Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1195/08.0TYLSB,L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: DESTITUIÇÃO DE GERENTE
JUSTA CAUSA
DEVERES DO GERENTE
DEVER DE LEALDADE
CONCORRÊNCIA DESLEAL
ACTUAÇÃO CONCORRENCIAL
Data do Acordão: 09/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS / SOCIEDADES POR QUOTAS / GERÊNCIA.
Doutrina:
- Alexandre Soveral Martins, em “Código das Sociedades Comerciais” em Comentário, IDET, Volume IV, pág. 99.
- António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais e Valores Mobiliários, pp. 239/240.
- Armando Triunfante, “Código das Sociedades Comerciais”, Anotado, pp. 59 e 50.
- Baptista Machado, in “Obra Dispersa. Vol. I”, pp.141, 143; “Tutela da confiança e Venire Contra Factum Proprium”, in Obra Dispersa, Vol. I, p. 352.
- Carneiro da Frada, A Business Judgment Rule no Quadro dos Deveres Gerais dos Administradores, p. 219.
- Coutinho de Abreu, “Deveres de Cuidado e de Lealdade dos Administradores e Interesse Social”, IDET- Instituto das Empresas e do Trabalho, Colóquios, nº3, p.30; “Corporate Governance em Portugal”, IDET- Instituto das Empresas e do Trabalho, Miscelâneas, nº6, Estudo p.9.
- Fátima Gomes, “Reflexões Em Torno dos Deveres Fundamentais dos Membros dos Órgãos de Gestão (e Fiscalização) das Sociedades Comerciais à Luz da Nova Redacção do artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais”, in “20 Anos de Homenagem aos Professores Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier”, volume II, Vária, p. 551.
- Gabriela Figueiredo Dias, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Nº1, p. 734.
- Menezes Cordeiro, “Código das Sociedades Comerciais”, Anotado, 2009, pp. 243, 244, 669.
- Raul Ventura e Brito Correia, Responsabilidade Civil dos Administradores, p. 118 e segs..
- Raul Ventura, Sociedades por Quotas, III, p. 91.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 64.º, 72.º, 254.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 41.º, 61.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 11.7.2006, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I. Assaca a Autora ao Réu, visando a sua destituição de gerente, a violação de deveres de cuidado, de diligência e de lealdade, todos previstos no art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, enfatizando, sobretudo, a violação do dever de lealdade.

II. O dever de lealdade é indissociável do princípio de confiança, quer seja perante a sociedade, quer perante os sócios, quer perante terceiros. O acautelar do interesse social não se confina apenas ao interesse societário tout court, ou seja, a uma actividade que vise lucros. A eticização do direito e da vida societária impõem uma actuação honesta, criteriosa e transparente compaginável com a tutela de terceiros que possam ser prejudicados pela actuação do ente societário através da actuação de quem delineia a sua estratégia e é responsável pela actuação da sociedade, o que convoca os princípios da actuação de boa fé, da confiança e a da proibição do abuso do direito.

III. A actuação concorrencial exercida pelo gerente e que afecta a sociedade protegida pode ser exercida por uma sociedade em que o gerente seja único sócio de uma outra sociedade. No caso em apreço, a actividade concorrente é exercida por uma sociedade unipessoal por quotas detida pelo Réu: poder-se-ia pensar que dada a autonomia jurídica dessa sociedade, não seria o Réu quem exercia actividade concorrente.

IV. O art. 254º, nºs, 1 e 5 do Código das Sociedades Comerciais, alude ao conceito de “justa causa”. Trata-se de um conceito indeterminado, dotado de plasticidade adaptável casuisticamente para aferir se uma actuação se compagina com os direitos e deveres do exercente, postulados pelos princípios jurídicos nela implicados.
No caso, esses deveres são os de deveres de cuidado, de diligência e de lealdade, este na vertente da proibição de concorrência próprios da gestão societária, não sendo de desconsiderar a aplicação de princípios como o da confiança e da boa-fé, também nesta sede convocáveis.

V. Constitui justa causa de destituição de gerente, actuação sua que exprima violação grave dos deveres de gerente, mormente, dos deveres de cuidado, de diligência e de lealdade, que impliquem perda irreparável da confiança dos afectados por essa actuação, seja no contexto interno da sociedade, seja na sua relação com terceiros a justificar a impossibilidade da manutenção do vínculo que o une ao ente societário, por existir conflito de interesses gerador de danos efectivos ou potenciais, que devam ser consideradas razão inequívoca da inexigibilidade da manutenção daquele vínculo jurídico. A lei alemã alude a “grosseira violação dos deveres, incapacidade de condução regular dos negócios ou privação da confiança…”, ou seja, quando “a confiança por manifestos e improcedentes fundamentos foi destruída” – § 84, n.º3 da Aktiengesetz.

VI. Para que haja concorrência desleal – proibida no art.254º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais não se exige que a actividade concorrente, exercida pelo também gerente de outra sociedade, deva ser coincidente com a exercida pela “sociedade protegida”, previamente exercente dessa actividade: basta que essa actividade seja similar à da sociedade protegida e possa com ela, mormente, pela sua actuação e situação geográfica, concorrer de modo a causar “desvio de clientela”.

VII. A lei não proíbe a concorrência, sob pena de coarctar o direito de livre estabelecimento e de iniciativa privada que têm tutela constitucional – arts. 47º e 61º da Lei Fundamental; proíbe, sim, a concorrência desleal, violadora do dever de lealdade, que é a que um sujeito de direito exerce de modo a afectar, à margem da lei, os saudáveis princípios da concorrência.

VIII. O dever de lealdade está associado à obrigação de não concorrência, à obrigação de não aproveitar em benefício próprio possíveis oportunidades de negócio, a actuação de boa-fé ao respeito pelo princípio da confiança e à omissão de procedimentos que provoquem conflitos de interesses.
A actuação do Réu, enquanto gerente da “CC”, infringiu gravemente os citados deveres pelo que existe justa causa para a sua destituição.

IX. Os factos revelam utilização abusiva de bens da “CC” quando o Réu já nenhuma ligação de facto mantinha com essa sociedade, demitindo-se, assim, dos seus deveres de cuidado e diligência, descurando os interesses desta sociedade e contemplando os seus.

X. O facto de se manter ligado juridicamente à “CC”, malgrado a sua quase total ausência de exercício da função de gerente em prol do respectivo interesse social e o facto de ter utilizado bens e informações da “CC” para instalar o seu estabelecimento que exerce concorrência a esta Sociedade, exprime, além de violação dos deveres de cuidado e diligência, violação do nodal dever de lealdade, afectando, de maneira clamorosa, a relação de confiança que deveria cultivar.

XI. Esta conduta torna objectiva e subjectivamente inexigível a sua manutenção como gerente da “CC”, sendo patente que a actuação do Recorrente revela um claro conflito de interesses entre a Autora e esta sociedade, sobretudo, desde que, em 23 de Julho de 2008, o Réu constitui a sociedade unipessoal “GG -Gestão de Restaurantes Unipessoal Lda.”.
Decisão Texto Integral:

Proc.1195/08.0 TVYLSB.L1.

R-465[1]

Revista

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

            AA, Lda., intentou, em 18.10.2008, no Tribunal de Comércio de Lisboa – 1º Juízo – Acção Especial, nos termos do disposto no art. 1484°-B do Código de Processo Civil, contra:

- BB, e;

- CC Lda.

Peticionando que seja decretada:

- A suspensão imediata do requerido BB do cargo de gerente da sociedade CC- ..., Lda., sem audiência prévia deste, com perda do direito à remuneração e demais regalias financeiras pelo exercício daquele cargo, ordenando-se a entrega à sociedade da respectiva viatura de serviço, telemóvel e computador;

- A destituição do requerido BB de gerente da sociedade CC, Lda. com fundamento em justa causa por violação grave dos deveres gerais de cuidado e de lealdade e do dever específico de não concorrência com a sociedade.

Para tanto, alegou, em síntese, que:

- em 18 de Março de 2005, AA, Lda. e BB constituíram a sociedade CC, Lda., com o objecto social exclusivo de investimento, exploração, operação e ... da cadeia “DD”, sob o regime de franchising, sendo, actualmente, requerente e requerido os únicos sócios;

 - foram nomeados gerentes no contrato de sociedade, o sócio BB e o não sócio EE (este era à data sócio gerente da sociedade FF, Lda.), tendo-se estipulado que a sociedade se obriga em todos os actos e contratos pela assinatura conjunta de dois gerentes;

- o gerente e não sócio EE ficou expressamente autorizado a exercer, por conta própria ou alheia, actividade concorrente com a da sociedade requerida;

- o sócio BB não foi autorizado a desenvolver actividade concorrente com a da sociedade;

- com data de 14 de Julho de 2008, BB dirigiu uma carta à sociedade requerida na qual a informava que programava vir a realizar a exploração de estabelecimentos de restauração;

- em 23 de Julho de 2008, BB constituiu uma sociedade unipessoal por quotas denominada GG-... Unipessoal, Lda., que tem por objecto a exploração e gestão de estabelecimentos comerciais destinados à actividade de restauração e/ou actividades similares, com a possibilidade de recurso à utilização de marca em regime de franchising, prestação de serviços de alimentação e de bebidas no próprio estabelecimento ou fora dele, exercício de quaisquer actividades que sejam acessórias, instrumentais ou complementares às supra enunciadas;

- em 30 de Julho de 2008 reuniu a Assembleia-geral de sócios da requerida, tendo sido deliberado nomear um terceiro gerente, com vista a garantir o normal funcionamento da sociedade;

- o requerido votou contra essa deliberação;

- o requerido convocou para o dia 11 de Agosto de 2008 uma Assembleia-geral da requerida com vista à destituição com justa causa do gerente EE, não obstante não ignorar que tal destituição apenas seria possível por via judicial;

- o requerido abriu um estabelecimento de restauração no centro comercial ..., na cidade do Porto;

- nos últimos meses o requerido nunca se encontrava nos escritórios da sociedade;

 - usou os meios da sociedade requerida e o período de férias por esta remunerado, para abrir o seu estabelecimento comercial de restauração no referido centro comercial;

- usou o computador, o servidor de correio electrónico da sociedade e os fornecedores desta para contactos e negociações de fornecimento e instalação de equipamento e prestação de serviços para o seu estabelecimento comercial “II”; e usou o seu telemóvel de serviço, propriedade da sociedade requerida e com facturação paga por esta, para contactos com os sócios e gerentes da sociedade comercial “HH.”, titular da referida marca “II”;

 

- usou a sua viatura de serviço, propriedade da sociedade requerida e respectiva via verde, paga pela sociedade requerida, para deslocações alheias à actividade e interesses da sociedade e de carácter estritamente pessoal;

- na negociação dos contratos com fornecedores, utilizou a informação que detinha sobre os preços praticados pelos ditos fornecedores com a sociedade requerida, pretendendo beneficiar de idênticos preços e demais condições comerciais;

- o requerido encontra-se presentemente a desenvolver uma actividade na área da restauração, em regime de franchising e sob o conceito de comida saudável, concorrencial à actividade da sociedade requerida, tendo acesso a informação de natureza confidencial sobre a actividade desta;

- através da sociedade da sua titularidade abriu no Centro Comercial ... em ... um outro “II”.

Por despacho de fls. 265/266 foi o requerimento inicial liminarmente indeferido relativamente à requerida sociedade, prosseguindo a acção e a providência cautelar apenas contra o 1° Requerido / réu.

Citado, o requerido deduziu oposição, defendendo-se por excepção e por impugnação.

Por excepção, invocou a prescrição do direito fundado no exercício de actividade concorrente, por terem decorrido mais de 90 dias contados do conhecimento, por todos os sócios, da actividade por si exercida (art. 254°, nº6, do Código das Sociedades Comerciais).

 Invocou ainda o abuso de direito, por a autora ter recebido a carta a comunicar-lhe que iria dar início, por conta própria, à exploração de estabelecimentos de restauração e não manifestou oposição.

Por impugnação, alegou que a actividade exercida pela sociedade por si constituída não é concorrencial com a actividade da CC;

- que os mercados alvos de um e do outro produtos vendidos pelas sociedades são totalmente diferentes;

- que a utilização pelos gerentes da CC do telemóvel e veículo para uso pessoal é uma constante, uma prática normal e não existe qualquer limitação fixada pela sociedade, à utilização; que o know-how do requerido é indissociável da sua pessoa;

- que os preços praticados pelos fornecedores da CC, maxime, de vegetais, têm uma expressão praticamente nula no “menu” da sociedade constituída pelo requerido e podem ser adquiridos, a preços extremamente competitivos em estabelecimento cash and carry.

 Pugnou pela improcedência da acção.

Foram inquiridas as testemunhas arroladas.

***

Após, foi elaborada a resposta à matéria de facto (fls. 271 a 279) e proferida sentença, na qual se julgou improcedente a acção tendo a Ré sido absolvida dos pedidos contra ela formulados.

***

Inconformada, a requerente interpôs recurso de apelação, para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 1.4.2014 – fls. 592 a 624 – julgou procedente o recurso, e em consequência:

- Revogou a sentença recorrida;

- Julgou procedente o pedido de destituição do requerido das funções de gerente da sociedade CC- ..., Lda., com fundamento em justa causa;

- Declarou extinta a instância atinente ao pedido de suspensão da gerência, por inutilidade superveniente da lide;

- Condenou o requerido/apelado nas custas (devidas em 1ª instância e na Relação);

***

            Inconformado, recorreu o Réu recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

            1.ª O Recorrente vem interpor recurso de revisão do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que revogou a douta sentença proferida em primeira instância pelo 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa e julgou procedente o pedido de destituição do ora Recorrente das funções de gerente da sociedade “CC, Lda.” com fundamento em justa causa e consequente condenação em custas;

            2.ª A decisão do douto Tribunal da Relação de Lisboa assenta, essencialmente, na conclusão de que o Recorrente teria violado o disposto no art. 254º do Código das Sociedades Comerciais ao ter dado início ao desenvolvimento de actividade concorrente com a da sociedade “CC, Lda.”, onde exerce as funções de gerente;

3.ª Conforme resulta da factualidade assente — facto 8 — a “CC, Lda.” tem por objecto social exclusivo o investimento exploração, operação e ... da cadeia “DD”, sob o regime de franchising;

4.ª Sendo que todos os estabelecimentos explorados pela “CC Lda. “são feitos exclusivamente sob a insígnia “DD” — vide facto 62;

5.ª Ficou igualmente a constar dos factos provados, vide facto 5, que o conceito comercial da marca “DD” é o da venda de comida saudável;

6.ª Em contrapartida a sociedade “GG-... Unipessoal, Lda.”, através da qual o Recorrente exerceria a referida actividade concorrente, tem por objecto social a “exploração e gestão de estabelecimentos comerciais destinados à actividade de restauração e/ou actividades similares, com a possibilidade de recurso à utilização de marca em regime de franchising; prestação de serviços de alimentação e de bebidas no próprio estabelecimento ou fora dele; exercício de quaisquer actividades que sejam acessórias, instrumentais ou complementares as supra enunciadas”, facto igualmente dado como provado como 32;

7.ª Sendo foi dado como provado — facto que os estabelecimentos da “GG- ... Unipessoal, Lda.” exploram a marca II — ... (factos assentes 36, 38, 39 e 47); marca de restauração que se define e é publicamente reconhecida pela comercialização de hambúrgueres (vide facto assente 65);

8.ª O preceituado no art. 254º do Código das Sociedades Comerciais tem de ser interpretado tendo em vista o ordenamento jurídico português que, à semelhança dos sistemas jurídicos de matriz ocidental democrática, assenta num princípio de liberdade: a ausência de proibição não consiste numa lacuna;

            9.ª O art. 254º do Código das Sociedades Comerciais consiste numa restrição à liberdade de iniciativa privada (direito à empresa), liberdade que tem fortíssimos paralelismos com a liberdade de trabalho;

10.ª “A proibição de exercício de actividade concorrente — em termos gerais, tanto no plano jus laboral como no plano da liberdade empresarial – tem de ser vista como tendo um carácter excepcional, pois que ao sistema jurídico, visto como um todo, repugna o constrangimento da liberdade de empreender e de trabalhar. Sistema que, sem prejuízo das excepções motivadas por valores que o justifiquem, tem na concorrência um factor determinante do desenvolvimento económico”;

11.ª O sobredito deverá reflectir-se na interpretação do art. 254º do Código das Sociedades Comerciais, que deverá ser especialmente contida, cuidando de não ferir valores constitucionalmente tutelados, maxime, os constantes dos artigos 47.° e 61º da CRP;

12.ª “Acresce que o interesse tutelado pela proibição de concorrência estabelecida no art. 254º do Código das Sociedades Comerciais consiste em evitar um risco: o de o gerente se afastar, por existir conflito de interesses, da realização do interesse social;

13.ª “Adicionalmente é necessário enquadrar a presente acção num contexto de perseguição de que o Recorrente é vítima há já longa data;

14.ª O douto acórdão recorrido desconsiderou, em absoluto, o conflito que opõe o Recorrente, BB à sócia maioritária, AA (corporizada em EE e JJ). Nesse conflito, o sócio minoritário foi violentamente colocado à margem da vida societária;

15.ª O processo de destituição não consiste — e isso encontra-se demonstrado nos autos, vide sentença proferida por Tribunal Arbitral constituído no Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa — Câmara de Comércio e Indústria Portugueses no âmbito do processo 10/2008/INS/AP – num conflito autónomo (no plano dos interesse prosseguidos pelas partes), dos demais que giram em torno da vida societária da CC: sintetizáveis numa luta, entre a sócia maioritária, que pretende a aniquilação do sócio minoritário e este último, que procura sobreviver;

16.ª A factualidade assente traduz essa realidade: a Recorrida, enquanto veículo da vontade de EE, tenta asfixiar a participação do Recorrente na vida societária da “CC, Lda.”;

17.ª Não obstante o douto Tribunal da Relação, entendeu existir concorrência entre a actividade desenvolvida pelas duas sociedades: “CC, Lda.” e a “GG-... Unipessoal, Lda.”;

18.ª Esclarece o n.°2 do 254º que será tido como concorrência “qualquer actividade abrangida no objecto desta, desde que esteja a ser exercida por ela ou o seu exercício tenha sido deliberado pelos sócios.”;

19.ª Ora conforme supra se expôs, enquanto a “CC, Lda.” explora única e exclusivamente a marca DD ao abrigo de um contrato de franquia celebrado com a Recorrida, objecto limitado e delimitado pelo seu contrato social, oferecendo ao consumidor um menu de saladas, a “GG-... Unipessoal, Lda.” explora, também ao abrigo de um contrato de franquia, hambúrgueres;

20.ª Contudo, o douto tribunal da Relação de Lisboa entendeu, parecendo para o efeito desconsiderar a efectiva redacção dos contratos de sociedade e as particularidades das actividades exercidas, que ambas as sociedades tinham o mesmo objecto social: a actividade de restauração;

21. Mais concluiu que, coexistindo as duas sociedades em alguns espaços comerciais (Centros Comercias), identicamente esquecendo as respectivas especificidades, se deveria dar como assente a existência de concorrência uma vez que foi da opinião de que os bens oferecidos por uma delas poderiam ser substituídos pelos da outra;

            22.ª Sucede que esta conclusão por parte do douto Tribunal da Relação de Lisboa, se encontra em manifesta desconformidade com os factos provados;

23.ª Ficou assente como facto 64 que “os clientes que, num dado momento, procuram uma salada ou uma sopa, não vêem uma hamburgueria como alternativa”;

24.ª Deste modo a decisão perfilhada no douto acórdão de que se recorre, ao decidir que existia concorrência porque os clientes de ambos os estabelecimentos eram os mesmos, contrariou a factualidade assente;

25.ª A contradição de fundamentos com a decisão constitui, nos termos da alínea c) do n.° 1 do art. 615º do Código de Processo Civil (correspondente ao art. 668º, n. °1, c) do anterior diploma) causa de nulidade da sentença;

26.ª Acresce que o entendimento do douto Tribunal da Relação no que concerne à existência de um objecto social coincidente entre as duas sociedades — a restauração — resulta de uma interpretação demasiado ampla;

27.ª O objecto social tem de permitir, cumulativamente, estabelecer a actividade exercida pela sociedade, bem como os limites dessa actividade. Repisa-se: a CC apenas pode explorar restaurantes da marca DD, não pode explorar quaisquer outros restaurantes (sem que previamente altere o objecto social);

28.ª O artigo 254º não proíbe, “tout court”, o exercício de actividade concorrente: delimita essa actividade pelo objecto da sociedade. O objecto – efectivamente exercido – consiste, assim, no perímetro delimitador da actividade proibida. Entendimento tão genérico como o perfilhado no douto acórdão de que ora se recorre não permite verdadeiramente alcançar esse limite e estabelecer com exactidão o âmbito de actuação das duas sociedades;

29.ª A redacção do contrato de sociedade da CC, no que concerne ao objecto, não comporta outra interpretação que não seja a de que esse objecto compreende exclusivamente a exploração de restaurantes franchisados da marca DD. O seu objecto a isso está limitado;

30.ª “Aliás o que se afirma, no que refere à interpretação da cláusula do contrato de sociedade que estipula o objecto, harmoniza-se fielmente com a ratio legis da proibição da concorrência (evitar um potencial conflito de interesses que afaste o gerente da realização do interesse social);

31.ª “São os próprios sócios, ao fixarem o objecto e ao determinarem, dentro do seu perímetro (cfr. n°3 do art. 11º do Código das Sociedades Comerciais) a actividade a ser concretamente exercida que fixam os exactos contornos da actividade concorrencial e, consequentemente, do potencial conflito de interesses;

32.ª Aliás, a vontade real das partes foi, exactamente, a de restringir o objecto à exploração a marca DD. Por isso, logo ab initio – ainda numa era em que não existiam conflitos – o gerente EE foi autorizado a exercer actividade concorrente. Na verdade, porque sócio gerente da AA exercia — esse sim — actividade concorrente na medida em que esta sociedade explorava restaurantes “DD” JJ, mais tarde, ficou a beneficiar identicamente dessa isenção, igualmente por deter uma participação na Recorrida;

33.ª Ao admitir-se uma formulação tão vaga como a defendida no douto acórdão de que se recorre, nulifica-se o objecto social (efectivamente exercido) como elemento que determina o perímetro proibido de actividade do sócio, estendendo-se, sem qualquer razão de ser, uma proibição ao livre exercício de actividade económica;

34.ª Ainda que o art. 254º do Código das Sociedades Comerciais não delimitasse o perímetro proibitivo ao objecto social efectivamente exercido, ficando-se por um conceito indeterminado de concorrência: sempre ela inexistiria no caso concreto;

35.ª Verdadeiramente, sopas e saladas encontram-se nos antípodas de hambúrgueres e batatas fritas: o consumidor que procura saladas não se confunde com o que pretende um hambúrguer com batatas fritas;

            36.ª As duas empresas prestam serviços distintos aos consumidores, não concorrendo entre si;

37.ª O facto de ambas as sociedades actuarem em espaços coincidentes — centros comerciais — demonstra que são realidades que não concorrem, mas que se complementam, e que assim são encaradas pelo mercado: a filosofia seguida pelos centros comerciais é a da procura de tenant mix que lhes permita satisfazer um maior número possível de consumidores;

38.ª Não existe assim concorrência entre as duas sociedades em questão, pelo que não tendo estas a mesma clientela, não poderia haver interesses em conflito;

39.ª Deste modo, também nesta perspectiva, não se encontra preenchido o âmbito de aplicação do art. 254º do Código das Sociedades Comerciais, tendo o douto acórdão feito uma incorrecta interpretação do preceito, pelo que deverá ser alterado o douto acórdão proferido pela Relação de Lisboa;

40.ª O douto acórdão de que se recorre, entendeu ainda, contrariando a posição assumida pelo Tribunal do Comércio de Lisboa, existir justa causa para destituir o ora Recorrente das funções de gerente ao defender que este teria violado o dever fundamental de lealdade, na vertente de não concorrência dado (i) ter feito utilização indevida da informação de que teria tido conhecimento enquanto gente da “CC, Lda.”; (ii) ter utilizado indevidamente os meios que lhe teriam sido facultados pela “CC, Lda.” e (iii) ter adoptado comportamentos prejudiciais à sociedade de que era gerente;

41.ª Contudo e conforme se expôs inexiste qualquer actividade concorrente pelo que essas condutas/omissões, perdem — mesmo seguindo o raciocínio do douto acórdão recorrido – qualquer censurabilidade. Mas ainda que assim, não se entendesse, os argumentos defendidos pelo douto acórdão de que se recorre não devem colher;

42.ª Defende o douto Tribunal da Relação que o ora Recorrente teria usado a informação relativa a preços e condições negociados entre a “CC, Lda.” e os seus fornecedores em proveito da “GG-... Unipessoal, Lda. “;

            43.ª Esta ideia é, antes de mais, contrariada pela factualidade, que demonstrou que “os vegetais podem ser adquiridos em cash and carry, sendo o preço negociado semanalmente e dependente das quantidades adquiridas e do local da entrega” — cfr. facto 67

44.ª Realidade que é muito idêntica para a generalidade, se não mesmo para a totalidade, das matérias-primas a adquirir junto dos fornecedores: existe sempre uma relação indissociável preço/quantidade;

45.ª Mais, a principal matéria-prima da actividade da “GG-... Unipessoal, Lda. “, e que portanto poderia eventualmente conceder alguma vantagem concorrencial, é omissa da oferta disponibilizada pela “CC, Lda.” – a carne de vaca – o mesmo acontecendo com o arroz e à batata frita, igualmente excluídos dos menus da “CC, Lda. “;

46.ª Além disso a actividade da “GG-... Unipessoal, Lda.” resulta de exploração da marca “II” enquanto franquiado pelo que a maior parte do “saber fazer” relevante provem directamente do franquiador da marca não havendo assim da parte do Recorrente qualquer conduta censurável ou ilícita, que permitisse fazer um juízo de deslealdade;

47.ª No que concerne ao entendimento do douto Tribunal da Relação de Lisboa quanto à utilização dos meios da sociedade por parte do Recorrente, ficou provado que estes foram entregues ao Recorrente sem qualquer limite quanto à sua utilização — uso que era igualmente feito pelos restantes gerentes, conforme facto 54;

48.ª Pelo que se deverá repor a posição defendida pelo Tribunal do Comércio de Lisboa, na sentença ora revogada;

49.ª O último ponto em que o douto acórdão censura a conduta do Recorrente enquanto gerente prende-se com, o que foi denominado no douto acórdão de “assunção de comportamentos prejudiciais à sociedade” que se concretiza numa dupla vertente, por uma lado numa alegada atitude de bloqueio ao ter recusado o pagamento de notas de débito e por outro, na redução da sua presença na sociedade;

            50.ª Quanto ao primeiro ponto, a recusa era legítima dado o Recorrente ter detectado irregularidades que deveriam ser tidas em conta por um gerente criterioso, além de que num esforço claro de apurar com rigor a situação, o ora Recorrente propôs à data que se realizasse uma auditoria para esse efeito que foi recusada pela Recorrida, pelo que, o Recorrente actuou como um gerente diligente;

51.ª Relativamente ao menor número de idas à sede da sociedade do qual o douto acórdão da Relação de Lisboa inferiu uma atitude de desligamento, também aqui nunca se provou que em algum momento necessário o Recorrente estivesse estado ausente em algum momento chave da vida da sociedade ou que o seu desempenho enquanto gerente tivesse de alguma forma ficado comprometido;

52.ª Pelo contrário ficou demonstrado na sentença proferida pelo Tribunal do Comércio de Lisboa “que nessas mesmas deslocações o requerido procurou inteirar-se das actividades e performance da sociedade, o que revela preocupação com o seu desempeno e não alheamento dos destinos da sociedade. “: ou seja, sempre que se deslocava à sociedade o Recorrente fazia-o com o intuito de se integrar da vida societária;

53.ª Conforme se encontrada demonstrado pela factualidade provada, foi a Recorrida, por via dos seus sócios, o casal EE e JJ, que ditaram o afastamento do Recorrente, tudo fazendo para o alienar da gestão da “CC, Lda. “, nunca se tendo tratado de uma acto voluntário do Recorrente;

54.ª Acresce que, conforme sempre foi defendido pelo Recorrente, quando a presente acção deu entrada em juízo em 18 de Outubro de 2008 já se encontrava esgotado o prazo de 90 dias referido no n.°6 do art. 254º do Código das Sociedades Comerciais, pelo que o correspondente direito já se encontrava prescrito;

55.ª Mais a lealdade do gerente para com a sociedade e respectivos sócios, deve ser recíproca;

56.ª O Recorrente gerente sempre foi transparente e leal para com a Recorrida comunicando as suas intenções de forma clara, contudo a Recorrida com pérfido calculismo esperou que o Recorrente, confiante, avançasse com o seu negócio para, depois, requerer a sua destituição, num acto de manifesto abuso de Direito;

            57.ª Face ao supra exposto, e à ausência de uma actividade concorrente entre as duas sociedades, deverá ser revogado o acórdão proferido pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa e ser resposta a decisão tomada em primeira instância;

Nestes termos e nos demais de Direito deve conceder-se provimento ao presente recurso, sendo revogado o douto Acórdão recorrido, mantendo-se integralmente válida a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância.

A recorrida contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

1. A sociedade AA, Lda., foi constituída em 26 de Fevereiro de 2004 e tem como objecto social a representação, compra, venda e revenda de produtos e equipamento, nomeadamente, na área da restauração e similares, prestação de serviços conexos representação de marcas de restaurantes

2. Entre as marcas detidas e representadas pela requerente inclui-se a marca nacional e comunitária, respectivamente com os números … e …, denominada “DD”.

3. A sociedade FF Lda. cedeu à sociedade Requerente a marca “DD”, cuja criação, implementação e valorização comercial fora da sua autoria.

4. O requerido foi, através de uma sociedade unipessoal por si constituída, franchisado da referida marca “DD”.

5. O conceito comercial subjacente à marca “DD” é o de venda de comida saudável.

6. Em 18 de Março de 2005, requerente e requerido constituíram a sociedade CC- ..., Lda.

7. CC- ..., Lda., pessoa colectiva n…., tem sede na Av. …, n.º…, …, freguesia de …, em Lisboa.

8. CC -..., Lda. tem como objecto social exclusivo o investimento, exploração, operação e ... da cadeia “DD”, sob o regime de franchising e tem o capital social de € 15.751,68.

9. Requerente e requerido são os únicos sócios da sociedade CC, Lda., sendo a primeira titular de quotas no valor nominal de € 6.500,00 e de € 3.738,59 e o segundo titular de duas quotas no valor nominal de € 3.500,00 e € 2.013,09.

10. A gerência da sociedade CC, Lda., pertence aos sócios ou não sócios a designar em assembleia-geral.

11. A sociedade CC- ..., Lda., obriga-se em todos os actos e contratos, designadamente, pela assinatura conjunta de dois gerentes.

12. Foram nomeados gerentes no contrato de sociedade CC, Lda., o sócio BB e o não sócio EE

13. Mostra-se registada a designação de JJ como gerente da sociedade CC, Lda., por Ap.135 de 31.7.2008.

14. O gerente e não sócio EE ficou autorizado a exercer, por conta própria ou alheia, actividade concorrente com a da sociedade CC, Lda.

15. BB não foi autorizado a desenvolver actividade concorrente com a da sociedade CC- ..., Lda.

16. A sociedade CC sempre se dedicou à exploração de restaurantes da marca “DD”.

17. EE é sócio e gerente da sociedade FF. Lda. desde a respectiva constituição, em 1997.

18. Em 18.10.2008 EE, casado com JJ era titular de uma quota no valor de € 175.000 na sociedade FF, cujo capital social era, à data, de € 250.000.

19. FF. Lda., pessoa colectiva nºS…, tem sede na Av. …, n…., …, freguesia de …, em Lisboa.

20. FF. Lda. tem como objecto social, a venda a retalho de sumos de frutas, sandes, saladas, salgados e sobremesas.

21. Em 18.10.2008 EE, casado com JJ era titular de uma quota no valor de € 4.900 e o seu cônjuge de uma quota no valor de € 100,00 ambas na sociedade requerente, cujo capital social era, à data, de € 5.000.

22. O requerido, por força das funções de gerente da sociedade CC- ..., Lda., tem acesso a informação confidencial na área da restauração de comida saudável,

23. O pessoal administrativo e contabilístico e o equipamento afecto à actividade da sociedade CC- ..., Lda. é o da sociedade FF Lda., partilhando os respectivos custos de funcionamento da estrutura de acordo com uma percentagem mensal apurada em função do cômputo global das vendas mensais de ambas as sociedades e na respectiva proporção.

24. O requerido recusou a autorização para pagamento das notas de débito de custos da estrutura de funcionamento comum, emitidas a partir de Março do ano de 2008, invocando a existência de irregularidades que não concretizou.

25. O requerido remeteu à requerente que a recebeu, carta datada de 14.7.2008 na qual se lê:

Serve a presente para informar V Exas. de que programo) para muito em breve) dar início à exploração) por conta própria) de estabelecimentos de restauração.

Os estabelecimentos em causa serão franchisados de uma marca de restauração rápida do tipo “fast casual” já implantada no mercado.

Esses estabelecimentos tendencialmente serão abertos em centros comerciais e unidades de carácter análogo no norte do país considerando-se para o efeito) todo o território acima da linha de Coimbra) Incluindo esta cidade.”

26. A requerente não respondeu à carta datada de 14.7.2008.

27. EE convocou uma assembleia-geral de sócios da sociedade CC- ..., Lda. com vista à aprovação das contas e do relatório de gestão do exercício de 2007 e à resolução do conflito existente na gerência.

28. Em 30 de Julho de 2008, reuniu a assembleia-geral de Sócios da sociedade CC-..., Lda., constando da acta da assembleia o seguinte:

“ACTA NÚMERO …

No dia trinta de Julho do ano de dois mil e oito, pelas dezasseis horas, reuniu na sua sede social, sita na Avenida …, nº …. …, freguesia de …, na cidade de …, a assembleia-geral de sócios da sociedade comercial por quotas sob a firma "CC- … LDA., pessoa colectiva …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número, com o capital social de quinze mil setecentos e cinquenta e um euros e sessenta e oito cêntimos.

Presentes ao acto estavam todos os sócios, designadamente a sócia "AA – …, Unipessoal, Lda.: ", representada pelo seu sócio-gerente EE, titular de duas quotas no valor nominal, respectivamente, de seis mil e quinhentos euros e de três mil; setecentos e cinquenta e oito euros e cinquenta e nove cêntimos, e o sócio BB, titular de duas quotas no valor nominal, respectivamente, de três mil e quinhentos euros e de dois mil e treze euros e nove cêntimos, reunindo-se assim a totalidade do capital social.

A assembleia reuniu para deliberar com a seguinte ordem de trabalhos:

1º Aprovação do relatório de gestão e das contas do exercício referentes a 2007;

2° Tratamento dos resultados de exercício;

3°Apreciação da parceria operacional com a sociedade FF, Lda., e consequente partilha conjunta de custos de funcionamento da sociedade, e deliberação sobre os termos e âmbito da manutenção da referida parceria;

4 ° Apreciação das dificuldades de gestão da sociedade inerentes à existência de apenas dois gerentes e ao facto da sociedade necessariamente se vincular com duas assinaturas e eventuais medidas a adoptar tendo em vista O disposto no artigo 4°, n. °1, do Contrato de Sociedade, nomeadamente a nomeação de um terceiro gerente para a sociedade.

Presidiu à assembleia o representante da sócia "AA", Unipessoal, Lda.", em conformidade com o disposto no art. 248°, n. °4, do Código das Sociedades Comerciais.

Estiveram presentes a convite da assembleia-geral os Exmos. Senhores Dr. KK, advogado da sociedade, que nessa qualidade ficou a secretariar os trabalhos da assembleia, e a Exma. Senhora Dra. LL, técnica oficial de contas da sociedade.

Igualmente estiveram presentes a Exma. Sra. Dra. MM, advogada da sócia "AA» Representação de Marcas de Restaurantes, Unipessoal Lda.”, cuja presença foi autorizada para assessorar aquela sócia, por deliberação da assembleia prévia à discussão da ordem de trabalhos, aprovada por maioria, com o voto a favor da sócia "AA, Unipessoal, Lda.”, e o voto contra do sócio BB, porquanto na opinião do mesmo tal não ser admissível por tais convites não constarem da ordem de trabalhos, opondo-se à presença de pessoas estranhas à sociedade na presente assembleia, não concordando com a escolha do Dr. KK para secretariar os trabalhos da assembleia geral. Nesse momento, o Presidente da Assembleia colocou a votação a escolha do Dr. KK para secretariar os trabalhos da assembleia geral tendo esta proposta aprovada por maioria, com o voto a favor da sócia "AA- Representação de Marcas de Restaurantes, Uni pessoal Lda. ", e o voto contra do sócio BB.

Aberta a sessão e iniciados os trabalhos, procedeu-se à análise do relatório de gestão e das contas do exercício (Balanço, Demonstração dos Resultados e Anexo ao Balanço e à Demonstração dos Resultados) referentes ao exercício económico de 2007. O Presidente informou a assembleia que o relatório de gestão apenas se encontrava assinado pelo gerente EE, tendo solicitado ao gerente BB que explicasse à assembleia os motivos pelos quais não tinha assinado o relatório.

Dada a palavra ao sócio-gerente BB o mesmo disse que a sua recusa de assinatura do relatório de gestão prende-se com o facto de não ser fidedigno e omitir temas essenciais. Não decorre do relatório em causa qualquer projecção para 2008, muito ao contrário do que aí vem afirmado. Do relatório deveria constar um juízo de prognose relativamente ao corrente ano que, aliás, deveria ter em consideração os eventos já ocorridos no seu decurso. Do relatório, a verdade impõe-no, deveria constar que as expectativas de crescimento da CC inexistem. Essas expectativas, na verdade, foram eliminadas dados os comportamentos mais recentes da sócia "AA Representação de Marcas de Restaurantes, Unipessoal, Lda., da qual é único sócio o gerente EE. A AA Lda., contrariamente ao acordado com a CC Lda., – que tem por exclusivo objecto ser franchisada da marca DD – manifestou ao declarante não pretender qualquer um outro contrato de franchising: Ou seja, que a AA, Lda., principal sócia da CC declarou-lhe através do seu sócio gerente, o Sr. EE, que não pretendia celebrar qualquer contrato adicional de franchising com esta sociedade. Assim, parece óbvio que a CC não tem qualquer perspectiva de crescimento, pelo contrário, sendo uma grave omissão que isso não esteja no relatório de gestão que lhe foi apresentado para assinatura, da lavra do mesmo senhor EE. Contrariamente ao que vai afirmado no relatório de gestão, a CC tem sido prejudicada com a política de custos praticados com a FF Lda. A asserção aí contida é totalmente falsa: a política de custos é desequilibrada a favor da FF e condiciona unilateralmente a CC, por outro lado comporta fortíssimos riscos fiscais para a CC e os seus gerentes. Por último, a relação entre a AA, a FF e o gerente EE deveria ter sido evidenciada no relatório de gestão, o que lamentavelmente não ocorreu.

Em virtude desta explicação do sócio BB, o gerente EE pediu a palavra para se pronunciar, tendo dito que o relatório de gestão do ano 2007 foi elaborado à semelhança do relatório de gestão redigido pelo gerente BB, referente aos anos de 2006 e anteriores, no sentido de assim possibilitar a assinatura do mesmo pelo referido gerente BB, o que lamentavelmente não veio a suceder em momento anterior à presente assembleia. No mais, resulta inverídica a factualidade vertida pelo gerente BB nos considerandos por este efectuados a propósito do relatório de gestão.

Após ter sido efectuada esta intervenção, o sócio BB solicitou a palavra, tendo voltado a reiterar a sua discordância quanto à permanência na assembleia de pessoas estranhas à sociedade.

Nesta sequência o sócio BB solicitou que a assembleia convidasse também os Srs. Drs. NN e Dr. OO, seus advogados, para também o assessorarem, solicitando a suspensão temporária dos trabalhos até à chegada dos mesmos.

Colocada à votação esta proposta, foi a mesma aprovada por unanimidade, sendo os trabalhos suspensos pelas 17 h 07.

Pelas 18hOO foram retomados os trabalhos, já com a presença dos Srs. Drs. NN e Dr. OO tendo cada um dos sócios renovado os motivos e explicações pelos quais, respectivamente o gerente EE assinou e o gerente BB não assinou o relatório de gestão em discussão.

Pedindo a palavra o Sócio BB, este disse que o relatório de gestão de 2006 foi elaborado pela Técnica Oficial de Contas, o que esta, a instâncias suas, confirmou, em sintonia com a prática do grupo empresarial onde se insere a CC.

Pedindo a palavra o gerente EE, esclareceu que após ter recebido uma carta registada com aviso de recepção do sócio gerente BB, em que este dava conta de que programa vir a realizar a exploração de estabelecimentos de restauração, razão pela qual, na qualidade de sócio gerente da AA sentiu desconforto em mostrar os relatórios de gestão da AA e da FF. Mais declarou que o Dr. BB lhe tinha enviado um e-mail dizendo que o relatório de gestão iria ser feito por ele.

Mais informou a assembleia que, em virtude do facto do relatório de gestão não ter sido assinado pelo gerente BB, o revisor oficial de contas da sociedade tinha-se recusado a efectuar a certificação legal das contas, razão pela qual o respectivo relatório não se encontrava disponível para análise pela assembleia geral.

Posto o assunto à votação dos sócios, foi deliberada a aprovação das contas de exercício de 2007 por unanimidade, sendo o relatório de gestão aprovado por maioria, com o voto a favor da sócia "AA, Uni pessoal, Lda. ", e O voto contra do sócio BB.

Seguidamente, entrou-se na discussão do ponto nº2 da ordem de trabalhos, tendo o Presidente informado a assembleia que, existindo um resultado positivo no exercício de 2007, no montante de € 44.926,58 (quarenta e quatro mil novecentos e vinte seis euros e cinquenta e oito cêntimos), havia que deliberar sobre o destino a dar a este resultado, após dedução do montante legalmente destinado a integrar as reservas legais, tendo proposto que o mesmo fosse distribuído pelos sócios na proporção das suas participações sociais.

Posta esta proposta à votação dos sócios, foi deliberada a sua aprovação por unanimidade dos votos, tendo o sócio BB, esclarecido que aceita esta proposta dada a iniciativa por parte do sócio maioritário de não efectuar investimentos no crescimento da sociedade.

Seguidamente, entrou-se na discussão do ponto n. º 3 da ordem de trabalhos, tendo o Presidente informado a assembleia, agora na qualidade de gerente da sociedade, que o gerente BB tinha vindo a questionar desde Abril do corrente ano a parceria existente desde o início da actividade da sociedade com a sociedade FF, Lda., em matéria de partilha de custos de funcionamento de ambas as sociedades decorrente da existência de uma estrutura comum traduzida na utilização conjunta da sede, equipamento, consumíveis, viaturas, assessoria contabilística, entre outras despesas de funcionamento.

Mais informou que, atenta a gerência plural existente, não foi possível proceder ao pagamento das correspondentes notas de débito nºs 11, 12 e 13, emitidas pela FF, Lda., respeitantes aos encargos dos meses de Março, Abril e Maio, uma vez que o gerente BB recusou a sua autorização para o efeito.

Dada a palavra ao sócio BB, referiu que contrariamente ao que foi dito, a parceria comercial nunca foi posta por si em causa, mas sim as referidas notas de débito porque as mesmas apresentam irregularidades em tempo devidamente denunciadas por carta registada com aviso de recepção. Relativamente a este ponto, entende o Sócio BB que para a sua discussão é necessária a realização prévia de uma profunda auditoria contabilística/jurídica ao centro de custos 100 (cem) da FF) Lda., por entidade totalmente isenta e cuja determinação não deve ter a intervenção dos interessados FF, EE e AA permitindo assim uma absoluta transparência da relação entre as empresas. Caso, assim, a assembleia o não entenda, propõe o sócio BB, em aditamento à ordem de trabalhos,

(i) que seja posta à votação desta assembleia a realização de uma profunda auditoria contabilística e jurídica ao centro de custos 100 (cem) da FF Lda., por entidade totalmente isenta e cuja determinação não deve ter a intervenção dos interessados: FF, EE e

(ii) Que caso se venha a concluir que a FF se enriqueceu ilegitimamente a expensas da CC deva esta ser interpelada para reembolsar a sociedade, não o fazendo deverá ser judicialmente accionada.

(iii) Que sendo este aditamento admitido na ordem de trabalhos, não venha a participar nesta votação a sócia AA atento o facto de na sua perspectiva a mesma se encontrar em claro conflito de interesses no que a este tema se refere e, por isso, impedida de votar, uma vez que tem um único sócio – o Sr. EE que, por seu turno é directa e indirectamente o detentor do capital social da FF, Lda.

Dada a palavra ao Presidente, este disse que não concordava com o entendimento do sócio BB, razão pela qual colocou à votação a proposta de aditamento à ordem de trabalhos efectuada por aquele. Proposta a votação foi a mesma rejeitada por maioria, com os votos contra da sócia "AA - Representação de Marcas de Restaurantes, Unipessoal, Lda. ", e o voto favorável do sócio BB.

Seguidamente, o Presidente propôs à assembleia que aprovasse formalmente a parceria existente com a sociedade FF, Lda., a qual, conforme explicou, se traduz no seu entendimento, num beneficio para a sociedade atenta a necessária redução dos custos de funcionamento inerente, mantendo o critério de repartição de despesas existente desde o inicio, ou seja, segundo a proporção das vendas de cada sociedade no mês em questão em relação às despesas de funcionamento desse mês. Ou seja, em matéria de partilha integral de custos de funcionamento da estrutura comum, a FF, Lda. continuará a apresentar mensalmente à sociedade notas de débito discriminativas correspondentes às despesas partilhadas de acordo com uma percentagem mensal apurada em função do cômputo global das vendas mensais de ambas as sociedades e na respectiva proporção.

Dada a palavra ao sócio BB, o mesmo disse que tendo em atenção que os termos e âmbito da referida parceria não foram devidamente determinados na ordem de trabalhos e estão agora de forma avulsa a ser enunciados, não está em condições de deliberar sobre os termos e âmbito da referida parceria, nem tão pouco, na ausência da referida auditoria por si proposta e da resposta da FF, Lda., se sente em condições de poder votar o ponto três da ordem de trabalhos.

Após esta declaração foi deliberado por maioria, com o voto a favor da sócia "AA - Representação de Marcas de Restaurantes, Unipessoal, Lda. ", e a abstenção do sócio BB, manter a parceria existente com a sociedade FF, Lda., em matéria de partilha integral de custos de funcionamento da estrutura comum, a qual continuará a apresentar mensalmente à sociedade notas de débito discriminativas correspondentes às despesas partilhadas de acordo com uma percentagem mensal apurada em função do cômputo global das vendas mensais de ambas as sociedades e na respectiva proporção.

Em consequência o Presidente propôs à assembleia que fosse deliberado o pagamento imediato das Notas de Débito em dívida à FF, Lda., respondendo os gerentes perante a assembleia pelo eventual incumprimento desta deliberação, sendo esta proposta incluída na ordem de trabalhos caso se entenda que esta não decorre do ponto três da ordem de trabalhos.

Dada a palavra ao sócio BB o mesmo disse que é seu entendimento que o referido pagamento não decorre da ordem de trabalhos pelo que não pretende ver discutida esta proposta nesta assembleia.

Posta a inclusão desta proposta na ordem de trabalhos a votação, foi a mesma aprovada por maioria, com o voto a favor da sócia "AA - Representação de Marcas de Restaurantes, Unipessoal, Lda. ", e o voto contra do sócio BB.

Pedindo a palavra o sócio BB, disse que sendo admitido este aditamento na ordem de trabalhos. é seu entendimento que a sócia AA não poderá participar nesta votação, atento o facto de na sua perspectiva a AA se encontrar em claro conflito de interesses no que a este tema se refere e, por isso, impedida de votar, uma vez que a AA tem um único sócio – o Sr. EE – que, por seu turno é directa e indirectamente o detentor do capital social da FF, Lda.

Dada a palavra ao Presidente, este disse que não concordava com o entendimento do sócio BB, na medida em que em causa está uma obrigação assumida pela sociedade desde o início da sua actividade, razão pela qual colocou à votação a referida proposta.

Posta à votação foi deliberado por maioria, com o voto a favor da sócia "AA - Representação de Marcas de Restaurantes, Unipessoal, Lda. ", e o voto contra do sócio BB, que a sociedade proceda ao pagamento imediato das notas de débito em dívida para com a sociedade FF, Lda., respondendo os gerentes perante a assembleia pelo eventual incumprimento de ambas estas deliberações.

Pedindo a palavra, o sócio BB declarou que o seu voto negativo se deve ao facto de terem sido por si detectadas irregularidades nas referidas notas de débito, já por si denunciadas à FF Lda. mas até à data ainda não esclarecidas.

Finalmente, entrou-se na discussão do ponto nº4 da ordem de trabalhos, tendo o Presidente informado a assembleia, novamente na qualidade de gerente da sociedade, que o gerente BB tem desenvolvido uma actividade de bloqueio do funcionamento da gerência plural, quer porque entende dever praticar singularmente actos de disposição do activo da sociedade, nomeadamente controlar e movimentar em exclusivo as contas bancárias da sociedade, quer porque se recusa a colaborar na prática de actos conjuntos da iniciativa do gerente EE, de que é exemplo notório a recusa de elaboração e posterior assinatura do relatório de gestão, ou de pagamentos a efectuar em respeito às obrigações assumidas pela sociedade, de que é exemplo o pagamento das notas de débito emitidas pela FF, Lda., ou da Segurança Social.

Para além disso, o referido gerente BB tem manifestado indisponibilidade para comparecer em reuniões com vista ao tratamento de assuntos da sociedade, a que acresce uma ausência frequente do escritório em horário de expediente, o que tem dificultado a prática conjunta de actos de gerência de natureza urgente.

Dada a palavra ao sócio BB o mesmo referiu que relativamente à acusação da falta de pagamento da Segurança Social, aconteceu que ao proceder como habitualmente ao referido pagamento constatou que o acesso à conta da sociedade pelo PP NET estava bloqueado. Contactado o PP o mesmo esclareceu, na pessoa do gestor de conta, Sr. QQ, que o referido bloqueio foi ordenado pelo gerente EE. Na sequência do esclarecimento prestado, o gerente BB solicitou por e-mail ao gerente EE esclarecimento sobre o referido bloqueio, o que não obteve. Esclarecido que o mencionado bloqueio não teve o acordo do gerente BB, foi o acesso ao PP NET reactivado e efectuada em tempo o pagamento da contribuição devida à Segurança Social. Apurou depois o sócio gerente BB que nessa mesma data o pagamento da mesma retribuição havia sido efectuado pelo gerente EE, sem comunicação prévia a este. Refira-se que foi a primeira vez que a contribuição devida à Segurança Social foi paga pelo gerente EE.

No mais rejeita em absoluto as afirmações que são feitas pelo gerente EE.

Tomando a palavra, o gerente EE disse que é seu entendimento, que em regime de gerência plural a movimentação das contas bancárias deve ser feita conjuntamente, razão pela qual solicitou o cancelamento da movimentação unilateral das contas da sociedade e pediu ao gerente BB para assinar as fichas de movimentação das contas, o que não aconteceu até à presente data.

Para além disso, solicitou ao gerente BB que assinasse uma ordem de transferência destinada a garantir o pagamento da segurança social, o que não tendo acontecido levou a que efectuasse o pagamento sozinho.

Tudo isto teria sido desnecessário se o gerente BB tivesse aceite que a movimentação das contas bancárias da sociedade fosse conjunta.

O sócio e gerente BB, tomando a palavra, no uso da mesma disse que rejeita as afirmações / acusações neste momento efectuadas pelo gerente EE, reservando-se o direito de resposta em sede própria.

Seguidamente, o Presidente da assembleia propôs à assembleia que fosse nomeado um terceiro gerente de forma a assegurar o funcionamento da gerência plural e o cumprimento do regime societário de vinculação da sociedade, evitando-se assim o incumprimento de obrigações assumidas pela sociedade por divergência de apenas dois gerentes em funções.

Mais propôs nomear como gerente a Exma. Senhora JJ, residente na Rua …, Lote …,… …, em Lisboa, NIF …, portadora do bilhete de identidade n. … emitido em 12107/2005 pelos SIC de Lisboa, pessoa que trabalha na FF, Lda., e que, por conseguinte, atenta a estrutura comum existente, está habilitada a fazer face às obrigações de gerente. Mais propôs que o mandato como gerente da sociedade tenha a duração de um ano, renovável por idênticos períodos, e que o cargo seja exercido sem remuneração. Finalmente, propôs que, caso sejam aprovadas as propostas anteriores, seja conferida autorização à gerente a designar para exercer qualquer actividade de natureza concorrencial à actividade prosseguida pela sociedade.

Dada a palavra ao sócio BB, disse que quanto ao aumento do número de gerentes para três a sociedade só comporta dois gerentes, tendo sido isto o acordado entre ele e a sócia AA aquando da constituição da sociedade. Ou seja. trata-se de uma sociedade de gerência plural limitada a dois gerentes. Mais disse que não se verificou até há muito pouco tempo, qualquer dificuldade de gestão na sociedade. A questão é levantada pelo gerente que convocou a presente assembleia porque entrou em conflito consigo porque se tinha recusado a pagar as já acima mencionadas notas débito à FF. Lda., sociedade que esse gerente domina integralmente. directa e indirectamente através dos seus ascendentes. que se manifestavam indevidas. Mais referiu ainda que o gerente EE, único sócio da AA, ao arrepio do convencionado entre esta e a sua pessoa, pretende agora que seja nomeado um terceiro gerente, de forma a obliquamente, com evidente abuso de direito e com clara violação dos interesses da sociedade, querer afastá-lo da prática da gerência. o que de resto explica a elevada pressão na alteração na forma de obrigar a sociedade nas transacções efectuadas em representação da sociedade. O interesse do gerente EE e do universo empresarial que serve os seus interesses, a FF e AA é servido pela pretendida deliberação de novo gerente; já não os interesses da CC que são por eles instrumentalizados.

Tomando a palavra a sócia AA disse que entende que nada na lei nem no contrato de sociedade impede a existência de mais de dois gerentes, razão pela qual entende que as propostas ora efectuadas devem ser colocadas à votação.

Para além disso, não deixa de ser curioso que o sócio BB se manifeste no sentido de esta proposta pretender afastá-lo da gerência quando já convocou uma assembleia-geral com o objectivo de destituir o gerente EE.

Seguidamente o Presidente da assembleia pôs à votação a nomeação de um terceiro gerente. tendo esta proposta sido aprovada por maioria com o voto a favor da sócia "AA - Representação de Marcas de Restaurantes, Unipessoal, Lda. ", e o voto contra do sócio BB.

Seguidamente foi posta à votação a nomeação para este efeito da já identificada JJ, nas condições supra propostas, tendo o sócio BB dito que, segundo o seu entendimento, a sócia AA está impedida de votar por se encontrar em claro conflito de interesses no que a este tema se refere e, por isso, impedida de votar, uma vez que a AA tem um único sócio - o Sr. EE - que, por seu turno é directa e indirectamente o detentor do capital social da FF, Lda. Acresce que desconhece quais as habilitações profissionais da proposta gerente para o exercício da indicada Junção. Por outro lado a experiência profissional da proposta nova gerente na área da restauração é limitada a um ano e a de gestão de empresas nula.

Propõe em alternativa o Sr. RR para assumir o referido cargo de gerente e nas mesmas condições, uma vez que o mesmo possui larga experiência de gestão e de restauração.

Dada a palavra ao Presidente, este disse que não concordava com o entendimento do sócio BB quanto à existência de conflito de interesses que impeça a sócia AA de votar, razão pela qual colocou à votação a proposta de nomeação de JJ para a função de gerente nos termos acima propostos, tendo esta proposta sido aprovada por maioria com o voto a favor da sócia "AA - Representação de Marcas de Restaurantes, Unipessoal, Lda.”, e o voto contra do sócio BB, pelo que fica nomeada gerente da sociedade JJ, residente na Rua …, Lote …, … Esquerdo, em Lisboa) (. . .) sem remuneração e com direito a exercer qualquer actividade de natureza concorrencial à actividade prosseguida pela sociedade.

O Presidente colocou igualmente à votação a proposta efectuada pelo sócio BB de nomeação do Sr. RR para gerente da sociedade, nos termos acima propostos, tendo esta proposta sido rejeitada por maioria com voto contra da sócia "AA - Representação de Marcas de Restaurantes, Unipessoal, Lda. ", e o voto a favor do sócio BB.

A sócia AA quer esclarecer que votou desfavoravelmente esta proposta porque desconhece o referido RR e por conseguinte o respectivo perfil e experiência profissional. (...)

29. O requerido convocou para o dia 11 de Agosto de 2008, uma assembleia-geral de sócios tendo como ponto único da ordem de trabalhos a destituição com justa causa do gerente EE.

30. Da acta da referida assembleia consta, além do mais, que o requerido no uso da palavra disse: "Aliás, possivelmente esta destituição, a menos que se verificasse a unanimidade dos votos, teria de ser judicial".

31. Em 23 de Julho de 2008 foi constituída a sociedade GG - ... Unipessoal Lda., pessoa colectiva …, matriculada no Registo Comercial de Lisboa.

32. A sociedade tem por objecto "a exploração e gestão de estabelecimentos comerciais destinados à actividade de restauração e/ou actividades similares, com a possibilidade de recurso à utilização de marca em regime de Franchising; prestação de serviços de alimentação e de bebidas no próprio estabelecimento ou fora dele; exercício de quaisquer actividades que sejam acessórias, instrumentais ou complementares às supra enunciadas".

33. É sócio único da sociedade GG - ... Unipessoal, Lda., BB.

34. É gerente da sociedade GG - ... Unipessoal Lda., RR.

35. A requerente foi alertada por terceiros das suas relações comerciais que o requerido planeava abrir um estabelecimento de restauração no centro comercial ..., na cidade do Porto.

36. Em 16 de Setembro de 2008, no período de gozo de férias enquanto gerente da sociedade CC- ..., Lda., o requerido abriu uma loja da marca II - ..., no C. Comercial ..., no Porto.

37. A requerente comprovou a abertura do dito estabelecimento através de uma venda a dinheiro.

38. O referido estabelecimento exerce actividade de venda de comida sob a marca "II ...".

39. Encontram-se em funcionamento uma loja DD e uma loja … no C. Comercial ….

40. O estabelecimento de restauração no centro comercial ... está localizado em frente à loja que a sociedade CC detém no mesmo centro comercial.

41. O requerido usou o computador, o servidor de correio electrónico da sociedade CC e os fornecedores desta para contactos e negociações de fornecimento e instalação de equipamento e prestação de serviços para o estabelecimento comercial "II".

42. O requerido usou o seu telemóvel de serviço, propriedade da sociedade CC e com facturação paga por esta, a que corresponde o número …, para contactos com os sócios e gerentes da sociedade comercial "HH -Restauração ...", titular da referida marca "II".

43. Na negociação dos contratos com fornecedores, o requerido pretendeu beneficiar de idênticos preços e demais condições comerciais concedidas à sociedade CC.

44. Nos meses anteriores à entrada em juízo da presente acção, o requerido pouco foi à sede da sociedade CC.

45. À data de entrada em juízo da presente acção a presença do requerido na sociedade CC raramente excedia umas horas num único dia por semana.

46. Normalmente na sua deslocação à sociedade CC o requerido procura ser ressarcido das despesas em que incorreu ao serviço da sociedade e inteirar-se das actividades e performance da sociedade.

47. A sociedade GG - ... Unipessoal, Lda. abriu outro "II" no Centro Comercial ... em ....

48. A marca DD explora um estabelecimento de restauração no Centro Comercial ... em ....

49. O requerido informou que estaria de férias de 13 a 15 de Outubro de 2008.

50. O Centro Comercial ... em ... foi inaugurado no dia 15 de Outubro de 2008.

51. O requerido tem uma viatura de marca B… e matrícula -AU-, um telemóvel, um cartão multibanco e um cartão para abastecimento de combustíveis atribuídos pela sociedade CC - ..., Lda.

52. O telemóvel, o veículo e a via verde foram atribuídos pela sociedade CC ao requerido sem restrição de utilização.

53. Até 2009, o requerido utilizou a viatura e a via verde sem justificar essa utilização.

54. Até 2009, os gerentes das sociedades CC e AA utilizaram a viatura e a via verde que lhes foram atribuídas sem justificar essa utilização.

55. No extracto da via verde, referente ao período de férias do requerido no ano de 2008, constam débitos de portagens no Norte.

56. No extracto de via verde, referente ao veículo de matrícula -AU- constam os seguintes débitos, sem outros registados entre eles:

Dia 11.9.2008 - 12.02h - Ericeira - € 0,60

12.28h - Venda do Pinheiro - € 3,60 13.30h - Tomada PV - Mira PV - € 11,25 14.14h - Albergaria - Grijó PV - €3,15

Dia 19.9.2008 - 14.56h - Grijó PV - Alverca PV - € 19,10 17.54h - Odivelas - Venda Pinheiro - € 1,05 18.03h - Ericeira - 0,60

57. A consultora imobiliária SS anunciou que representaria a cadeia de restaurantes II, tendo aquela sede na Av. …, …, em Lisboa.

58. Por referência aos dias em 29.8.2008, 5.9.2008, 8.9.2008, 10.9.2008 e 23.9.2008, foram cobrados estacionamentos no Pq. …, …, Lisboa, referente à viatura de matrícula -AU-.

59. O requerido não se desloca às lojas da CC - ..., Lda., desde data não concretamente apurada, mas anterior a Setembro de 2008.

60. O requerido tem acesso a toda a informação da sociedade CC, concretamente, acções de marketing, preços de aquisição de produtos e contratos celebrados com colaboradores.

61. No ano de 2011 o pagamento de vencimento e Segurança Social referentes ao requerido importava para a sociedade CC uma despesa de cerca de €2.500 por mês; as despesas de combustível perfazem uma média mensal de €600, e as de manutenção do veículo € 10.000,00 (até Agosto).

62. Os restaurantes explorados pela CC são, sem qualquer excepção, franchisados da marca “DD”.

63. Os produtos servidos, nos restaurantes "DD", consistem em sumos de frutas, saladas e sopas.

64. Os clientes que, num dado momento, procuram uma salada ou uma sopa, não vêem uma hamburgueria como alternativa.

65. A publicidade da marca II, em www.II.com,  consta: “nem hambúrguer II not so fast food – 200 g pura carne de novilho 10% fresca, grelhado com sal marinho, no ponto escolhido, com batatas frescas ou arroz thai” e apresenta as opções: grelhado; com molho; champignon; tuga; benedict; cheese; french e breado Publicita ainda batatas fritas frescas, e não congeladas e esparregado.

66. As contas da sociedade CC referentes ao exercício de 2007 foram aprovadas e depositadas.

67. Os vegetais podem ser adquiridos em cash and carry, sendo o preço negociado semanalmente e dependente das quantidades adquiridas e do local da entrega.

            Fundamentação:

            Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente, que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:

            - se a acção está prescrita e, assim, a recorrida age com abuso do direito;

            - se a actividade exercida pelo recorrente BB, enquanto sócio da sociedade “GG”, sendo sócio da requerida “CC”, é uma actividade concorrente com a exercida por esta.

            - se existe contradição entre os fundamentos e a decisão e, por isso, o Acórdão padece de nulidade.

            Vejamos:

            Entende o recorrente que, nos termos do art. 254º, nºs 5º e 6º, do Código das Sociedades Comerciais, a acção prescreveu, porquanto mediaram mais de 90 dias entre a data em que o recorrente, como gerente da CC, comunicou a esta, em 14.7.2008, por carta que iria “ (…) muito em breve dar início à exploração, por conta proporia, de estabelecimentos de restauração”. Carta que não foi respondida pela destinatária “CC”, apesar de a ter recebido.

            “Os gerentes não podem, sem o consentimento, dos sócios, exercer, por conta própria, actividade concorrente com a da sociedade” – nº1 do art. 254º daquele diploma.

            Nos termos do nº4 – “O consentimento presume-se no caso de o exercício da actividade ser anterior à nomeação do gerente e conhecido de sócios que disponham da maioria do capital, e bem assim quando, existindo tal conhecimento da actividade do gerente, este continuar a exercer as suas funções decorridos mais de 90 dias depois de ter sido deliberada nova actividade da sociedade com a qual concorre a que vinha sendo exercida por ele.”

            A acção foi instaurada em 18.10.2008.

            A excepção foi apreciada na sentença de fls. 544 a 578, que a julgou improcedente.[2]

            A acção foi julgada favoravelmente ao Réu. A Autora/requerente apelou da sentença. O Réu nem sequer contra-alegou. Assim, a decisão sobre a alegada prescrição transitou em julgado. Como a questão do abuso do direito – art. 334º do Código Civil – está ligada à pretensa actuação censurável da recorrida, não tendo ocorrido prescrição, não pode com o fundamento invocado, ser apreciada a questão por estar prejudicada.

            Foi pedida a destituição do recorrente de gerente da CC, com fundamento em justa causa, por violação grave dos deveres gerais de cuidado e de lealdade e do dever específico de não concorrência com a sociedade.

            A questão decidenda, no que à vertente substantiva respeita, prende-se com os fundamentos da destituição da gerência de uma sociedade por quotas, na vertente de violação pelo gerente do dever de não concorrência e violação dos deveres de lealdade e criteriosa gestão societária.

            Imputando ao ora recorrente esses dois pecados, a Autora/recorrida “AA” formulou o pedido de destituição de gerente da CC.

            A CC, Lda. tem como objecto social exclusivo o investimento, exploração, operação e ... da cadeia “DD”, sob o regime de franchising, sendo que o conceito comercial subjacente à marca “DD” é o de venda de comida saudável; e que a sociedade GG -... Unipessoal Lda., constituída pelo requerido em 23.07.2008, e da qual é o único sócio, tem por objecto “a exploração e gestão de estabelecimentos comerciais destinados à actividade de restauração e/ou actividades similares, com a possibilidade de recurso à utilização de marca em regime de Franchising; prestação de serviços de alimentação e de bebidas no próprio estabelecimento ou fora dele; exercício de quaisquer actividades que sejam acessórias, instrumentais ou complementares às supra enunciadas”.

            A Autora “AA” e o requerido são os únicos sócios da sociedade CC, Lda., sendo a primeira titular de quotas no valor nominal de € 6.500,00 e de € 3.738,59 e o segundo titular de duas quotas no valor nominal de € 3.500,00 e € 2.013,09.

            A Autora é, entre outras, titular da marca nacional e comunitária “DD § Companhia”.

            A sociedade FF Lda. cedeu à “AA” a marca “DD”, cuja criação, implementação e valorização comercial fora da sua autoria. O requerido foi, através de uma sociedade unipessoal, por si constituída, franchisado da marca “DD”.

            Em 18 de Março de 2005, a requerente “AA” e o requerido constituíram a sociedade CC, Lda., sendo os únicos sócios dessa sociedade, detendo a “AA” duas quotas no valor nominal de € 6.500,00 e € 3. 738,59 e o requerido titular de duas quotas no valor nominal de € 3.500,00 e € 2.013,09. A dita sociedade obriga-se em todos os actos e contratos, designadamente, pela assinatura conjunta de dois gerentes.

Foram nomeados gerentes no contrato de sociedade CC, Lda., o sócio BB, ora recorrente, e o não sócio EE.

O sócio BB não foi autorizado a desenvolver actividade concorrente com a da sociedade CC, Lda.

A sociedade “CC” sempre se dedicou à exploração de restaurantes da marca “DD”.

Em 23 de Julho de 2008 foi constituída a sociedade GG -... Unipessoal Lda., pessoa colectiva …, matriculada no Registo Comercial de Lisboa.

 É sócio único da sociedade GG -... Unipessoal, Lda., BB. É gerente da sociedade “GG -... Unipessoal Lda.”, RR.

A sociedade GG – ... Unipessoal, Lda., tem por objecto “a exploração e gestão de estabelecimentos comerciais destinados à actividade de restauração e/ou actividades similares, com a possibilidade de recurso à utilização de marca em regime de Franchising; prestação de serviços de alimentação e de bebidas no próprio estabelecimento ou fora dele; exercício de quaisquer actividades que sejam acessórias, instrumentais ou complementares às supra enunciadas”.

Em 16 de Setembro de 2008, no período de gozo de férias enquanto gerente da sociedade CC, Lda., o requerido abriu uma loja da marca II – ..., no Centro Comercial ..., no Porto.

O referido estabelecimento exerce actividade de venda de comida sob a marca “II...”.

Encontram-se em funcionamento uma loja DD e uma loja … no Centro Comercial .... O estabelecimento de restauração do recorrente, no Centro Comercial ... está localizado em frente à loja que a sociedade CC detém no mesmo centro comercial.

A sociedade GG -... Unipessoal, Lda. abriu outro “II” no Centro Comercial ... em ....

Sem embargo do que adiante se dirá, importa abordar a problemática dos deveres que incumbem à gerência e os fundamentos da destituição do gerente, também com fundamento em concorrência com o objecto societário.

            A valoração das imputações feitas pela Autora ao Réu BB – convoca, além das regras da responsabilidade civil, as normas dos arts. 64º, (após a alteração introduzida pelo DL. nº76-A/2006, de 29.3 – Reforma de 2006 – atenta a data dos factos), 72º, e 254º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

 

            O art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, na redacção anterior à da Reforma de 2006, estatuía:

 “Os gerentes, administradores ou directores de uma sociedade devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores”.

            Após a Reforma de 2006, o preceito passou a ter a seguinte redacção:

“1. Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar:

a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado;

 b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores”.

Já na vigência desta redacção, Menezes Cordeiro, in “Código das Sociedades Comerciais” – 2009 – págs. 243 e 244 – em comentário àquele normativo, escreveu:

“Os administradores das sociedades têm, no essencial, dois deveres ou poderes-deveres: o de gestão e o de representação.

O 64.° reporta-se, antes, ao modo de concretização desses dois deveres e, ainda, de todas as restantes obrigações que lhes advenham da lei ou dos estatutos. […].

Na tradição nacional, a diligência traduz a medida de esforço exigível ao devedor, no cumprimento das obrigações.

Tal medida pode ser determinada em concreto ou em abstracto, remetendo para um bom cidadão comum (bonus pater famílias) ou para critérios mais exigentes. […]. O gestor criterioso e ordenado surge como uma bitola mais exigente do que a comum: requer um esforço acrescido, por se dirigir a especialistas fiduciários, que gerem bens alheios.

 Apesar de inserida no final do 64.°/1, a), a diligência dá corpo a todos os deveres dos administradores, explicando a intensidade requerida na sua execução. […].

No Direito das sociedades, a lealdade exprime o conjunto dos valores básicos do sistema que, em cada situação concreta, devam ser acatados pelos diversos intervenientes.

 Equivale, de certo modo, à ideia civil de boa fé.

 A lealdade aplica-se: (a) nas relações dos sócios com a sociedade e entre si, integrando a ideia básica de status do sócio; (b) nas relações da sociedade para com os sócios, implicando um alargamento ex bona fide da competência da assembleia geral; (c) nas relações dos administradores com a sociedade e com os próprios sócios, as quais estão, agora, em causa.

 Pela positiva, a lealdade obriga a seguir as regras do bom governo das sociedades (corporate governance).

A lei portuguesa, objectivamente tomada, remeteu essa matéria para os deveres de cuidado.

 No Direito português, os deveres de cuidado devem ser tomados como normas de conduta que densificam, à luz dos ditames do bom governo das sociedades, os deveres gerais de gestão.

 Afastam-se dos duties of care, próprios do negligence law, de onde foram retirados, em 2006, configurando-se como normas de procedimento.

 Modalidades. A lei especifica: (a) disponibilidade; (b) competência técnica; (c) conhecimento da actividade da sociedade: outros tantos deveres, não-taxativos, que dão um colorido geral a toda a actuação, essencialmente fiduciária, dos administradores.

Opera caso a caso: “adequados às suas funções”. Relevam a dimensão da sociedade, a actividade social, o pelouro, os objectivos fixados e os condicionamentos externos, jurídicos, económicos e sociais”.

Não obstante a primitiva redacção não enunciar de forma clara o princípio da “corporate govenance[3] ele estava contido na regra do “dever de cuidado e de diligência” imposta ao gerente a quem incumbe actuar segundo o padrão do “gestor criterioso e ordenado”, pautando a sua actuação pelos critérios da isenção e do agir de boa fé em vista da salvaguarda dos interesses da sociedade, “tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores”; de notar que nas als. a) e b) da redacção agora vigente do citado preceito se alude, de igual modo, a “diligência de um gestor criterioso e ordenado” e nos deveres de lealdade se apontam os interesses dos sócios, da sustentabilidade da sociedadetais como os seus trabalhadores, clientes e credores”.

Antes, o art. 64º tinha como epígrafe “Dever de diligência”, após Reforma aparece como “Deveres fundamentais”, um plus de expressa maior exigência.

            Mantém-se actual o ensino de Raul Ventura e Brito Correia, in “Responsabilidade Civil dos Administradores”, pág. 118 e segs., quando escrevem:

 “Os deveres característicos do administrador, por cuja violação ele, como administrador, se constitui em responsabilidade civil para com a sociedade, vinculam-no em última análise por força dos actos de nomeação e aceitação para tal função, que integram o chamado contrato de administração. Trata-se, em regra, de relações obrigacionais entre a sociedade e o administrador que preexistem à violação. …A qualificação como obrigacional da responsabilidade civil do administrador para com a sociedade não obsta a que este, no exercício das suas funções, possa praticar actos que, segundo as normas do direito civil, constituam delitos civis em prejuízo da sociedade, sujeitos ao regime comum da responsabilidade delitual. E, em certos casos, é concebível que o mesmo facto possa ser qualificado como violação de obrigação e como delito civil, surgindo então o problema de saber qual a qualificação que deve prevalecer e qual consequentemente o regime de responsabilidade a aplicar.”

            O art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, antes e depois da Reforma de 2006, impõe a observância de deveres de cuidado, verdadeiros poderes-deveres dos gerentes ou administradores baseados numa relação de confiança (fiducia) que se estabelece entre a sociedade e quem a gere, seja no círculo das suas relações internas, seja nas relações externas com terceiros, sejam eles credores, entidades administrativas, trabalhadores ou quaisquer outros interessados. O dever de cuidado – duty of care – está ínsito na actuação do “gestor criterioso e ordenado” e no grau de diligência que esse standard postula.

            Comentando a formulação do art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, antes da Reforma, Fátima Gomes, in “Reflexões Em Torno dos Deveres Fundamentais dos Membros dos Órgãos de Gestão (e Fiscalização) das Sociedades Comerciais à Luz da Nova Redacção do artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais”, na obra “20 Anos de Homenagem aos Professores Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier”, volume II, Vária, escreve – pág. 551:

 “O art. 64.° do Código das Sociedades Comerciais tem sido entendido, pela doutrina nacional, como a norma jurídica que fundamenta a existência do dever de prosseguir o “interesse social”, na condução dos negócios societários, interesse esse que não se esgota na mera recondução ao interesse da sociedade, dos sócios e/ou dos trabalhadores.

Nesse sentido o conceito de interesse social tem sido utilizado de uma forma mais abrangente, que engloba em si a potencialidade de conciliação dos referidos interesses considerados numa perspectiva não meramente isolada face aos demais”.

            Referindo-se ao art. 64º, na redacção anterior à Reforma de 2006, Gabriela Figueiredo Dias, in “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, Nº1, pág. 734 escreve:

 “Na anterior formulação do art. 64º, o critério do “gestor criterioso e ordenado” surgia, parece, como uma bitola objectiva de esforço e diligência sobre como fazer na execução (ou omissão) de tarefas concretas de administração. Assim continuará para a medida de exigência no cumprimento dos deveres gerais impostos ao administrador e, se for o caso, de uma correspondente ilicitude por incumprimento do dever.

Simultaneamente, fornecia o padrão geral para ajuizar da culpa (em abstracto) relativa ao comportamento do administrador, imputando censura ou reprovação à possibilidade de poder ter actuado de maneira diferente, de acordo com circunstâncias concretas e em função desse critério mais exigente do “gestor criterioso e ordenado”.

Mais exigente porque, em vez do critério comum civilístico da diligência de “um bom pai de família”, homem normal e medianamente cuidadoso e prudente, temos no art. 64º - agora: 1, a) quanto à imputação subjectiva do acto ao agente, uma bitola que nos remete para, nas palavras de Raul Ventura, “um gestor dotado de certas qualidades”. (destaque nosso)

A violação do dever contemplado no art. 64º do Código das Sociedades Comerciais tem como sanção a responsabilidade civil dos gerentes para com a sociedade e a sua destituição com justa causa, verificados os requisitos da responsabilidade civil contratual já que, por força do art. 72º, nº 1, do referido Código, a sua culpa se presume.

“Ora, importa sublinhar aqui que o art. 64.°, 1, desempenha no campo da responsabilidade uma dupla função: prevê deveres de cuidado e de lealdade que se traduzem em vários deveres objectivos de conduta cuja violação significa ilicitude; e circunscreve o critério da culpa: a “diligência de um gestor criterioso e ordenado”. Consequentemente, a norma do art. 64.° é fundamento autónomo de responsabilidade” – Coutinho de Abreu, in “IDET Instituto das Empresas e do Trabalho, Colóquios”, nº3, pág.30, “Deveres de Cuidado e de Lealdade dos Administradores e Interesse Social.

Comentando o art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, na redacção vigente aqui aplicável, Armando Triunfante, in “Código das Sociedades Comerciais Anotado”, págs. 59 e 50, afirma:

“Foram previstos os deveres de cuidado, de diligência e de lealdade. A doutrina tem contribuído para a densificação destes deveres. Vejamos então. O dever de cuidado tem sido dividido em três parcelas distintas (…): reunião da competência e disponibilidade para o exercício das funções; obrigação de acompanhar e vigiar a actividade social; obrigação de obter informação indispensável à tomada de decisões.

Já o dever de diligência concretiza-se na fórmula do “gestor criterioso e ordenado” a que daremos maior atenção nas anotações seguintes. Por último, o dever de lealdade costuma ser associado à obrigação de não concorrência, obrigação de não aproveitar em benefício próprio eventuais oportunidades de negócio, obrigação de transparência, a não-actuação em conflitos de interesses, o dever de moderação na recolha de vantagens remuneratórias, o dever de neutralidade, etc. (…).”

Assaca a Autora ao Réu a violação de deveres de cuidado, de diligência e de lealdade, todos previstos no art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, enfatizando, sobretudo, a violação do dever de lealdade.

O dever de lealdade é indissociável da ideia de confiança, quer seja perante a sociedade, quer perante os sócios, quer perante terceiros. O acautelar do interesse social não se confina apenas ao interesse societário tout court, ou seja, a uma actividade que vise lucros. A eticização do direito e da vida societária impõem uma actuação honesta, criteriosa e transparente compaginável com a tutela de terceiros que possam ser prejudicados pela actuação do ente societário através da actuação de quem delineia a sua estratégia e é responsável pela actuação da sociedade, o que convoca os princípios da actuação de boa fé, da confiança e a da proibição do abuso do direito.

Como refere Carneiro da Frada: “Os administradores devem, portanto, ser leais a todos: à sociedade, aos sócios, aos credores, aos trabalhadores e aos clientes. Não podem ser “mais leais a uns do que a outros”. Se o são, já são desleais” – “A Business Judgment Rule no Quadro dos Deveres Gerais dos Administradores”, pág. 219.

António Pereira de Almeida, in “Sociedades Comerciais e Valores Mobiliários”, págs. 239/240, acerca do dever de lealdade, escreve:

“Este dever de lealdade corresponde aos fiduciary duties do direito anglo-saxónico e pode decompor-se na: — obrigação de não concorrência (competition with the corporation); - obrigação de não apropriação de informações internas ou negócios com a sociedade (inside trading); — obrigação de transparência, ou seja, de manter informados os outros administradores, os sócios e o público (duty of disclosure) de todos os factos relevantes, não confidenciais, que possam influenciar o voto dos sócios ou as decisões de investimento.

A obrigação de não concorrência com a sociedade constitui uma concretização do dever de lealdade e veda aos administradores o exercício, por conta própria ou alheia, de actividades concorrentes com as que a sociedade exerça ou tenha deliberado exercer.

 Mas, os sócios podem autorizar, expressa ou tacitamente, o exercício dessas actividades, considerando-se que o consentimento foi prestado quando o exercício dessas actividades é anterior à constituição da sociedade e do conhecimento de sócios que disponham da maioria do capital (arts. 254. °, nºs 1 a 4, e 398. °, n.ºs 3 e 4) […].

Por outro lado, por actividade concorrente, entende-se uma actividade similar à da sociedade protegida, exercida de facto, não bastando a identidade formal do objecto social (art. 254. °, n. ° 2).

A violação desta proibição sujeita o administrador a destituição com justa causa e poderá fazê-lo incorrer em responsabilidade civil se a sociedade vier a sofrer prejuízos causados por actos praticados pelo administrador no exercício da actividade concorrente com a da sociedade, servindo-se, por exemplo, de informações ou conhecimentos obtidos na sociedade protegida e violando o dever de lealdade…com a sociedade destina-se a evitar conflitos de interesses com a sociedade.

Assim, o administrador não pode aproveitar em benefício próprio informações ou oportunidades de negócio de que tenha conhecimento no exercício das suas funções. Como também não pode receber “luvas” ou vantagens patrimoniais de terceiros relacionadas com negócios celebrados com a sociedade.”

Quanto à proibição de concorrência o art. 254º do Código das Sociedades Comerciais consigna:

“1 — Os gerentes não podem, sem consentimento dos sócios, exercer, por conta própria ou alheia, actividade concorrente com a da sociedade.

2 — Entende-se como concorrente com a da sociedade qualquer actividade abrangida no objecto desta, desde que esteja a ser exercida por ela ou o seu exercício tenha sido deliberado pelos sócios.

3 — No exercício por conta própria inclui-se a participação, por si ou por interposta pessoa, em sociedade que implique assunção de responsabilidade limitada.

4 — O consentimento presume-se no caso de o exercício da actividade ser anterior à nomeação do gerente e conhecido de sócios que disponham da maioria do capital, e bem assim quando, existindo tal conhecimento da actividade do gerente, este continuar a exercer as suas funções decorridos mais de 90 dias depois de ter sido deliberada nova actividade da sociedade com a qual concorre a que vinha sendo exercida por ele.

 5 — A infracção do disposto no n.º 1, além de constituir justa causa de destituição, obriga o gerente a indemnizar a sociedade pelos prejuízos que esta sofra.

6 — Os direitos da sociedade mencionados no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da actividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do início dessa actividade.”

Menezes Cordeiro, in “Código das Sociedades Comerciais Anotado”, 2009, pág.669, em anotação ao normativo citado no item “O Regime. Proibição de actividade concorrente” escreve:

“O 254.°/1 proíbe aos gerentes o exercício de actividade concorrente com a da sociedade, a menos que esse exercício seja autorizado pelos sócios.

A primeira tarefa é a de determinar a existência de uma situação de concorrência: seja de um ponto de vista material, seja de um ponto de vista geográfico. Perante o Direito da concorrência, o mercado relativo à actividade da sociedade, vedado ao gerente, deve ser definido, primordialmente, através do critério da substituibilidade funcional dos bens criados em relação a uma utilização específica do ponto de vista dos consumidores.

A existência da uma situação de concorrência está na dependência de se poder verificar uma transferência de procura motivada por um pequeno e duradouro aumento de preço de um deles (desvio de clientela).

 Entende-se que a elasticidade cruzada deverá ser significativa e de longo prazo, para que se possa deduzir que os bens resultantes da actividade em causa são susceptíveis de ser substituídos.

Só assim é possível delimitar com precisão um mercado relativamente a bens suficientemente homogéneos e distintos em relação a outros mercados, e será nesse que a actividade do gerente e da sociedade, quando exercidas em simultâneo, poderão colocar questões relacionadas com a concorrência.

No que respeita ao ponto de vista geográfico, só existirá concorrência na área em que a sociedade forneça os seus produtos ou preste os seus serviços. Mais uma vez determinante nesta definição é a questão do comportamento dos compradores e da oferta.

Se em determinada área quanto à actividade integrante no mercado de procura relevante, mas não existe oferta da sociedade, não será evidentemente concorrencial a actividade do gerente que vise a satisfação daquelas necessidades.

Já não se exige, como resulta do 254.°/1, que estejamos perante casos de concorrência diferencial, ou seja, que a actuação concorrencial possa efectivamente causar prejuízo à sociedade”.

A actuação concorrencial exercida pelo gerente e que afecta a sociedade protegida pode ser exercida por uma sociedade em que o gerente seja único sócio de uma outra sociedade. No caso em apreço, a actividade concorrente é exercida por uma sociedade unipessoal por quotas detida pelo Réu: poder-se-ia pensar que dada a autonomia jurídica dessa sociedade não seria o Réu quem exercia actividade concorrente.

Em anotação ao “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, Volume IV, pág. 99, em comentário ao artigo 254º, pode ler-se:

“No exercício por conta alheia inclui-se a actuação como administrador de sociedade anónima ou gerente de uma outra sociedade em nome colectivo ou por quotas (…). É indiferente que esse outro cargo na sociedade concorrente seja, numa sociedade anónima, o de administrador delegado, membro da comissão executiva ou outro membro do conselho de administração.

Como é indiferente que, numa sociedade por quotas, seja gerente delegante ou gerente delegado. A proibição já não abrangerá os gerentes que sejam também meros administradores suplentes de uma outra sociedade anónima concorrente enquanto não forem chamados a exercer funções, pois até esse momento não estarão a exercer uma actividade concorrente. O que é necessário é que essa outra sociedade exerça ou delibere exercer actividades compreendidas no objecto da sociedade por quotas protegida e que esta última também as exerça ou que os seus sócios tenham deliberado o respectivo exercício. E isto ainda que a actividade concorrente não seja abrangida pelo objecto da sociedade por conta da qual o gerente exerce a concorrência.”

Ora, se assim é de considerar em relação a sociedades por quotas, dado o seu pendor quase personalista, por maioria de razão se deve considerar que o único titular de quota de uma sociedade unipessoal de responsabilidade limitada se exercer sem autorização da sociedade protegida, actividade concorrente, o faz por conta alheia.

A finalizar esta excursão doutrinária e jurisprudencial, importa precisar o conceito de “justa causa” de destituição relacionado nos nºs 1 e 5º do art. 254º do Código das Sociedades Comerciais.

Trata-se de um conceito indeterminado dotado de plasticidade adaptável casuisticamente para aferir se uma actuação se compagina com os direitos e deveres do exercente postulados pelos princípios ou deveres jurídicos nela implicados.

No caso, esses deveres são os de deveres de cuidado, de diligência e de lealdade, este na vertente da proibição de concorrência próprios da gestão societária, não sendo de desconsiderar a aplicação de princípios como o da confiança e da boa-fé, também nesta sede convocáveis.

   

Constitui justa causa de destituição de gerente, actuação sua que exprima violação grave dos deveres de gerente, mormente, dos deveres de cuidado, de diligência e de lealdade, que impliquem perda irreparável da confiança dos afectados por essa actuação, seja no contexto interno da sociedade, seja na sua relação com terceiros a justificar a impossibilidade da de manutenção do vínculo que o une ao ente societário, por existir conflito de interesses gerador de danos efectivos ou potenciais, que devam ser consideradas razão inequívoca da inexigibilidade da manutenção daquele vínculo jurídico.

A lei alemã alude a “grosseira violação dos deveres, incapacidade de condução regular dos negócios ou privação da confiança…”, ou seja, quando “a confiança por manifestos e improcedentes fundamentos foi destruída” – § 84, n.º3 da Aktiengesetz

Baptista Machado, in “Obra Dispersa. Vol. I”, depois de referir que entre outros do contrato de sociedade decorre “uma relação particularmente estreita de confiança mútua e de leal colaboração” (pág.141) – afirma – pág. 143:

 “O conceito de “justa causa” é um conceito indeterminado cuja aplicação exige necessariamente uma apreciação valorativa do caso concreto.

Será uma “justa causa” ou um “fundamento importante” qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação, designadamente pessoais ou reais, essenciais ao essenciais ao desenvolvimento da relação, designadamente qualquer conduta contrária ao dever de correcção e lealdade (ou ao dever de fidelidade na (ou ao dever de fidelidade na relação associativa). A “justa causa” representará, em regra, uma violação dos deveres contratuais (e, portanto, um “incumprimento”): será aquela violação contratual que dificulta, torna insuportável ou inexigível para a parte não inadimplente a continuação da relação contratual.”

 “Não define a lei, de modo taxativo, o que seja a justa causa, tão só apontando, exemplificativa e genericamente, que aquela integra o vazado no nº 6 do art. 257 do Código das Sociedades Comerciais.

Estamos ante um conceito indeterminado.

Perfilha-se o entendimento de que a justa causa referida no art. 257º do Código das Sociedades Comerciais “tem um carácter especial, consubstanciando-se numa quebra de confiança, por razões justificadas, entre a sociedade, representada pela assembleia geral, e o gerente (cfr., neste sentido, entre outros, Acs. deste Tribunal, de 10.02.00 e 19.02.04, in BMJ 494-353 e “Sumários”, nº78, pág. 27, respectivamente)” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.7.2006, in www.dgsi.pt.

O Prof. Raul Ventura, in “Sociedades por Quotas”, III, pág. 91, afirma:

“O art. 257.° não define justa causa, mas aponta, exemplificativa e genericamente, como tal a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções. Como se viu no comentário ao art. 254.° a infracção do disposto no n.° 1 desse artigo – dever de não concorrência – é expressamente qualificada como justa causa de destituição.”

O Professor Baptista Machado, in Estudo sobre a “Tutela da confiança e Venire Contra Factum Proprium”, – Obra Dispersa, Vol. I, págs. 352, afirma. “O princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamental e a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem. Poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens; e assegurar expectativas é uma das funções primárias do direito”.

Enquadrando os factos, vejamos se o Acórdão é de manter.

O recorrente sustenta que, sendo diversas as actividades exercidas pela “CC” e a “GG”, não poderia haver, por parte desta sociedade, pertença do recorrente, actividade concorrente, partindo da consideração que, sendo ambas do sector da restauração, o seu objecto integra conceitos diferentes não sobreponíveis.

 Assim a “CC”, tem por objecto social exclusivo o investimento, exploração, operação e ... da cadeia “DD”, sob o regime de “franchising”. Em contrapartida a sociedade “GG-... Unipessoal, Lda.”, através da qual o Recorrente exerceria a referida actividade concorrente, tem por objecto social a “exploração e gestão de estabelecimentos comerciais destinados à actividade de restauração e/ou actividades similares, com a possibilidade de recurso à utilização de marca em regime de “franchising”; prestação de serviços de alimentação e de bebidas no próprio estabelecimento ou complementares ás supra enunciadas”.

Antes de mais, importa dizer que ambas as sociedades são franchisadas da marca “DD e Companhia” que são detidas e representadas pela Autora. O Réu é franchisado, daquela marca, através da sociedade unipessoal que constituiu.

Provou-se que o conceito comercial subjacente à marca “DD” é o de venda de comida saudável.

 Para que haja concorrência desleal – proibida no art.254º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais, não se exige que a actividade concorrente, exercida pelo também gerente de outra sociedade, deva ser coincidente com a exercida pela “sociedade protegida”, previamente exercente dessa actividade. Basta que essa actividade seja similar à da sociedade protegida e possa com ela, mormente, pela sua actuação e situação geográfica, concorrer de modo a causar “desvio de clientela”.

A lei não proíbe a concorrência, sob pena de coarctar o direito de livre estabelecimento e de iniciativa privada que têm tutela constitucional – arts. 47º e 61º da Lei Fundamental; proíbe, sim a concorrência desleal, violadora do dever de lealdade, que é a que um sujeito de direito exerce de modo a afectar, à margem da lei, os saudáveis princípios da concorrência.

No caso, não deixa de relevar que, sendo ambas as sociedades do ramo da restauração e a “GG” franchisada da Autora, a questão da concorrência desleal é mais sensível por via do referido contrato, já que o franchising pressupõe obrigações do franquiado ante o franquiador, a convocar, quantas vezes, a questão da confundibilidade das marcas.

        A imitação ou a confundibilidade das marcas pressupõe, um “confronto”, de modo a que se possa concluir, ou não, sobre se os produtos que as marcas assinalam são idênticos ou afins, ou despertam, pela semelhança dos seus elementos, a possibilidade de associação a outros produtos ou marcas já existentes no mercado.

        Esse confronto não demanda, da parte do consumidor, especiais qualidades de perspicácia, subtileza ou atenção, já que, no frenético universo do consumo, o padrão é o do consumidor médio, razoavelmente informado, mas não particularmente atento às especificidades próprias das marcas.

Daí que, no juízo a fazer acerca da imitação, se deva ter em conta uma impressão de conjunto e não de pormenor das marcas ou produtos, sendo relevantes os elementos que, essencialmente, as distinguem por serem os dominantes.

Tendo a Autora e a Ré estabelecimentos, no mesmo Centro Comercial – ... – operando a Ré sob a marca “II ... ”, vendendo comida – facto provado 38) e estando provado – item 40) – que esse estabelecimento de restauração no centro comercial … está localizado em frente à loja que a sociedade “CC” detém no mesmo Centro Comercial, não sendo o tipo de comida claramente diverso do da “CC”, o potencial de concorrência desleal exercida pela sociedade detida pela “GG” é lesivo da CC.

Nem se diga que, como pretende o recorrente, em estabelecimentos comercias como são os Centros Comerciais com uma oferta muito intensa de locais de refeições rápidas que o consumidor tem claras opções de diferenciação e que, por isso, não escolhe alternativamente locais onde é confeccionada e servida a refeição que tem em mente. Ninguém ignora que nesses Centros Comerciais existem as denominadas “praças de alimentação” e, em muitos casos, os estabelecimentos têm escassa dimensão e os clientes se sentam em lugares comuns, sem grande exigência de diferenciação entre os produtos alimentares, pretendendo um atendimento rápido e não sofisticado.

  Retomamos o ensino do Professor Menezes Cordeiro –“ O 254.°/1 proíbe aos gerentes o exercício de actividade concorrente com a da sociedade, a menos que esse exercício seja autorizado pelos sócios.

A primeira tarefa é a de determinar a existência de uma situação de concorrência: seja de um ponto de vista material, seja de um ponto de vista geográfico.

Perante o Direito da concorrência, o mercado relativo à actividade da sociedade, vedado ao gerente, deve ser definido, primordialmente, através do critério da substituibilidade funcional dos bens criados em relação a uma utilização específica do ponto de vista dos consumidores.

[…]

Só assim é possível delimitar com precisão um mercado relativamente a bens suficientemente homogéneos e distintos em relação a outros mercados, e será nesse que a actividade do gerente e da sociedade, quando exercidas em simultâneo, poderão colocar questões relacionadas com a concorrência.

No que respeita ao ponto de vista geográfico, só existirá concorrência na área em que a sociedade forneça os seus produtos ou preste os seus serviços. Mais uma vez determinante nesta definição é a questão do comportamento dos compradores e da oferta.” (destaque e sublinhado nosso)

De notar que o Réu se estabeleceu no Centro Comercial …, no Porto, e depois no Centro Comercial ..., em ..., num quadro de litigiosidade societária com a Autora e com a “CC” de que é sócio-gerente, sendo que estatutariamente não foi autorizado a exercer actividade concorrente com a “CC”.

A sociedade “CC, Lda.”, da qual o recorrente é sócio-gerente, e a sociedade “GG”, actual FII, de que é sócio único e gerente, não só de facto, como de direito, têm por objecto a actividade de restauração, em regime de franchising, que exercem no mesmo espaço geográfico massificado de Centros Comerciais, não oferecendo opções distinguíveis no contexto do “fast food”. Concluímos, assim, que têm natureza concorrencial.

 

Ocorre, assim, o invocado fundamento para a destituição do Réu das funções de gerência da CC.

Quanto à violação dos deveres de gerente por parte do recorrente em relação à “CC”.

Como antes referimos estão em causa os deveres de cuidado, de diligência e de lealdade esta na vertente já analisada do exercício de actividade concorrente.

Subjazem a estes princípios deveres implicados na relação fiduciária que impende sobre os gerentes e administradores das sociedades nas relações com os sócios ou accionistas, credores e trabalhadores em ordem a, salvaguardando o interesse social, não afrontar os direitos de terceiros.

Temos para nós que a actuação do Recorrente violou os deveres de cuidado e de lealdade que deveria observar em relação à “CC”, na veste de seu sócio-gerente.

Convoquemos os factos, relembrando, antes, o conceito de “dever de lealdade”, segundo Menezes Cordeiro – “No Direito das sociedades, a lealdade exprime o conjunto dos valores básicos do sistema que, em cada situação concreta, devam ser acatados pelos diversos intervenientes.

 Equivale, de certo modo, à ideia civil de boa fé.

 A lealdade aplica-se: (a) nas relações dos sócios com a sociedade e entre si, integrando a ideia básica de status do sócio; (b) nas relações da sociedade para com os sócios, implicando um alargamento ex bona fide da competência da assembleia geral; (c) nas relações dos administradores com a sociedade e com os próprios sócios, as quais estão, agora, em causa.

 Pela positiva, a lealdade obriga a seguir as regras do bom governo das sociedades (corporate governance).

A lei portuguesa, objectivamente tomada, remeteu essa matéria para os deveres de cuidado.

 No Direito português, os deveres de cuidado devem ser tomados como normas de conduta que densificam, à luz dos ditames do bom governo das sociedades, os deveres gerais de gestão.”

- O requerido usou o computador, o servidor de correio electrónico da sociedade CC e os fornecedores desta para contactos e negociações de fornecimento e instalação de equipamento e prestação de serviços para o estabelecimento comercial "II".

- O requerido usou o seu telemóvel de serviço, propriedade da sociedade CC e com facturação paga por esta, a que corresponde o número …, para contactos com os sócios e gerentes da sociedade comercial "HH -Restauração …", titular da referida marca "II".

- Na negociação dos contratos com fornecedores, o requerido pretendeu beneficiar de idênticos preços e demais condições comerciais concedidas à sociedade CC.

- Nos meses anteriores à entrada em juízo da presente acção, o requerido pouco foi à sede da sociedade CC.

- À data de entrada em juízo da presente acção a presença do requerido na sociedade CC raramente excedia umas horas num único dia por semana.

- Normalmente na sua deslocação à sociedade CC o requerido procura ser ressarcido das despesas em que incorreu ao serviço da sociedade e inteirar-se das actividades e performance da sociedade.

- A sociedade GG - ... Unipessoal, Lda. abriu outro "II" no Centro Comercial ... em ....

- A marca DD explora um estabelecimento de restauração no Centro Comercial ... em ....

- O requerido informou que estaria de férias de 13 a 15 de Outubro de 2008.

- O Centro Comercial ... em ... foi inaugurado no dia 15 de Outubro de 2008.

- O requerido tem uma viatura de marca B… e matrícula …AU-…, um telemóvel, um cartão multibanco e um cartão para abastecimento de combustíveis atribuídos pela sociedade CC- ..., Lda.

- O telemóvel, o veículo e a via verde foram atribuídos pela sociedade CC ao requerido sem restrição de utilização.

- Até 2009, o requerido utilizou a viatura e a via verde sem justificar essa utilização.

- Até 2009, os gerentes das sociedades CC e AA utilizaram a viatura e a via verde que lhes foram atribuídas sem justificar essa utilização.

- No extracto da via verde, referente ao período de férias do requerido no ano de 2008, constam débitos de portagens no Norte.

- No extracto de via verde, referente ao veículo de matrícula …AU-… constam os seguintes débitos, sem outros registados entre eles: Dia 11.9.2008 – 12.02h – Ericeira – € 0,60

12.28h – Venda do Pinheiro – € 3,60 13.30h – Tomada PV – Mira PV – € 11,25 14.14h – Albergaria – Grijó PV – €3,15

Dia 19.9.2008 – 14.56h – Grijó PV – Alverca PV – € 19,10 17.54h – Odivelas – Venda Pinheiro – € 1,05 18.03h – Ericeira – 0,60

 - A consultora imobiliária SS anunciou que representaria a cadeia de restaurantes II, tendo aquela sede na Av. da …, …, em Lisboa.

-Por referência aos dias em 29.8.2008, 5.9.2008, 8.9.2008, 10.9.2008 e 23.9.2008, foram cobrados estacionamentos no Pq. … …, Lisboa, referente à viatura de matrícula …-AU-….

- O requerido não se desloca às lojas da CC- ..., Lda., desde data não concretamente apurada, mas anterior a Setembro de 2008.

- O requerido tem acesso a toda a informação da sociedade CC, concretamente, acções de marketing, preços de aquisição de produtos e contratos celebrados com colaboradores.

- No ano de 2011 o pagamento de vencimento e Segurança Social referentes ao requerido importava para a sociedade CC uma despesa de cerca de €2.500 por mês; as despesas de combustível perfazem uma média mensal de €600, e as de manutenção do veículo € 10.000,00 (até Agosto).

- Os restaurantes explorados pela CC são, sem qualquer excepção, franchisados da marca “DD”.

Os factos revelam utilização abusiva de bens da “CC” quando o Réu já nenhuma ligação de facto mantinha com essa sociedade, demitindo-se, assim, dos seus deveres de cuidado e diligência, descurando os interesses desta sociedade e contemplando os seus.

Ademais, o facto de se manter ligado juridicamente à “CC”, malgrado a sua quase total ausência de exercício da sua função de gerente em prol do respectivo interesse social e o facto de ter utilizado bens e informações da “CC” para instalar o seu estabelecimento que exerce concorrência a esta Sociedade, exprime, além de violação dos deveres de cuidado e diligência, violação do nodal dever de lealdade, afectando, de maneira clamorosa, a relação de confiança que deveria cultivar.

Esta conduta torna objectiva e subjectivamente inexigível a sua manutenção como gerente da CC, sendo patente que a actuação do Recorrente revela um claro conflito de interesses entre a Autora e esta sociedade, sobretudo desde que em 23 de Julho de 2008 o Réu constitui a sociedade “GG -... Unipessoal Lda.” de que é único sócio.

 O dever de lealdade está associado à obrigação de não concorrência, à obrigação de não aproveitar em benefício próprio possíveis oportunidades de negócio, a actuação de boa-fé ao respeito pelo princípio da confiança e à omissão de procedimentos que provoquem conflitos de interesses.

A actuação do Réu, enquanto gerente da “CC”, infringiu gravemente os citados deveres pelo que existe justa causa para a sua destituição.

Finalmente, entende o recorrente que o Acórdão é nulo por contradição entre os fundamentos e a decisão – art. 615º, nº1, c) do NCPC por considerar que o Acórdão afirmou que “os clientes que, num dado momento, procuram uma salada ou uma sopa, não vêem uma hamburgueria como alternativa”.

Essa contradição, a seu ver, exprime-se pela afirmação do Acórdão de que “coexistindo as duas sociedades em alguns espaços comerciais (Centros Comercias), identicamente esquecendo as respectivas especificidades, se deveria dar como assente a existência de concorrência uma vez que foi da opinião de que os bens oferecidos por uma delas poderiam ser substituídos pelos da outra.”

Não existe a acusada contradição.

A afirmação transcrita, feita pelo recorrente, está descontextualizada. O Tribunal considerou e bem que a circunstância de existir ou não essa opção, ela não era relevante para considerar que a sociedade “CC” e a “GG” prosseguiam, no essencial, a mesma actividade no contexto da restauração – cfr. fls. 615 a 616[4].

Aquele facto 64) já vinha provado do julgamento em primeira instância, ao invés do que afirma o recorrente, a matéria de facto permaneceu inalterada no recurso de apelação.

Não existe, pois, qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão.

Sumário – art. 663º, nº7, do Código de Processo Civil.

I. Assaca a Autora ao Réu, visando a sua destituição de gerente, a violação de deveres de cuidado, de diligência e de lealdade, todos previstos no art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, enfatizando, sobretudo, a violação do dever de lealdade.

II. O dever de lealdade é indissociável do princípio de confiança, quer seja perante a sociedade, quer perante os sócios, quer perante terceiros. O acautelar do interesse social não se confina apenas ao interesse societário tout court, ou seja, a uma actividade que vise lucros. A eticização do direito e da vida societária impõem uma actuação honesta, criteriosa e transparente compaginável com a tutela de terceiros que possam ser prejudicados pela actuação do ente societário através da actuação de quem delineia a sua estratégia e é responsável pela actuação da sociedade, o que convoca os princípios da actuação de boa fé, da confiança e a da proibição do abuso do direito.

III. A actuação concorrencial exercida pelo gerente e que afecta a sociedade protegida pode ser exercida por uma sociedade em que o gerente seja único sócio de uma outra sociedade. No caso em apreço, a actividade concorrente é exercida por uma sociedade unipessoal por quotas detida pelo Réu: poder-se-ia pensar que dada a autonomia jurídica dessa sociedade, não seria o Réu quem exercia actividade concorrente.

IV. O art. 254º, nºs, 1 e 5 do Código das Sociedades Comerciais, alude ao conceito de “justa causa”. Trata-se de um conceito indeterminado, dotado de plasticidade adaptável casuisticamente para aferir se uma actuação se compagina com os direitos e deveres do exercente, postulados pelos princípios jurídicos nela implicados.

No caso, esses deveres são os de deveres de cuidado, de diligência e de lealdade, este na vertente da proibição de concorrência próprios da gestão societária, não sendo de desconsiderar a aplicação de princípios como o da confiança e da boa-fé, também nesta sede convocáveis.

  

V. Constitui justa causa de destituição de gerente, actuação sua que exprima violação grave dos deveres de gerente, mormente, dos deveres de cuidado, de diligência e de lealdade, que impliquem perda irreparável da confiança dos afectados por essa actuação, seja no contexto interno da sociedade, seja na sua relação com terceiros a justificar a impossibilidade da manutenção do vínculo que o une ao ente societário, por existir conflito de interesses gerador de danos efectivos ou potenciais, que devam ser consideradas razão inequívoca da inexigibilidade da manutenção daquele vínculo jurídico. A lei alemã alude a “grosseira violação dos deveres, incapacidade de condução regular dos negócios ou privação da confiança…”, ou seja, quando “a confiança por manifestos e improcedentes fundamentos foi destruída” – § 84, n.º3 da Aktiengesetz

VI. Para que haja concorrência desleal – proibida no art.254º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais não se exige que a actividade concorrente, exercida pelo também gerente de outra sociedade, deva ser coincidente com a exercida pela “sociedade protegida”, previamente exercente dessa actividade: basta que essa actividade seja similar à da sociedade protegida e possa com ela, mormente, pela sua actuação e situação geográfica, concorrer de modo a causar “desvio de clientela”.

VII. A lei não proíbe a concorrência, sob pena de coarctar o direito de livre estabelecimento e de iniciativa privada que têm tutela constitucional – arts. 47º e 61º da Lei Fundamental; proíbe, sim, a concorrência desleal, violadora do dever de lealdade, que é a que um sujeito de direito exerce de modo a afectar, à margem da lei, os saudáveis princípios da concorrência.

VIII. O dever de lealdade está associado à obrigação de não concorrência, à obrigação de não aproveitar em benefício próprio possíveis oportunidades de negócio, a actuação de boa-fé ao respeito pelo princípio da confiança e à omissão de procedimentos que provoquem conflitos de interesses.

A actuação do Réu, enquanto gerente da “CC”, infringiu gravemente os citados deveres pelo que existe justa causa para a sua destituição.

IX. Os factos revelam utilização abusiva de bens da “CC” quando o Réu já nenhuma ligação de facto mantinha com essa sociedade, demitindo-se, assim, dos seus deveres de cuidado e diligência, descurando os interesses desta sociedade e contemplando os seus.

X. O facto de se manter ligado juridicamente à “CC”, malgrado a sua quase total ausência de exercício da função de gerente em prol do respectivo interesse social e o facto de ter utilizado bens e informações da “CC” para instalar o seu estabelecimento que exerce concorrência a esta Sociedade, exprime, além de violação dos deveres de cuidado e diligência, violação do nodal dever de lealdade, afectando, de maneira clamorosa, a relação de confiança que deveria cultivar.

XI. Esta conduta torna objectiva e subjectivamente inexigível a sua manutenção como gerente da “CC”, sendo patente que a actuação do Recorrente revela um claro conflito de interesses entre a Autora e esta sociedade, sobretudo, desde que, em 23 de Julho de 2008, o Réu constitui a sociedade unipessoal “GG -... Unipessoal Lda.”.

Decisão:

Nega-se a revista.

Custas pelo Recorrente.

                                       

Supremo Tribunal de Justiça, 30 de Setembro de 2014

Fonseca Ramos (Relator)

Fernandes do Vale

Ana Paula Boularot

______________________________
[1] Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheiro Fernandes do Vale.
Conselheira Ana Paula Boularot.

[2] Depois da indicação dos factos relevantes para apreciação da excepção, escreveu-se (fls. 564) – “Tendo em conta que a presente acção foi instaurada em 18.10.2008, apenas o conhecimento em data anterior a 18.7.2008 relevaria, o que nos remete para a questão de saber se a carta remetida pelo requerido consubstancia uma comunicação relevante para esse efeito. Ora, temos para nós que a carta em causa mais não fez do que comunicar uma intenção sem esclarecer em concreto a actividade a exercer e quando a mesma se iniciaria. Assim sendo, não pode entender-se que, a partir da data em que a requerente recebeu essa carta, tomou conhecimento da actividade exercida (através da sociedade de que é sócio único) pelo requerido, pois nessa data nenhuma actividade era exercida (a sociedade GG só foi constituída em momento posterior). Não se provando esse conhecimento em data anterior a 18.7.2008, impõe-se concluir que a excepção invocada improcede.
[3] “Designamos por corporate governance o complexo das regras (legais, estatutárias, jurisprudenciais, deontológicas), instrumentos e questões respeitantes à administração e ao controlo (ou fiscalização) das sociedades” – Coutinho de Abreu, in IDET Instituto das Empresas e do Trabalho, Miscelâneas, nº6, Estudo “Corporate Governance em Portugal”, pág.9.
[4] “Apurou-se também, que os produtos servidos, nos restaurantes “DD”, consistem em sumos de frutas, saladas e sopas, enquanto que a marca II publicita: “nem hamburgology / / not so fast food – 200g pura carne de novilho 10% fresca, grelhado com sal marinho, no ponto escolhido, com batatas frescas ou arroz thai” e apresenta as opções: grelhado; com molho; champignon; tuga; benedict; cheese; french e bread. Publicita ainda batatas fritas frescas, e não congeladas e esparregado. Esta diferenciação de produtos e a circunstância de se ter provado que os clientes que, num dado momento, procuram uma salada ou uma sopa, não vêem uma hamburgueria como alternativa, determinou que na sentença recorrida se tivesse concluído no sentido de que a actividade da GG – ... Unipessoal Lda., não é concorrente da actividade da CC, Lda. Acompanhando, neste ponto, a apelada, dissentimos do entendimento assim expresso na sentença. Com efeito, como é do conhecimento geral, existem vários factores que, a cada momento, são susceptíveis de interferir na escolha alimentar dos consumidores. E decorre da experiência comum que existem clientes de estabelecimentos de restauração que muitas das vezes apenas procuram um local onde possam tomar rapidamente uma refeição, independentemente do tipo de comida que aí é servida, e outros ainda determinam a sua escolha pela mera curiosidade. Como salienta a apelante nas suas conclusões, “as mais das vezes a escolha dos consumidores nos food courts dos centros comerciais é orientada por critérios tão aleatórios como o tempo de espera e o tempo disponível, já para não falar na preferência gastronómica do momento”. Assim, para este tipo de consumidores, os estabelecimentos explorados pela sociedade de que o requerido é o único sócio oferecem ao público bens que, em determinadas ocasiões, podem substituir os oferecidos pelos estabelecimentos explorados pela soe. CC, Lda.
Nessa medida, a actividade da soe. GG é susceptível de afectar a actividade da sociedade protegida (CC, Lda.), o que é potenciado pela proximidade dos respectivos estabelecimentos de restauração, sendo que, nos termos da lei, o que se pretende prevenir é, precisamente, a mera possibilidade de provocar dano. Sendo assim, conclui-se pela existência de concorrência entre as actividades desenvolvidas pelas duas sociedades.”