Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1381/13.1TBVIS.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDAMENTO URBANO
OBRAS
RENDA
ABUSO DO DIREITO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
EQUILÍBRIO DAS PRESTAÇÕES
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
CADUCIDADE
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTOS DE DIREITO
ACÓRDÃO POR REMISSÃO
Data do Acordão: 01/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / MORA / CONTRATOS EM ESPECIAL / LOCAÇÃO / ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS / OBRAS NO LOCADO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 334.º, 805.º, N.º 1, 1031.º, ALÍNEA B), 1074.º, 1111.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 615.º, N.º1, AL. B) E D).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 28/05/2015, PROC. Nº 460/11.4TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT . CFR., NESTE SENTIDO, OS ACÓRDÃOS DE 26/03/2015 (PROC. N.º 1017/2001.L1.S1, CONSULTÁVEL NA BASE DE SUMÁRIOS DA JURISPRUDÊNCIA CÍVEL IN WWW.STJ.PT), DE 05/03/2015 (PROC. N.º 7331/10.TBOER.L1, IN WWW.DGSI.PT), DE 29/01/2015 (PROC. N.º 653/04.0TBRMR.L1.S.2), DE 01/03/2016 (PROC. N.º 748/07.9TMFAR.E1.S1), DE 05/04/2016 (PROC. N.º 128/13.7TBBRG-B.G1.S1), DE 05/04/2016 (PROC. N.º 415/07.3TBMMV.C1-S1) E DE 12/05/2016 (PROC. N.º 1738/049TBOAZ.P1.S1), CONSULTÁVEIS NA BASE DE SUMÁRIOS DA JURISPRUDÊNCIA CÍVEL IN WWW.STJ.PT .
-DE 05/02/2013 (PROC. N.º 1235/07.0TVPRT.P1.S1), IN WWW.DGSI.PT . CFR, NO MESMO SENTIDO, OS ACÓRDÃOS DE 26/10/1999 (PROC. N.º 740/99), DE 28/11/2002 (PROC. N.º 3436/02), DE 11/10/2005 (PROC. Nº 2274/05), DE 14/11/2006 (PROC. N.º 3597/06), DE 24/05/2007 (PROC. N.º 582/07), DE 24/05/2007 (PROC. N.º 1060/07), DE 30/09/2008 (PROC. N.º 2259/08), DE 20/01/2009 (PROC. N.º 3810/08), DE 19/11/2009 (PROC. N.º 812/03.3TVPRT.S1) E DE 11/12/2012 (PROC. Nº 655/06.2TBCMN.G1.S1), TODOS CONSULTÁVEIS NA BASE DOS SUMÁRIOS DA JURISPRUDÊNCIA CÍVEL IN WWW.STJ.PT ; ASSIM COMO OS ACÓRDÃOS DE 16/12/2004 (PROC. N.º 3903/04), DE 08/06/2006 (PROC. N.º 1103/06), DE 31/01/2007 (PROC. N.º 4404/06) E DE 02/06/2009 (PROC. N.º 256/09.3YFLSB), CONSULTÁVEIS IN WWW.DGSI.PT .
-DE 20/01/2009, PROC. N.º 3810/08, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Tendo o acórdão recorrido fundamentado juridicamente a decisão, aderindo integralmente ao conteúdo da decisão de direito da sentença, é pelo conteúdo desta última que se tem de aferir da existência ou não de omissão de pronúncia do acórdão.

II - Constitui jurisprudência reiterada do STJ, a respeito da proporcionalidade entre o valor das rendas pagas pelo arrendatário e o custo das obras a suportar pelo senhorio, que o valor ínfimo da renda se apresenta, em certos casos, como impedimento a que se possa exigir ao senhorio a realização de obras cujo montante ascende a valores elevados.

III - Resultando da factualidade provada que: (i) o contrato de arrendamento em causa nos autos vigorou durante 36 anos, (ii) a renda mensal foi inicialmente fixada em 1.000$00, valor que foi sendo actualizado até atingir € 38,94; (iii) nunca foram realizadas obras de manutenção e conservação do imóvel; (iv) o imóvel já não dispunha de condições de habitabilidade e dignidade urbana; (v) e que as obras de reconstrução necessárias teriam um custo avultado, a exigência de realização de tais obras pelo arrendatário configura um exercício abusivo do direito, nos termos do art. 334.º do CC.

IV - Sendo abusiva a exigência de realização de obras, também a exigência de indemnização pelos alegados danos causados ao arrendatário pela caducidade do contrato de arrendamento, resultante do incumprimento do dever de realização de obras de conservação e manutenção do locado, constitui uma exigência ilegítima, nos termos do mesmo art. 334.º do CC.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA intentou acção declarativa de condenação contra BB, CC, DD e EE, alegando, em síntese:

Que os 3º e 4º RR. são proprietários e os 1º e 2º RR. são usufrutuários de uma loja dada de arrendamento ao A., por contrato de 01/11/1977, para o exercício da actividade de barbearia/cabeleireiro, cuja exploração foi cedida pelo A. a terceiro em 06/01/1994.

Que sempre cumpriu as obrigações decorrentes do contrato, tendo efectuado obras no locado. Mas que os RR. nunca efectuaram obras de manutenção e/ou conservação no prédio, tendo este ficado muito degradado, originando infiltrações desde os pisos superiores aos inferiores, insalubridade, insegurança, e más condições de habitação/utilização.

Que o A. interpelou várias vezes os RR. para melhorarem o estado de conservação do edifício, tendo a Câmara Municipal ordenado a execução de trabalhos de estabilização e protecção da coisa pública, que não foram efectuados pelos RR., obrigando à tomada de posse administrativa do imóvel e à intervenção da brigada de demolição da Câmara Municipal de ... [CMV]. Que, em virtude de não terem os RR. executado as obras exigidas, o locado ficou sem condições mínimas de utilização, continuando o estabelecimento, no entanto, a laborar até 22/02/2012, data do falecimento do cessionário.

Que o A. procurou novos cessionários, sem sucesso, devido às condições em que se encontrava a loja, facto imputável aos RR., tendo sido declarado o estado de ruína do edifício.

Invoca ter sofrido danos em virtude da conduta omissiva dos RR., que discrimina.

Com estes fundamentos conclui pedindo:

1. Que se declare resolvido o contrato de arrendamento descrito em 1º da PI por culpa exclusiva dos RR., através de carta registada com AR remetida pelo autor em 11/03/2013;

2. Que os RR. sejam condenados a pagar ao A. todos os prejuízos/danos a este causados pela sua conduta, designadamente:

a) € 70.000,00, a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros à taxa legal a partir da citação, até efectivo e integral pagamento;

b) € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros, à taxa legal, desde a citação, até integral e efectivo pagamento.


Os RR. contestaram nos seguintes termos: Que a barbearia em causa nos autos encerrou em Outubro de 2011, altura em que a CMV anunciou a sua intenção de proceder ao encerramento, uma vez que, pelo menos desde 2008, o prédio estava em estado de degradação genérica, que apenas a reconstrução do mesmo poderia ultrapassar, e não a realização de quaisquer obras de conservação, tendo a proprietária apresentado, então, projecto de reconstrução, que foi aprovado. Que, em virtude do estado de ruína do prédio, acordaram os RR. com os restantes inquilinos a resolução dos contratos de arrendamento, pagando-lhes uma justa compensação, não o tendo logrado com o A. uma vez que este exigiu uma indemnização inadequada, de € 150.000,00.

Invocam ter comunicado ao A. a caducidade do arrendamento, por perda do locado, em 21/02/2013, na sequência da ordem de demolição do edifício exarada pela CMV, e tomada de posse administrativa do imóvel em 26/04/2013.

Com estes fundamentos, deduziram reconvenção, onde dão por reproduzida a alegação de caducidade do contrato de arrendamento.

Concluem pedindo que:

a) Seja a acção julgada totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, sejam os RR. absolvidos de todos os pedidos formulados na PI;

b) Na procedência da reconvenção, seja declarada a caducidade do contrato de arrendamento a partir de 13/12/2012, data da deliberação da CMV que declarou em estado de ruína o imóvel, e ordenou a sua demolição;

c) Quando assim se não entenda, que seja declarado resolvido o contrato de arrendamento com fundamento no não uso do locado por parte do autor, por período superior a um ano, nos termos da alínea d), do n.º 2, do art. 1082º, do Código Civil.

 

Replicou o A., defendendo não ter recepcionado a correspondência dos RR. na qual mencionam a caducidade do contrato de arrendamento, e reiterando ter o contrato sido resolvido pelo próprio A., mantendo o mais alegado na petição inicial. Conclui pela improcedência do pedido reconvencional.

      A fls. 377 foi proferida sentença que, a final, decidiu:

Pelo exposto, decide-se:

1. Julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente ação, absolvendo os Réus dos pedidos contra eles formulados pelo Autor;

2. Na total procedência da reconvenção, declarar a caducidade do contrato de arrendamento descrito em 1., acima, por perda da coisa locada, com efeitos a partir de 6.12.2012.


Inconformado, o A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, pretendendo a reapreciação da decisão relativa à matéria de facto e a modificação da decisão de direito.

A fls. 429 foi proferido acórdão, que alterou pontualmente a decisão relativa à matéria de facto, em termos que entendeu irrelevantes para efeito de modificação da decisão de direito. A final, julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.


2. Veio o A. interpor recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

1ª) O Tribunal da Relação não fundamentou a sua decisão no plano do direito e em bom rigor nem se pronunciou sobre a matéria de direito, questão que foi suscitada na apelação, o que constitui desde logo nulidade do acórdão ao abrigo do disposto no art. 615°, n° 1, als. b) e d), pelo que a revista é desde logo admissível nos termos do art. 671°, n° 1 e n° 3, a contrario e do art. 674°, n° 1, al. c), todos do CPC;

2ª) Sem prejuízo desse entendimento, é de todo o modo admissível a revista excecional prevista no art. 672°, com o fundamento da al. a) do seu n° 1 e ainda da al. b) do n° 1 e considerando ainda a violação de lei substantiva;

3ª) Pela razão de que no primeiro caso (al. a)) está em causa a apreciação da questão da aplicabilidade, por analogia e nos termos do art. 10° do Código Civil, do art. 26°, n° 1, do DL 157/2006, de 8/8, ao caso dos autos e a todos os casos semelhantes omissos na lei, ou seja, aos casos em que o senhorio não denuncie o arrendamento apesar de se verificar o condicionalismo material previsto naquele preceito legal, apreciação essa que tem uma elevada relevância jurídica e é claramente importante e necessária para uma melhor aplicação do direito;

4ª) Bem como está em causa a questão da aplicabilidade no caso dos autos dos arts. 798°, 1022°, 1031°, b), 1032°, b), 1051°, e) e 1074°, n° 1, todos do Código Civil;

5ª) E ainda pela razão de que no segundo caso (al. b)) estão em causa interesses de arrendamento para o exercício de actividade profissional, o que está directamente ligado com os rendimentos da respectiva família, o seu sustento e o seu bem-estar material, físico e psíquico, o que assume particular relevância social;

6ª) Sendo certo que, considerando toda a factualidade provada e designadamente a dos pontos 30., 31., 32., 34., 35., 36., 37., 38., 45., 46. e 48., a decisão da referida questão tem de ser no sentido da aplicabilidade do citado preceito legal e da compensação dos comprovados danos do Recorrente, por analogia e de acordo com o estipulado no art. 10° do Código Civil, ao caso dos autos e a todos os casos semelhantes, com conjugação com os citados preceitos do Código Civil;

7ª) Sendo que a decisão da não aplicabilidade daquele preceito legal constituiria uma situação profundamente iníqua, de profunda injustiça social e extremamente gravosa para o Recorrente;

8ª) Pelo que, ao não ter esclarecido / justificado a não aplicação dos citados normativos ao presente caso, e sobretudo ao não ter aplicado tais normativos ao caso concreto (quando tal apreciação se representava com elevada relevância jurídica para uma melhor aplicação do Direito) foram os mesmos violados pelo Tribunal da Relação;

9ª) Em face do que, deve a decisão da apelação ser revogada, considerando-se aplicáveis (e aplicando-se) ao caso concreto os citados preceitos legais e determinando-se o pagamento de indemnização ao Autor / Recorrente, a título de lucros cessantes e danos morais no valor deduzido de 65.000,00 €, ou pelo menos no valor mínimo que se encontra estipulado no citado art. 26°, n° 1, do DL 157/2006, de 8/8.


       Os Recorridos contra-alegaram, pugnando: pela não verificação da nulidade do acórdão recorrido, que, a verificar-se, sempre teria de ser conhecida pela Relação; pela inadmissibilidade da revista excepcional; e, subsidiariamente, pela improcedência do recurso.


3. Por acórdão da Formação a que alude o nº 3, do art. 672º, do Código de Processo Civil, a revista excepcional foi admita.

        

Cumpre decidir.


4. Vem provado o seguinte (com a redacção da Relação):

1. No dia 1 de Novembro de 1977, o pai da 1ª Ré, FF, deu de arrendamento ao Autor, pelo prazo de 1 ano e seguintes e sob a renda de 1.000$00, uma loja no R/C, com o nº …, do prédio urbano sito na Rua …, em ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo nº 74… e atualmente descrito no registo predial sob o nº 14… (1º PI; acordo; docs. de fls. 29 a 37).

2. Essa loja destinava-se ao exercício da atividade profissional do Autor, pelo menos de barbearia (2º PI; acordo; doc. de fls. 29-31).

3. Para o efeito, a 01.11.1977 o Autor tomou de trespasse o estabelecimento industrial de barbearia que aí estava instalado, pelo preço de 70.000$00 (3º PI; acordo; doc. de fls. 40-42), estabelecimento esse que está licenciado por alvará municipal, averbado em nome do Autor (4º PI; acordo; doc. de fls. 43-44).

4. Por sucessão hereditária do referido FF, veio a 1ª Ré a adquirir o identificado prédio, em 16/11/2006 (5º PI; acordo; doc. de fls. 45-53).

5. Através de escritura de doação de 22/12/2006, a 1ª e 2º Réus ficaram titulares do usufruto daquele prédio, na proporção de ½ cada um, e os 3º e 4º Réus ficaram titulares da nua propriedade ou raiz, na proporção de ½ cada um (6º PI; acordo; fls. 54-60, e 38-39).

6. Desde o início do referido arrendamento, o Autor exerceu nessa loja a atividade de barbearia, tendo cedido a exploração do referido estabelecimento a partir de 6/1/1994 (7º PI, acordo, doc. de fls. 61-67)

7. O autor pagou sempre pontualmente a renda mensal até ao mês de Abril de 2013, atualmente no valor de 38,94 € e que desde há muitos anos era recebida e atualizada pela 1ª Ré (9º PI; acordo; docs. de fls. 68, 159, 160 e 162).

8. Na sequência de recusa da 1ª Ré em receber a renda nos dias 4 e 6 de Outubro de 2011, o Autor passou a efetuar o depósito das rendas na CGD, depósito esse que foi comunicado à 1ª Ré (10º PI; acordo; docs. de fls. 68 a 74).

9. O Autor procedeu a algumas obras no locado com o consentimento do primitivo senhorio e da 1ª Ré, nomeadamente a pintura de paredes e teto (11º PI; acordo).

10. O Autor colocou no estabelecimento pelo menos uma bancada fixa e dois espelhos (15º PI), e uma porta de alumínio (18º cont.).

11. A loja locada ao Autor faz parte de um prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, composto de 3 pisos (r/c, 1º andar e águas furtadas) (17º PI; acordo).

12. Em termos fiscais já se encontra discriminada cada uma das suas divisões, cabendo à loja locada a identificação de RC 2, com a área bruta privativa de 27,40 m2 (18º PI; acordo);

13. Durante os cerca de 36 anos em que perdurou o arrendamento ao Autor, nenhumas obras foram feitas no identificado imóvel, mormente de manutenção e de conservação, sobretudo a nível dos elementos estruturais do prédio, como sejam os revestimentos da fachada, os materiais da cobertura e do escoamento das águas pluviais e as caixilharias (19º PI; acordo).

14. Desde há vários anos a esta parte que o prédio em causa apresenta enorme degradação ao nível da cobertura, fachada / paredes, pavimentos e paredes dos andares superiores, caixilharias, vidros, caleiros de recolha de águas pluviais, tubos de queda, telhas, elementos de beirado, rebocos, etc., com deterioração e / ou apodrecimento e desprendimento / desmoronamento dos respetivos materiais (20º e 29º PI);

15. Originando infiltrações desde os pisos superiores até aos inferiores (inclusive a loja locada), insalubridade, insegurança e más condições gerais de habitação / utilização (21º e 30º PI; fls. 118).

16. Há muitos anos que o prédio carecia de obras de conservação, principalmente na parte exterior do edifício, nomeadamente com a substituição, entre outros, da estrutura do telhado e da telha da cobertura, das caixilharias dos algerozes e tubos de escoamento de águas pluviais, e ainda a reparação ou substituição do revestimento das fachadas – não tendo os RR. procedido a tais obras (22º e 23º PI).

17. Na inscrição matricial respeitante ao prédio, datada de 27.1.2007, consta tratar-se de “Prédios não licenciados em condições muito deficientes de habitabilidade” (24º PI; doc. de fls. 31-37).

18. Na sequência de uma queixa apresentada pelos inquilinos à CMV em 11/5/2007 (que deu origem ao Proc. nº 51-58/2008), e após uma vistoria técnica ao prédio efetuada em 12/6/2008 pela CMViseu, pelo menos a 1ª Ré veio a ser notificada para “proceder aos trabalhos de estabilização e de proteção da coisa pública, bem como aos na cobertura de forma a suster a degradação dos prédios” (26º PI; fls. 93-99 e 227-231), nos termos a seguir descritos.

19. Do referido auto de vistoria consta, designadamente, o seguinte:

“… III

(…) Não obstante ser possível a realização de trabalhos pontuais com vista a diminuir o ritmo atual da degradação genérica da estrutura do edifício, o que se traduz no prolongamento do estado atual do prédio e no adiar da intervenção adequada e necessária, apenas a reconstrução total pode restituir ao imóvel as condições de habitabilidade e dignidade urbana do local.

Esta reconstrução foi já manifestada pela proprietária através da apresentação do projeto de arquitetura de reconstrução e ampliação, correspondente ao processo de obras 09-427/2007, que se encontra aprovado.

IV

Tendo em conta a estrutura das paredes exteriores (em tabique), com possibilidade de desmoronamento sobre os pisos inferiores e previsível ocorrência de queda de elementos das fachadas nos passeios, propõe-se como forma de prevenir e evitar um perigo certo, que é atual e com possibilidade de aumentar no futuro, o seguinte:

Se notifique, nos termos do n.º 3 do art. 89º RJEU, a proprietária, BB, para no prazo de 10 dias retirar todos os elementos das fachadas que possam desprender-se e cair no passeio, como vidros, caleiras, tubos de queda, telhas, madeiras, revestimentos, de um modo geral proceder aos trabalhos de estabilização e de proteção da coisa pública de pessoas e bens;

Se notifique, nos termos do n.º 2 do art. 89º do referido regime jurídico, a proceder aos trabalhos de reparação da cobertura e das paredes exteriores de forma a suster a degradação geral do edifício e a apresentar elementos que visem uma solução cabal já iniciada no processo de obras 09-247/2007 referido”,

Este auto foi notificado à mencionada ré, sendo ainda para proceder nos termos propostos no ponto IV (28º, 29º e 31º cont.; fls. 228-231).

20. Os réus colocaram uma estrutura vertical de madeira assente no passeio para proteção dos utentes da via pública (32º cont.; fls. 122).

21. Por cartas registadas com AR de 15/3/2010 e 25/3/2010 o autor interpelou a 1ª ré para executar obras de reparação no prédio, para evitar infiltrações de água no locado (25º PI; fls. 155-158).

22. O agravamento do estado de degradação do prédio foi confirmado pela vistoria da CMV ao prédio de 7/2/2011, realizada no âmbito do Proc. de licenciamento nº 09-4…/2007, que constatou «a existência de patologias graves na estrutura do edifício, possibilidade eminente de desprendimento de materiais da fachada e desmoronamentos para a via pública pondo em causa a segurança de pessoas e bens, e ausência completa de condições de habitabilidade. Tendo-se concluído que “Não obstante ser possível a realização de trabalhos pontuais com vista a diminuir o ritmo atual da degradação do edifício, o que se traduz no prolongamento do estado atual do prédio e no adiar da intervenção adequada e necessária, apenas a reconstrução total pode restituir ao imóvel as condições de habitabilidade e dignidade urbana ao local”» (31º PI; fls. 118);

23. A inspeção promovida pela CMV a 18/3/2011 ao estabelecimento comercial em causa confirmou que o mesmo não possuía as condições mínimas ao seu funcionamento (32º PI; fls. 118);

24. O que levou um técnico / arquiteto da CMV à prestação da Informação nº 2…/2011, de 22/8/2011, aí invocando sobre o aludido estabelecimento que “… sendo evidente, face ao teor do ponto anterior que poderá igualmente estar em causa a segurança dos seus utentes”, e concluindo: “Face ao exposto, tendo em consideração o ritmo acentuado de degradação do imóvel, cujo estado se terá agravado desde a última vistoria efetuada, tendo em atenção a necessidade de dignificar o ambiente urbano salvaguardando-se o carácter de urgência decorrente, verificando-se cumulativamente que o estabelecimento de barbearia não reúne as condições mínimas de funcionamento, ao nível sanitário e de segurança, propõe-se a Audiência prévia do interessado, nos termos dos artigos 100º e 101º do CPA, para se pronunciar no prazo de 15 dias, sobre a intenção da CMV proceder ao encerramento do estabelecimento, nos termos previstos no nº 1, do art. 10º, do D.L. nº 259/07” (33º PI; fls. 118).

25. Tendo a proposta deste técnico merecido a aprovação superior e a concordância da Divisão de Planeamento, Cadastro e Digitalização, que referiu: “… Concorda-se com a presente informação, contudo, deve notificar-se também a proprietária a escorar o prédio e tomar medidas de segurança do mesmo conforme notificação de 17/3/2011, sendo da sua inteira responsabilidade qualquer dano que possa resultar para terceiros por força da sua inoperância. Posteriormente, deve o processo transitar para o técnico da zona para aferir do cumprimento destas medidas” (34º PI; fls. 118).

26. Nessa sequência, a 1ª ré foi notificada para escorar o dito prédio e a envolver o mesmo com um conjunto de tapumes, para proteção dos utentes da via pública, considerando a perigosidade decorrente da queda iminente de elementos de revestimento afetos à cobertura e à fachada (35º PI; fls. 233 e ss.).

27. Na mesma sequência, foi notificado o cessionário do espaço, Sr. GG, que se veio a opor ao encerramento do estabelecimento, nos termos e com os fundamentos da sua exposição remetida por carta registada de 27 /10 /2011 (36º PI; fls. 127-129);

28. A solicitação do Autor, foi, em Outubro de 2012, efetuada visita ao local de um técnico de engenharia civil, que concluiu que o espaço já não era recuperável sem uma intervenção na estrutura do edifício e que, por isso, qualquer investimento no locado era inútil e técnica e economicamente injustificável e desaconselhável (43º PI; fls. 78-86).

29. Em vistoria realizada em 28/11/2012, realizada por comissão constituída por técnicos da CMV, do Centro de Saúde de ... e dos Bombeiros Municipais, foi verificado e concluído o seguinte:

- “2.2.2 – R/C: espaço afeto a barbearia.

É visível a presença de infiltrações, oriundas dos pisos superiores; no teto, há desprendimento dos materiais causado pelas infiltrações referidas; há escorrências no chão resultantes das infiltrações; as paredes e teto encontram-se com materiais de revestimento desprendidos; são visíveis fissuras na ligação do teto com a fachada principal. O espaço encontra-se completamente degradado e sem qualquer condição de utilização”;

“2.2.5 – Exteriormente, o edifício encontra-se com desprendimentos diversos dos revestimentos das fachadas (pontualmente, é visível o casco do tabique), com as cornijas deformadas e desprendidas dos próprios materiais que as constituem, com os beirados com um grau de abaulamento elevado e as caleiras parcialmente inoperacionais e em condições deficientes de suporte; as caixilharias das janelas encontram-se podres, com os vidros partidos, estando o edifício envolvido por um conjunto de tapumes, por notificação antecedente da CMV, para proteção dos utentes da via pública, considerando a perigosidade decorrente da queda eminente de elementos de revestimento afetos à cobertura e à fachada”;

- “3 – Conclusões

… Ruína técnica ou ruína física:

… Decorrente do constatado e descrito nos pontos anteriores, a comissão entende que, globalmente, os estados limites últimos foram ultrapassados nas suas diversas vertentes, originados quer pela ultrapassagem do tempo de vida útil dos edifícios, quer pela associação desta com a degradação dos próprios materiais, e do seu mau estado de conservação.

- Ruína económica:

A comissão entende que não é de todo possível efetuar obras de conservação /melhoramento/beneficiação, com vista a um aproveitamento economicamente justificável”. (45º PI; doc. de fls. 119-123).

30. Por tais razões e entendimentos, concluiu a dita comissão de vistoria que, além do mais, deveria ser declarado o estado de ruína dos imóveis em causa e deviam ser notificados os proprietários dos edifícios em estado de ruína para, no prazo máximo de 45 dias, atendendo à eminência de períodos chuvosos, proceder à sua demolição total (46º PI; fls. 119-123).

31. Por deliberação da CMV de 6/12/2012, foi efetivamente declarado o estado de ruína dos imóveis em causa e ordenada a sua demolição, o que foi comunicado aos Réus e demais interessados (47º PI; acordo; fls. 133).

32. Os trabalhos de demolição não foram efetuados pelos Réus, tendo determinado a tomada da posse administrativa do imóvel em ruína, em 26.4.2013, e posterior intervenção da Brigada de Demolição da CMV (27º PI; acordo; fls. 256-263).

33. Por carta registada com AR remetida com data de 11.3.2013 para a 1ª ré, o Autor, através do seu mandatário, declarou resolver o contrato de arrendamento referido em 1., com fundamento na omissão de realização de obras de conservação pela senhoria no locado (49º PI; doc. de fls. 138-147).

34. Sempre foi propósito do Autor vir a continuar a exercer no locado a sua atividade de barbeiro, pelo menos durante mais 10 anos após o seu regresso da …, previsto para início de 2014, acordo que tinha com o cessionário (63º, 65º e 88º da PI).

35. Em consequência da ordem de demolição do edifício, o Autor viu desocupado o locado, entregou as suas chaves, e rescindiu o respetivo contrato de fornecimento energia elétrica (82º PI e fls. 44, 45 e 256-257).

36. O que lhe causou incómodos e aborrecimentos (84º PI).

37. O Autor tinha uma enorme estima e orgulho pelo estabelecimento comercial em causa, dizendo habitualmente que era “a menina dos seus olhos” (85º PI).

38. Sempre que vinha a Portugal o autor passava lá algum tempo (87º PI).

39. O autor cedeu a exploração a GG pelo pagamento mensal de 6.000$00, quando a renda que pagava ao senhorio era de 5.879$00 (8º cont. e fls. 159 e 63-67).

40. Situação que manteve até ao encerramento do estabelecimento, por doença do cessionário, cerca de Outubro de 2011, o qual veio a falecer em 22/02/2012 (9º cont. e fls. 131).

41. A última alteração de renda feita pelo senhorio foi para o montante mensal de 38,94€, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2006 (9º cont., fls. 162 e 68), e em Outubro de 2009 o A. cobrava ao cessionário 45,23€ mensais (10º cont., e fls. 212).

42. Em Outubro de 2011 a 1ª Ré recusou-se a receber a renda, pois acabara de ser notificada pela Câmara Municipal da Informação de 22/08/2011 do Sr. Arquiteto HH, relativa à vistoria do edifício em 7/02/2011, solicitada pela 1ª R., que o A. junta como Docs. 35 e 37,

43. Na primeira vistoria efetuada pela Câmara Municipal de ..., em 12.06.2008, ficou expresso que o edifício apresentava as seguintes características: “As paredes exteriores em tabique estão degradadas e onduladas, verificando-se o desprendimento de elementos de revestimento, com particular incidência nas viradas para a Rua …, nomeadamente a argamassa de revestimento, bem como caleiras, tubos de queda, elementos da cornija em madeira. O conjunto edificado, em análise, encontra-se genericamente degradado.” (28º cont., fls. 227-231).

44. E, mais adiante, consta do mesmo Auto de Vistoria de 12.06.2008: “Não obstante ser possível a realização de trabalhos pontuais com vista a diminuir o ritmo atual da degradação genérica da estrutura do edifício, o que se traduz no prolongamento do estado atual do prédio e no adiar da intervenção adequada e necessária, apenas a reconstrução total pode restituir ao imóvel as condições de habitabilidade e dignidade urbana do local. Esta reconstrução já foi manifestada pela proprietária, através da apresentação do projeto de arquitetura de reconstrução e ampliação, correspondente ao Processo de Obras 09-4…/2007, que se encontra aprovado.” (29º cont. e fls. 227-231).

45. Os Réus solicitaram à Câmara Municipal de ..., após apresentado o Projeto de Reconstrução (Processo nº 09-4../2007), a declaração de que o prédio se achava em estado de ruína, nomeadamente pelo requerimento de 07.04.2011 (35º cont., fls. 233-236).

46. Ruína essa que acabou por ser expressamente confirmada através da vistoria de 28.11.2012, já mencionada (36º cont.).

47. O arranjo total do telhado e respetiva impermeabilização, o revestimento e impermeabilização das paredes exteriores e a necessária substituição de, pelo menos, o pavimento do primeiro piso, que era o teto do R/C, seriam obras de avultado custo (40º cont., facto notório).

48. Os senhorios, dada a iminente ruína do prédio, acordaram com todos os restantes inquilinos o fim dos respetivos arrendamentos, pagando-lhes compensações monetárias, o que não ocorreu com o A. por este exigir uma “indemnização” de pelo menos 100.000,00€, que os RR. recusaram pagar (42º e 43º cont.).

49. Por cartas datadas de 21.02.2013 e 5.3.2013, remetidas para o escritório do procurador/mandatário do Autor e para o seu filho, a 1ª Ré referiu que o arrendamento tinha caducado, mais referindo que a Câmara havia ordenado a demolição de todo o prédio – cartas que foram devolvidas por não reclamadas (52º, 53º e 54º cont., fls. 242-244 e 248-252).

50. Ao receber a comunicação do Ilustre Mandatário do Autor, datada de 11.03.2013, referida no ponto 33, a 1ª Ré respondeu-lhe, solicitando a devolução das chaves, carta essa efetivamente recebida pelo Ilustre Mandatário do Autor (58º cont., fls. 251-252).


5. Tendo em conta o disposto no nº 4, do art. 635º, do Código de Processo Civil, estão em causa, neste recurso, as seguintes questões:

- Nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação;

- Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia;

- Direito do A. arrendatário a ser indemnizado por danos patrimoniais e não patrimoniais pela caducidade do contrato de arrendamento por perda da coisa locada.


6. Quanto à questão da nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação, conclui o Recorrente: “O Tribunal da Relação não fundamentou a sua decisão no plano do direito e em bom rigor nem se pronunciou sobre a matéria de direito, questão que foi suscitada na apelação, o que constitui desde logo nulidade do acórdão ao abrigo do disposto no art. 615°, n° 1, als. b) e d) (…)”.

     No que se refere à decisão de direito, a fundamentação do acórdão recorrido tem o seguinte teor:

“2 – Relativamente à segunda questão colocada (Saber se a douta decisão recorrida, consequentemente, ao não ter fixado ao Autor uma indemnização pelos prejuízos/danos sofridos com a conduta omissiva e culposa dos Réus, violou o disposto nos art.ºs 10.º, 798.º, 1022.º, 1031.º, b), 1032.º, b), 1051.º, e) 1074.º, n.º 1 e 1083.º, todos do C. Civil e 26.º, n.º 1, do DL 157/2006, de 8/8.), entendemos que não assiste a razão ao recorrente.

Com efeito, conclui, neste âmbito, o recorrente:

“A douta decisão recorrida aplicou mal o Direito ao não ter fixado ao Autor uma indemnização pelos prejuízos/danos sofridos com a conduta omissiva e culposa dos Réus;

Com efeito, independentemente da forma de cessação do contrato de arrendamento em causa, ficou provado nos autos que foi a conduta reiteradamente e continuamente omissiva dos Réus, consubstanciada na falta de obras de conservação e de manutenção do prédio em causa, ao longo de mais de 36 anos, que levou à cessação do contrato de arrendamento e à perda do estabelecimento do Autor;

O que provocou danos e prejuízos ao Autor, traduzidos na perda do seu estabelecimento comercial (e do correspondente valor do trespasse), na perda dos lucros cessantes do período de pelo menos 10 anos e nos seus danos morais, que perfazem o montante global de 75.000,00 €;

O que a não ser considerado na sua totalidade, deve dar lugar à fixação da indemnização prevista no art. 26º, nº 1, do DL 157/2006, de 8/8, aqui analogicamente aplicável, no valor de 29.100,00 €;

Ao não ter decidido dessa forma, violou a decisão recorrida os preceitos dos arts. 1022º, 1031º, b), 1032º, b), 1074º, nº 1 e 798º do Código Civil e ainda o art. 26º, nº 1 do DL 157/2006, de 8/8, bem como o artigo 10º do Código Civil;

Ao contrário do entendimento plasmado na decisão recorrida, o contrato de arrendamento em causa cessou por resolução contratual do Autor operada em 11/3/2013, por culpa exclusiva dos Réus, e não por caducidade operada em 6/12/2012, uma vez que a perda da coisa só ocorreu com a demolição do prédio realizada depois da posse administrativa do mesmo (26/4/2013) ou quando muito aquando dessa posse administrativa;

O que se traduz na igual responsabilidade dos Réus de indemnizarem o Autor e no dever de fixação das indemnizações supra referidas;

Como assim não decidiu, violou ainda a decisão recorrida, para além dos citados preceitos legais, os arts. 1051º, e) e 1083º, nº 1, ambos do Código Civil.

Termos em que se peticiona a revogação da decisão recorrida, no sentido de serem julgados procedentes os pedidos formulados pelo autor e improcedente o pedido reconvencional dos réus, designadamente fixando-se ao autor a indemnização dos danos/prejuízos sofridos com a conduta culposa dos réus, bem como declarando-se que o contrato de arrendamento sub judice cessou por resolução do autor e não por caducidade, tudo com os demais efeitos e consequências legais.”

Quid Juris?

Entendemos que, como dissemos supra, também não assiste a razão ao recorrente.

Com efeito, pretende o recorrente – alterada que seja a matéria de fato nos termos por si defendidos – a revogação da decisão recorrida, no sentido de serem julgados procedentes os pedidos formulados pelo autor e improcedente o pedido reconvencional dos réus, designadamente, fixando-se ao autor a indemnização dos danos/prejuízos sofridos com a conduta culposa dos réus, bem como declarando-se que o contrato de arrendamento sub judice cessou por resolução do autor e não por caducidade, tudo com os demais efeitos e consequências legais.

Ora, desde logo, como vimos supra, não se alterou a matéria de fato provada, designadamente nos termos pretendidos pelo recorrente.

Ora, só havendo alteração da matéria de fato, designadamente nos termos propostos e defendidos pelo recorrente, é que se poderia eventualmente dar como procedente esta questão ora colocada.

Em bom rigor, porque dependente da sua procedência da questão anteriormente colocada, e sendo certo que a mesma improcedeu, esta questão mostra-se prejudicada, não devendo ser analisada/conhecida.

Por conseguinte, decorrentemente, não tendo havido alteração da matéria de fato, designadamente nos termos propostos e defendidos pelo recorrente, têm de improceder os pedidos do apelante.

Improcede, pois, também esta segunda conclusão do recurso interposto pelo R. /Recorrente, porquanto se não mostra que a douta decisão recorrida, ao não ter fixado ao Autor uma indemnização pelos prejuízos/danos sofridos com a conduta omissiva e culposa dos Réus, violou o disposto nos invocados art.ºs 10.º, 798.º, 1022.º, 1031.º, b), 1032.º, b), 1051.º, e) 1074.º, n.º 1 e 1083.º, todos do C. Civil e 26.º, n.º 1, do DL 157/2006, de 8/8, ou em quaisquer outros.                                                            

Resumindo e concluindo:

Face ao exposto, improcedem, pois, ambas as questões suscitadas no recurso.

Consequentemente, deve manter-se a douta decisão recorrida em relação à matéria de fato impugnada – salvo as pequenas correções operadas em 3. e 28. dos Fatos Provados e a supressão do último item constante da al. a) dos Fatos não Provados.

E também em relação ao plano jurídico, uma vez que faz uma adequada subsunção dos fatos apurados ao direito aplicável, pelo que não violou, designadamente, o disposto nos invocados art.ºs 10.º, 798.º, 1022.º, 1031.º, b), 1032.º, b), 1051.º, e) 1074.º, n.º 1 e 1083.º, todos do C. Civil e 26.º, n.º 1, do DL 157/2006, de 8/8, ou em quaisquer outros.

Consequentemente, a decisão recorrida deve ser mantida nos seus precisos termos.

III – DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes, na 1ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Coimbra:

1 - Julgam improcedente o presente recurso interposto pelo A., ora Recorrente.

2 - Mantêm integralmente a decisão recorrida.”


Apreciando a alegada nulidade por falta de fundamentação do acórdão recorrido, deve ter-se presente que “constitui entendimento pacífico, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que, na arguição desta nulidade, importa distinguir entre a falta absoluta de motivação e a motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera causa de nulidade é a falta absoluta de motivação. A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente: afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser alterada ou revogada em recurso, mas não produz a nulidade. Só enferma, pois, de nulidade a sentença em que se verifique a falta absoluta de fundamentos, seja de facto, seja de direito, que justifiquem a decisão e não aquela em que a motivação é deficiente.” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/05/2015, proc. nº 460/11.4TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt). Cfr., neste sentido, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 26/03/2015 (proc. nº 1017/2001.L1.S1, consultável na base de sumários da jurisprudência cível in www.stj.pt), de 05/03/2015 (proc. nº 7331/10.TBOER.L1, in www.dgsi.pt), de 29/01/2015 (proc. nº 653/04.0TBRMR.L1.S.2), de 01/03/2016 (proc. nº 748/07.9TMFAR.E1.S1), de 05/04/2016 (proc. nº 128/13.7TBBRG-B.G1.S1), de 05/04/2016 (proc. 415/07.3TBMMV.C1-S1) e de 12/05/2016 (proc. nº 1738/049TBOAZ.P1.S1), consultáveis na base de sumários da jurisprudência cível in www.stj.pt.

No caso dos autos, e como resulta claramente das passagens destacadas a negrito, o acórdão recorrido fundamenta, ainda que de forma sintética, a decisão de direito, designadamente através da adesão à decisão de direito da 1ª Instância traduzida na expressão: “Consequentemente, a decisão recorrida deve ser mantida nos seus precisos termos.”

Conclui-se, assim, que o acórdão recorrido não está ferido de nulidade por falta de fundamentação.


7. Quanto à invocada nulidade por omissão de pronúncia do acórdão recorrido relativamente à decisão de direito, alega o Recorrente: “O Tribunal da Relação não fundamentou a sua decisão no plano do direito e em bom rigor nem se pronunciou sobre a matéria de direito, questão que foi suscitada na apelação, o que constitui desde logo nulidade do acórdão ao abrigo do disposto no art. 615°, n° 1, als. b) e d) (…)”.

Compulsadas as conclusões da apelação, verifica-se serem as seguintes as questões jurídicas nela suscitadas: direito do A. a exigir dos RR. uma indemnização pelos danos sofridos com a cessação do contrato de arrendamento, cessação esta que, por sua vez, foi originada pelo incumprimento do dever de realização de obras de conservação e manutenção a que os RR. se encontravam adstritos; fundamento da cessação do contrato de arrendamento (resolução pelo A. e não caducidade por perda da coisa locada conforme qualificado pela sentença).

Tendo-se verificado que o acórdão recorrido fundamentou, de forma abreviada e sintética, a decisão de direito, aderindo integralmente ao conteúdo da decisão de direito da sentença, é pelo conteúdo desta última que se tem de aferir da existência ou não de omissão de pronúncia do acórdão.

Na sentença, a decisão de direito tem o seguinte teor:


- DIREITO:

Face à factualidade provada, dúvidas não subsistem na qualificação jurídica do acordo celebrado entre o A. e o então proprietário do prédio identificado em 1., acima (atualmente os RR.) como de arrendamento comercial, tanto quanto é certo que se analisa numa transferência temporária e onerosa do gozo de um prédio, ou de parte, para um fim diretamente correlacionado com a atividade comercial - artigos 10670 e 1.1080 do Código Civil.

Desde logo, tendo em conta o pedido formulado pelo A., importa averiguar se tal contrato caducou, conforme defendem os RR., ou se, pelo contrário, cessou por resolução operada pelo autor com fundamento na violação dos deveres dos senhorios, como propugna o A ..

Para o efeito, vejamos, resumidamente, qual a situação de facto provada, relevante para o efeito:

(…)

O contrato de arrendamento impõe ao senhorio, entre outras, a obrigação de "assegurar ao locatário o gozo da coisa para os fins a que a mesma se destina" - art. 1031°, al. b), do Código Civil. E extrai-se da al. e) do art. 1051° do Código Civil, que o contrato de locação caduca por perda da coisa locada. Esta causa de caducidade do contrato de locação significa uma autêntica impossibilidade superveniente de subsistência do contrato, por deixar de existir o seu objeto - o que sucede no caso de desaparecimento do prédio devido à sua demolição, a que a lei atribui efeito extintivo do contrato (1).

No caso dos autos, como se viu, logrou o autor provar que o prédio onde se situava o locado não sofreu obras de conservação desde o início do arrendamento, e que o mesmo carecia de obras. De tal forma que a reparação do edifício, e do locado, foi considerada inviável pela entidade camarária, implicando a mesma a demolição do edifício e posterior reconstrução.

O que importa averiguar é se a não realização pelo senhorio de obras de conservação no locado ao longo dos anos constitui causa de resolução do contrato de arrendamento, nos termos pretendidos pelo autor.

O que desde logo ressalta da factualidade provada é que o inquilino reclamou junto do senhorio a realização de obras de conservação do locado numa altura em que a execução de tais obras não era suficiente para suster a degradação e iminente ruina do edifício (cf. factos provados em 19 e 21).

Por outro lado, encontra-se provado que o autor pagava uma renda no valor de € 38,94 por mês (facto provado em 7), existindo uma tremenda desproporção entre esta retribuição ao senhorio e o custo das obras a efetuar, face ao estado de degradação do imóvel plasmado nos factos provados, o que constitui facto notório (cf. n.º 47 dos factos provados). Assim, caso se entendesse que, no momento em que lhe foi solicitado pelo autor, os réus senhorios teriam de efetuar as obras de conservação necessárias ao gozo da loja locada, para além da sua inviabilidade, sempre seria de se considerar constituir sacrifício eticamente inaceitável para os senhorios, face à diferença das prestações em causa e à desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do titular e as consequências que os senhorios teriam de suportar - o que constitui abuso de direito, nos termos previstos no art. 334º do Código Civil (2).

Perante o exposto, haverá de concluir não assistir, igualmente, ao autor o direito de resolver o contrato de arrendamento celebrado com fundamento na inexecução de tais obras (art. 432º do CC), sendo certo que o mesmo autor apenas declarou resolver o contrato em data posterior ao conhecimento do estado de ruína de todo o edifício, declarado pela entidade pública, e da ordem de demolição do prédio, e numa altura em que o estabelecimento comercial já se encontrava encerrado há mais de 18 meses (cf. factos provados em 19, 23, 24, 27, 28, 29, 30 e 33) - podendo extrair-se que a sua atuação, ao declarar a resolução do contrato com os fundamentos invocados, constitui ainda conduta flagrantemente subsumível à disposição prevista no art. 334° do Código Civil.

Acresce que, como adiante se verá, à data da comunicação de resolução do contrato o mesmo havia já caducado por perda da coisa locada.

Pelas razões expostas, improcede o primeiro pedido formulado pelo autor.

Importa agora conhecer do primeiro pedido reconvencional formulado pelos réus.

Na verdade, defendem os réus senhorios que o contrato de arrendamento deixou de vigorar por caducidade, face à perda da coisa locada - o que foi comunicado ao autor por carta remetida ao mesmo em data anterior à missiva através da qual pretendia o autor a cessação do contrato por resolução, vinda de referir (factos provados em 49,33 e 35).

Ora, temos por apurado que os réus apresentaram em 2007 junto da CMV projeto de reconstrução total e ampliação do prédio, e solicitaram a declaração do estado de ruina do mesmo designadamente em 7.4.2011 (n.os 44 e 45 dos factos provados). O estado de ruina do imóvel foi confirmado por vistoria de 28.11.2012 (n.o 46 e 30), e deliberação camarária de 6.12.2012 (n." 31) - o que foi comunicado aos interessados (entre os quais se encontra ao autor) (facto n.º 31); Em 26.4.2013, face ao não cumprimento pelos réus/proprietários da ordem de demolição total do edifício no prazo fixado pela entidade administrativa, foi determinada a posse administrativa do imóvel, para posterior intervenção da Brigada de Demolição da CMV (factos provados em 30 e 32).

Estamos perante uma perda total da coisa (e não parcial) quando a mesma deixa de poder ser usada para o fim convencionado (3) - o que sucede manifestamente no caso dos autos, uma vez que inexiste já fisicamente o local onde o A. tinha instalado, no prédio dos RR., o seu estabelecimento comercial- art. 790°, n. ° 1, do Código Civil.

Por outro lado, tal caducidade opera independentemente de culpa do senhorio, nomeadamente pela omissão da realização de obras de conservação que evitem a ruína do edifício (4).

Em suma, cessou o contrato de arrendamento em causa nos autos por caducidade, que operou a 6.12.2012 (data da declaração camarária do estado de ruína, e ordem da respetiva demolição) - procedendo nesta medida o pedido reconvencional formulado.

A eventual culpa do senhorio na emissão da ordem administrativa de demolição do edifício não impede a caducidade do contrato de arrendamento, como se referiu, apenas relevando para efeito de indemnização ao arrendatário dos danos que este sofra em virtude da omissão/acção do senhorio, nos termos gerais (5).

Relativamente a esta matéria, peticiona o A. a condenação das RR a pagar-lhe o valor correspondente ao lucro que alegadamente deixou de auferir em virtude da impossibilidade de exploração do locado, defendendo que tal dano se deve a culpa dos RR, por não terem executado, ao longo de vários anos, as obras de conservação de que o prédio onde se situava o locado necessitava, apesar de para tanto solicitados (tendo por essa razão provocado a ruína do imóvel).

Porém, e para além de outras razões cuja análise é inútil, não assiste razão ao autor: na verdade, o prédio dos RR encontrava-se degradado pela idade, não sendo exigível aos proprietários a execução de obras de reparação cujo custo era manifestamente excessivo em confronto com a contraprestação percebida - como já se referiu. Não pode, por outro lado, deixar de se referir que dos factos provados consta como primeira interpelação dos réus para executarem obras de conservação uma data em que as mesmas já não eram viáveis, sendo a ruína do prédio eminente, e necessária a sua demolição e posterior reconstrução de um novo imóvel.

Aliás, existiu um projeto devidamente aprovado pela CM de ... com vista à reconstrução do prédio, datado e aprovado em 2007. Consta, aliás, da factualidade provada que os proprietários do imóvel acordaram com os demais arrendatários a sua saída do imóvel, excetuando com o A., que foi o único que aí permaneceu, por ter exigido uma compensação elevada.

Acresce que em Março de 2011 a CMV declarou que o estabelecimento comercial não possuía já as condições mínimas de funcionamento, tendo sido notificado o arrendatário da intenção da CMV proceder ao encerramento do estabelecimento - tendo-se oposto a tal intenção o então cessionário (factos provados em 23, 24 e 27) -, condições essas confirmadas por técnico do próprio autor (n.º 28), que referiu ser a recuperação do locado inútil e técnica e economicamente injustificável e desaconselhável.

Tanto basta para afastar qualquer responsabilidade dos RR., proprietárias do imóvel demolido por quaisquer danos sofridos pelo A. quer em virtude da degradação e demolição do locado. Aliás, sendo totalmente inviável a continuação de laboração no locado, é atentatório dos princípios da boa-fé a indemnização peticionada pelo autor, que consubstanciaria um enriquecimento injustificado e desproporcional, tendo em conta o montante da renda paga aos réus.

Finalmente, tendo em consideração a caducidade do contrato de arrendamento em causa nos autos, não imputável aos réus, nunca haveria lucro cessante a ressarcir (que, aliás, o autor não logrou provar).

Pelas razões expostas, e sem necessidade de outras considerações, improcederá o pedido indemnizatório formulado pelo autor contra os RR ..

(…)

• DECISÃO:

Pelo exposto, decide-se:

1. Julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente ação, absolvendo os Réus dos pedidos contra eles formulados pelo Autor;

2. Na total procedência da reconvenção, declarar a caducidade do contrato de arrendamento descrito em 1., acima, por perda da coisa locada, com efeitos a partir de 6.12.2012.


Tendo a sentença apreciado, de forma desenvolvida, as duas questões de direito que o A. veio a suscitar no recurso de apelação - (i) Direito do A. a exigir dos RR. uma indemnização pelos danos sofridos com a cessação do contrato de arrendamento, cessação esta que, por sua vez, foi originada pelo incumprimento do dever de realização de obras de conservação e manutenção a que os RR. se encontravam adstritos; (ii) Fundamento da cessação do contrato de arrendamento (resolução pelo A. e não caducidade por perda da coisa locada conforme qualificado pela sentença) -, e tendo o acórdão recorrido aderido por inteiro ao conteúdo da decisão de direito da sentença, conclui-se que o mesmo acórdão não está ferido de nulidade por omissão de pronúncia.

          

7. Resolvidas as questões de índole processual, passa-se a apreciar a questão de mérito do presente recurso: direito do A. arrendatário a ser indemnizado por danos patrimoniais e não patrimoniais pela caducidade do contrato de arrendamento por perda da coisa locada.

Invoca o Recorrente dois fundamentos distintos: a aplicação analógica do regime do art. 26º, nº 1, do Decreto-Lei nº 157/2006, de 8 de Agosto; a aplicação do regime dos arts. 798°, 1022°, 1031°, b), 1032°, b), 1051°, e) e 1074°, n° 1, do Código Civil.

     Dispunha o art. 26º, nº 1, do Decreto-Lei nº 157/2006 – artigo entretanto revogado pela Lei nº 39/2012, de 14 de Agosto – o seguinte: “Em caso de denúncia para realização de obras de remodelação ou restauro profundo ou para demolição do prédio, o arrendatário não habitacional tem direito ao pagamento de todas as despesas e danos, patrimoniais e não patrimoniais, considerando-se o valor das benfeitorias realizadas e dos investimentos efectuados em função do locado, não podendo o valor da indemnização ser inferior ao valor de cinco anos de renda, com o limite mínimo correspondente a 60 vezes a retribuição mínima mensal garantida.”

      Pretende o Recorrente que tal regime, previsto para a denúncia do contrato pelo locador, seja aplicado analogicamente à situação dos autos, na qual o contrato de arrendamento caducou por perda da coisa locada (art. 1051º, alínea e), do CC).

Considerando-se que a caducidade operou em 06/12/2012, data da declaração camarária de estado de ruína e da ordem de demolição, há que ter em conta que, nessa data, o regime indemnizatório do art. 26º, do Decreto-Lei nº 157/2006, tinha já sido revogado pela Lei nº 30/2012, de 14 de Agosto, que entrou em vigor em 14 de Setembro, não podendo ser considerada a possibilidade da sua aplicação analógica ao caso dos autos.


8. Deste modo, o problema centra-se em apurar se o A. podia exigir dos RR. o cumprimento da obrigação de realização de obras de conservação e manutenção da coisa locada, conforme previsto nos arts. 1031º, alínea b), 1074º, e 1111º, nº 2, do Código Civil. E se, em caso afirmativo, assiste ao A. o direito a ser indemnizado nos termos invocados.

Relevam os seguintes factos provados:

1. No dia 1 de Novembro de 1977, o pai da 1ª Ré, FF, deu de arrendamento ao Autor, pelo prazo de 1 ano e seguintes e sob a renda de 1.000$00 (…)

6. Desde o início do referido arrendamento, o Autor exerceu nessa loja a atividade de barbearia, tendo cedido a exploração do referido estabelecimento a partir de 6/1/1994

7. O autor pagou sempre pontualmente a renda mensal até ao mês de Abril de 2013, atualmente no valor de 38,94 € e que desde há muitos anos era recebida e atualizada pela 1ª Ré

13. Durante os cerca de 36 anos em que perdurou o arrendamento ao Autor, nenhumas obras foram feitas no identificado imóvel, mormente de manutenção e de conservação, sobretudo a nível dos elementos estruturais do prédio, como sejam os revestimentos da fachada, os materiais da cobertura e do escoamento das águas pluviais e as caixilharias

14. Desde há vários anos a esta parte que o prédio em causa apresenta enorme degradação ao nível da cobertura, fachada / paredes, pavimentos e paredes dos andares superiores, caixilharias, vidros, caleiros de recolha de águas pluviais, tubos de queda, telhas, elementos de beirado, rebocos, etc., com deterioração e / ou apodrecimento e desprendimento / desmoronamento dos respetivos materiais

18. Na sequência de uma queixa apresentada pelos inquilinos à CMV em 11/5/2007 (que deu origem ao Proc. nº 51-58/2008), e após uma vistoria técnica ao prédio efetuada em 12/6/2008 pela CMV..., pelo menos a 1ª Ré veio a ser notificada para “proceder aos trabalhos de estabilização e de proteção da coisa pública, bem como aos na cobertura de forma a suster a degradação dos prédios”, nos termos a seguir descritos.

19. Do referido auto de vistoria consta, designadamente, o seguinte:

“… III

(…) Não obstante ser possível a realização de trabalhos pontuais com vista a diminuir o ritmo atual da degradação genérica da estrutura do edifício, o que se traduz no prolongamento do estado atual do prédio e no adiar da intervenção adequada e necessária, apenas a reconstrução total pode restituir ao imóvel as condições de habitabilidade e dignidade urbana do local.

(…)

21. Por cartas registadas com AR de 15/3/2010 e 25/3/2010 o autor interpelou a 1ª ré para executar obras de reparação no prédio, para evitar infiltrações de água no locado

22. O agravamento do estado de degradação do prédio foi confirmado pela vistoria da CMV ao prédio de 7/2/2011 (…)

23. A inspeção promovida pela CMV a 18/3/2011 ao estabelecimento comercial em causa confirmou que o mesmo não possuía as condições mínimas ao seu funcionamento  

28. A solicitação do Autor, foi, em Outubro de 2012, efetuada visita ao local de um técnico de engenharia civil, que concluiu que o espaço já não era recuperável sem uma intervenção na estrutura do edifício e que, por isso, qualquer investimento no locado era inútil e técnica e economicamente injustificável e desaconselhável

29. Em vistoria realizada em 28/11/2012, realizada por comissão constituída por técnicos da CMV, do Centro de Saúde de ... e dos Bombeiros Municipais, foi verificado e concluído o seguinte:

(…)

30. Por tais razões e entendimentos, concluiu a dita comissão de vistoria que, além do mais, deveria ser declarado o estado de ruína dos imóveis em causa e deviam ser notificados os proprietários dos edifícios em estado de ruína para, no prazo máximo de 45 dias, atendendo à eminência de períodos chuvosos, proceder à sua demolição total

31. Por deliberação da CMV de 6/12/2012, foi efetivamente declarado o estado de ruína dos imóveis em causa e ordenada a sua demolição, o que foi comunicado aos Réus e demais interessados

34. Sempre foi propósito do Autor vir a continuar a exercer no locado a sua atividade de barbeiro, pelo menos durante mais 10 anos após o seu regresso da …, previsto para início de 2014, acordo que tinha com o cessionário

35. Em consequência da ordem de demolição do edifício, o Autor viu desocupado o locado, entregou as suas chaves, e rescindiu o respetivo contrato de fornecimento energia elétrica

36. O que lhe causou incómodos e aborrecimentos

37. O Autor tinha uma enorme estima e orgulho pelo estabelecimento comercial em causa, dizendo habitualmente que era “a menina dos seus olhos”

38. Sempre que vinha a Portugal o autor passava lá algum tempo  

39. O autor cedeu a exploração a GG pelo pagamento mensal de 6.000$00, quando a renda que pagava ao senhorio era de 5.879$00

40. Situação que manteve até ao encerramento do estabelecimento, por doença do cessionário, cerca de Outubro de 2011, o qual veio a falecer em 22/02/2012

41. A última alteração de renda feita pelo senhorio foi para o montante mensal de 38,94€, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2006 e em Outubro de 2009 o A. cobrava ao cessionário 45,23€ mensais

44. E, mais adiante, consta do mesmo Auto de Vistoria de 12.06.2008: “Não obstante ser possível a realização de trabalhos pontuais com vista a diminuir o ritmo atual da degradação genérica da estrutura do edifício, o que se traduz no prolongamento do estado atual do prédio e no adiar da intervenção adequada e necessária, apenas a reconstrução total pode restituir ao imóvel as condições de habitabilidade e dignidade urbana do local. Esta reconstrução já foi manifestada pela proprietária, através da apresentação do projeto de arquitetura de reconstrução e ampliação, correspondente ao Processo de Obras 09-427/2007, que se encontra aprovado.”  

45. Os Réus solicitaram à Câmara Municipal de ..., após apresentado o Projeto de Reconstrução (Processo nº 09-4…/2007), a declaração de que o prédio se achava em estado de ruína, nomeadamente pelo requerimento de 07.04.2011

46. Ruína essa que acabou por ser expressamente confirmada através da vistoria de 28.11.2012, já mencionada

47. O arranjo total do telhado e respetiva impermeabilização, o revestimento e impermeabilização das paredes exteriores e a necessária substituição de, pelo menos, o pavimento do primeiro piso, que era o teto do R/C, seriam obras de avultado custo


      Constata-se que o contrato de arrendamento celebrado entre as partes vigorou durante 36 anos, desde Novembro de 1977 a Abril de 2013, tendo a renda sido fixada, inicialmente, em 1.000$00 (€ 5), valor que foi sendo actualizado, em datas não determinadas, até atingir, a partir de 01/01/2006, a cifra de € 38,94. O A. exerceu, ele próprio, a actividade de barbearia na loja locada, e, em Janeiro de 1994, cedeu a terceiro a exploração do referido estabelecimento, passando a receber do cessionário uma contrapartida sucessivamente aumentada, e, em qualquer caso, sempre superior ao valor da renda paga aos RR. A cessão de exploração terminou “por volta” de Outubro de 2011, por doença do cessionário.

       Quanto ao mais, foi provado: que, durante todo o tempo de vigência do contrato de arrendamento, não foram realizadas obras de manutenção e conservação no imóvel; que, da vistoria técnica de 12/06/2008, resultou a notificação da 1ª R. para proceder “aos trabalhos de estabilização e de protecção da coisa pública, bem como aos na cobertura de forma a suster a degradação dos prédios”, mas também que, dado o estado de degradação do prédio, “apenas a reconstrução total pode restituir ao imóvel as condições de habitabilidade e dignidade urbana do local”; que, por cartas registadas com AR de 15/03/2010 e 25/03/2010, o A. interpelou a 1ª R. para executar obras de reparação no prédio, para evitar infiltrações de água; e, finalmente, que “O arranjo total do telhado e respetiva impermeabilização, o revestimento e impermeabilização das paredes exteriores e a necessária substituição de, pelo menos, o pavimento do primeiro piso, que era o teto do R/C, seriam obras de avultado custo.

Entenderam as instâncias que – perante o teor da notificação da Câmara Municipal, na sequência da vistoria técnica de 12/06/2008 – se poderia questionar a subsistência da obrigação de realização de obras de conservação e manutenção por parte dos RR. senhorios aquando da primeira interpelação da 1ª R. pelo A. (por carta de 15/03/2010). Admitindo a subsistência de tal obrigação, consideraram verificar-se uma manifesta desproporção entre o valor da renda paga (que nunca ultrapassou a quantia de € 38,94) e o “avultado custo” das obras necessárias para recuperar a coisa locada, pelo que quer a exigência da realização de tais obras quer a pretensão do A. arrendatário em ser indemnizado pelos danos alegadamente sofridos em resultado da sua não realização configuram situações de exercício abusivo do direito nos termos do art. 334º do Código Civil.

Vejamos.

A constituição em mora no cumprimento do dever legal de realização de obras de conservação e manutenção exige a interpelação pelo credor, nos termos gerais do art. 805º, nº 1, do Código Civil. No caso dos autos, o A. interpelou a 1ª R. por cartas registadas com AR de 15/03/2010 e de 25/03/2010, exigindo a execução de obras de reparação no prédio, para evitar infiltrações de água.

Admitindo que, na data da primeira interpelação, a obrigação legal de realização de obras de conservação e manutenção ainda não se extinguira porque o facto de a notificação da 1ª R. pela Câmara Municipal, na sequência da vistoria técnica de 12/06/2008, para proceder “aos trabalhos de estabilização e de protecção da coisa pública, bem como aos na cobertura de forma a suster a degradação dos prédios”, incluir a indicação de que “apenas a reconstrução total pode restituir ao imóvel as condições de habitabilidade e dignidade urbana do local” não basta para provar a situação de ruína da loja locada, a decisão depende da apreciação do carácter abusivo ou não da exigência do cumprimento daquela obrigação.

A respeito da questão da proporcionalidade entre o valor das rendas pagas pelo arrendatário e o custo das obras a suportar pelo senhorio, constitui orientação reiterada deste Supremo Tribunal aquela que encontramos explanada nas seguintes palavras do acórdão de 05/02/2013 (proc. nº 1235/07.0TVPRT.P1.S1), in www.dgsi.pt: “Entre os campos de aplicação relevantes do abuso de direito, englobam-se as situações de desequilíbrio no exercício de posições jurídicas (António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português I – Pare Geral, Tomo I, 1999, p 221-212), que este Autor desdobra em três sub-hipóteses: a de exercício danoso inútil, a de exigir o que de seguida se deve restituir e a de desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem, equacionando-as nos seguintes termos: Trata-se duma fórmula antiga e intuitiva de abuso do direito: mercê de conjunções extraordinárias, ocorre um exercício jurídico, aparentemente regular, mas que desencadeia resultados totalmente alheios ao que o sistema poderia admitir, em consequência do exercício e acrescentando que a redução dogmática do desequilíbrio faz apelo, consoante as circunstâncias, ora ao princípio da confiança, ora ao da primazia da materialidade subjacente. O primeiro dá cobertura a actuações anormais e inesperadas, que se tornam danosas por apanhar desprevenidas as pessoas que contavam (justificadamente) com uma actuação mais comedida. O segundo reporta-se a exercício de puro equilíbrio objectivo. A lei considera verificado o abuso, prescindindo dessa intenção, bastando que a actuação do abusante, objectivamente, contrarie aqueles valores. Em suma, o direito não pode ser exercido de forma arbitrária, exacerbada ou desmesurada, mas antes de um modo equilibrado, moderado, lógico e racional. No que respeita ao direito do arrendatário à realização de obras pelo senhorio, considerando o cariz sinalagmático do vínculo contratual e não obstante o disposto nos arts. 1031º, al. b), do Código Civil, e 12º do RAU importa – por respeito ao princípio geral de direito do equilíbrio das prestações – que exige certa proporcionalidade entre os valores das obras e das rendas – cf. artigos 237º e 994º C. Civil (…). Havendo, assim, casos em que o valor ínfimo da renda se apresenta manifestamente insuficiente para que se possa exigir ao senhorio a realização de obras cujo montante ascende a valores elevados.” Cfr, no mesmo sentido, os acórdãos de 26/10/1999 (proc. nº 740/99), de 28/11/2002 (proc. nº 3436/02), de 11/10/2005 (proc. nº 2274/05), de 14/11/2006 (proc. nº 3597/06), de 24/05/2007 (proc. nº 582/07), de 24/05/2007 (proc. nº 1060/07), de 30/09/2008 (proc. nº 2259/08), de 20/01/2009 (proc. nº 3810/08), de 19/11/2009 (proc. nº 812/03.3TVPRT.S1) e de 11/12/2012 (proc. nº 655/06.2TBCMN.G1.S1), todos consultáveis na base dos sumários da jurisprudência cível in www.stj.pt; assim como os acórdãos de 16/12/2004 (proc. nº 3903/04), de 08/06/2006 (proc. nº 1103/06), de 31/01/2007 (proc. nº 4404/06) e de 02/06/2009 (proc. nº 256/09.3YFLSB), consultáveis in www.dgsi.pt.

      Vejamos se esta orientação – que se mantém válida perante o regime dos arts. 1031º, alínea b), 1074º e 1111º, nº 2, do Código Civil, aplicável ao caso dos autos – permite resolver a questão sub judice, tendo em conta que foi dado como provado que as obras necessárias teriam “custo avultado”, sem que o mesmo tivesse sido calculado.

Aquando da interpelação da 1ª R. para o cumprimento da obrigação (Março de 2010) tinham decorrido já 33 anos de vigência do contrato de arrendamento mediante o pagamento de renda fixada, inicialmente, em 1.000$00 (€ 5), valor que foi sendo aumentado, em datas não determinadas, até atingir, a partir de 01/01/2006, o montante de € 38,94. Tendo em conta que a renda paga pelo A. foi sempre inferior a € 500 por ano, seriam necessários mais de dez anos de renda para perfazer € 5000, valor que ainda assim, com elevada probabilidade, seria insuficiente para custear as obras necessárias.

Deste modo, pode concluir-se que, à data da constituição em mora, o custo das obras era já, com toda a probabilidade, muito avultado, pelo que a exigência de realização de tais obras configura um exercício abusivo do direito, nos termos do art. 334º do Código Civil.

Assim sendo, também a exigência de indemnização pelos alegados danos causados ao A. pela caducidade do contrato de arrendamento, resultante do incumprimento do dever de realização de obras de conservação e manutenção no locado, constitui uma exigência ilegítima, nos termos do mesmo art. 334º do Código Civil.

Esclareça-se que a circunstância de não terem sido realizadas as obras a que 1ª R. foi intimada pela Câmara Municipal de Viseu (na sequência da vistoria técnica de 12/06/2008) não obsta ao reconhecimento do carácter abusivo das pretensões do A., uma vez que, ao tempo da notificação camarária, verificava-se já grande desproporção entre o valor das rendas mensais (os indicados € 38,94) e o previsível custo avultado das obras indicadas pela Câmara Municipal (factos provados 18 e 19). Cfr., neste sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal de 20/01/2009, proc. nº 3810/08, in www.dgsi.pt.

          

9. Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se o acórdão recorrido.


Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 19 de janeiro de 2017


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Bettencourt de Faria

João Bernardo