Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2601/19.4T8BRG.G1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
DISCRICIONARIEDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
CRITÉRIO DE QUANTIFICAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 10/19/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - O juízo prudencial e casuístico de equidade firmado nas instâncias deve, por regra, ser mantido, salvo se o julgador não se tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade.

II - A equidade praticada ou a praticar não pode afastar-se de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que se entende, generalizadamente, deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística para não abalarem a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade, não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso.

III - Respeita os imperativos de equidade uma indemnização por danos morais no montante de € 45 000,00, de acordo com a jurisprudência e seu sentido evolutivo, que atendeu à circunstância de o autor, de 44 anos de idade, pessoa saudável, que por força do acidente esteve dois anos de baixa médica dos quais 22 dias em internamento hospitalar contínuo, sofreu dores quantificáveis no grau 5, que ao nível do pé/tornozelo direito se manterão para o resto da vida , um dano estético quantificado no grau 3, e ficou com um défice funcional permanente de 15 pontos não mais deixando de claudicar.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



Relatório

O Recorrente intentou a presente acção de condenação, sob processo comum, contra a Recorrida, pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos e que computa em 97.812,86 Euros, a acrescer de juros de mora a contar da citação e até efectivo e integral pagamento.

Mais pedia que a ré fosse condenada a pagar as despesas com a readaptação do seu veículo automóvel, ou, caso não fosse possível, a custear a aquisição de veículo adaptado, a liquidar em execução de sentença e ainda a suportar os custos médicos, medicamentosos e com eventuais intervenções cirúrgicas futuras relacionados com as consequências do acidente, a liquidar em execução de sentença.

A 19.12.2020 a ré seguradora informou que assumia que a responsabilidade pela eclosão do acidente, sob a forma de atropelamento do autor, se deveu à culpa única e exclusiva do condutor do veículo seguro. – cfr. fls. 125 e 125 verso.

Por despacho proferido a 22.01.2020 decidiu-se, em consequência, que não importando discutir a culpa, ficava prejudicada a prova indicada ao tema da prova 4.2. al. a), respeitante à dinâmica do atropelamento.

A 3.11.2020 foi junta a sentença proferida no âmbito do processo de acidente de trabalho n.º 1290/18….., devidamente transitada em julgado por não ter sido interposto recurso da mesma. – cfr. fls. 150 a 156.

 Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente com o seguinte dispositivo:

“… decide:

a) condenar a ré a pagar ao autor AA a quantia global de 65.905,60 Eur. (sessenta e cinco mil, novecentos e cinco euros e sessenta cêntimos), por danos patrimoniais e não patrimoniais, sendo:

- 38.905,60 Eur. (trinta e oito mil, novecentos e cinco euros e sessenta cêntimos), por danos patrimoniais;

- € 27.000,00 (vinte e sete mil euros), por danos não patrimoniais.

Tudo acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal de 4%, contados sobre a quantia fixada a título de danos patrimoniais desde a data da citação e sobre a quantia a título de danos não patrimoniais desde a data da presente sentença, até efectivo e integral pagamento.

b) absolver a ré de tudo o mais peticionado pelo autor.

Custas a suportar por autor e ré, na proporção do decaimento.


Inconformado com esta decisão dela recorreu o autor e a apelação veio a ser julgada parcialmente procedente a apelação, alterando-se a sentença proferida nos seguintes moldes:

- O montante global da condenação passa a ser de 83905,60 Eur. (oitenta e três mil, novecentos e cinco euros e sessenta cêntimos), sendo o valor dos danos não patrimoniais fixado em 27000€ alterado para 45000€ (quarenta e cinco mil euros);

- No que respeita à contagem dos juros de mora, os que incidem sobre estes 45000€ serão contados desde a data da presente decisão.

Manteve-se o restante decidido.

Inconformada, a ré veio recorrer concluindo que.

“1. Tendo em conta as lesões sofridas resultantes do acidente, o A./Recorrido não viu a sua capacidade de auferir rendimentos afectada, tão-pouco viu esse valor diminuído uma vez que foi recondicionado do seu posto habitual de trabalho para outro adaptado à sua condição física

2. Nesta senda, as lesões não têm o valor e/ou repercussão que aparentam, pelo que, no entender da Recorrente tal compensação deverá ser de valor substancialmente inferior ao arbitrado no douto acórdão recorrido.

3. Afigura-se-nos exagerada a quantificação compensatória dos danos não patrimoniais do A./Recorrido no valor de 45.000,00€ porquanto estar em evidente dissintonia com todos os critérios atrás mencionados, e, dentro do quadro da factualidade que vem adquirida, e atentas as lesões por aquele sofridas, as correspondentes sequelas, tratamentos, cirurgia, estéticas e de lazer, na linha da boa prudência, se já a quantia de 27.000,00€ fixada em 1ª instância, se considerava excessiva, que dizer da última quantia arbitrada pelo douto acórdão do Tribunal da Relação.

 4. Pelo exposto, e de acordo com os critérios jurisprudenciais conhecidos, a quantificação dos Danos Morais deve inspirar-se nos limites, no caso, da Portaria 679/2009, de 25 de Junho, e socorrer-se também das regras da prudência, senso prático, realidades da vida, justa medida das coisas e ter em devida conta para atingir os patamares da justiça e igualdade mínima relativos, os valores operados em situações similares, porventura de maior e ou menor gravidades, e que já tenham sido decididas, sem esquecer os contornos de cada caso em concreto, sendo certo que, aqueles patamares são captáveis no confronto da situação sob apreço com as decisões bem recentes desse STJ e atrás sumariadas ainda que muito em síntese.

5. Pelo exposto, a Recorrente considera exorbitante a quantia de €45.000,00 arbitrada no douto Acórdão recorrido tanto mais que o Autor está a receber uma pensão vitalícia de €8.895,48, por ano, que teve o seu início em 27.03.2019.

6. Ainda no âmbito do processo laboral recebeu um subsídio de €4.751,22, por elevada incapacidade.

7. E recebeu a quantia de €1.335,45 pelos períodos de incapacidade total e parcial (n.º 65 dos factos provados) e €1.398,70 da sua entidade patronal (n.º 66 dos factos provados).

8. Tudo somado o Autor recebeu, globalmente, €73.286,00 (34.380,90/acidente laboral e €38.905,60 danos patrimoniais arbitrados pela douta sentença da 1ª instância), a que acrescem os €45.000,00 arbitrados pelo douto acórdão recorrido a título de danos morais, o que perfaz globalmente €118.286,00.

9. Este valor é claramente exorbitante atendendo às circunstâncias do caso concreto, em especial ao facto de o Autor continuar a trabalhar numa empresa pública que lhe garante o salário e todas as demais prestações e regalias sociais.

10. Com aquele valor global em ……., o Autor bem pode comprar um apartamento T2 ou até mesmo T3…

11. Não é esta a ratio legis da compensação por danos morais.

Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser arbitrada uma indemnização em grandeza não superior à arbitrada pelo Tribunal de 1ª Instância a qual, diga-se, já se afigura exagerada e desproporcional atendendo às circunstâncias do caso.”

Nas contra alegações o autor defende a confirmação da decisão recorrida.

 Colhidos os vistos, cumpre decidir.

       … …

Fundamentação

Está provada a seguinte matéria de facto:

“1. No dia ... .05.2017, pelas 5h20m, na Avenida ….., em …., em frente ao n.º de polícia …, ocorreu um acidente de viação.

2. Nele foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-NS-..., propriedade e conduzido por BB, que havia transferido a responsabilidade civil emergente de acidente de viação para a ré através da apólice n.º …..50, e um peão, o ora autor.

3. Nos mencionados dia, hora e local, o autor seguia na berma do lado direito, no sentido …../…...

4. O veículo de matrícula ...-NS-... circulava na mesma direcção, mas entrou em despiste.

5. Pelo que perdeu o controle do veículo que tripulava e invadiu a berma.

6. Onde veio a colhido com a lateral e retrovisor direitos do ...-NS-... o aqui autor.

7. Prosseguindo após a sua marcha, sem prestar auxílio àquele.

8. No local foi encontrada uma capa de espelho retrovisor direito e a respectiva estrutura, através dos quais o veículo atropelante viria a ser identificado.

9. Aquando do acidente, o autor dirigia-se da sua residência para o trabalho, sendo o acidente simultaneamente de viação e de trabalho, este último tendo dando origem ao processo n.º 1290/18……, em que é entidade seguradora responsável a ora ré.

10. Por carta datada de 24 de Julho de 2017, a ré informou o autor de que “não se encontra afastada a obrigação de indemnizar por parte desta seguradora, uma vez que a responsabilidade pertenceu ao nosso segurado”.

11. Como consequência directa e necessária do acidente, o autor foi transportado de imediato ao Hospital …. com deformação da perna direita com incapacidade funcional, tendo-lhe sido diagnosticado trauma directo do MID do qual resultou fractura-luxação bimaleolar direita.

12. Foi feita redução e imobilização com tala gessada.

13. Nesse mesmo dia foi transferido para o Hospital  ….., onde ficou internado para tratamento cirúrgico

14. Em 29.05.2017 foi submetido a osteossíntese de fractura bimaleolar à direita.

15. Teve alta hospitalar em 31.05.2017.

16. Passou a deambular de canadianas.

17. Continuou a ser assistido naquele estabelecimento hospitalar, mas agora em regime ambulatório, tendo efectuado consultas/tratamentos nos dias 02, 05, 08, 14, 19, e 22 de Junho de 2017.

18. Passou a ser assistido nos serviços clínicos da ré, onde foi submetido a cirurgia para substituição de parafuso por tight-rope com correcção da diástase TPD em 21.07.2017.

19. Teve alta hospitalar no dia seguinte a 22.07.2017.

20. Em 09.02.2018 voltou a ser internado para submissão a cirurgia de osteotomia de lateralização do calcâneo com placa PA de 7,5mm.

21. Teve alta hospitalar no dia seguinte 10.02.2018, continuando a deambular com canadianas.

22. Em 03.08.2018 foi internado para desbridamento artroscópico com correcção de impingement anterior, extracção de 2 parafusos com anilha de maléolo interno, extracção de placa e 6 parafusos do maléolo peronial.

23. Teve alta hospitalar a 4.08.2018, continuando com o uso de canadianas.

24. Em 17.10.2018 voltou a ser internado para intervenção cirúrgica de artroscopia anterior do tornozelo, exérese das superfícies articulares da tíbia e astrágalo, fixação com 2 parafusos footmotion.

25. Teve alta hospitalar a 18.10.2018, continuando a usar canadianas.

26. Realizou 127 sessões de fisioterapia.

27. Esteve presente em 28 consultas nos serviços clínicos da ré e em várias consultas de fisiatria na Clínica ……..

28. Realizou inúmeros exames complementares de diagnóstico.

29. Deambulou com canadianas desde a 1ª alta hospitalar em 31.05.2017 até finais de Dezembro desse mesmo ano, num total de 7 meses.

30. Esteve com incapacidade temporária absoluta até 25.02.2019.

31. Esteve com incapacidade temporária parcial de 30% de 26.02.2019 a 25.03.2019, data em que lhe foi dada alta clínica.

32. Actualmente, apresenta as seguintes sequelas:

- edema residual do tornozelo direito (perímetro de mais de 2 cm que do lado oposto);

- marcha com claudicação à direita, realçando-se com deambulação mais rápida;

- anquilose do tornozelo em flexão plantar de 5.º, anquilose subastragalina;

- atrofia da perna direita de 1 cm quando comparada com o lado oposto;

- cicatrizes: uma de 6 cms de comprimento na face interna do tornozelo, disposta verticalmente, discretamente curvilínea de concavidade anterior, nacarada; uma de 15 cms de comprimento na face externa do tornozelo, vertical, rectilínea, nacarada; e uma com 10 cms de comprimento total em “L”, na face externa do retropé, linear, nacarada.

33. À data do acidente, o autor tinha 44 anos de idade.

34. Trabalhava para a empresa “TUB - Transportes Urbanos de Braga, EM”, com a categoria …..

35. Em virtude do seu trabalho, auferia a quantia mensal líquida de 936,93 Eur. (novecentos e trinta e seis euros e noventa e três cêntimos), sendo 734,63 Eur. de salário base, 90,00 Eur. de três diuturnidades (3x 30,00 Eur.), subsídio de refeição (4,52 Eur.x dia), subsídio de trabalho nocturno (1,06 Eur. x dia), subsídio de agente único (183,66 Eur.), abono para falhas (20,00 Eur.) e proporcionais pagos em duodécimos de subsídios de férias e natal.

36. As sequelas de que ficou a padecer são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual, mas são compatíveis com outras profissões da sua área de preparação técnico-profissional.

37. Com os tratamentos a que foi submetido, o autor sofreu dores e incómodos, quantificáveis no grau 5, numa escala de 7 graus.

38. Ficou com um dano estético que se quantifica no grau 3, numa escala de 7 graus.

39. Foi submetido a cinco intervenções cirúrgicas, em virtude das quais esteve internado durante 22 (vinte e dois) dias:

- 14 (catorze) dias aquando do acidente e intervenção cirúrgica no hospital … e no  ……;

- 2 (dois) dias por cada uma das 4 (quatro) intervenções cirúrgicas seguintes nos serviços clínicos da ré.

40. Foi a, pelo menos, 6 (seis) consultas ao Hospital …. e 28 (vinte e oito) nos serviços clínicos da ré e várias outras na Clínica ……..

41. Sofreu os incómodos resultantes das cinco intervenções cirúrgicas, dos tratamentos de fisioterapia, das consultas e dos exames complementares de diagnóstico, com as consequentes deslocações e alterações no seu ritmo de vida diário, bem como nos seus hábitos e costumes.

42. Ficará a sofrer dores no pé/tornozelo direito para o resto da vida.

43. Não mais deixará de claudicar.

44. Antes do acidente, o autor era uma pessoa saudável, não apresentado qualquer defeito físico e/ou limitação.

45. Após o acidente, o autor passou a executar com maior dificuldade certas tarefas como seja: podar as árvores do seu quintal, por maior dificuldade em subir e descer escadas; cultivar o mesmo quintal e tratar de jardins; criar animais; e fazer caminhadas.

46. O A autor sempre podou as árvores e cultivou o seu quintal e tratou dos jardins de 3 casas (para o que era remunerado), o que agora executa com a ajuda de terceiros, mormente de um filho.

47. Cultivava também o campo da sogra, utilizando o trator para as sementeiras, pois criava animais, o que deixou de fazer.

48. Durante o período de baixa médica de quase dois anos, deixou de poder cultivar o seu quintal e tratar dos jardins das 3 casas de que cuidava há anos.

49. O autor faz parte de uma associação de caminhadas, em que todos os domingos e feriados organizam passeios.

50. Durante o período de baixa médica, nunca pôde participar nessas caminhadas, sendo que começa a fazê-lo de novo, mas com limitações.

51. Em 06.06.2017, o autor recorreu a consulta de dentista por sentir dores no dente 11, que lhe diagnosticou um trauma nesse dente 11, com fractura amelo-dentinária com exposição pulpar.

52. Foi-lhe recomendada a colocação de coroa sobre a raiz do dente 11, cujo despesa importou em 610,00 Eur. (seiscentos e dez euros).

53. Reclamado aquele valor à ré, no âmbito do acidente de trabalho, esta recusou-se a pagar a despesa.

54. As despesas com deslocações do autor até 01.02.2018 foram pagas pela ré no âmbito do acidente de trabalho.

55. O autor vive, e vivia já à data do atropelamento, em …, ….

56. No entanto, durante a ITA o autor passou longos períodos, principalmente após as intervenções cirúrgicas, em casa dos pais, que lhe prestavam a assistência necessária, e que moram na rua …., no …...

57. Assim, posteriormente à data referida em 54., o autor suportou ainda o valor global de 177,30 Eur. (cento e setenta e sete euros e trinta cêntimos), nas seguintes deslocações:

- a 9.02.2018 - Transporte com utilização de viatura particular entre Calçada ……, e o Hospital …, ….., 1×58=58km x 0,18€ = 10.44€;

- a 10.02.2018 - Transporte com utilização de viatura particular entre o Hospital …. à rua …,  ….., 1×11=11kmx 0,18€ = 1,98€;

- a 08/03/2018 e a 20/04/2018 - Transporte com utilização de viatura particular entre a Rua ….., ….., à Rua ……, …… 2×18=36km x 0,18€ = 6,48€;

- a 20/04/2018 - Transporte com utilização de viatura particular entre a Rua …., …., à Rua …., ….., com a viagem de regresso para …., ….. 1×65=65km x 0,18€ = 11,70€;

- a 23/07/2018 e a 30/07/2018 - Transporte com utilização de viatura particular entre Calçada …., …. e o Hospital ….., ….. e volta 108 x 2 = 216x0,18€ = 38,88€;

- a 03/08/2018 - Transporte com utilização de viatura particular entre Calçada ….., …. e o Hospital ….., …. 58 km x 0,18 = 10,44€;

- a 4.08.2018 - Transporte com utilização de viatura particular entre o Hospital …. à rua ….., …… 11 km x 0,18€ = 1,98€;

- a 8.10.2018 - Transporte com utilização de viatura particular entre Calçada ….., …. e a rua ….., ….. e volta 108 km x 0,18€ = 19,44€;

- a 17.10.2018 - Transporte com utilização de viatura particular entre Calçada …., …. e o Hospital …., ….. 58 km x 0,18€ = 10,44€;

- a 18.10.2018 - Transporte com utilização de viatura particular entre o Hospital da …. à rua …., …. 11 km x 0,18€ = 1,98€;

- a 22.10.2018, 31.10.2018, 19.11.2018 e a 19.02.2018 - Transporte com utilização de viatura particular entre a Rua …., …., à Rua ….., ….. 18 x 4 = 72 Km x 0,18€ = 12,96€;

- a 19.12.2018 - Transporte com utilização de viatura particular entre a Rua …, …., à Rua …., …. e regresso  …., ….. 65 km x 0,18€ = 11,70€;

- a 25.02.2019 e a 25.03.2019 - Transporte com utilização de viatura particular entre Calçada ….., ….. e a rua ……, ….. e volta 108 x 2 = 216 km x 0,18€ = 38,88€.

58. O autor teve ainda de adquirir uma meia elástica, no valor de 36,70 Eur. (trinta e seis euros e setenta cêntimos);

59. E uma ponteira para a canadiana no valor 3,40 Eur. (três euros e quarenta cêntimos).

60. As sapatilhas que o autor usava aquando do acidente ficaram totalmente danificadas, pelo que tiveram de ser substituídas, no que o autor gastou 65,00 Eur. (sessenta e cinco euros).

61. O autor teve de morar em casa dos pais para que estes lhe prestassem assistência, principalmente após cada uma das cinco intervenções cirúrgicas, já que a sua esposa trabalha.

62. Dado ter a perna direita engessada, sem poder suportar qualquer carga, não conseguia entrar para a banheira para tomar banho e, mesmo com a ajuda de um dos pais, tal revelou-se difícil e perigoso.

63. Por isso, foi necessário adaptar o quarto de banho (da casa dos pais).

64. Nessa adaptação, o pai do autor gastou a quantia de 3.117,26€ (três mil, cento e dezassete euros e vinte e seis cêntimos).

65. Pelos períodos de incapacidade total e parcial, a ré pagou ao autor, no âmbito do acidente de trabalho, a quantia de 19.335,45 Eur. (dezanove mil, trezentos e trinta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos).

66. E a entidade patronal do autor pagou-lhe, também:

- 917,57 Eur. no mês de maio de 2017;

- 819,23 Eur. no mês de Junho de 2017;

- 391,98 Eur. no mês de Março de 2019.

67. No entanto, em Junho desse mesmo ano de 2017, passou o autor a auferir mais uma diuturnidade no montante de 30,00€, pelo que o seu salário líquido passou a ser de 963,15 Eur. (novecentos e sessenta e três euros e quinze cêntimos).

68. Se não tivesse acontecido o acidente, o autor receberia:

- em 2017 – 9.159,58 Eur.: em maio 936,93€ e de Junho a Dezembro 6.742,05€ (7 meses x 963,15 Eur.); subsídio de Natal – 442,31EUr. (já que 50% do subsídio de Natal, que até maio de 2017 era no montante de 834,63 Eur., passou a ser de 854,63 Eur. em Junho desse ano pela questão da diuturnidade, era paga em duodécimos); subsidio de férias – 1.038,29 Eur.;

- em 2018 – 13.038,40 Eur.: salário x 12 meses – 11.557,80 Eur.; subsídio de Natal – 442,31 Eur.; - subsidio de férias – 1.038,29 Eur.;

- em 2019 – 2.889,45 Eur., correspondente ao salário de Janeiro a Março.

69. O autor é proprietário de um veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca ….., modelo …., do ano  …...

70. À data da última inspecção, a 01.03.2019, o veículo possuía 213.410 km.

Foi ainda considerado assente na decisão recorrida (embora tal não conste no lugar próprio, ou seja, no rol, expresso, dos factos jugados provados), que o Autor ficou a padecer de um défice funcional permanente de 15 pontos, em virtude das sequelas descrita em 32., supra.

… …

E foi julgada não provada a seguinte matéria de facto

1. Por força das lesões que sofreu com o atropelamento o autor ficou ainda a padecer das seguintes sequelas:

- Formigueiros no dorso do pé;

- Dificuldades na condução do seu veículo automóvel ligeiro de passageiros;

- Impossibilidade de correr;

- Impossibilidade de subir e descer escadas.

2. Em consequência do atropelamento sofrido o autor passou a sentir dores no dente 11 e sofreu o traumatismo referido em 52. dos provados.

3. Sempre que o autor conduz o seu veículo automóvel sente muitas dificuldades em virtude das limitações que apresenta no tornozelo direito.

4. Recentemente consultou o seu médico de família, que afirmou que não poderia conduzir um carro normal (não adaptado) por afectação do tornozelo direito.

5. O autor terá de adquirir um veículo automóvel com caixa de velocidades automática ou proceder à readaptação do seu veículo com caixa de velocidades manual.

… …

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das Recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

O conhecimento das questões a resolver, delimitadas pelas alegações, importa em decidir se a fixação da indemnização por dano biológico na siua vertente não patromoinial foi bem fixada.

… …

Como declaração introdutória deixa-se expresso que “os critérios seguidos pela Portaria n.º 377/2008, de 26-05, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem ao critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações fixado pelo Código Civil” cfr. por todos ac. STJ de 4/6/2015 no proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1 (rel. Maria dos Prazeres Beleza).

Posto isto, na análise do objecto do recurso, centrado na indemnização do dano biológico (e apenas na sua vertente de danos morais) o Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado com frequência e constância no sentido de os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se reduzirem à redução da capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física e por isso mesmo e, por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução e a perda de rendimento que dela resulte, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar. cfr. o ac. de 20 de Outubro de 2011, proc. 428/07.5TBFAF.G1-S1) e o já citado de 4-6-2015. 

Em exposição e consulta jurisprudencial, deixou-se menção no acórdão do STJ de 20 de Novembro de 2020 - proc. n.º 5572/05.0TVLSB.L1.1, in dgsi.pt - “Como se disse já no acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Março de 2012 (1145/07.1TVLSB.L1.S), na linha dos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010 (proc. nº 203/99.9TBVRL.P1.S1) ou de 20 de Maio de 2010 (proc. nº 103/2002.L1.S1), é sabido que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz esta incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial. No que aos primeiros respeita, o Supremo Tribunal de Justiça já por diversas vezes frisou que «os danos futuros decorrentes de uma lesão física “não [se] reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; (…) por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução (…)” (cfr. também os acórdãos deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 99B717, e de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, disponíveis em www.dgsi.pt).» – acórdão de 30 de Outubro de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 07B2978); a perda de rendimento que resulte da redução, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar (cfr. o acórdão de 20 de Outubro de 2011 prC. 428/07.5TBFAF.G1-S1). A lesão que a incapacidade revela pode, naturalmente, causar danos patrimoniais que se não traduzem em perda de ganho (…)”. Assim, cfr. ainda os acs. de 4 de Junho de 2015, proc. n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, de 3 de Dezembro de 2015 3969/07.0TBBCL.G1.S1, ou de 19 de Setembro de 2019 2706/17.6T8BRG.G1.S1.”

Quer na vertente patrimonial quer na não patrimonial, a indemnização pelo dano biológico deve ser calculada segundo a equidade: artigos 496º, nº 3 e 566º, nº 3 do Código Civil e, como advertência à abordagem à aplicação da equidade o ac. do STJ de 21/1/2021 - proc. 6705/14.1T8LRS.L1.S1 (rel. Maria dos Prazeres Beleza) – escreve que enumerando extensa jurisprudência nesse sentidoacs. STJ de de 7 de Outubro de 2010, proc. nº 839/07.6TBPFR.P1.S1; de 28 de Outubro de 2010 proc. nº272/06.7TBMTR.P1.S1, em parte por remissão para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, proc. nº 381-2002.S1; de 6 de Dezembro de 2017, proc. n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1; de 23 de Maio de 2019, proc. n.º 1046/15.0T8VNF.P1.S1; de 30 de Maio de 2019, proc., n.º 3710/12.6JVNF.G1.S1, ou de 19 de Setembro de 2019 - a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se o Supremo Tribunal da Justiça é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio».

A equidade, todavia, não dispensa a observância do princípio da igualdade; o que obriga ao confronto com indemnizações atribuídas em outras situações. “A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso (acórdão de 22 de Janeiro de 2009, proc. 07B4242,). Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012 no, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art. 13 da Constituição” (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 2013, proc. n.º 2044/06.0TJVNF.P1.S1)”

Sublinhamos para o caso em decisão, de acordo com as observações normativas expressas na jurisprudência citada jurisprudência, duas ideias essenciais: o juízo prudencial e casuístico firmado nas instâncias deve por regra ser mantido, salvo se o julgador não se tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade; a equidade praticada ou a praticar não pode afastar-se de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que se entende, generalizadamente,  deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística para não abalarem  a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade, não incompatível com a devida atenção às circunstâncias doi caso.

Em conformidade com este quadro de valoração temos em concreto que o acidente ocorreu em 18.05.2017 e a alta clínica do autor, que tinha na data do sinistro 44 anos de idade, teve lugar em 25.03.2019, período durante o qual as lesões que sofreu determinaram internamento hospitalar por 22 dias; intervenções cirúrgicas várias, descriminadas nos factos provados, tendo sofrido dores e incómodos, quantificáveis no grau 5, sofrendo um dano estético quantificado no grau 3; transtornos decorrentes das intervenções cirúrgicas, dos tratamentos de fisioterapia, das consultas e dos exames complementares de diagnóstico, com deslocações e alterações no seu ritmo de vida diário. Apresenta como sequelas dores no pé/tornozelo direito para o resto da vida, não mais deixará de claudicar e passou a socorrer-se de terceiros para certas tarefas, deixando de conduzir o tractor.

Por comparação com a situação decidida no ac. do STJ de 30/5/2019 - no proc. 3710/12.6TJVNF.G1.S1, in dgsi.pt – que por sua vez havia realizado igual consulta e comparação com outra jurisprudência do STJ, deixou-se expresso que para uma sinistrada de 17 anos, com uma incapacidade parcial permanente de 14 pontos, com um quantum doloris de 5 e um dano estético de 3, num contexto de várias intervenções cirúrgicas, com fisioterapia e tratamentos entre a data do sinistro de 1 de janeiro de 2010 e a alta clinica em 31 de Março de 2011, fixou a indemnização por  danos morais em 25. 000,00 € mas advertiu de forma bem evidente que essa fixação se encontrava no limiar inferior dos valores fixados em casos semelhantes na jurisprudência deste Tribunal e que só não era aumentada por ter sido esse o valor pedido pela própria autora. No entanto, como pode ver-se no ac. STJ de 24-9-2009 - no proc. 09B0037 – que era precisamente tomado como referência naquele outro, para um sinistrado com 33 anos à data do acidente que ficou afectado de uma incapacidade parcial permanente de 18,28% (no caso traduzida em incapacidade total para o trabalho) num quadro de internamento, intervenções com duração significativa e tratamentos fixou adequado o montante de € 40.000.

A proximidade evidente entre esta última situação descrita e a dos autos, com diminuta diferença nas percentagens de IPP com idades dos sinistrados que diferem entre os 33 e 44, tendo em ambos os casos a incapacidade remanescente determinado a incapacidade total para o trabalho que realizavam ainda que compatíveis com outras profissões da sua área de preparação técnico-profissional, recomenda que em respeito por todos os imperativos antes afirmados se considera ajustado fixar ao autor pelos danos em apreço uma indemnização no valor de 40.000,00 € (quarenta mil euros).

Merece deste modo parcial provimento a presente revista.

… …

 Síntese conclusiva

- O juízo prudencial e casuístico de equidade firmado nas instâncias deve, por regra, ser mantido, salvo se o julgador não se tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade;

- A equidade praticada ou a praticar não pode afastar-se de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que se entende, generalizadamente, deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística para não abalarem a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade, não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso.

- Respeita os imperativos de equidade uma indemnização por danos morais no montante de 45.000,00,00€, de acordo com a jurisprudência e seu sentido evolutivo, que atendeu à circunstância de o autor, de 44 anos de idade, pessoa saudável, que por força do acidente esteve dois anos de baixa médica dos quais 22 dias em internamento hospitalar contínuo, sofreu dores quantificáveis no grau 5, que ao nível do pé/tornozelo direito se manterão para o resto da vida , um dano estético quantificado no grau 3, e ficou com um défice funcional permanente de 15 pontos não mais deixando de claudicar.

… …

Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a presente revista e, em consequência, revogar a apelação fixando-se o montante global da indemnização em 78.905,60 € (setenta e oito mil novecentos e cinco euros e sessenta cêntimos) sendo o valor dos danos não patrimoniais fixados na apelação em 45.000,00 €, alterado para 40.000,00 €.

No mais mantém-se a decisão recorrida.

Custas por recorrente e recorrido na proporção do respectivo decaimento.


Lisboa, 19 de Outubro de 2021


Relator: Cons. Manuel Capelo

1º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Tibério Silva

2º adjunto: Sr.ª Juiz Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza