Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
484/14.0T8LRS.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
RECTIFICAÇÃO
RETIFICAÇÃO
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 671.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 06-02-2014, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 28-04-2014, PROCESSO N.º 473/10.3TBVRL.P1-A.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 18-09-2014, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 21-10-2014;
- DE 08-01-2015, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 15-01-2015, PROCESSO N.º 266/10.8TBBRG.G1.S1;
- DE 30-04-2015, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 26-11-2015, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 01-12-2015, PROCESSO N.º 342/11.0TCGMR.G1.S1;
- DE 19-01-2016;
- DE 01-03-2016;
- DE 29-06-2017.
Sumário :
Sendo a fundamentação das decisões das instâncias coincidente entre si, está afastada a admissibilidade do recurso de revista por força da dupla conformidade de decisões, não relevando, para esse efeito, que a Relação tenha rectificado um ponto da factualidade provada quando tal rectificação nenhum reflexo teve na decisão de direito (art. 671.º, n.º 3, do CPC).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – RELATÓRIO

  

l. AA, Lda, com sede em T…, instaurou acção declarativa comum contra BB - Sociedade de Locação Financeira, S.A., e Imobiliária CC, S.A. alegando, em síntese:

É dona de um prédio urbano, sito em …, Castanheira do Ribatejo, e de um prédio rústico, sito também em …, Castanheira do Ribatejo, sendo que, por sua vez, é a 1ª Ré, também dona de outros 3 prédios [um rústico, e 2 mistos] sitos em C…, Castanheira do Ribatejo;

Ocorre que, em 9/7/2014, a 1a Ré e a 2da, celebraram um contrato de compra e venda dos referidos três prédios da primeira, pelo preço global de 950.000 euros;

A 1ª Ré, apesar de saber que a Autora dispõe do Dt° de preferência na referida venda, agiu porém de forma a que não lhe fosse permitido exercer o referido direito, maxime tendo por objecto um dos prédios vendidos e que é confinante com o pertencente à Autora.

Concluem pedindo:

A) Que se reconheça à Autora o direito de preferência sobre o prédio rústico identificado no art. 4° da petição inicial, substituindo-se à 2ª Ré na escritura de compra e venda, passando esta a ser considerada sua proprietária para todos os efeitos legais;

B) Que sejam as rés condenadas a entregarem o referido prédio à Autora, livre e desocupado;

C) Que seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que a 2ª Ré haja feito a seu favor em consequência da compra do supra referido prédio e outras que esta venha a fazer, com todas as demais consequências que couberem ao caso.


2. Regularmente citadas, contestaram ambas as rés, pugnando qualquer uma delas - no seguimento de impugnação motivada deduzida - pela improcedência da acção [considerando v.g. a 1ª Ré que, além de não se verificarem os pressupostos de facto do direito de preferência pela autora invocado, foi-lhe em todo o caso dada a possibilidade de o poder exercer, o que a autora descurou, desinteressando-se, e, aduzindo já a 2ª Ré que vedado estava à autora exercer o direito de preferência apenas relativamente a um imóvel, e, ainda assim, deixou caducar tal direito].

Concluem pedindo a improcedência da acção.


3. Designada a realização de uma audiência prévia, veio a mesma a realizar-se sem que no seu decurso tenha sido alcançada a conciliação da partes, razão porque se proferiu então o despacho saneador, tabelar, e concedeu-se às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a pertinência de a acção poder de imediato [sem a realização de julgamento] ser decidida no sentido da respectiva improcedência, dispondo pretensamente os autos dos elementos para tanto necessários.

De seguida foi proferida sentença que decidiu o seguinte:

«Face ao exposto, julgo a presente acção improcedente por ter ocorrido a caducidade do direito de exercer a preferência, absolvendo as rés de todos os pedidos formulados pela autora.

Custas pela autora, nos termos do art° 527°/1 e 2 do CPC, dado o total decaimento na acção».


4. Inconformados, apelou a Autora AA, Lda para o Tribunal da Relação de …, que, por Acórdão de 8 de Junho de 2017, decidiu «Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes na 6a Secção Cível, do Tribunal da Relação de …, em, não concedendo provimento ao recurso interposto por AA, LDA:

7.1. - Introduzir alterações na decisão de facto proferida pela primeira instância;

7.2 - Manter/confirmar, ainda assim, e in totum, a sentença recorrida.

As Custas na apelação são a suportar pela Autora apelante».


5. Inconformada a Autora AA, Lda, interpôs RECURSO DE REVISTA para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:

I - O douto acórdão do Tribunal a quo alterou a matéria de facto constante da alínea 2.6, acrescentando o seguinte: "(...) da Autora - de nome DD (...).".

II - Sucede, portanto, que o entendimento, por parte do douto Tribunal a quo, de que este funcionário é um funcionário da Autora altera totalmente a fundamentação da decisão.

III - Pois tal entendimento tem consequências directas na decisão sobre a recepção da comunicação por parte da Autora, não obstante estar totalmente incorrecto.

IV - Portanto, não se pode entender que a fundamentação seja igual, nos termos do artigo 671 °/3 do NCPC, inexistindo dupla conforme.

V - Nas suas alegações de recurso para o douto Tribunal da Relação de …, a Autora requereu que a matéria de facto fosse alterada para passar a constar do facto n° 5 que "A Autora tem a sua sede na Rua …, n° …, 8800-Tavira, onde se encontra instalado o gabinete de contabilidade, bem como o gabinete de contabilidade de mais de 150 outras entidades" e que constasse do facto n° 6 que "No dia 11 de Março, foi recepcionada por DD, funcionário do gabinete de contabilidade situado na Rua …, n° …, 8800-Tavira, a carta registada enviada pela 1a Ré nos termos constantes de fis. 41 a 43, os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos", não tendo sido requerida pelas Rés qualquer alteração a nível de matéria de facto.

VI - Contudo, sem que tal fosse objecto de recurso, o douto Tribunal a quo decidiu alterar o facto n° 6 para ""A/o dia 11 de Março de 2014, na Rua …, n° …, Tavira, foi recepcionada por um funcionário da Autora - de nome DD – a carta registada enviada pela 1a Ré e com o conteúdo de fis. 41 a 43, os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos".

VII - Esta alteração da matéria de facto, no sentido em que foi alterada, por parte do douto Tribunal a quo não só não foi requerida por qualquer das partes, como nunca poderia ocorrer, tendo em conta a prova produzida.

VIII - Nos termos do artigo 615°, n° 1, alínea d), segunda parte, do Código de Processo Civil ex vi artigo 666° do mesmo Código, terá de se considerar o Acórdão como nulo por excesso de pronúncia, dado que, em vez de ter considerado as alegações das partes em relação à alteração da matéria de facto suscitada, alterou a matéria de facto em sentido totalmente diverso, sem ter, sequer, qualquer prova que consubstancie essa decisão.

IX - Como consta dos factos assentes, a escritura celebrada entre a 1a e a 2a Ré ocorreu no dia 9 de Julho de 2014, tendo sido referido na carta enviada à Autora que a escritura ocorreria a 26 de Março de 2014, facto que não consta dos factos assentes, mas deveria constar (sendo todavia referido nos fundamentos de direito).

X - Alegou a Autora, nos autos, que, havendo alteração das cláusulas contratuais, no que toca às condições de pagamento do preço (preço a pagar no acto de escritura, que ocorreu cerca de 3 meses mais tarde), esta teria de ser notificada, pois, com esta alteração, a Autora poderia ter exercido o seu direito de preferência, que não exerceu.

XI - Mas tal não foi apreciado pelo douto Tribunal de primeira instância, referindo-se apenas, de forma breve, na fundamentação de direito, que a escritura estava prevista para 26 de Março de 2014,o que implicou nulidade da sentença, nos termos do artigo 615°, n° 1, alínea d) do Código de Processo Civil.

XII - Violando essa disposição, entendeu o douto Tribunal a quo que a sentença não padece de nulidade por omissão de pronúncia.

XIII - Ora, o que está aqui em causa não é a mera omissão de um facto, mas o incumprimento dos requisitos do artigo 416° do Código Civil, por parte da 1ª Ré, que não avisou que o contrato seria celebrado três meses após a data que tinha sido comunicada à Autora, sendo essa uma questão jurídica que deveria ter sido apreciada pelo douto Tribunal de primeira instância.

XIV - Não tendo por isso razão o douto Tribunal a quo, ao entender que inexiste nulidade da sentença.

XV - Por outro lado, entendeu o douto Tribunal de primeira instância, nos termos do artigo 595°, n° 1 b) do Código de Processo Civil, em sede de despacho saneador, que já se encontrava em posição de conhecer do mérito da causa, não tendo havido lugar a produção de prova, sendo que, neste caso, se estava perante questões controvertidas, nomeadamente se a carta foi correctamente expedida, recebida pelo correcto destinatário, se o foi em condições de ser por ele conhecida e a tempo de este exercer o seu direito de preferência.

XVI - Todavia, não só não foi permitida a produção de prova, como o douto Tribunal de primeira instância tomou posição sobre questões que não poderia ter conhecido, sem provas, entre as quais a questão relativa à recepção da comunicação relativa à preferência.

XVII - Veio, posteriormente, o douto Tribunal a quo alterar sem qualquer base na prova a matéria de facto, entendendo, com base numa pretensa confissão que nunca existiu, que o funcionário que assinou o aviso de recepção é funcionário da Autora, mais uma vez sem qualquer prova existente nesse sentido.

XVIII - O funcionário em causa não é subalterno da Autora e não é humanamente possível que este soubesse imediatamente se a entidade destinatária do aviso faz parte das mais de 150 entidades que o gabinete de contabilidade gere, sendo perfeitamente possível que este assine qualquer aviso destinado a pessoas colectivas que seja recepcionado naquela morada.

XIX - Não tendo sido ouvido o funcionário que recepcionou a carta, em sede de julgamento, que poderia ter esclarecido o Tribunal a quo sobre os termos em que recepcionou a carta, o tempo que demorou a entregar a carta ao destinatário e o motivo pelo qual tal ocorreu, não poderia o Tribunal de primeira instância conhecer desta questão, pois inexistia qualquer prova.

XX - Ao contrário do que entende o douto Tribunal a quo, não estamos perante mero erro de julgamento, mas perante uma nulidade de sentença, nos termos do artigo 615°, n° 1, alínea d), segunda parte, pois a insuficiência de prova é de tal forma gritante que não poderia haver qualquer possibilidade de o douto Tribunal de primeira instância tomar uma decisão.

XXI - Portanto, terá de se entender que a sentença é nula, tendo o douto Tribunal de primeira instância tomado conhecimento de questões que não poderia ter tomado, nesta fase, devendo essa nulidade ter sido decretada pelo Tribunal da Relação, não o tendo feito sem justificação suficiente.

XXII - Não havendo qualquer em termos jurídicos para se ter julgado improcedente a acção.

XXIII - Em primeiro lugar, embora o douto Tribunal a quo entenda que a Autora não declarou a sua intenção de preferir, recorde-se que a Autora não preferiu, porque não recebeu a carta em questão em tempo útil, sendo que é perfeitamente claro que uma carta erroneamente remetida terá dificuldades em chegar ao seu destinatário, caso chegue.

XXIV - Foi precisamente o caso quando a carta foi recebida por um funcionário do gabinete de contabilidade que não é, ao contrário do que referiu o Tribunal a quo, funcionário da Autora.

XXV - Naturalmente que, havendo erro por parte da 1a Ré na indicação do nome da Autora, nunca se poderia entender que a culpa da não recepção da carta em tempo útil é da Autora.

XXVI - A argumentação de que qualquer declaratário normal compreenderia que Isidora deveria corresponder a AA está assente numa suposição de um vínculo laboral entre a Autora e o receptor da comunicação, que já se referiu não existir, não sendo assim caso de aplicação do art. 236° do Código Civil.

XXVII - Não se pode, por isso, considerar que a carta foi recebida oportunamente pela Autora, nem se pode entender que esta foi culpada de não a receber, quando estava erroneamente remetida, sendo, portanto, a declaração ineficaz, nos termos do artigo 224°, n°3, do Código Civil.

XXVII - Embora seja referido pela 1a Ré o preço de cada prédio, trata-se claramente de uma venda conjunta, como vem expressamente mencionado (e sublinhado) na comunicação enviada por esta, portanto, não haveria hipótese de a Autora ter exercido o seu direito de preferência, pois existe um condicionamento indevido do mesmo, o qual não é permitido pelo art 417o, n°1, do Código Civil.

XXVIII - Tendo ficado claro nos autos que inexistia qualquer prejuízo na separação dos imóveis, não poderia o douto Tribunal a quo ter entendido que não existia um condicionamento indevido do direito de preferência.

XXIX - Na verdade, se estamos perante uma declaração expressa e inequívoca por parte da 1a Ré de que a venda apenas se concretizaria em conjunto e por um preço global, nunca se poderia entender que era possível à Autora preferir apenas por um dos imóveis.

XXX - Deveria, por isso, o Tribunal ter concluído existir uma violação do artigo 417°, n° 1 do Código Civil, que condicionava a possibilidade de ser exercida a preferência por parte da Autora.

XXXI - Por outro lado, a partir do momento em que a venda dos imóveis é realizada em condições de pagamento diferentes das referidas na carta e a Autora não é notificada desta alteração (3 meses de diferença na data de escritura, e, consequentemente, de pagamento), já não se pode entender que estejam cumpridos os requisitos do artigo 416° do Código Civil.

XXXII - A 1a Ré alterou elementos essenciais do projecto de venda, após a comunicação enviada à Autora, elementos esses que tinham grande relevância numa eventual preferência por parte da Autora.

XXXIII - Na verdade, tendo a escritura sido celebrada três meses após a data comunicada à Autora, a existência deste "tempo extra" poderia ter levado a que a Autora conseguisse arranjar financiamento adicional e, por conseguinte, exercesse o seu direito de preferência.

XXXIV - O Acórdão recorrido não fez integral e correcta aplicação da lei, pelo que deverá ser revogado.

Conclui pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso, considerando procedente a acção e condenando as recorridas.


5. A Recorrida BB - Sociedade de Locação Financeira, S.A, apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:

1. A Recorrente sustenta a admissibilidade do recurso na inexistência de Dupla Conforme, louvando-se no facto de Tribunal a quo ter procedido a uma alteração da matéria de facto -Conclusões UM a QUATRO das alegações ex adverso;

2. Para além disso, a Recorrente não sustenta a admissibilidade do seu recurso em qualquer das alíneas do artigo 672º do CPC; assim, improcedendo esse fundamento do Recurso, este não poderá subsistir, por inadmissibilidade;

3. A referida alteração da matéria de facto não releva para efeitos da apreciação da Recorribilidade das decisões (nesse sentido, cfr. o Ac. STJ de 29.6.17, Processo 398/12.8TVLSB.L1.S1, Relator Conselheiro António Piçarra (in www.dgsi.pt);

4. A alteração da matéria de facto contida no Acórdão em crise não redundou numa fundamentação diferente da contida na decisão proferida em 1ª instância; o fundamento da decisão continua a ser a perfeição da declaração negocial expedida pela ora Recorrida e o seu conhecimento - com a configuração referida no Acórdão recorrido - pela Recorrente;

5. A alteração da matéria de facto contida no Acórdão em crise não redundou numa fundamentação essencialmente diferente da contida na decisão proferida em 1ª instância;

6. O legislador não se bastou, para definir a (in) existência de dupla conforme, com a total similitude dos fundamentos, exigindo que a fundamentação fosse "essencialmente" diferente, e tornando irrelevante qualquer diferença na fundamentação que não fosse "essencial";

7. O que é essencial é que o novo fundamento não contrarie o precedente e seja com ele coerente: se o Tribunal de recurso aduz um novo argumento compatível e coerente com o primeiro ou usa um percurso cognoscitivo diverso do usado na decisão da primeira instância para alcançar a mesma conclusão jurídica, então deverá entender-se que a fundamentação é essencialmente idêntica e, consequentemente, que existe dupla conforme e o recurso é inadmissível;

8. Procedendo diversamente, o intérprete violaria o comando interpretativo constante do artigo 9Vl do Código Civil, frustrando a redução do número de recursos para o STJ, inegável intenção do legislador;

9. No caso, é absolutamente indiferente para a improcedência da ação (e do recurso) que a pessoa que recebeu a notificação seja funcionário da Autora ou "empregado num gabinete de contabilidade onde se gere a contabilidade de mais de 150 entidades, entre as quais a Autora." - o que é essencial notar é que, independentemente do vínculo jurídico que ligue a Autora/ Recorrente ao referido Senhor DD, a notificação foi expedida para a sede social e aí foi rececionada;

10. A alteração da matéria de facto não constitui nenhuma alteração, muito menos essencial, dos fundamentos da decisão de primeira instância, porque a notificação continha todos os requisitos do negócio e chegou ao conhecimento do seu destinatário, porquanto foi expedida para a respetiva sede social;

11. O presente Recurso de Revista é inadmissível;

12. Quando reaprecia a matéria de facto - e o facto em causa foi impugnado pela Recorrente -, o Tribunal pode lançar mão da prerrogativa constante do n9l do artigo 6629 do CPC, não ficando espartilhado, na sua decisão, pelo sentido da alteração propugnada pelo Recorrente (e/ ou pelo Recorrido);

13. Inexiste, portanto, qualquer excesso de pronúncia na decisão recorrida;

14. A procedência da arguida nulidade por excesso de pronúncia teria como consequência a manutenção do facto dado como provado sob o n- 6 porquanto, nesse caso, improcederia in totum a impugnação da matéria de facto;

15. Este alegado fundamento de anulação é incompatível com a existência de outros (alegados) fundamentos do recurso: se a Recorrente entende que o Acórdão é nulo por excesso de pronúncia, então haveria que ter concluído que i) na procedência da arguição de nulidade, haveria dupla conforme e, portanto, o recurso seria inadmissível (até porque, como supra se notou, não foram invocados fundamentos de revista excecional) e ii) na improcedência da arguição de nulidade, os factos seriam mantidos inalterados (porque o Acórdão é claro acerca das razões pelas quais não se pode dar como provado o que a Apelante pretendia - que o Sr. Manjua era funcionário do gabinete de contabilidade) e, portanto, existindo dupla conforme, o recurso seria inadmissível (até porque, como supre' se notou, não foram invocados fundamentos de revista excecional);

16. Todos os demais argumentos contidos nas alegações ex adverso estão abrangidos pela Dupla Conforme;

17. Inexiste qualquer vício do Acórdão recorrido quanto à questão do adiamento da escritura;

18. A discordância da Recorrente com esse segmento da Decisão - que refere que a questão do adiamento da escritura "deveria ter sido apreciada pelo Tribunal de 1^ Instância" e que não tem "razão o douto Tribunal a quo, ao entender que inexiste nulidade da sentença." - não é fundamento de recurso de Revista;

19. Tendo sido considerado que a notificação para a preferência foi recebida no dia 11, a Recorrente haveria de ter manifestado a sua intenção para preferir até ao dia 19.7.14. Daí que, não o tendo feito, o seu direito caducara logo nesse dia, sendo irrelevante (uma vez que foram mantidos todos os elementos essenciais do negócio) todos os eventos supervenientes à data em que, ope legis, operou a caducidade do direito. Assim, é a própria matéria de facto - e o entendimento jurídico que o Tribunal dela extraia - que torna absolutamente inútil o conhecimento da questão do adiamento da escritura;

20. Apesar de a Recorrente não retirar qualquer consequência jurídico-processual destas suas considerações, a Recorrida fará apenas notar que mesmos que estas suportassem - e não suportam - um recurso procedente, o mesmo estaria vedado em virtude de a Recorrente ter sustentado a admissibilidade do recurso apenas no (improcedente) argumento da nulidade da alteração da matéria de facto pelo Tribunal a quo;

21. A Recorrente não extrai quaisquer consequências quanto a vícios constantes do Acórdão em crise, limitando-se a referir que a "sentença é nula, tendo o Douto Tribunal de primeira instância tomado conhecimento de questões que não podia ter tomado, nesta fase" e que o Tribunal de 1ª Instância tomou "posição sobre questões que não poderia ter conhecido, sem provas";

22. Sobre a questão de saber se o processo continha todos os elementos factuais necessários à prolação da Decisão já se pronunciaram o Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal da Relação, em sentido exactamente convergente;

23. A Decisão é, pois, nessa parte, insusceptível de recurso - CPC, artigo 6715/3;

24. Ao STJ está vedado o conhecimento da matéria de facto e que, portanto, o recurso seria inadmissível, na parte em que o recurso implica a respectiva alteração;

25. Atenta a existência de Dupla Conforme, é inadmissível o recurso sobre a matéria da perfeição da comunicação e seu conhecimento pela Recorrente, não podendo a Recorrida discutir recursoriamente a interpretação jurídica que as instâncias extraíram dos factos;

26. Estando provado que a comunicação foi expedida para a sede da Autora/ Recorrente, a questão da culpa tem uma relevância muito residual, só importando para se constatar que o comportamento da Recorrente viola claramente o seu dever de boa-fé, porque não é razoável, em função da experiência de vida, que a Recorrente concebesse que a notificação não lhe era dirigida - tanto mais que, mesmo na sua alegação, foi dado conhecimento da referida notificação à administração;

27. Para qualquer pessoa eivada de boa-fé, o lapsus calami só teria relevância se tivesse determinado a Recorrente a rejeitar a notificação; quando, apesar do lapsus calami, a Recorrente recebe a notificação, é por demais evidente que só a Recorrente pode ser responsabilizada por esse eventual atraso na tomada de conhecimento da notificação para a preferência - sibi imputei;

28. No que diz respeito à matéria de o Recorrido, obrigado à preferência, pretender proceder à venda conjunta dos prédios, a discordância da Recorrente limita-se à sua interpretação do artigo 4179 do Código Civil, pelo que haverá que concluir, nesta parte, que, atenta a existência de Dupla Conforme, não pode a Recorrente discutir recursoriamente a interpretação jurídica que as instâncias extraíram dos factos;

29. Sublinhe-se, ainda assim, que a condição é válida - admitida pela lei, no artigo 4172 cj0 Código Civil e por abundante Jurisprudência - mas que, ademais, a Recorrente nunca manifestou qualquer intenção de adquirir apenas um dos prédios, que era condição sine qua non para que uma eventual preferência parcial pudesse operar juridicamente;

30. O mesmo se diga quanto ao último dos argumentos desenvolvidos pela Recorrente (a questão de o pagamento ter sido feito em altura diversa da contida na notificação para a preferência} - esse argumento, é, no essencial, o mesmo do usado acerca do adiamento da escritura e ignora que se encontra provado que a notificação para a preferência foi recebida no dia 11 e que, portanto, a Recorrente haveria de ter manifestado a sua intenção para preferir até ao dia 19.7.14. Daí que, não o tendo feito, o seu direito caducara logo nesse dia, sendo irrelevante {uma vez que foram mantidos todos os elementos essenciais do negócio) todos os eventos supervenientes à data em que, ope legis, operou a caducidade do direito;

Conclui pedindo que o recurso interposto seja considerado inadmissível ou, caso assim não se entenda, totalmente improcedente.


7. O Tribunal da Relação admitiu o recurso (fls. 386), tendo-se pronunciado igualmente sobre as nulidades invocadas.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO


Foram dados como provados os seguintes factos:

1. Pelo tribunal de 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:

A) Está inscrito na Conservatória do Registo Predial a favor da autora o direito de propriedade sobre o prédio urbano, sito em …, 2600¬600, Castanheira do Ribatejo, inscrito na matriz sob o art.° 1…5 e do prédio rústico, sito em …, Castanheira do Ribatejo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, sob o n° 1…9 e inscrito na matriz sob o art.° 37.

B) Esteve inscrito na Conservatória do Registo Predial a favor da 1ª Ré o direito de propriedade sobre o prédio rústico, sito em C…, Castanheira do Ribatejo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, sob o n° 9…1 e inscrito na matriz sob o art.° 47, do prédio misto, sito em C…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, sob o n° 4…0 e inscrito na matriz sob os art°s 17 e 911 e do prédio misto, sito em Casal …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, sob o n° 2…4 e inscrito na matriz sob os art°s 2 e 409.

C) No dia 9 de Julho de 2014, foi celebrado, por escritura pública, contrato de compra e venda dos três prédios acima referidos, entre a 1a e a 2a Ré, pelo preço global de 950.000 euros.

D) O prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, sob o n° 9…1 e inscrito na matriz sob o art.° 47 é confinante a sul com o prédio rústico da Autora.

E) A Autora tem a sua sede na Rua … n° …, 8800-, Tavira, onde se encontra instalado o gabinete de contabilidade.

F) No dia 11 de Março de 2014, foi recepcionada por um funcionário a carta registada enviada pela 1a Ré nos termos constantes de fls. 41 a 43, os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos.

G) A carta identificada em 2.6. tem o seguinte teor :

BB

Sociedade de: Locação Financeira. S.A.

Rua …, … 1250 - Lisboa

Exmo (a/s). Senhor (ales)

AA, Lda

Rua …, … - R/C

880-Tavira

Registada com Aviso de Recepção

Lisboa, 7 de Março de 2014

Assunto: Notificação para exercício do direito de preferência

Compra e venda de imóveis situados em Casal …,

C…. - Areias de Baixo e C…, freguesia de

Castanheira do Ribatejo, concelho de Vila Franca de Xira

Exmo(a/s). Senhor(a/es),

Serve a presente para informar V. Exa. (s) que, com a entidade infra identificada, decorreram negociações - entretanto já concluídas - para a venda conjunta que pretendemos efectuar dos imóveis adiante melhor identificados e de que esta sociedade é dona e legítima proprietária.

A venda dos imóveis em conjunto é, pois, um elemento essencial do negócio, não estando esta sociedade na disposição de vender os imóveis em separado.

a) Negócio objecto da preferência: Venda, em conjunto, dos imóveis seguidamente melhor identificados:

1. Prédio misto situado em Casal …, freguesia de Castanheira do Ribatejo, concelho de Vila Franca de Xira, composto de pomar de laranjeiras e dependência agrícola, casa de rés-do-chão, destinada a habitação, com área total de 15.360 m2, área coberta de 112 m2 e área descoberta de 15.248 m2, descrito na la Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira sob o número 9…4, da dita freguesia, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2, secção O e artigo 205.

2. Prédio misto situado em C… - Areias de Baixo, freguesia de Castanheira do Ribatejo, concelho de Vila Franca de Xira, composto por pomar misto, casa para habitação e dependência, com área total de 8.920 m2, área coberta de 108 m2 e logradouro de 212 m2, descrito na 1 a Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira sob o número 7…6, da dita freguesia, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 17, secção N e artigo 731.

3. Prédio rústico situado em C…, freguesia de Castanheira do Ribatejo, concelho de Vila Franca de Xira, composto por pomar de laranjeiras, oliveiras, nespereiras e dependência, com uma área total de 9.800 m2, descrito na 1 a Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira sob o número 4…2, da dita freguesia. e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 47, secção N.

b) Identificação do comprador: Imobiliária CC, SA, NIPC 5…9, com sede na R.do … N°…, em Vale Casal, 2665- Milharado.

c) Preço global: EUR 950.000,00 (novecentos e cinquenta mil euros), sendo EUR 609.995,00 (seiscentos e nove mil novecentos e noventa e cinco euros) relativos ao prédio misto melhor identificado no ponto 1 da alínea a); EUR 61.275,00 (sessenta e um mil duzentos e setenta e cinco euros) relativos ao prédio misto melhor identificado no ponto 2 da alínea a); EUR 278.730,00 (duzentos e setenta e oito mil setecentos e trinta euros) relativos ao prédio rústico melhor identificado no ponto 3 da alínea a).

d) Condições de Pagamento: O preço total referido na alínea c) anterior, será pago pela totalidade na data da realização da escritura/titulo de compra e venda, por cheque bancário à ordem do vendedor.

e) Escritura pública/Título de compra e venda: Obtidas as autorizações necessárias à outorga da competente escritura pública, nomeadamente, junto da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira e do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (IGESPAR) e/ou nenhum preferente legal exerça o seu direito, alo escritura pública/titulo de compra e venda deverá realizar-se no dia 26 de Março de 2014, pelas 1100 Horas, no Cartório Notarial da Dra. EE, sito na Rua …, N°…, em Lisboa.

f) Despesas: Todas e quaisquer despesas inerentes à transmissão da propriedade dos prédios mistos e rústico, acima melhor identificados, nomeadamente, despesas com a escritura pública/titulo da compra e venda, imposto municipal sobre transmissões onerosas de imóveis, emolumentos notariais ou equivalentes e de registo, provisório e/ou definitivo, da aquisição a favor dos compradores, são da exclusiva responsabilidade do comprador.

Reitera-se que os imóveis apenas serão vendidos em conjunto, não sendo pois admissível o exercício da preferência relativamente a cada um dos imóveis em separado.

Por último, informarmos que, no caso de V. Exa(s). pretender(em) exercer o direito de preferência na compra dos prédios acima melhor identificados, nos exactos termos supra indicados, deverão comunicar essa V/decisão, por escrito, a esta sociedade, para a morada indicada infra, no prazo máximo de oito dias de calendário contados da data de recepção da presente.

- Endereço para efeitos do envio da comunicação de preferência:

BB - Sociedade de Locação Financeira, S.A.

Att. FF

Av. …., N° … - 4°Piso

1250-Lisboa

Com os melhores cumprimentos ".

No Tribunal da Relação o Ponto F) foi alterado tendo-se decidido que «tendo presente a alegação da apelante inserta do art° 7° da petição inicial, e, bem assim, a confissão da 1ª Ré [constante dos ares 19° e 20°] e a ausência de impugnação da 2a Ré , aceita-se tão só que deva o mesmo passar a ter a seguinte redacção:

" No dia 11 de Março de 2014, na Rua …, n° …, Tavira, foi recepcionada por um funcionário da autora - de nome DD - a carta registada enviada pela 1° Ré e com o conteúdo de fls. 41 a 43, os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos"».


III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO


Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.


A) O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação da Recorrente, artigo 635 do Código de Processo Civil.

Lendo as alegações de recurso bem como as conclusões formuladas pela Recorrente a questão concreta de que cumpre conhecer é apenas a seguinte:


1ª- O acórdão recorrido é nulo, nos termos do artigo 615.°, n.º 1, alínea d) do CPC?

2ª- Não havia qualquer justificação jurídica para se ter julgado a acção improcedente?


B) Todavia importa decidir a questão prévia da admissibilidade (ou não) da presente revista.


Vejamos

1 - O Acórdão da Relação confirmou sem qualquer voto de vencido e com idêntica fundamentação a decisão da 1ª instância.

É certo que foi rectificado o facto constante do ponto 2.6 da matéria de facto.

Essa correcção da factualidade provada teve por base e como fundamentação a confissão da 1ª Ré no seu articulado e a ausência de impugnação da 2ª ré.

Tratou-se de uma rectificação/alteração da matéria de facto provada, pois que a essencialidade do facto – a recepção da carta registada – manteve-se inalterada.

2 - Nos termos do artigo 671 n.º 3 do CPC «Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância».

Com a «dupla conforme» o legislador pretendeu restringir o recurso às questões de direito que tenham merecido respostas diversas das instâncias, ou nas quais se tenha verificado um voto de vencido.

Para se verificar a «dupla conforme» necessário é que o acórdão recorrido confirme a decisão da 1ª instância sem voto de vencido, com fundamentação que não seja essencialmente diferente.

A lei não nos diz o que é uma «fundamentação essencialmente diferente».

Trata-se de um conceito indeterminado que a jurisprudência terá de preencher.

Várias têm sido as decisões já proferidas pelo STJ sobre esta questão, cfr. a decisão singular, de 28.04.2014, proferida no processo nº 473/10.3TBVRL.P1-A.S1; Ac. STJ de 18 de Setembro de 2014; de 06 de Fevereiro de 2014; de 08 de Janeiro de 2015; de 30 de Abril de 2015 e de 26 de Novembro de 2015, todos in www.dgsi.pt.

Como se refere no Ac. de 06 de Fevereiro de 2014 supra referido «as decisões das instâncias são conformes se as respectivas fundamentações, apesar de distintas, não forem essencialmente diferentes. Assim, nem toda a desconformidade exclui a conformidade, ou seja, nem toda a desconformidade é uma não-conformidade».

Importa saber se o Acórdão da Relação que confirmou, sem qualquer voto de vencido, a decisão de primeira instância tem ou não uma fundamentação essencialmente diferente, pois que apenas nessa hipótese - do acórdão recorrido apresentar uma fundamentação essencialmente diferente – é que poderá o recurso ser admitido como revista normal.

Ora, confrontando a sentença de 1ª instância e o acórdão recorrido, podemos concluir que a sua fundamentação é coincidente.

Recorde-se que, a decisão da 1ª instância é um saneador-sentença que, por ter entendido que se verificava a caducidade do direito de exercer a preferência, julgou a acção improcedente sendo que o Acórdão recorrido afirma igualmente que «verifica-se com segurança a excepção de caducidade do direito que a apelante pretendia fazer valer».

Os fundamentos da improcedência da acção são os mesmos numa e noutra decisão, ainda que uma não seja uma cópia perfeita da outra, podendo ter outra argumentação (o que não se traduz em fundamentação essencialmente diferente).

3 - Num ponto as decisões em causa são distintas pois que o Acórdão recorrido rectificou a factualidade provada, muito concretamente o ponto 2.6.

Será esta alteração/correcção suficiente para se poder afirmar que a fundamentação é «essencialmente diferente» em ambas as decisões?

Entendemos que não.

No sentido de que a simples alteração ou rectificação de uma resposta a um artigo da matéria de facto é despicienda para efeitos da qualificação como «fundamentação essencialmente diferente» alinha-se a jurisprudência do STJ, neste sentido Ac. do STJ de 21.10.2014.

Efectivamente a fundamentação essencialmente diferente tem subjacente a ideia de que nas decisões em confronto se trilhou um caminho distinto e diferente para se chegar à mesma decisão.

Ora, não é o que sucede quando se verifica uma simples rectificação/alteração da matéria de facto sem qualquer relevância na decisão de direito.

Como se refere no Acórdão do STJ de 29.06.2017, desta mesma secção, citado nas contra-alegações «III - Não releva, para este efeito, a alteração factual operada pela Relação, pois que conhecendo, em regra, o STJ de matéria de direito (arts. 46.º da Lei n.º 62/2013, de 26-08, e 682.º, n.os 1 a 3, do CPC), «os elementos de aferição das aludidas “conformidade”ou “desconformidade” das decisões das instâncias (os chamados elementos identificadores ou diferenciadores) têm de circunscrever-se à matéria de direito (questões jurídicas); daí que nenhuma divergência das instâncias sobre o julgamento da matéria de facto seja susceptível de implicar, a se, a “desconformidade” entre as decisões das instâncias geradora da admissibilidade da revista. Tal “desconformidade” terá sempre de reportar-se a matérias integradas na competência decisória (ou seja, nos poderes de cognição) do STJ».

Ainda no mesmo sentido veja-se o Ac. do STJ de 15-01-2015 Revista n.º 266/10.8TBBRG.G1.S1 - 2.ª Secção, «I - O facto de, no acórdão recorrido, se ter procedido à modificação da matéria de facto não impede a verificação da dupla conforme, se tal não teve qualquer implicação ao nível da motivação jurídica. II - ……..III - Tendo o acórdão recorrido operado uma alteração da matéria da facto que não influiu na decisão de mérito e condenado a ré em quantia inferior àquela que constava da sentença apelada, impõe-se a rejeição do recurso por verificação de dupla conforme»; Ac. do STJ de 01-12-2015 - Revista n.º 342/11.0TCGMR.G1.S1 - 6.ª Secção «Ocorre dupla conformidade, impeditiva da admissibilidade do recurso de revista-regra, entre as decisões das instâncias que, partindo dos factos provados, consideram o acidente imputável, com culpa exclusiva, ao peão atropelado, e afastam a responsabilidade pelo risco, sendo irrelevante a modificação de facto operada pelo tribunal da Relação»; Ac. do STJ de 19-01-2016 «III - Reportando-se a fundamentação jurídica, a diferença essencial não se verifica só porque a Relação alterou a decisão proferida sobre a matéria de facto na 1.ª instância»;

A alteração/rectificação da matéria de facto no acórdão recorrido não se traduziu numa fundamentação essencialmente diferente obstativa de se verificar a dupla conforme, sendo certo que, como se afirma no Ac. do STJ de 01-03-2016 «O requisito de recorribilidade previsto no art. 671.º, n.º 3, do NCPC (2013), obstativo da dupla conformidade, não decorre do facto da decisão confirmatória da 2.ª instância conter fundamentação diferente, exige-se que seja "essencialmente diferente”».

Para que não se verificasse a «dupla conforme» necessário seria que a fundamentação do Acórdão fosse na sua natureza, na sua substancialidade, diferente da decisão da 1ª instância.

No fundo, para haver fundamentação diversa era necessário que a Relação se tivesse movimentado num quadro normativo distinto do da 1ª instância.

O que não sucede.

Desta forma entendemos que a fundamentação em ambas as decisões é idêntica, pelo que não se mostra preenchida a condição «fundamentação essencialmente diferente» de admissibilidade da revista, pelo que nos termos do artigo 671 n.º 3 do CPC não é possível conhecer-se do objecto da revista, que não se admite.

Nestas condições, rejeita-se o interposto recurso.


III – DECISÃO


Pelo exposto, e pelos fundamentos apontados, rejeita-se o presente recurso de revista.

Custas pela Recorrente.  


Lisboa, 08 de Março 2018


José Sousa Lameira (Relator)

Hélder Almeida

Maria dos Prazeres Beleza