Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
411/15.7T8FNC-B.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: CASO JULGADO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
PRESSUPOSTOS
NEGLIGÊNCIA
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA / DESERÇÃO DA INSTÂNCIA E DOS RECURSOS.
Doutrina:
-Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, 3.º, p. 91;
-Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, p. 307;
-Manuel de Andrade, Noções Fundamentais de Direito Civil, 1979, p. 320.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 281.º, N.º1.
Sumário :
I - O caso julgado pressupõe a repetição de uma causa e visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

II - A deserção da instância, actualmente prevista no art. 281.º do CPC, depende da verificação de dois pressupostos: (i) o decurso de um período de tempo superior a 6 meses em que o processo, sem andamento, esteja a aguardar o impulso processual das partes; e (ii) a negligência das partes na promoção dos seus termos.

III - Tendo o tribunal de 1.ª instância considerado justificada a falta de junção aos autos, por parte dos autores, de uma escritura de habilitação notarial que havia previamente determinado que fosse junta, tendo os autos prosseguido os seus termos com a prática de outros actos, a circunstância de a Relação ter revogado aquela decisão (que considerou a falta justificada) não conduz à conclusão de que se verificam os pressupostos da deserção da instância, mas tão só que aquela falta deixou de se considerar justificada e que a recusa terá de ser apreciada, em sede de decisão final, para efeitos probatórios dado que é aos autores que incumbe provar a sua legitimidade.

IV - A decisão que indeferiu a requerida deserção da instância não viola o caso julgado formado pela decisão que ordenou a junção aos autos da mencionada escritura de habilitação notarial “sem prejuízo do disposto no art. 281.º, n.º 1, do CPC”, posto que, no caso, tendo o processo continuado em andamento, os pressupostos aí referidos não se mostram preenchidos.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – RELATÓRIO

  

l.  Por requerimento de 17.10.2017 (fls. 117 a 120), os réus AA e esposa vieram requerer que a instância seja julgada deserta, nos termos do artigo 281º nº 1 do CPC, uma vez que os autores não juntaram aos autos a habilitação notarial dos herdeiros do falecido BB.

2. Os autores responderam (fls. 122 a 125), pugnando pelo indeferimento da pretensão dos réus, não devendo ser julgada deserta a instância.

3. Por DESPACHO de 06.12.2017 (fls. 126 e 127) foi indeferido o requerido, por não estarem verificados os pressupostos da deserção da instância, nos termos do artigo 281º nº 1 do C.P.C.

Consta desse despacho:

«Os autos não têm estado parados por negligência dos AA nos últimos 6 meses, uma vez que se tem estado a diligenciar pela citação da interveniente CC, sendo a secretaria quem tem a incumbência de concretizar essa citação.

Na verdade, o despacho que admitiu a requerida intervenção provocada de CC, por ser filha do falecido BB não foi objecto de qualquer recurso, razão pela qual se tem estado a diligenciar pela citação da referida interveniente, tendo-se em conta o disposto no artigo 653 n.º 5 do CPC.

Com efeito, o acórdão do Tribunal da Relação de … de 09.02.2017 apenas teve por objecto o despacho de 27-05-2016, revogando-o, pelo que deixou de ser considerar justificado que os AA não apresentem a habilitação de herdeiros por morte do falecido BB. Ora, na sequência daquele acórdão, deixou de se considerar justificada a não apresentação de habilitação notarial dos herdeiros de BB, pelo que, tendo os autores optado por continuar a não apresentar a referida habilitação de herdeiros, sendo a legitimidade dos autores questão controvertida sujeita a prova, tendo os mesmos o ónus da prova nessa matéria, o tribunal terá de apreciar, em sede de decisão final, o valor dessa recusa para efeitos probatórios, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 417º, nº 2 do C.P.C. Em face do exposto, conclui-se que não estão verificados os pressupostos da deserção da instância, nos termos do art.º 281º, nº 1 do C.P.C., pelo que se indefere o requerido».

4. Inconformados os Réus AA e esposa interpuseram recurso de apelação, para o Tribunal da Relação de …, que, por Acórdão de 22 de Março de 2018, decidiu julgar improcedente a apelação confirmando a decisão recorrida.

  

5. Os réus AA e esposa interpuseram Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formularam as seguintes conclusões:

A) A questão que foi colocada ao Tribunal "a quo" para apreciação consistiu em saber se o despacho de 06/12/2017, proferido pelo Tribunal da 1ª instância, violou ou não o caso julgado formal que se formou sobre a concreta decisão que consta nos despachos anteriormente proferidos, também em 1ª instância, em 23/10/2015 e 04/12/2015, cujo caso julgado formal consta confirmado pelo douto Acórdão da Relação de Lisboa de 09/02/2017 - processo n°411/15.7T8FNC-A.L1, 6ª seção, transitado em julgado.

B) O Tribunal "a quo" violou os princípios do pedido e do dispositivo ao ter ignorado nos seus fundamentos e conclusões a requerida análise da alegada violação do caso julgado formal, de conhecimento oficioso,

C) e errou ao ter entendido que "(...)o tribunal, antes de exarar o despacho a julgar extinta a instância por deserção, deverá ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas."

D) Ora, sufragando o entendimento do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/09/2016, processo n°1742/09.0TBBNV-H.El.Sl.dgsi.pt, em parte alguma estabelece a lei qualquer audição das partes, seja ou não ao abrigo do princípio do contraditório, com vista à formulação de um juízo sobre a negligência prevista no artigo 281° do Código de Processo Civil.

E) E tudo começou com os doutos despachos de 23/10/2015 e 04/12/2015, ambos da 1ª instância e transitados em julgado.

F) Neste último despacho consta os seguintes dizeres "Aguardem os autos que os AA. cumpram o determinado no despacho de 23/10/2015, no que respeita a junção aos autos da habilitação notarial do falecido BB, sem prejuízo do disposto no artigo 281°, n° 1 do CPC."

G) Ficou assente neste despacho a posição do tribunal quanto à necessidade da junção aos autos pelos autores da exigida habilitação notarial para que os autos prossigam.

H) E os autores poderiam ter concretizado, como nunca concretizaram, este documento junto de qualquer Consulado Português na Venezuela, aliás, como o fizeram com as procurações que juntaram aos autos, nos termos da alínea a) do n° 1 do artigo 3o do Código do Notariado; do artigo 55°; nº 1 do 56° e artigo 57°, todos do Decreto Lei n°71/2009, de 31/03 (Regulamento Consular).

I) Do referido despacho de 04/12/2015, foram as partes, na pessoa dos seus mandatários judiciais, notificadas em 07/12/2015, tendo transitado em julgado, ou seja, formou caso julgado formal, com força obrigatória nos presentes autos, sobre aquela concreta decisão, nos termos do nº 1do artigo 620° do Código de Processo Civil,

J) o que tornou tal decisão inalterável, dado que ficou esgotado o poder jurisdicional do juiz de 1ª instância sobre a matéria em causa, tendo ficado precludida a possibilidade de alterá-la.

K) Posteriormente, o Sr. juiz da 1ª instância, contradizendo os aludidos despachos de 23/10/2015 e 04/12/2015, por despacho de 27/05/2016 considerou justificada a não junção aos autos da habilitação de herdeiros por morte do falecido BB, e, declarou reconhecidos os herdeiros deste com base em decisão judicial proferida na Venezuela,

L) Não confirmada no ordenamento jurídico português e, ato contínuo, convidou os autores a suprirem a excepção dilatória de violação de litisconsórcio necessário, requerendo a intervenção de CC sob pena de absolvição da instância,

M) Não obstante encontrar-se limitado pela anterior decisão (despacho de 04/12/2015) e já não puder decidir diferentemente, como se estabelece nos nºs 1e 3 do artigo 613° do Código de Processo Civil.

N) Deste despacho (o datado de 27/05/2016), os réus AA e esposa interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

O) O Acórdão do Tribunal da Relação de … de 09/02/2017, transitado em julgado, acordou que o despacho de 27/05/2016 violou o caso julgado formal formado pela decisão anteriormente proferida, esta datada de 04/12/2015, tendo-o revogado, não sem antes ter julgado procedentes as conclusões dos apelantes.

P) Uma vez que do aludido acórdão datado de 09/02/2017 não foi interposto recurso, foi dado cumprimento ao artigo 669° do Código de Processo Civil (baixa do processo à 1ª instância).

Q) Passados meses a contar do trânsito em julgado do acórdão datado de 09/02/2017, os réus AA e esposa, por requerimento de 17/10/2017, requereram que o Sr. juiz da 1ª instância retirasse as devidas ilações de direito deste Acórdão da Relação" de … (o de 09/02/2017) no que diz respeito ao não cumprimento pelos autores do que lhes fora ordenado pelos aludidos despachos de 23/10/2015 e o de 04/12/2015.

R) Este requerimento foi indeferido pelo Sr. juiz da 1ª instância pelo referido despacho de 06/12/2017, cuja parte com interesse consta transcrita nas supra alegações.

S) Deste despacho, os réus AA e esposa interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de …, de que resultou o acórdão sob recurso.

T) Ora, o acórdão "a quo", na sua fundamentação e decisão, ignorou o caso julgado formal que se formou sobre a concreta decisão que consta nos despachos proferidos pelo Sr. juiz da 1ª instância em 23/10/2015 e em 04/12/2015 e negou o conteúdo do Acórdão da Relação de … de 09/02/2017 - processo n°411/15.7T8FNC-A.L1, da 6ª seção, transitado em julgado, que confirmou estes despachos.

U) Legitimou erradamente a conduta omissiva dos autores ao permitir-lhes o não cumprimento do ónus do impulso processual cuja omissão impede o prosseguimento da causa (não promoveram o andamento do processo mediante a junção aos autos da habilitação notarial do falecido BB).

V) E a exigida habilitação notarial é o documento idóneo onde se poderá comprovar, nos termos previstos no n° 1 do artigo 2091° do Código Civil e artigo 33° do Código de Processo Civil, a situação de litisconsórcio necessário activo dos herdeiros do falecido BB.

W) Por tudo o referido, o despacho da 1ª instância de 06/12/2017 e o acórdão "a quo" violaram o caso julgado formal formado pelo despacho de 04/12/2015, este confirmado pelo aludido Acórdão da Relação de … de 09/02/2017, ao não terem apreciado, como lhes competia e se exige, a conduta objectivamente negligente dos autores, nos termos e para os efeitos previstos nos n° 1 e 4 do artigo 281° do Código de Processo Civil.

X) Aliás, no despacho de 04/12/2015, atrás transcrito, consta o alerta de que o impulso processual encontra-se objectivamente dependente da junção aos autos pelos autores da habilitação notarial do falecido BB, tendo-se iniciado a contagem do prazo nos termos e para os efeitos previstos nos n° 1 e 4 do artigo 281° do Código de Processo Civil.

Y) E o prazo de seis meses previsto no n° 1 do artigo 281° do Código de Processo Civil encontra-se, em muito, ultrapassado,

Z) pelo que, contrariamente ao entendimento do Sr. Juiz da 1ª instância e do acórdão "a quo", encontram-se objectivamente verificados os pressupostos para que a instância seja julgada deserta, até porque vigora no processo civil actual o princípio da auto-responsabilização das partes pelo andamento do processo.

AA) Considerando o aludido, devem o despacho da 1º instância de 06/12/2017 e o Acórdão "a quo" serem revogados e substituídos por Acórdão que julgue verificada a excepção dilatória de caso julgado formal, de conhecimento oficioso, formado pelo despacho de 04/12/2015 e declarado sem eficácia aquele despacho e todo o processado posterior a este despacho (o de 04/12/2015) que não seja de mero expediente, com as inerentes consequências legais.

BB) O Acórdão "a quo" e o despacho da 1ª instância de 06/12/2017 violaram, entre outros, a parte final do nº 1do artigo 152°; n° 1 e 4 do 281°; n° 2 do 576°; alínea i) do 577°; n° 1 "in fine" e n° 2 do 580°; os n° 1 e 3 do 613°; n° 1 do 620°; 1ª parte do 621° e o 628°, todos do Código de Processo Civil.

Concluem pedindo a procedência do presente recurso, e em consequência, que seja revogado o Acórdão "a quo" e o despacho da 1ª instância de 06/12/2017 e substituídos por Acórdão que julgue verificada a excepção dilatória de caso julgado formal formado pelo despacho de 04/12/2015 e declarado sem eficácia aquele despacho (o de 06/12/2017) e todo o processado posterior ao aludido despacho de 04/12/2015 que não seja de mero expediente.

4. Os Recorridos não apresentaram contra-alegações.

5. O Tribunal da Relação de …, a fls. 174 proferiu despacho a ordenar a subida dos autos ao STJ.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

A factualidade com relevo a ponderar é a seguinte:

1º- A 23.10.2015 os autores foram notificados para em 10 dias juntarem aos autos a habilitação notarial dos herdeiros do falecido BB (fls. 90).

2º- A 04-12-2015 foi proferido despacho que determinou que os autos aguardassem que os autores cumprissem o determinado no despacho de 23-10-2015, no que respeita à junção aos autos da habilitação notarial dos herdeiros do falecido BB, sem prejuízo do disposto no art.º 281º nº 1 do C.P.C. (fls. 91).

3º- A 27-05-2016 (fls. 104) foi proferido despacho, considerando-se justificada a não junção daquela escritura de habilitação e também, em face da documentação junta aos autos, considerou-se comprovado que CC é filha do falecido BB, pelo que esta teria necessariamente de intervir nos presentes autos.

4º- A 01-06-2016 os autores requereram a intervenção principal provocada de CC (fls. 105 e 106), sendo que os réus AA e DD vieram deduzir oposição nesse incidente.

5º- A 16-06-2016 os réus AA e EE apresentaram recurso do despacho acima referido na alínea c) (3º).

6º- A 29-06-2016 foi proferida decisão naquele incidente de intervenção, transitada em julgado, admitindo a requerida intervenção principal provocada de CC e determinando-se a sua citação (fls. 108).

7º- A 16-09-2016 foi enviada carta com A/R para citar a interveniente CC, residente na Venezuela.

8º- A 09-02-2017 o Tribunal da Relação de … acordou em julgar procedente o recurso acima referido em e), revogando o despacho de 27-05-2016, acórdão cuja notificação foi remetida às partes a 13-02- 2017 (fls. 110 a 112).

9º- A 03-04-2017 os autores foram informados pelo tribunal que não se mostrava junto aos autos o comprovativo da citação da interveniente, sendo que estes vieram requerer em 18.04.2016 o envio de nova carta de citação (fls. 114 e 115), o que foi deferido por despacho de 17-05-2017 (fls. 116).

III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO

Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.

A) O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do Recorrente, artigo 635 do Código de Processo Civil.

Lendo as alegações de recurso bem como as conclusões formuladas pelos Recorrentes a questão concreta de que cumpre conhecer é apenas a seguinte:

1ª- O Acórdão recorrido violou o caso julgado formado pelo despacho de 04.12.2015?

B) Vejamos

Como se deixou dito a única questão que importa decidir é a de se saber se o Acórdão recorrido – bem como o despacho proferido em 1ª instância datado de 06-12-2017 – violou o caso julgado formado pelos despachos de 23.10.2015 e de 04.12.2015, negando o próprio Acórdão do TRL de 09-02-2017.

1 - Dispõe o artigo 580.º n.º 1 do Código de Processo Civil que a excepção do caso julgado, tal como a litispendência, pressupõe «a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado».

Acrescenta o n.º 2 do mesmo preceito que a excepção do caso julgado tem «por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior».

E, nos termos do artigo 581.º do CPC, relativo aos Requisitos da litispendência e do caso julgado:

1 - Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.

4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.

Estatui o n.º 1 do artigo 620.º, relativo ao Caso julgado formal, que «as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo».

Devemos atender ainda que o artigo 621.º do CPC relativo ao “Alcance do caso julgado” dispõe que «A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique».

2 - Antes de mais impõe-se referir que com a Reforma de 1995/96 operada no Código de Processo Civil a excepção do caso julgado deixou de ter a qualificação de peremptória (alínea a) do artigo 496, na redacção anterior à referida Reforma), passando a fazer parte do elenco das excepções dilatórias (alínea i) do artigo 494).

Deste modo a procedência da excepção dilatória do caso julgado impõe que o réu seja absolvido da instância - cfr. artigos 288, nº 1 alínea e) e 493, nº 2 --, e não do pedido.

Na Doutrina o Prof. Alberto dos Reis, C.P.C. Anotado, 3º, pág. 91 ensina que, «… a excepção de caso julgado consiste na alegação de que a acção proposta é idêntica a outra - ou a repetição de outra - já decidida por sentença com trânsito em julgado».

No mesmo sentido o Prof. A. Varela, Manual de P. Civil, 2ª ed., pág. 307, afirma que, «…consiste na alegação de que a mesma causa foi já proferida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito que não admite recurso ordinário».

Também o Prof. Manuel de Andrade, em Noções Fundamentais de Direito Civil, 1979, pág. 320, se pronuncia sobre o caso julgado afirmando que «O que a lei quer significar é que uma sentença pode servir como fundamento da excepção de caso julgado quando o objecto da nova acção, coincidindo no todo ou em parte com o da anterior, já está total ou parcialmente definido pela mesma sentença; quando o autor pretende valer-se na nova acção do mesmo direito.... que já lhe foi negado por sentença emitida noutro processo, identificando esse direito não só através da sua causa ou fonte».

3 - O caso julgado pressupõe a repetição de uma causa e visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

Descendo ao caso concreto.

Os recorrentes invocam no recurso para este Supremo Tribunal a violação do caso julgado pelo Acórdão recorrido – bem assim pelo despacho de 06-12-2017 – dos despachos proferidos anteriormente nos autos em 23-10-2015 e em 04-12-20015.

Porém nenhuma razão lhes assiste.

Na verdade, no despacho de 23-10-2015 foi determinado que os Autores juntassem aos autos a habilitação notarial dos herdeiros do falecido BB e no despacho de 04.12.2015 foi determinado que os autos aguardassem que os AA cumprissem o determinado naquele anterior despacho, sem prejuízo do disposto no artigo 281 n.º 1 do CPC.

Resulta da conjugação destes despachos, muito concretamente resulta deste último despacho de 04.12.2015, que os autos aguardavam que os autores juntassem a habilitação notarial dos herdeiros do falecido BB, isto sem prejuízo do disposto no artigo 281 n.º 1 do CPC

E, diz-nos o n.º 1 do artigo 281.º do CPC relativo à «Deserção da instância» que «sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses».

Ora, na sequência daquele de 04-12-2015 os autos não estiveram parados como claramente resulta da matéria de facto provada.

Pelo contrário, os autos tiveram o desenvolvimento processual normal.

Os Autores vieram apresentar justificação para a sua conduta, requereram diligências e foram proferidos despachos.

Tudo uma tramitação normal (veja-se os pontos II-3 a II-7).

Surge então o despacho de 06-12-2017 – cfr. ponto I-3- proferido na sequência do pedido dos ora Recorrentes em que fosse declarada a deserção da instância, nos termos do artigo 281 n.º 1 do CPC.

A deserção da instância foi criada pelo Código de Processo Civil de 1939, passou pelo C.P.C. de 1961 e no actual direito processual civil, está prevista no citado nº 1 do art.º 281º.

Nos termos deste normativo é necessário que o juiz profira despacho a declarar a deserção da instância, verificando os dois pressupostos ali previstos:

- O decurso de um período de tempo superior a 6 meses em que o processo, sem andamento, esteja a aguardar o impulso processual das partes;

- A negligência das partes (na promoção dos seus termos). 

O juiz tem de apreciar se ocorreu um comportamento omissivo dos sujeitos processuais, verificado que esteja o decurso do prazo de 6 meses sem andamento do processo.

No caso em apreço, é manifesto e evidente que o processo não esteve a aguardar o impulso processual dos autores.

Pelo contrário, como já se disse, o processo esteve em andamento.

Por isso, bem andou o despacho de 06-12-2017 ao considerar que os autos não estiveram parados por negligência dos autores e, por isso, indeferiu o pedido de deserção da instância.

Questão bem diversa é a não apresentação da escritura de habilitação notarial dos herdeiros do falecido BB, cuja junção havia sido ordenada em 2310-2015 e reiterada a 04-12-2015.

Como se vê da matéria de facto após aqueles despachos e perante novos documentos juntos foi proferido em 1ª instância o despacho de 27-05-2016, o qual consta do ponto 3 da matéria de facto.

Nos termos desse despacho considerou-se justificada a não junção daquela escritura de habilitação e também, em face da documentação junta aos autos, considerou-se comprovado que CC é filha do falecido BB, pelo que esta teria necessariamente de intervir nos presentes autos.

Este despacho foi objecto de recurso e foi revogado por Acórdão do T.R. … de 09-02-2017.

O Acórdão do Tribunal da Relação de … de 09-02-2017, que revogou o despacho de 27-05-2016, (despacho esse que havia considerado justificada a não junção da escritura de habilitação de herdeiros e também, em face da documentação junta aos autos, considerou-se comprovado que CC é filha do falecido BB, pelo que esta teria necessariamente de intervir nos presentes autos) considerou que se «o tribunal já tinha decidido em despachos anteriores, que só a habilitação notarial de herdeiros é documento idóneo para comprovar quais os herdeiros do falecido», «não pode o tribunal, posteriormente, sob pena de violação do caso julgado formal, alterar tal decisão e considerar que outro documento – uma decisão judicial proferida na Venezuela e não confirmada pelas autoridades portuguesas – poderá substituir o primeiro».

Apenas isso.

Deste modo bem andou de novo o despacho de 06-12-2017 ao considerar que perante o acórdão do Tribunal da Relação de … de 09.02.2017 «que deixou de se considerar justificado que os AA não apresentem a habilitação de herdeiros por morte do falecido BB. Ora, na sequência daquele acórdão, deixou de se considerar justificada a não apresentação de habilitação notarial dos herdeiros de BB, pelo que, tendo os autores optado por continuar a não apresentar a referida habilitação de herdeiros, sendo a legitimidade dos autores questão controvertida sujeita a prova, tendo os mesmos o ónus da prova nessa matéria, o tribunal terá de apreciar, em sede de decisão final, o valor dessa recusa para efeitos probatórios».

Este despacho bem como o Acórdão recorrido em nada violaram o caso julgado formado pelos despachos de 23.10.2015 e de 04.12.2015, sendo certo que não havia a mínima razão, pois que não se verificavam os pressupostos necessários, para ser declarada a deserção da instância peticionada pelos ora Recorrentes.

O Acórdão recorrido não violou o caso julgado.

Podemos, assim, concluir pela inexistência da excepção dilatória do caso julgado, nenhuma razão assistindo aos Recorrentes ao invocar uma pretensa violação de caso julgado.

Em suma, considera-se que se deve manter o Acórdão recorrido, pois que não se verifica qualquer ofensa de caso julgado, impondo-se a improcedência total das alegações dos Recorrentes, pelo que se nega a revista.

III – DECISÃO

Pelo exposto, e pelos fundamentos enunciados, decide-se negar a revista e, em consequência confirma-se o Acórdão recorrido.

Custas pelos Recorrentes.  

Lisboa, 12 de Julho 2018

José Sousa Lameira (Relatora)

Hélder Almeida

Maria dos Prazeres Beleza