Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
578/05.2TTALM.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: LAPSO MANIFESTO
NULIDADES
REFORMA DE ACÓRDÃO
Data do Acordão: 02/10/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: RETIFICADO O ACÓRDÃO RELATIVAMENTE A UM LAPSO MATERIAL, INDEFERIDA A ARGUIÇÃO DE NULIDADES E INDEFERIDO O PEDIDO DE REFORMA DO ACÓRDÃO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :

Não tendo tido um lapso manifesto no acórdão, que consistiu na transcrição de um facto provado na redação dada pelo Tribunal da 1.ª instância, quando deveria ter sido transcrita a redação do referido facto alterada pelo Tribunal da Relação, qualquer influência na decisão de mérito, tal aresto não enferma de qualquer nulidade, nem existe fundamento para a sua reforma, embora tal lapso deva ser retificado nos termos do art.º 614.º n.º1 do CPC, ex vi dos artigos 666.º e 685.º do mesmo diploma legal.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. White Airways, S.A., veio requerer a reforma da decisão, ao abrigo do disposto no artigo 616º n.º 2 do CPC, alegando que a mesma incorreu na omissão ostensiva da observação dos elementos dos autos e em violação da lei, que se estendeu à deficiente coordenação dos factos fixados pelo Tribunal da Relação; ou, quando assim não se entenda arguir a nulidade do Acórdão, nos termos previstos no n.º 1, alíneas c) e d) do artigo 615.º, do CPC.

2. O recorrido pronunciou-se pela improcedência da arguição de nulidades e pela retificação do lapso em causa, devendo eliminar-se a expressão do ponto 58.º dos factos provados que  o Tribunal da Relação entendeu retirar.

3.  Cumpre apreciar e decidir:

Vejamos o teor do requerimento da recorrente:

Como se julga decorrer da simples leitura do Acórdão em crise, e salvo melhor opinião, o mesmo padece dos vícios a que adiante se aludirá e que, como resulta da fundamentação do mesmo, influenciou decisivamente a decisão final, de tal modo que a matéria em causa consta do próprio sumário.

Assim,

I. No Ponto 58. dos Factos Provados, havia a Primeira Instância fixado:

“O Autor teve necessidade de se ausentar da sua residência em ...... desde o dia 12.05.2004 deslocando-se ao estrangeiro, só tendo regressado no dia 22.05.2004 a ...... e a sua casa.”

Ao reproduzir a dita factualidade, e concretamente no que se refere àquele Ponto, veio o Tribunal da Relação no Acórdão proferido, alterar a redação do mesmo Ponto 58, com a seguinte explicação e fundamentação:

” Contudo, e porque a expressão “teve necessidade” tem cariz conclusivo (para se afirmar a sua necessidade era necessário que tivessem sido alegadas as razões dessa deslocação, de modo a concluir-se que a mesma se revelava imprescindível, altera-se a redação deste ponto, passando o mesmo a ter a seguinte redação:

58. O Autor ausentou-se da sua residência em ...... desde o dia 12.05.2004 deslocando-se ao estrangeiro, só tendo regressado no dia 22.05.2004 a ...... e à sua casa.”

A propósito daquela alteração, já a Recorrente havia enfatizado nas suas alegações no recurso de Apelação (epígrafe III), a bondade dos motivos de que viria a emergir o facto provado citado, invocando para tanto a “total ausência de alegação de factos e, consequentemente de prova, das razões e da imprescindibilidade da invocada deslocação, facto que não pode deixar de pesar na análise, até por apelo à experiência comum da conduta do Recorrido.”

Retomou a Recorrente aquele ponto essencial em sede conclusiva (cfr. Ponto 8.) onde procurou evidenciar a culpa do Recorrido na não receção da comunicação em causa no tempo oportuno previsto na lei.

Assim, dúvidas não podiam nem podem subsistir, de que não foram alegados e, portanto, nunca podiam ter ficado provados, quaisquer factos que justificassem a não receção da carta em apreço. Por outras palavras, não ficou provado qualquer facto que pudesse justificar a deslocação ao estrangeiro do Recorrido e, em decorrência inequívoca, que a não receção atempada da comunicação de despedimento só a ele é imputável.

Ora, o Acórdão reformando, sem qualquer alusão à fundamentação para tal, em violação expressa e julga-se incontroversa do disposto nos artigos 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e 154.º do CP Civil, e sem qualquer referência ao facto de o Tribunal da Relação ter alterado a resposta à matéria de facto dada pela 1.ª instância, veio a considerar como provada a matéria que aquela 1.ª Instância havia dado ao Ponto 58, o que, para além do mais, lhe estava totalmente vedado.

Com efeito, considerar como provado um facto nos termos que o não havia sido pelo Tribunal da Relação, e sem qualquer justificação, para além de clara violação de lei (artigo 682.º n.º 2 do CP Civil), constitui erro grosseiro, que não a sindicância dos factos materiais da causa fixados pelas instâncias, que a este Supremo Tribunal cabe aplicar definitivamente, sujeitando-os ao regime jurídico que julgue adequado, salvo se ocorrerem as exceções previstas nos artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, nºs 1 e 2, do CP Civil (cfr. Ac. do STJ de 4.3.2020, Proc. n.º 1555/17.6T8LSB.L1.S.1), exceções que não se verificam no caso presente, nem foi invocado no Acórdão reformando.

Tendo presente a expressão “omissão ostensiva dos elementos dos autos”, usada por este Supremo Tribunal no recente Acórdão de 8.10.2020, proferido no Processo n.º 5243/18.8LSB.L1.S1, é patente que foi o que aconteceu nos presentes autos.

Na verdade, contra o fixado definitivamente no referido Ponto 58. Pelo Tribunal da Relação, no qual pelos fundamentos já acima evidenciados havia suprimido a expressão “… … teve necessidade de se ausentar … …”, vinda da 1.ª Instância, substituindo-a por “… … ausentou-se … …”, não podia o Acórdão reformando declarar ter ficado provado que “O Autor teve necessidade de se ausentar da sua residência em ...... desde o dia 12.05.2004, deslocando-se ao estrangeiro, só tendo regressado no dia 22.05.2004 a ...... e à a sua casa”.

O certo é que o fez, em erro grosseiro (cfr. Acórdão do STJ de 4.05.2010, proferido no Processo 364/04.4TBPCV.C1.S1) e violação manifesta da lei (artigo 682.º n.º 2 do CP Civil), com repercussões e consequências manifestas e absolutamente relevantes na medida em que a redação considerada passou a constituir uma premissa decisiva no silogismo que conduziu à decisão reformanda.

Na verdade, partindo daquela premissa na formulação “O Autor teve necessidade de se ausentar … … “ recorde-se, necessidade não provada, o Acórdão em crise, passou a estruturar toda a lógica dedutiva da decisão, particularmente neste aspeto essencial, sobretudo quando refere, aludindo ao Autor, “não tendo ficado provado quaisquer factos de onde se possa concluir que a carta só por sua culpa não foi oportunamente recebida, o que afasta a aplicação do disposto no art.º 224.º n.º 2 do Código Civil”.

Acresce que, dando como certa a “necessidade de se ausentar”, como vimos induzida por erro notório e violação da lei, na alteração em causa, o Acórdão reformando não considerou que por força dos princípios elementares de direito relativos ao ónus da prova (artigo 342.º do Código Civil), era sobre o Recorrido, e não sobre a Recorrente, que impendia a alegação e prova de factos constitutivos daquela necessidade.

Condicionado por aquele erro notório, e para além da manifesta violação de lei, o Acórdão sub judice não considerou, sequer minimamente, a já referida “total ausência de alegação de factos e, consequentemente de prova, das razões e da imprescindibilidade da invocada deslocação”, sustentada pela Recorrente nas alegações de recurso e, muito menos, a específica conclusão levada ao Ponto 8. quanto à culpa do Recorrido na não receção da comunicação no tempo oportuno.

Assim, é indiscutível que o mencionado erro “infetou” toda a decisão, como muito claramente resulta da utilização da conjunção subordinada causal “uma vez que” levada ao sumário do Acórdão onde se justifica a receção tardia da declaração dirigida pela Recorrente ao Recorrido com a frase “ … … uma vez que se provou que este teve necessidade de se ausentar da sua residência para o estrangeiro, desde o dia 12/5/2004, só tendo regressado em 23/5/2004, não sendo , assim, aplicável o disposto no n.º 2 do referido art.º 224“.

Por outras palavras, aquele erro teve “influência direta e causal no resultado” a que se chegou (cfr. Ac. do STJ de 13.10.2020, proferido no Proc. n.º 264/17.0T8FAF.G1.S1).

É, pois, inequívoco, na lógica do Acórdão em apreço, que não fora a petição de princípio que emana da violação da lei e do erro notório inerente à fixação como facto provado a ”necessidade de se ausentar” do Recorrido, e a conclusão seria que se aplicaria a citada disposição do Código Civil, pois que o ónus da demonstração em juízo da referida necessidade, impendia sobre o Recorrido, além do mais em razão da ausência no estrangeiro ter perdurado durante onze dias sem que o trabalhador tivesse dado “novas nem mandados” à entidade patronal a que continuava vinculado.

Não tendo o Recorrido cumprido aquele ónus, uma vez que nem sequer intentou fazê-lo, nos termos dos artºs. 342.º do C.Civil e 414.º do CP Civil resulta demonstrada a culpa do Recorrido na não receção da comunicação no tempo oportuno previsto nos artºs. 224.º n.º 2 do C.Civil e 44.º n.º 2 do Regulamento do Serviço Público de Correios, aprovado pelo DL n.º 176/88, 18 de maio, isto é, 18.05.2004, data em que se encontrava ausente, como ausente estava no antecedente dia 13.05.2004 em que lhe foi deixado aviso pelos CTT (ausência que perdurou entre 12.05.2004 e 22.05.2004), cuja necessidade não alegou e muito menos provou, ao contrário do que, repete-se, errada e notoriamente e em violação de lei, se fixou na decisão reformanda.

Repete-se: como já se alegou, e bem notou o Tribunal da Relação a propósito da alegada necessidade de deslocação do Recorrido, não foram alegadas “as razões dessa deslocação, de modo a concluir-se que a mesma se revelava imprescindível”, isto para não referir, de novo, que a citada deslocação não deixou rasto visível, seja um simples bilhete de avião, a fatura de um hotel, ou qualquer outro rasto que a documentasse, como notoriamente é comum em situações afins …

Assim sendo, não tendo o Recorrido feito prova da necessidade de se ausentar no período em causa, não lhe pode aproveitar o erro notório praticado pelo Acórdão, como já não lhe podia aproveitar o facto de a carta, contra o estabelecido no citado Regulamento Postal, lhe ter sido entregue no dia 24.05.2004, dado que a declaração resolutiva do contrato de trabalho tinha-se tornado plenamente eficaz no dia 18.05.2004 (3.º dia útil após o dia em que havia sido deixado aviso ao destinatário pelo distribuidor postal), não podendo beneficiar, como é evidente, do protelamento da receção a que culposamente havia dado causa.

Há sem mais que se considerar não escrito o facto desvirtuado da realidade fáctica dada por provada, corrigindo-se, destarte, o ostensivo erro cometido, com as demais consequências legais.

E ainda que se entenda que tal apenas se tratou de um mero lapso, não deixa de ser menos verdade que influi diretamente na lógica e no iter decisório do Acórdão agora em crise.

Tanto que em ultima ratio peca o Acórdão por excesso de pronúncia, na medida em que ultrapassa o imposto por lei à consideração do julgador, desviando-se da realidade factual e não se subsumindo às limitações que decorrem do art.º 682.º n.º 2 do CPCivil.

II.

O Acórdão em crise é ainda nulo nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1, alíneas c) e d) in fine do CPCivil.

A este propósito, e no aplicável, dá-se por reproduzido o que supra se alegou a propósito da reforma do Acórdão em apreço.

Caso não se entenda que se tratou de erro manifesto, o Acórdão em causa é nulo por total falta de fundamentação da decisão de considerar como facto provado o que havia sido no Ponto 58 da matéria de facto pela 1.ª Instância, e não a que foi definitivamente fixada pelo Tribunal da Relação ......, violando o disposto no artigo 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 154.º do CPCivil.

Atente-se ainda que a solução jurídica adotada no Acórdão em crise não decorre de uma interpretação dos factos diversa da propugnada pela Recorrente, mas de manifesta violação da lei e de um erro claro e evidente, ao fixar um facto diverso do que havia sido dado por provado pelo Tribunal da Relação, indo além do que podia tomar conhecimento, o que lhe estava vedado nos termos do art.º 682.º n.º 2 do CPCivil e que, não fora ele, teria conduzido necessariamente a uma decisão de sentido oposto.

A decisão em apreço é, assim, nula nos termos do art.º 615.º n.º 1, alíneas c) e d) ‘in fine’ do CPCivil.

Refira-se que o entendimento exposto quanto ao apontado vício, parece-nos estar em sintonia com o que foi levado ao Ponto 1. do sumário do Acórdão deste Supremo Tribunal datado de 9.02.2017 (Processo n.º 2913/14.3TTLSB.L1.S1), subscrito também pelo Excelentíssimo Senhor Juiz Conselheiro, aqui Relator.

Deixa-se consignado que a arguição da referida nulidade fica aqui formalizada para todos os efeitos legais, designadamente da previsão estabelecida no nº 6 do art.º 617.º do CPCivil, mesmo que se entenda que é autónoma do pedido de reforma da sentença, devendo em qualquer caso ser apreciada.

Termos em que, e nos que Vossas Excelências doutamente sempre suprirão, “… … estando de modo mais evidente em causa o papel que se reclama do Direito e dos Tribunais como guardiões das expectativas legítimas dos sujeitos jurídicos”, como este Supremo Tribunal proclamou em 14.05.2015 (Processo 217/10.T8PRD.P.11), deve ser declarado procedente o presente pedido de reforma do Acórdão e, em qualquer caso, também procedente a arguida nulidade, e tirado novo Acórdão que, não enfermando dos vícios supra apontados à decisão ora em causa, dê provimento ao Recurso de Revista, absolvendo a Recorrente dos pedidos, tudo com as inerentes legais consequências, assim se fazendo Justiça. (Fim da transcrição do requerimento da recorrente)

                                               *

Antes de mais importa referir que o Acórdão proferido pelo STJ em 16/12/2020 - Processo n.º 578/05.2TTALM.L1.S1 (Revista) - 4ª Secção, contém um lapso de transcrição, no que concerne ao ponto 58 da fundamentação de facto (fol. 19). Esse lapso foi repetido, também por transcrição,  a fols. 24, da fundamentação de direito e no ponto I do sumário.

Em que consiste o referido lapso?

Na fundamentação de facto, foi escrito: «Com relevo para apreciação das questões suscitadas na revista estão provados os seguintes factos:

58- O Autor teve necessidade de se ausentar da sua residência em ...... desde o dia 12.05.2004 deslocando-se ao estrangeiro, só tendo regressado no dia 22.05.2004 a ...... e à sua casa.

Na fundamentação de direito, a fols. 24, foi escrito: « No caso concreto dos autos a carta foi levantada no dia 24 de maio de 2004, quando ainda estava disponível na estação dos CTT, tendo ficado provado que «O Autor teve necessidade de se ausentar da sua residência em ...... desde o dia 12.05.2004 deslocando-se ao estrangeiro, só tendo regressado no dia 22.05.2004 a ...... e à sua casa».

No ponto I do sumário do acórdão foi escrito: «A declaração do empregador, dirigida a um trabalhador, a comunicar o despedimento deste, por carta registada, expedida em 12/5/2004, tendo o aviso deixado na caixa de correio a data de 13/5/2004, torna-se eficaz, nos termos do art.º 224.º n.º 1 do Código Civil, em 24/5/2004, data em que a carta foi levantada nos CTT, onde estava disponível para entrega, e chegou ao poder do destinatário, uma vez que se provou que este teve necessidade de se ausentar da sua residência para o estrangeiro, desde o dia 12/5/2004, só tendo regressado em 22/5/2004, não sendo, assim, aplicável o disposto no n.º 2 do referido art.º 224.»

Ora, em sede de impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto o Tribunal da Relação alterou a redação do facto 58 dado como provado pelo Tribunal de 1.ª instância, tendo consignado: «Por outro lado, o facto do Autor não ter alegado as razões que motivaram essa deslocação ao estrangeiro, no período compreendido entre 12 e 22 de maio, não é suscetível de infirmar que essa deslocação não tenha tido lugar. Contudo, e porque a expressão “teve necessidade” tem cariz conclusivo (para se afirmar a sua necessidade era necessário que tivessem sido alegadas as razões dessa deslocação, de modo a concluir-se que a mesma se revelava imprescindível, ou não), altera-se a redação deste ponto, passando o mesmo a ter a seguinte redação:

58. O Autor ausentou-se da sua residência em ...... desde o dia 12.05.2004, deslocando-se ao estrangeiro, só tendo regressado no dia 22.05.2004 a ...... e à sua casa»

Assim, não existem quaisquer dúvidas que o facto a considerar é o que consta na decisão do Tribunal da Relação, não tendo o STJ procedido à sua alteração.

Qual foi a origem do lapso?

O lapso teve origem no facto de se ter considerado a parte do Acórdão do Tribunal da Relação ..... que começa a fols. 41 (2. Da caducidade do direito de ação e da prescrição dos créditos peticionados pelo Autor) onde se pode ler « Com relevo para apreciação desta questão estão provados os seguintes factos:

58- O Autor teve necessidade de se ausentar da sua residência em ...... desde o dia 12.05.2004 deslocando-se ao estrangeiro, só tendo regressado no dia 22.05.2004 a ...... e à sua casa.»

Ou seja, o Acórdão do Tribunal da Relação ....., após a apreciação da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, por mero lapso, também de transcrição, manteve a redação dada pelo Tribunal de 1.ª instância, não tendo retirado a expressão no seu entender conclusiva «teve necessidade».

Qual a influência do lapso na decisão de mérito?

Como já se referiu, a introdução do ponto 58 na fundamentação de facto, com a redação dada pelo Tribunal da 1.ª instância, foi um mero lapso de transcrição que derivou de se ter considerado a factualidade considerada pertinente pelo Tribunal da Relação de ......, nos termos acima apontados.

Na fundamentação de direito, a fols. 24, como se pode observar, a introdução entre aspas do ponto 58, denota, sem margem para dúvidas, que derivou de uma mera transcrição do texto utilizado na fundamentação da matéria de facto, tendo, por arrastamento, o lapso passado para o ponto I do sumário do acórdão.

De qualquer forma, o referido lapso de transcrição não teve qualquer influência na decisão do STJ, pois a referência ao ponto 58 dos factos provados teve apenas por objetivo assentar que a carta foi levantada no dia 24 de maio de 2004 pelo facto de o Autor ter estado ausente da sua residência em ...... desde o dia 12.05.2004, deslocando-se ao estrangeiro, só tendo regressado no dia 22.05.2004 a ...... e à sua casa.

Nessa linha foi escrito no acórdão:

«Da factualidade dada como provada resulta que: “Só no dia 24.05.2004 o A. tomou conhecimento do conteúdo da carta dos autos, que também só nessa mesma data recebeu”, não tendo ficado provado quaisquer factos de onde se possa concluir que a carta só por sua culpa não foi oportunamente recebida, o que afasta a aplicação do disposto no art.º 224.º n.º 2 do Código Civil.

Na verdade, o que resulta dos factos provados é que o A. quando regressou do estrangeiro diligenciou no sentido de que a carta fosse levantada, tendo tomado conhecimento do conteúdo da mesma logo que chegou ao seu poder, pelo que terá de ser essa data, 24/5/2004, que deve ser considerada como a data em que a declaração do empregador a comunicar o despedimento se tornou eficaz».

A decisão do STJ assentou no facto de o Autor ter tomado apenas conhecimento da carta em 24/5/2004, em virtude de se ter estado ausente no estrangeiro desde 12/5/2004 até 22/5/2004, não tendo sida dada qualquer relevância à expressão «teve necessidade».

O acórdão do STJ contém assim um lapso manifesto, que consistiu na transcrição do facto provado n.º 58 na redação dada pelo Tribunal da 1.ª instância, quando deveria ter sido transcrita a redação do referido facto alterada pelo Tribunal da Relação.

A errada transcrição desse facto determinou, por arrastamento, que o mesmo tivesse sido repetido a fols. 24, já em sede de fundamentação de direito, e também no ponto I do sumário do acórdão.

Este lapso manifesto pode e deve ser retificado nos termos do art.º 614.º n.º1 do CPC, ex vi dos artigos 666.º e 685.º do mesmo diploma legal.

O referido lapso manifesto não teve qualquer influência na decisão de mérito, razão pela qual o acórdão não enferma das nulidades apontadas, não existindo também fundamento para a sua reforma.

4. Face ao exposto, acorda-se:

a) Retificar o acórdão nos termos do art.º 614.º n.º1 do CPC, ex vi dos artigos 666.º e 685.º do mesmo diploma legal, nos seguintes termos:

- A fols. 19 na fundamentação de facto onde se lê:  «58- O Autor teve necessidade de se ausentar da sua residência em ...... desde o dia 12.05.2004 deslocando-se ao estrangeiro, só tendo regressado no dia 22.05.2004 a ...... e à sua casa» deve ler-se: «58. O Autor ausentou-se da sua residência em ...... desde o dia 12.05.2004, deslocando-se ao estrangeiro, só tendo regressado no dia 22.05.2004 a ...... e à sua casa.»

- Na fundamentação de direito, a fols. 24, onde se lê: «No caso concreto dos autos a carta foi levantada no dia 24 de maio de 2004, quando ainda estava disponível na estação dos CTT, tendo ficado provado que “O Autor teve necessidade de se ausentar da sua residência em ...... desde o dia 12.05.2004 deslocando-se ao estrangeiro, só tendo regressado no dia 22.05.2004 a ...... e à sua casa”.»  deve ler-se: «No caso concreto dos autos a carta foi levantada no dia 24 de maio de 2004, quando ainda estava disponível na estação dos CTT, tendo ficado provado que “o Autor ausentou‑se da sua residência em ...... desde o dia 12.05.2004, deslocando-se ao estrangeiro, só tendo regressado no dia 22.05.2004 a ...... e à sua casa”.»

- No ponto I do sumário do acórdão onde se lê: 1. A declaração do empregador, dirigida a um trabalhador, a comunicar o despedimento deste, por carta registada, expedida em 12/5/2004, tendo o aviso deixado na caixa de correio a data de 13/5/2004, torna-se eficaz, nos termos do art.º 224.º n.º 1 do Código Civil, em 24/5/2004, data em que a carta foi levantada nos CTT, onde estava disponível para entrega, e chegou ao poder do destinatário, uma vez que se provou que este teve necessidade de se ausentar da sua residência para o estrangeiro, desde o dia 12/5/2004, só tendo regressado em 22/5/2004, não sendo, assim, aplicável o disposto no n.º 2 do referido art.º 224.» deve ler‑se: 1. A declaração do empregador, dirigida a um trabalhador, a comunicar o despedimento deste, por carta registada, expedida em 12/5/2004, tendo o aviso deixado na caixa de correio a data de 13/5/2004, torna-se eficaz, nos termos do art.º 224.º n.º 1 do Código Civil, em 24/5/2004, data em que a carta foi levantada nos CTT, onde estava disponível para entrega, e chegou ao poder do destinatário, uma vez que se provou que o Autor ausentou-se da sua residência em ...... desde o dia 12.05.2004, deslocando-se ao estrangeiro, só tendo regressado no dia 22.05.2004, não sendo, assim, aplicável o disposto no n.º 2 do referido art.º 224.

b) Indeferir a arguição de nulidades e a reforma do acórdão.

Sem custas, devido ao facto de ter ocorrido um lapso material do Tribunal.

Lisboa, 10 de fevereiro de 2021.

Chambel Mourisco (relator)

Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 20/2020, de 1 de maio, declaro que as Exmas. Juízas Conselheiros adjuntas Maria Paula Moreira Sá Fernandes e Leonor Maria da Conceição Cruz Rodrigues votaram em conformidade.