber por depósito as acções, pela legislação da jurisdição aplicável, e que as informações constantes do presente Boletim correspondem à verdade. O Ordenante declara ainda que tem conhecimento das advertências e aceita os riscos associados ao investimento referidos neste boletim de subscrição e no Prospeto”.

Do próprio Boletim de Aceitação da Oferta, constava a seguinte advertência relativamente ao facto de o Autor passar, pela troca, a deter acções do capital do Banco:

I. O preço do mercado das acções é e pode ser volátil:

II. O preço do mercado das acções BCP pode vir a ser negativamente afectado por vendas adicionais de acções BCP por parte dos demais accionistas que detenham posições significativas no capital social do banco;

III. O Millenniumbcp não pode assegurar que o preço de emissão das acções a entregar em contrapartida na Oferta corresponda ao valor de mercado das mesmas no momento da sua admissão à negociação;

IV. A aceitação da ordem tem implícita assunção de uma perda imediata decorrente da fixação de um valor de troca inferior ao valor nominal dos valores mobiliários.”

As informações acima referidas prestadas pelo Banco aos autores são verdadeiras, mas manifestamente incompletas e inexactas pois, como se afirma no acórdão recorrido, “no contexto em que foram prestadas, funcionaram como artifício para a concretização dos interesses de recapitalização do banco, em prejuízo dos clientes, que acabaram por aceitar a troca das obrigações com o receio incutido pela gestora de que corriam menor riscos com as acções”.

Se é verdade que os autores não podiam resgatar as obrigações antes de 2020 sem a autorização do Banco de Portugal, e que existia o risco de o próprio banco não conseguir pagar no vencimento, a verdade é que as acções implicam um risco ainda maior. No caso das obrigações subordinadas, em caso de insolvência ou liquidação do Banco, o reembolso dos aqui autores ficava subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores não subordinados, mas com prevalência sobre os accionistas. Ou seja, trocando as obrigações por acções, em caso de insolvência do Banco réu, os autores estariam menos protegidos do que se mantivessem as obrigações. Mas nada disso foi transmitido aos autores que, ao invés, após as explicações dadas ao balcão pela gestora EE, ficaram convictos de que corriam o risco de perder o capital caso mantivessem as obrigações subordinadas.

Por outro lado, foi transmitido aos autores que as acções lhes possibilitavam uma liquidez imediata. Por um lado, atenta a pouca qualificação dos autores, é duvidoso que os mesmos tivessem noção do que significaria a expressão “liquidez”. Por outro lado, se é verdade que as acções conferem uma maior possibilidade de obter liquidez a qualquer momento, sem vinculação a qualquer prazo de maturidade para poder obter o reembolso do capital investido, atenta a possibilidade de vender a qualquer momento esses valores mobiliários, em primeiro lugar, não foi explicado aos autores se as obrigações eram ou não passíveis de transacção e endosso antes do prazo de vencimento, o que também conferiria liquidez; em segundo lugar e com maior relevância, não foi explicado aos autores que a troca das obrigações pelas acções implicava uma desvalorização à cabeça das obrigações em 11,5% do capital nominal, o que desde logo implicava uma diminuição do capital investido pelos autores.

Na verdade, não foi explicado aos autores a maior volatilidade do valor das acções e, consequentemente, o maior risco associado à detenção desses valores mobiliários num longo prazo, pois se o respectivo valor pode subir originando ganhos substanciais, também pode descer consideravelmente, fazendo com que o investimento dos autores se reduzisse substancialmente. Ao invés, as obrigações subordinadas conferem total garantia de reembolso integral do capital investido no final do prazo convencionado, salvo insolvência do banco como acima foi referido.

  Provou-se que os autores investiram a quantia de 200.000,00€ nas obrigações subordinadas pelo facto de as terem considerado um produto atractivo, depois de lhe ter sido explicado pela gestora de conta que proporcionavam um juro crescente e superior ao dos vulgares depósitos a prazo, e com o capital nominal garantido no vencimento. Sendo que nos extractos de conta aparece sempre feita a referência a “produto com capital garantido no vencimento” para tornar clara a garantia de constância do valor nominal à data do reembolso no vencimento.

 Também se provou que os funcionários do réu disseram aos autores que a aplicação era em obrigações e pelo prazo de dez anos, resultando da factualidade provada que os autores são avessos ao risco de perda de capital e não queriam correr o risco de perder as poupanças que amealharam.

 Desta forma, a troca de obrigações por acções é totalmente contrária ao perfil de investidor dos autores que apenas queriam investir as suas poupanças num produto que lhes conferisse um certo rendimento, superior ao de um vulgar depósito a prazo, durante um certo período de tempo, mas com garantia de reembolso integral do capital investido no final desse lapso temporal. Ora, o investimento em acções é totalmente contrário a esses interesses e resulta manifestamente dos factos provados que a informação prestada aos autores os induziu em erro sobre o risco associado a cada um dos instrumentos financeiros em causa.

  Acresce que também não foram os autores informados, na data da celebração do negócio de troca das obrigações por acções – 1 de Junho de 2015 – que o resgaste das obrigações subordinadas poderia ser feito por decisão do Banco, sem necessidade de recurso ao mercado secundário, ao fim de cinco anos após a emissão, o que sucederia em Julho / Agosto de 2015. Ainda que tal dependesse de uma decisão do próprio banco réu, e não da iniciativa dos autores, não é curial informar os autores que estes apenas poderiam resgatar o dinheiro investido nas obrigações subordinadas, antes do final do prazo, com a autorização do Banco de Portugal se o próprio Banco réu poderia antecipar esse resgate para aquele mesmo ano de 2015.

  Como se aponta no Acórdão de 23-03-2021 (Revista n.º 1209/19.9T8STR.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt), citando Simão Mendes de Sousa (“Contrato de Swap de Taxa de Juro: Dever de Informação e Efeitos da Violação do Dever”, AAFDL, 2017, pp. 55-56), “a informação é completa quando não omite dados informativos que, pela sua importância, devam ser tidos como essenciais por relevante no processo de tomada da decisão de investir.”

 No presente caso, tal não sucedeu e, pelo contrário, a informação prestada pelo banco réu aos aqui autores, pela sua incompletude e inexactidão, nos termos acima assinalados, induziu em erro os autores, fazendo-os acreditar que trocando as obrigações pelas acções deixavam de correr o risco de perder o capital investido, quando o risco associado às acções é ainda maior como acima foi referido.

  O Banco réu violou, assim, os deveres de informação, além do dever geral de boa-fé a que estão associados os deveres de transparência e lealdade acima descritos, pondo em causa a confiança depositada em si pelos autores.

  Os factos descritos permitem concluir pela verificação dos requisitos acima apontados da figura jurídica do dolo negocial: os aqui autores estavam em erro quando celebraram o negócio de troca das obrigações por acções, julgando erradamente que trocando as obrigações pelas acções deixavam de correr o risco de perder o capital por si investido, quando o risco associado às acções é ainda maior; esse erro foi causado directamente pela funcionária do Banco réu responsável pela negociação do contrato com os autores, tendo esta recorrido, para o efeito, a informações que, apesar de verdadeiras, se afiguraram manifestamente incompletas e inexactas proferidas num contexto criado para formar a convicção no espírito dos autores de que corriam menos riscos com as acções do que com as obrigações, o que, como acima se apontou, não era verdadeiro. Como se referiu no acórdão recorrido, as informações prestadas aos autores, “no contexto em que foram prestadas, funcionaram como artifício para a concretização dos interesses de recapitalização do banco, em prejuízo dos clientes, que acabaram por aceitar a troca das obrigações com o receio incutido pela gestora de que corriam menor riscos com as acções”.

  No caso sub judice, o dolo foi positivo ou comissivo, uma vez que o erro foi criado pela funcionária do Banco réu através de um artifício com a intenção directa de induzir em erro os autores. Utilizando as palavras de Manuel de Andrade acima citado, esse artifício passou pela construção de um processo enganatório através da prestação de informações inexactas e incompletas que desfiguraram a realidade, criando a aparência ilusória de que as acções seriam um produto financeiro mais seguro do que as obrigações subordinadas já detidas pelos autores.

  Como refere Mota Pinto (op. cit., pág. 522, nota 717), a propósito da sugestão ou artificio prevista no n.º 1 do art.º 253.º do CC, “pode tratar-se de um processo enganatório simples (mentiras) ou de uma «mise en scène» mais complicada”. Esta segunda hipótese foi a que teve lugar no caso dos autos em que, apesar de terem sido prestadas informações verdadeiras a propósito do risco associado às acções, a falta de uma informação completa sobre este produto financeiro no que respeita à volatilidade do respectivo valor, bem como a sonegação de informações sobre o outro produto financeiro (obrigações subordinadas) induziram em erro os autores como acima foi descrito.

 Face a todo o regime legal especialmente aplicável às instituições de crédito e aos intermediários financeiros, com especial relevância nos deveres de informação aos investidores não qualificados, é manifesto que este processo enganatório não configura “sugestões ou artifícios usuais, considerados legítimos segundo as concepções dominantes no comércio jurídico” (art.º 253.º, n.º 2, do CC), pelo que estamos na presença do chamado “dolus malus”.

  Por outro lado, o erro provocado pelo Banco réu foi essencial para a concretização do negócio pelos autores, pois provou-se que os autores aceitaram efectuar a troca por ficarem convencidos de que corriam o risco de perder o capital caso mantivessem as obrigações subordinadas.

  Verifica-se, assim, a chamada dupla causalidade de que depende a anulabilidade por dolo: o dolo foi determinante do erro e o erro foi determinante do negócio celebrado pelas partes.

  Estão, assim, preenchidos todos os requisitos da anulabilidade previstos nos art.ºs 253.º e 254.º do Código Civil, não merecendo censura o decidido no acórdão recorrido.

2.2. Da caducidade

           

Defende o recorrente que no quadro dos factos que o acórdão recorrido deu ou manteve como provados, o início da contagem do prazo de caducidade de um ano a que se refere o art.º 287.º do Código Civil começou a correr no dia 1 de Junho de 2015, pelo que, quando a acção entrou em Juízo no dia 17 de Outubro de 2018, já há muito tinha caducado o direito à arguição da anulabilidade por dolo.

 Preceitua o art.º 287.º, n.º 1, do Código Civil que “só têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento.”

Assim, de acordo com esta disposição legal, o prazo de caducidade de um ano do direito de arguição da anulabilidade só se inicia quando cessa o vício que lhe serve de fundamento. Ou seja, no caso dos autos, a partir do momento em que os autores deixaram de incorrer no erro que os levou a concretizar o negócio.

Recordemos os factos provados relevantes para a apreciação desta questão:

a) No mês de Novembro ou Dezembro de 2017, numa das deslocações ao Banco Santander Totta, S.A., os autores abriram-se com o diretor do balcão, CC, a quem contaram que estavam a perder muito dinheiro no BCP porque, em 2015, este os tinha obrigado a trocar um depósito a prazo, dizendo que aquele produto tinha acabado e que se não o fizessem perderiam todo o dinheiro.

b) O diretor do balcão, que já conhecia os Autores há algum tempo e com quem mantinha uma boa relação, tentou perceber o que se passava.

c) A seu pedido, os AA. mostraram-lhe os extratos de conta e os documentos que tinham em seu poder.

d) Depois de os analisar, o referido colaborador do BST verificou que, em Julho de 2010, não tinham constituído um depósito a prazo por 5 anos, mas antes comprado obrigações subordinadas, que tinham o capital garantido na data do vencimento, em Agosto de 2020.

e) O referido colaborador disse-lhes que estas obrigações não deixaram de existir em 2015 e que podiam ter optado por não efectuar a troca por acções, mantendo as obrigações, que tinham o capital de € 200.000,00 garantido na data de vencimento, em Agosto de 2020.

Desta forma, o erro em que incorreram os autores apenas se pode considerar cessado em Novembro ou Dezembro de 2017, data a partir da qual os mesmos tiveram a percepção correcta da realidade associada ao negócio que haviam feito.

Ora, tendo a acção sido instaurada em 17 de Outubro de 2018, é manifesto que ainda não havia decorrido o referido prazo de um ano, pelo que entendemos que improcede também nesta parte o recurso de revista.


Sumário:

I. O dolo, definido no art.º 253.º do Código Civil, constitui uma modalidade de erro-vício e releva enquanto vício na formação da vontade do declarante, caracterizando-se por uma divergência entre a vontade real e a conjectural ou hipotética.

II. Apenas tem relevância como fundamento de anulabilidade do negócio o “dolus malus”, o qual depende da verificação cumulativa de três requisitos: que o declarante esteja em erro; que o erro tenha sido provocado ou dissimulado pelo declaratário ou por terceiro; e que o declaratário ou terceiro haja recorrido, para o efeito, a qualquer artifício, sugestão ou embuste.

III. Para aferir da verificação dos requisitos do dolo indicados importa apreciar os deveres que as partes contratantes, em geral, devem observar e decorrentes da boa-fé, nomeadamente os deveres que o art.º 227.º do Código Civil lhes impõe, bem como os deveres especialmente impostos, no caso de intermediação financeira, ao intermediário financeiro.

IV. No âmbito dos deveres legalmente impostos ao intermediário financeiro, assume especial relevância o dever de informação aos investidores, devendo a informação respeitante aos instrumentos financeiros ser completa, verdadeira, actual, clara, objetiva e lícita.

V. Não cumpre o dever de informação o intermediário financeiro que propõe a troca de obrigações subordinadas por acções a investidores não qualificados, avessos ao risco, sem os informar de forma pormenorizada sobre a natureza, os riscos e benefícios de cada um dos produtos financeiros em causa, possibilitando-lhes tomar uma decisão consciente com base na comparação dos dois instrumentos para poderem escolher a solução mais conveniente aos seus interesses.

VI. Sendo-lhes prestada informação incompleta e inexacta, induzindo-os em erro, fazendo-os acreditar que trocando as obrigações pelas acções deixavam de correr o risco de perder o capital investido, quando o risco associado às acções é ainda maior, o intermediário financeiro violou os deveres de informação, além do dever geral de boa-fé a que estão associados os deveres de transparência e lealdade, pondo em causa a confiança depositada em si pelos clientes/investidores, actuando com dolo susceptível de fundamentar a anulabilidade do negócio.

VII. Não ocorre a caducidade do direito de acção com fundamento em anulabilidade do negócio quando não decorreu o prazo de um ano entre a cessação do vício que lhe serve de fundamento e a propositura da acção.

III. Decisão

Pelos fundamentos expostos, acorda-se em negar a revista e manter o acórdão recorrido.


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Custas pelo recorrente (art.º 527.º, n.º 1 e 2 do CPC).

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STJ, 7 de Setembro de 2021


Nos termos do art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem voto de conformidade dos Ex.mos Juízes Conselheiros Adjuntos que não podem assinar.


Fernando Augusto Samões (Relator) que assina digitalmente

Maria João Vaz Tomé (1.ª Adjunta)

António José Moura de Magalhães (2.º Adjunto) 

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[1] Do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo – Juízo Central Cível de Viana do Castelo - Juiz 2.
[2] Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Juíza Conselheira Dr.ª Maria João Vaz Tomé
2.º Adjunto: Juiz Conselheiro Dr. António Magalhães
[3] Cfr. Ana Filipa Morais Antunes, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, pág. 607.
[4] Cfr. Pires de Lima / Antunes Varela, CC anotado, 4.ª ed., vol. I, pág. 237; Menezes Cordeiro, Tratado de direito civil português, II volume, Parte Geral, 4.ª ed., 2017, pág. 873; acórdão do STJ de 20-01-2010, Revista n.º 608/09.9YFLSB, com sumário publicado em www.dgsi.pt.
[5] Ana Filipa Morais Antunes, obra citada, pág. 609.
[6] Na “Teoria geral do direito civil”, 2.º vol., 1979, reimp. 1985, pág. 113.
[7] O texto integral está disponível no seguinte link: https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:3833.17.5T8LRA.C1.S1/
[8] In “Teoria geral da relação jurídica”, 2.º vol. Coimbra, 1992, 7.ª reimp., pág. 1960, 3ª reimp., 1972, págs. 256-257.
[9] In “Direito das Obrigações”, 12.ª ed. Almedina, Agosto 2014, 3.ª reimp., pág. 302.
[10] Cfr. Felipe Canabarro Teixeira “Os deveres de informação dos Intermediários Financeiros a seus Clientes e sua Responsabilidade Financeira”, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 31, Dezembro de 2008, pág. 50 e segs, pág. 54).