Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
722/08.8TTLRS.L2.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: NULIDADES DA SENTENÇA
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 06/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / DEVERES DO TRABALHADOR / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / MULTAS E INDEMNIZAÇÃO - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA.
Doutrina:
- Aníbal de Castro, Impugnação das Decisões Judiciais, 2.ª ed., 111.
- António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 17.ª edição, 514, 519.
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 5ª edição, 954, 957/958.
- Menezes Cordeiro, Litigância de má-fé, Abuso do direito de acção e Culpa in agendo, 26.
- Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2015, 3.ª edição, 427 e 428.
- Rodrigues Bastos, Notas ao “Código de processo Civil”, vol. II, 3.ª Edição, 221 e 222; Vol. III, 247.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 542.º, N.º2, 665.º, N.ºS 1 E 2, 671.º, N.º 1, 674.º, N.º 1, AL. C).
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2003: - ARTIGO 121.º, N.º 1, ALÍNEAS C) E D).
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS, 343.º, AL. C), 351.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

-DE 07/03/1985, IN B.M.J., 347.º/477.


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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 05/04/1989, IN B.M.J. 386/446, DE 23/3/90, IN A.J., 7.º/90, 20, DE 12/12/1995, IN C.J., 1995, III/156, DE 18/6/96, C.J., 1996, II/143, DE 31/1/1991, IN B.M.J. 403.º/382.
-DE 5/01/2012, PROC. N.º 3937/04.4TTLSB.L1.S1.
-DE 28/01/2016, PROC. N.º 1715/12.6TTPRT.P1.S1.
Sumário :
1 – Cabendo a revista do acórdão da Relação proferido sobre decisão da 1ª instância que conheça do mérito da causa e vigorando no nosso sistema recursório o princípio da substituição do tribunal recorrido pelo tribunal de recurso, não pode aquela ter como um dos fundamentos as nulidades da sentença da 1ª instância cuja arguição fora julgada improcedente pela Relação.

2 - Não basta, para aferição da justa causa de despedimento, que se verifique um comportamento culposo e ilícito do trabalhador, sendo ainda necessário que esse comportamento tenha como consequência necessária a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral a ser aferida não em termos de impossibilidade objetiva, mas de inexigibilidade para a outra parte da manutenção daquele vínculo laboral em concreto, considerando “o entendimento de um bonus pater familias, de um empregador razoável”.

3 – Tendo o A. sido anteriormente sancionado pela entidade empregadora por não lhe ter comunicado a ocorrência de acidente de viação com um veículo de sua propriedade conduzido por aquele, constitui justa causa de despedimento o facto de posteriormente ter omitido nova informação de outro acidente com veículo propriedade da Ré e por si conduzido, bem como, sendo encarregado de 1ª, ter colocado, na construção de uma bancada, o betão ciclópico aplicando os elementos isoladamente e não previamente misturados como era do seu conhecimento, o que obrigou à sua posterior demolição e, bem assim, ter decidido, por sua iniciativa, não construir a escada de acesso às bancadas que se encontrava prevista no projeto da obra.

4 – Não conduzindo, necessariamente, a reforma por velhice do trabalhador à imediata caducidade do contrato e, constituindo aquela matéria de exceção relativamente à reintegração e ao pagamento das retribuições intercalares, não integra litigância de má-fé a omissão pelo trabalhador de comunicação da sua passagem à situação de reforma por velhice ocorrida na pendência do processo.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1])

1 - RELATÓRIO

AA intentou a presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra “BB – …”, S.A., agora “CC”, S.A., pedindo que esta seja julgada procedente e por via dela:

I- Seja fixada em € 3.127,80 (três mil cento e vinte e sete euros e oitenta cêntimos) a retribuição mensal do Autor (art. 265º do CT);

II- Seja declarado ilícito o despedimento do Autor promovido pela sociedade Ré e, consequentemente, condenando-se esta a:

a) Reintegrar imediatamente o Autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da categoria e antiguidade, reservando-se este o direito de, até à data da sentença, exercer a faculdade prevista no artigo 439º do Código do Trabalho, caso em que receberá da Ré uma indemnização com o valor atual de € 3.780.00;

b) Pagar ao Autor uma compensação equivalente às retribuições que deixou de auferir desde 9 de Abril de 2008 até ao trânsito em julgado da sentença, a ser liquidada na base de € 3.127,80 euros mensais (três mil cento e vinte e sete euros e oitenta cêntimos) mensais.

III- Mesmo que tal se não entenda, ainda assim deve, também, ser declarada a prática de assédio moral ao A. pela sociedade Ré e, em conformidade, esta ser condenada a:

a) Pagar ao Autor a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), a título de danos morais;

b) Pagar ao Autor a quantia de € 3.415,00 (três mil quatrocentos e quinze euros), a título de ressarcimento de danos patrimoniais pela desistência de aquisição de habitação própria;

c) Pagar ao Autor a quantia de € 1.460,40 (mil quatrocentos e sessenta euros e quarenta cêntimos), pela utilização de viatura própria entre fevereiro e maio de 2005.

IV- Além dos pedidos anteriores, deve, também, a sociedade Ré ainda ser condenada a pagar ao Autor:

a) A quantia de € 65.271,20 (sessenta e cinco mil duzentos e setenta e um euros e vinte cêntimos), a título de trabalho suplementar prestado nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007;

b) A quantia de € 9.270,45 (nove mil duzentos e setenta euros e quarenta e cinco cêntimos), a título de descansos compensatórios não gozados nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007;

c) A quantia de € 18.012,60 (dezoito mil e doze euros e sessenta cêntimos), a título de diferenças remuneração das férias e respetivos subsídios, nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007;

d) A quantia de € 17.160,49 (dezassete mil cento e sessenta euros e quarenta e nove cêntimos), a título de diferenças remuneratórias durante o período de suspensão preventiva;

e) A quantia de € 5.228,97 (cinco mil duzentos e vinte e oito euros e noventa e sete cêntimos), a título de diferenças de remuneração das férias não gozadas e respetivos subsídios;

- Os juros legais sobre as quantias peticionadas, os de mora à taxa legal e os compulsórios, se se vierem a recusar, com sobretaxa, aqueles contados desde a interposição da ação.

Como fundamento alegou ter sido admitido ao serviço da Ré em 14.02.2004 para exercer, sob as suas ordens, direção e fiscalização, as funções inerentes à categoria profissional de Encarregado de 1ª contra a retribuição auferida de € 945,00 euros mensais, a que acresciam outras prestações pecuniárias de valor variável, mas pagas com carácter regular e periódico. Trabalhava, diariamente, das 06H30 às 21H30 de 2ª a 6ª e, com frequência, aos sábados das 05H30 às 20H00 ao arrepio do CCT aplicável publicado no BTE 1ª Série nº 13 de 08.04.2005, sem estar a beneficiar de isenção de horário de trabalho, ou auferir qualquer remuneração adicional ou gozar descanso compensatório. Em julho de 2004, foi alvo de assédio moral por parte da Ré que tentou compeli-lo a outorgar um contrato de trabalho a termo certo com início em fevereiro de 2004, sendo-lhe prometido que ficaria dispensado da respetiva prestação laboral até ao fim do termo, ainda que lhe fosse garantido o pagamento da respetiva retribuição e das compensações inerentes. Embora sujeito a pressões enormes para aceitar esta proposta, a que sobreveio um período durante o qual se viu remetido a mera presença no estaleiro sem lhe ser distribuído qualquer tipo de trabalho, não a aceitou. Em novembro de 2005 foi alvo de processo disciplinar na sequência do qual foi-lhe aplicada a sanção de 30 dias de suspensão com perda de retribuição e vencimento, bem como viu serem-lhe aplicados castigos verbais ad hoc, que consistiram na sua retenção no estaleiro sem lhe ser atribuído trabalho, ser-lhe retirada a viatura automóvel, vendo-se forçado a utilizar viatura própria, o que foi feito pela Ré para o vexar e humilhar. Na sequência de processo disciplinar que lhe moveu mas que enferma de diversas nulidades, esteve suspenso, embora sem arguição do motivo demonstrativo de que a sua presença se mostrava inconveniente e foi despedido por decisão proferida a 4 de abril de 2008, pese embora tenha ocorrido a prescrição dos factos imputados, bem como a caducidade do procedimento disciplinar pelo decurso do prazo de sessenta dias. Não violou quaisquer deveres enquanto trabalhador, não praticou quaisquer factos integradores da justa causa de despedimento, razão pela qual o mesmo deve ser julgado ilícito. A decisão de despedimento denegriu a sua imagem e colocou em causa a sua dignidade e honorabilidade profissionais e pessoais, a ponto de vir a inviabilizar a sua continuidade nesta profissão, encontrando-se deprimido, ansioso e receoso do seu futuro, dormindo mal e alimentando-se mal. Pressentido que mais tarde ou mais cedo iria ser vítima de despedimento acabou por desistir de concretizar a aquisição de habitação própria, relativamente à qual já havia celebrado o contrato-promessa. Acresce que na data da cessação do contrato não lhe foram pagas as retribuições devidas pela prestação de trabalho suplementar e descanso compensatório remunerado tendo em conta a remuneração média auferida em 2004, 2005, 2006 e 2007, e ainda as retribuições respeitantes às remunerações de férias e respetivos subsídios referentes ao aludido período.

 Realizada a audiência de partes, e frustrada a conciliação, a R. contestou, impugnando os factos aduzidos pelo A., invocando que foi acordado com o A. um regime de isenção de horário de trabalho no âmbito do qual se estabeleceu o pagamento de um acréscimo correspondente a 25% da retribuição base. Nunca foi acordada a atribuição de uma viatura de serviço; o A. não auferia outras prestações regulares e periódicas como contrapartida do seu trabalho, não exerceu qualquer pressão sobre ele no sentido do mesmo aceitar uma proposta de cessação do contrato, nem foi privado das suas funções; não se verificam as alegadas ilegalidades e nulidades do processo disciplinar; o despedimento por si promovido foi com fundamento em justa causa, reafirmando os factos constantes da nota de culpa e do aditamento à nota de culpa e pugnando pela improcedência dos pedidos que contra si foram formulados.

Pediu a condenação do Autor como litigante de má-fé.

O Autor respondeu à contestação pugnando pela inexistência de litigância de má-fé e pedindo que o tribunal se pronuncie sobre a existência de abuso de direito na atuação da Ré.

A Ré respondeu ao articulado apresentado pelo Autor, invocando não ser admissível a resposta à contestação.

No despacho saneador foram julgadas improcedentes as arguidas exceções da prescrição e caducidade do procedimento disciplinar, a exceção inominada relativa à suspensão preventiva do A., bem como se considerou ser a nota de culpa parcialmente nula no que concerne aos pontos ii) e iii) c) da referida nota.

Do despacho saneador foi interposto recurso que foi julgado improcedente.

Realizado o julgamento foi proferida a sentença com o seguinte dispositivo.

«Por todo o exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

a) condeno a Ré a pagar ao Autor as quantias que se vierem a apurar oportunamente em sede de liquidação a título de pagamento de trabalho suplementar por ele prestado e de descanso compensatório não remunerado no período compreendido entre 2004 e 2008;

b) absolvo a Ré dos demais pedidos formulados pelo Autor.

c) absolvo o A. do pedido de condenação em litigância de má-fé.

d) julgo não verificado o invocado abuso de direito por parte da R.

Custas por A. e R. na proporção do decaimento que fixo em 44%-56%.

Registe e notifique.»

Inconformado, o A. arguiu a nulidade da sentença e interpôs recurso, tendo a Relação anulado parcialmente a decisão proferida sobre a matéria de facto e determinado a repetição do julgamento para ampliação da matéria de facto.

Tendo os autos baixado ao Tribunal de 1ª instância, o A., na sequência da ampliação da matéria de facto, suscitou o incidente de falsidade de documento apresentado pela Ré que foi admitido tendo, nessa sequência, sido aditados novos factos à base instrutória sobre tal matéria.

Realizada nova audiência de julgamento, foi proferida nova sentença com o seguinte dispositivo.

«Face ao exposto decido:

A) Julgar a acção parcialmente procedente por parcialmente provada condenando a R. a pagar ao A. o valor que vier a ser apurado em sede de incidente de liquidação de sentença relativo ao trabalho suplementar prestado nos anos de 2004 a 2007 e bem assim os descansos compensatórios não gozados que lhe corresponderem.

B) Condeno a R. a pagar ao A. o valor que vier a ser apurado em sede de incidente de liquidação de sentença, consoante se fixe valor diverso e superior de retribuição auferido pelo A. nos anos de 2004 a 2007, a título de diferenças salariais de remuneração, das férias e respectivos subsídios dos anos de 2004 a 2007, de diferenças remuneratórias, de Setembro de 2007 a 9 de Abril de 2008 e proporcionais a tal período.

C) Julgo improcedente, por não provado o incidente de falsidade de documento e condeno o A. no pagamento das custas, com taxa de justiça que fixo em 2UC´s.

D) No mais, absolvo a R. dos restantes pedidos formulados pelo A.

E) Condeno A. e R. no pagamento das custas, fixando-se tal responsabilidade em 65% e em 35%, respectivamente.

Registe e notifique.

Comunique a presente sentença à ACT, à Autoridade Tributária e à Segurança Social para as finalidades tidas por convenientes, atento o facto da retribuição que era paga ao A. não ser toda declarada, por recurso ao expediente de falsas ajudas de custo.»

Inconformados apelaram o A. e a R., que arguiu também a nulidade da sentença, que foi julgada não verificada, tendo sido proferida a seguinte deliberação:

«Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em:

1- julgar parcialmente procedente o recurso do Autor e, em consequência, alteram a sentença recorrida nos seguintes termos:

- declaram ilícito o despedimento movido pela Ré ao Autor, por destituído de justa causa e condenam a Ré:

a) a reintegrar o Autor no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; e

b) a pagar ao Autor as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, sem prejuízo das deduções a que aludem os nºs 2 a 4 do artigo 137º do CT2003, a que acrescem juros de mora à taxa legal devidos desde a data de vencimento das retribuições e até integral pagamento.

- julgar improcedente o recurso interposto pela Ré.

3- No mais, manter a sentença recorrida.

Custas do recurso do Autor por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento.

Custas do recurso da Ré, pela Ré.»

Desta deliberação recorre a Ré de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão recorrido.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, o Exmº Procurador-Geral-‑Adjunto emitiu douto parecer no sentido da negação da revista e consequente confirmação do acórdão recorrido.

Notificadas, as partes não responderam.

Perspetivando-se a eventualidade deste tribunal não poder conhecer da invocada nulidade da sentença e das consequências da passagem do A. à reforma por velhice, foram as partes notificadas para se pronunciarem, querendo, não tendo qualquer delas usufruído desse direito.

Formulou a recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([2]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

”A - Sobre a nulidade da sentença e do acórdão objecto de recurso.

1.º - A Ré e ora Recorrente entende que, relativamente ao período de 2004 a 2007, além da condenação no pagamento da diferença de remunerações das férias dos anos de 2004 a 2007 e respectivos subsídios, a Ré foi condenada no pagamento de todas as diferenças salariais de remuneração dos anos de 2004 a 2007.

2º - Ora, uma vez que em relação ao referido período o A. apenas peticionou a condenação da Ré no pagamento da diferença de remunerações das férias e dos respectivos subsídios, entende-se que, salvo melhor opinião, a sentença proferida em 1.ª instância e o douto acórdão ora recorrido são nulos, com referência ao disposto no art.º 615.º, n.º 1, alínea e), e 666.º do CPC, pelo que se requer que o actual texto da alínea B) da parte dispositiva da sentença (mantido pelo acórdão) seja alterado no sentido de que não reste qualquer dúvida que a Ré não é condenada - relativamente ao período de 2004 a 2007 - senão no pagamento das "diferenças de remuneração das férias e respectivos subsídios", em conformidade com o 7º item do art.º 148.º da p.i. e alínea c) do ponto IV do petitório do A.

B - Sobre a justa causa do despedimento.

3.º - Acompanhando a sentença proferida em 1.ª instância, o douto acórdão recorrido conclui que "o comportamento do Autor é culposo e grave em si mesmo" (fl. 42 do acórdão), mas, ao contrário do entendimento constante da sentença, o acórdão considera que "a factualidade provada é insuficiente para que possamos concluir que os comportamentos em causa são de tal modo graves que abalam a confiança que necessariamente terá que existir entre o trabalhador e o empregador e que, consequentemente, tornam impossível a manutenção da relação laboral" (fl. 42 do acórdão).

4.º - Relativamente ao acidente de viação o acórdão justificava a sua posição por, em suma, (i) não se ter provado qualquer prejuízo; (ii) a Ré acabaria por ter conhecimento, mais tarde ou mais cedo, que o A. interveio em acidente de viação com viatura da Ré; (iii) a Ré poderia retirar a viatura ao A. e entregá-la a outro trabalhador.

5.º - Com todo o respeito que nos merece o Tribunal da Relação de Lisboa, a Ré não se conforma com os referidos argumentos por, em síntese, (i) não estar em causa um prejuízo de ordem patrimonial mas sim o prejuízo de perda de confiança da Ré no A.; (ii) ser irrelevante, estando em causa o dever de lealdade por parte do A., que a Ré pudesse vir a ter conhecimento por terceiros, como sucedeu, do acidente de viação em que o A. interveio, com o veículo da Ré; (iii) ser igualmente irrelevante, em face do único problema que cumpria solucionar, o da quebra de confiança da Ré no A., que entidade empregadora pudesse ou não retirar ao A. o veículo que este necessitava de utilizar no exercício das suas funções.

6.º - Relativamente ao comportamento do A. na obra de ..., o acórdão justifica o seu entendimento por, em resumo, (i) não se ter provado que o A. incumpriu o projecto da obra após ter sido advertido a cumpri-lo, pelo fiscal da obra ou pelo dono da obra; (ii) não se ter provado qualquer prejuízo; (iii) não se ter provado que o A. tivesse tido um comportamento semelhante noutras obras; (iv) não se ter provado que a Ré substituiu o A. na obra de ....

7.º - Reiterando o respeito que nos merece o Tribunal da Relação de Lisboa, a Ré também não se conforma com estes argumentos, porquanto, sumariamente, (i) o A. tinha a obrigação de cumprir o projecto da obra independentemente de qualquer eventual advertência para o cumprir, fosse por parte do fiscal da obra, fosse por parte do dono da obra; (ii) estar em causa, repete-se, não qualquer prejuízo de natureza patrimonial, mas o prejuízo da perda de confiança da Ré no A.; (iii) o comportamento do A. na obra de ... ser suficientemente grave, no sentido da quebra de confiança da Ré no A., independentemente do comportamento que o A. tenha tido noutras obras; (iv) a Ré ter actuado conforme seria de esperar de um empregador razoável que perdeu a confiança no trabalhador: mais do que substituir o A. na obra de ..., colocando-‑o em qualquer outra, onde o problema da quebra de confiança se manteria, a Ré suspendeu o A. de funções, sem perda de retribuição, instaurou-lhe um processo disciplinar, com vista ao despedimento, e despediu-o, com justa causa, com base na perca de confiança em que a relação laboral tem necessariamente que assentar.

8.º - Numa palavra, a actuação do A. dada como provada, apreciada no seu conjunto, feriu irremediavelmente a relação de confiança que a Ré tinha que manter no A., para que o vínculo laboral se pudesse manter.

9.º - A Ré entende que, ao declarar o despedimento dos autos ilícito, o douto acórdão recorrido violou o disposto no n.º 1 do art.° 351.º do Código do Trabalho.

10.º - Assim, requer-se que o acórdão recorrido seja substituído por outro que declare o despedimento do A. lícito, com todas as consequências legais.

C - Sobre a situação de reforma do A.

11.º- Após a notificação às partes do douto acórdão recorrido a Ré veio a ter conhecimento da situação de reforma do A. desde... 16.02.2012.

12.º - Desta circunstância resulta, à luz do disposto no art.° 343.º do actual Código do Trabalho e do art.º 397.º do Código do Trabalho de 2003, que, se não se considerar que o contrato de trabalho do A, cessou por despedimento com justa causa em 04,04.2008, (o que só à cautela e sem prescindir se admite), então o contrato cessou, por caducidade, em 16.02.2012, o que se requer que seja declarado, com todas as consequências legais, no caso, que não se espera, de o despedimento do A. ser considerado ilícito.

13.º - Em qualquer caso, deve o A. ser condenado, como litigante de má fé, ao abrigo do disposto no art.° 542.° e ss. do CPC, no pagamento de multa e de uma indemnização à Ré, (correspondente às despesas a que a má fé deu lugar, incluindo honorários do mandatário), a liquidar em execução do douto acórdão que vier a ser proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça”.

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Os presentes autos respeitam a ação comum e foram instaurados em 16.10.2008.

O acórdão recorrido foi proferido em 16.11.2016.

Os factos sob julgamento ocorreram entre 2004 e 2008.

Assim sendo, são aplicáveis:

•         O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

•         O Código de Processo do Trabalho (CPT), na versão anterior àquela que resultou da revisão operada pelo DL n.º 295/2009, de 13 de outubro;

•         O Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas, são as seguintes as questões submetidas à nossa apreciação:

1 – Nulidade da sentença e do acórdão;

2 – Existência de justa causa de despedimento;

3 – Consequências da passagem do A. à situação de reforma por velhice;

4 – Se a falta de comunicação do A. ao processo da sua situação de reforma por velhice constitui litigância de má-fé.

FUNDAMENTAÇÃO

4.1 - OS FACTOS

Foram os seguintes os factos julgados provados pelas instâncias:

“1º- O Autor foi admitido ao serviço da R. em 4 de Fevereiro de 2004 para exercer a actividade de encarregado de 1ª.

2º- O A. auferia pelo menos € 945,00 mensais ilíquidos.

3º- A R. atribuiu ao A. uma viatura de serviço.

4º- Em 15 de Junho de 2007, a R. atestou a aptidão do A. para conduzir/operar veículos os equipamentos industriais Nível 1.

5º- Em Julho de 2004, a R. propôs ao A. subscrever um contrato de trabalho, datado de Fevereiro de 2004, com a duração de nove meses, com entrega particular de € 1.000,00 na altura da assinatura do contrato.

6º- Em Novembro de 2005, a R. aplicou ao A. uma sanção disciplinar de 30 dias de suspensão com perda de vencimento e antiguidade, por o A. não ter comunicado à R. a ocorrência de acidente de viação de uma viatura desta com que o A. circulava.

7º- Por fax datado de 10 de Setembro de 2007, a R. comunicou ao A. a instauração de processo disciplinar, com intenção de despedimento, nos termos constantes da nota de culpa que anexou, bem como a sua suspensão preventiva de funções, sem perda de retribuição, até à conclusão do processo disciplinar.

8º- Por carta datada de 18 de Fevereiro de 2008, a R. enviou ao A. um aditamento à nota de culpa.

9º- Por carta datada de 4 de Abril de 2008, a R. comunicou ao A. a conclusão do processo disciplinar, tendo sido decidido despedir o A. com justa causa.

10º- Desde 10 de Setembro de 2007, até final de Março de 2008 a R. pagou ao A. a remuneração ilíquida de € 945,00.

11º- Em Abril de 2008, a R. pagou ao A:

- € 283,50, a título de remuneração normal;

-€ 1.701,03, a título de férias não gozadas;

- € 1.333,60, a título de subsídio de férias e

- € 230,58, a título de subsídio de Natal.

12º- A e R. acordaram que o horário daquele seria de 2ª a 6ª, das 8h00 às 17h00, com intervalo para refeição das 12h00 às 13h00.

13º- E acordaram que a viatura atribuída ao A. serviria para se deslocar de casa para o trabalho, e para transportar materiais, ferramentas, equipamentos e pessoal do estaleiro para a obra e vice-versa.

14º- Em data não concretamente apurada a R. retirou a viatura ao A.

15º- Em datas e horas não concretamente apuradas, do período compreendido entre 2004 a 2007, o A., com conhecimento e sem oposição dos seus superiores hierárquicos, trabalhou para além das 8 horas diárias.

16º- No ano de 2004, o A. recebeu mensalmente o valor médio de € 1.372,83.

17º- No ano de 2005, o A. recebeu mensalmente o valor médio de € 1.190,75.

18º- No ano de 2006, o A. recebeu mensalmente o valor médio de € 1.379,22

19º- No ano de 2007, o A. recebeu mensalmente o valor médio de € 1.206,10.

20º- No dia 25 de Junho de 2007, pelas 13h20m, o A. ao sair em marcha-atrás de um estabelecimento em ..., com vista a entrar na via rodoviária contígua foi embatido por um veículo automóvel que nela se encontrava a circular.

21º- O A. não informou a R. dos factos referenciados em 20º.

22º- Entre Julho e Agosto de 2007, o A. efectuou betonagens na obra nº …/… sita em ....

23º- Na mesma obra, aquando de uma construção de uma bancada, incumbido de colocar betão ciclópico, mistura de betão com rachão, o A. aplicou os elementos isoladamente, o que não permite que o betão se misture com a pedra, tendo tal implicado a sua posterior demolição.

24º- Na mesma obra, o A. decidiu não construir a escada de acesso às bancadas que se encontravam previstas no projecto da obra.

25º- O trabalhador decidiu, por sua iniciativa, sem qualquer instrução ou ordem nesse sentido, incumprir o projecto de execução da obra previamente definido e aprovado, relativamente à construção da bancada e das escadas referidas nos artigos 36º a 39º”(alterado pela Relação).

26º- (Eliminado pela Relação).

27º- O A., na qualidade de encarregado de 1ª estava obrigado a desenvolver funções de chefia de frentes de trabalho, responsabilizando-se pela organização de estaleiros de obra, pela gestão de equipamentos e pelo aprovisionamento, controlando o fabrico de materiais em obra e a qualidade dos materiais de construção.

28º- Uma vez que as funções de encarregado pressupunham que o A. se deslocasse entre várias obras da R. motivo pelo qual lhe foi atribuída uma viatura de serviço.

29º- O último escrito do livro de registo de obra atinente ao dia 6.07.2007 junto a fls.1039 e constante de fls.663 do apenso II do processo disciplinar foi feito pelo punho do Engenheiro DD.”

4.2 - O DIREITO

Vejamos então, de entre as referidas questões que constituem o objeto do recurso, aquelas de que este tribunal pode conhecer, mas não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas, bem como, nos termos dos arts. 608º, n.º 2, 663º n.º 2 e 679ºdo Código de Processo Civil, não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ([3]).

4.2.1 – Nulidade da sentença e do acórdão.

Alega a recorrente que a sentença e o acórdão são nulos pelo facto de a terem condenado no pagamento das diferenças nas retribuições relativas aos anos de 2004 a 2007, pedido que o A. não havia formulado.

A recorrente já na apelação havia arguido esta mesma nulidade por referência à sentença.

Vejamos.

Embora na revista aponte esta nulidade à sentença e ao acórdão, o certo é que, se cometida, tê-lo-á sido na sentença e não no acórdão uma vez que a Relação se limitou a conhecer da arguida nulidade da sentença, concluindo pela sua não verificação.

Aquela condenação apenas foi impugnada pela recorrente em sede de arguição de nulidade e não como objeto do recurso propriamente dito.

Aliás, caso assim não fosse, tendo a Relação mantido, nesta parte, o decidido pela 1ª instância estaríamos perante uma situação de dupla conforme impeditiva do respetivo conhecimento pelo Supremo.

Quanto à questão das nulidades da sentença, importa que se esclareça que a questão fica definitivamente solucionada com o acórdão da Relação, não constituindo fundamento do recurso de revista. Esta, como se sabe, é interposta do acórdão da Relação proferido sobre decisão da 1ª instância, que conheça do mérito da causa – art. 671º, nº 1 (exceto no caso de recurso per saltum – art. 678º do CPC). Por conseguinte, quando o art. 674º, nº 1, al. c) refere que a revista pode ter por fundamento “as nulidades previstas nos artigos 615º e 666º”, reporta-‑se às nulidades do acórdão e não às da sentença.

A decisão da Relação conhecendo das nulidades da sentença não é um acórdão “proferido sobre decisão da 1ª instância, que conheça do mérito da causa como prevê o citado art. 671º, nº 1 do CPC, porquanto não está a conhecer da questão decidida pela 1ª instância, mas apenas a determinar se ao decidir da forma como o fez a 1ª instância cometeu determinada nulidade.

No caso, arguiu a reclamante perante a Relação, para além do mais, a nulidade da sentença da 1ª instância, tendo aquele tribunal conhecido da mesma julgando-a improcedente.

Refira-se ainda, que vigora no nosso sistema recursório o princípio da substituição do tribunal recorrido pelo tribunal de recurso.

Estabelece o art. 665º do CPC, nos seus números 1 e 2:

“1 - Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.

2 - Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.

(…)”.

Também daqui resulta que o objeto do recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação não pode consistir nas nulidades da sentença da 1ª instância, mas o acórdão em si mesmo e as eventuais nulidades cometidas neste.

Pelo referido e sem necessidade de maiores considerandos não se conhece da arguida nulidade da sentença e do acórdão.

4.2.2 – Existência de justa causa de despedimento.

Nos termos do art. 351º, nº 1 do CT, constitui justa causa de despedimento «o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho».

A justa causa de despedimento (conceito indeterminado) é assim, integrada pelos seguintes requisitos cumulativos:

“- um comportamento ilícito, grave, em si mesmo ou pelas suas consequências, e culposo do trabalhador (é o elemento subjectivo da justa causa);

- a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral (é o elemento objectivo da justa causa);

 - a verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem que decorrer, efectivamente, do comportamento do trabalhador” ([4]).

Não basta, pois que se verifique um comportamento culposo e ilícito do trabalhador, sendo ainda necessário que esse comportamento tenha como consequência necessária a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral.

A impossibilidade da subsistência da relação de trabalho constitui, assim, “uma limitação ao exercício do direito de resolução do contrato de trabalho na sequência do princípio, constante do art. 808º do CC, de a resolução de qualquer contrato depender da perda de interesse por parte do lesado (no caso o empregador), determinada objectivamente… Perante o comportamento culposo do trabalhador impõe-se uma ponderação de interesses; é necessário que, objectivamente, não seja razoável exigir do empregador a subsistência da relação contratual. Em particular, estará em causa a quebra da relação de confiança motivada pelo comportamento culposo. Como o comportamento culposo do trabalhador tanto pode advir da violação de deveres principais como de deveres acessórios, importa, em qualquer caso, apreciar a gravidade do incumprimento, ponderando a viabilidade de a relação laboral poder subsistir.” ([5]).

“A subsistência do contrato é aferida no contexto de um juízo de prognose em que se projeta o reflexo da infração e do complexo de interesses por ela afetados na manutenção da relação de trabalho, em ordem a ajuizar da tolerabilidade da manutenção da mesma” ([6]).

A impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho, “equivalente à inexistência ou inadequação prática de medida alternativa à extinção do vínculo” ([7]), para além de ter que ser imediata, deve ser aferida não em termos de impossibilidade objetiva, mas de inexigibilidade para a outra parte da manutenção daquele vínculo laboral em concreto ([8]), considerando “o entendimento de um bonus pater familias, de um empregador razoável” ([9]).

“É que a inexigibilidade – envolvendo, como assinalou Bernardo Xavier, «um juízo de probabilidade, de prognose, sobre a viabilidade da relação de trabalho» - surge apontada ao suporte psicológico do vínculo. O que ela significa – o que significa a referência legal é «impossibilidade prática» da subsistência da relação de trabalho – é que a continuidade da vinculação representaria (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador. Nas circunstâncias, a permanência do contrato e das relações (pessoais e patrimoniais) que ele supõe seria de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador” ([10]).

Vejamos então o caso dos autos ([11]).

Revogando a sentença da primeira instância, entendeu a Relação que a conduta do A. não integrava justa causa de despedimento, pese embora tenha avalizado a ponderação da 1ª instância, ao reconhecer que “o comportamento do Autor é culposo e grave em si mesmo”.

Apesar desta conclusão, considerou a Relação que “a factualidade provada é insuficiente para que possamos concluir que os comportamentos em causa são de tal modo graves que abalam a confiança que necessariamente terá de existir entre o trabalhador e o empregador e que, consequentemente, tornam impossível a manutenção da relação laboral.

É contra esta conclusão que a entidade empregadora, ora recorrente, se rebela batendo-se pela manutenção do decidido na 1ª instância.

Vejamos então os atos praticados pelo A.

Está provado que a R. atribuiu ao A. uma viatura de serviço e que no dia 25 de Junho de 2007, pelas 13h20m, o A. ao sair em marcha atrás de um estabelecimento em ..., com vista a entrar na via rodoviária contígua foi embatido por um veículo automóvel que nela se encontrava a circular e não informou a R. da ocorrência desse sinistro.

Em Novembro de 2005, a R. aplicou ao A. uma sanção disciplinar de 30 dias de suspensão com perda de vencimento e antiguidade, por o A. não ter comunicado à R. a ocorrência de acidente de viação de uma viatura desta com que o A. circulava.

Entre Julho e Agosto de 2007, o A. efectuou betonagens na obra nº …. sita em ....

Na mesma obra, aquando de uma construção de uma bancada, incumbido de colocar betão ciclópico, mistura de betão com rachão, o A. aplicou os elementos isoladamente, o que não permite que o betão se misture com a pedra, tendo tal implicado a sua posterior demolição.

Na mesma obra, o A. decidiu não construir a escada de acesso às bancadas que se encontravam previstas no projecto da obra.

O trabalhador decidiu, por sua iniciativa, sem qualquer instrução ou ordem nesse sentido, incumprir o projecto de execução da obra previamente definido e aprovado, relativamente à construção da bancada e das escadas referidas nos artigos 36º a 39º.

O A., na qualidade de encarregado de 1ª estava obrigado a desenvolver funções de chefia de frentes de trabalho, responsabilizando-se pela organização de estaleiros de obra, pela gestão de equipamentos e pelo aprovisionamento, controlando o fabrico de materiais em obra e a qualidade dos materiais de construção.

Refere a Relação que estes comportamentos, apesar de culposos e graves em si mesmos, eram insuficientes para abalar a confiança que tem que existir entre o trabalhador e o empregador, não sendo por isso causa suficiente para a rescisão do contrato pela R.

Na verdade, [fundamenta a Relação] no que se refere ao acidente de viação, não obstante a gravidade da conduta do Autor consubstanciada na persistência em não comunicar tal facto à empregadora, o certo é que não resultou provado que do mesmo adveio qualquer prejuízo, além de que, face às regras da experiência comum, sendo o veículo da empregadora esta sempre acabaria por ter conhecimento do mesmo com todas as consequências que isso implicava.

Por isso, se é certo que o Autor desobedeceu, não é menos certo que essa desobediência, por si, não é suficiente para tornar inexigível a manutenção da relação laboral, tanto mais que tendo sido a Ré quem atribuiu ao Autor a viatura de serviço, sempre poderia retirá-la e entregá-la a outro trabalhador.

Mas será assim?

O que está em causa não é o prejuízo decorrente do acidente, que se desconhece se existiu, mas a clara desobediência à empregadora e respetivas determinações.

É certo que não vem provado que alguma vez a Ré tivesse dado ordens expressas para ser sempre informada dos acidentes em que interviessem viaturas de sua propriedade.

Porém, o A. não podia ignorar essa exigência e consequente obrigatoriedade uma vez que em Novembro de 2005, a R. [lhe] aplic[ara] uma sanção disciplinar de 30 dias de suspensão com perda de vencimento e antiguidade, por o A. não ter comunicado à R. a ocorrência de acidente de viação de uma viatura desta com que o A. circulava.

É pois inquestionável que o A. sabia que tinha que informar a R. do acidente de viação em que interviera no dia 25 de Junho de 2007, mas apesar disso não o fez, sendo irrelevante para a ocorrida desobediência o argumento de que não adveio qualquer prejuízo e bem assim que sendo o veículo da empregadora esta sempre acabaria por ter conhecimento do mesmo com todas as consequências que isso implicava.

Não está em causa o prejuízo ou o conhecimento do acidente que, mais cedo ou mais tarde, a Ré teria por interposta pessoa, mas a omissão pelo A. do dever de comunicação daquela ocorrência para mais quando já anteriormente havia sido disciplinarmente sancionado por conduta idêntica com a pena de 30 dias de suspensão com perda de vencimento e antiguidade.

Acresce que o A., na qualidade de encarregado de 1ª, estava obrigado a desenvolver funções de chefia de frentes de trabalho, responsabilizando-se pela organização de estaleiros de obra, pela gestão de equipamentos e pelo aprovisionamento, controlando o fabrico de materiais em obra e a qualidade dos materiais de construção.

No exercício dessas funções em Julho e Agosto de 2007, o A. efectuou betonagens na obra nº … sita em .... Nessa obra, na construção de uma bancada, incumbido de colocar betão ciclópico, mistura de betão com rachão, o A. aplicou os elementos isoladamente, o que não permite que o betão se misture com a pedra, tendo tal implicado a sua posterior demolição. Acresce que na mesma obra, o A. decidiu não construir a escada de acesso às bancadas que se encontravam previstas no projecto da obra.

Ora, sendo o A., de acordo com as suas funções de encarregado de 1ª, o responsável pelo control[o] [d]o fabrico de materiais em obra e [pel]a qualidade dos materiais de construção e estar incumbido de colocar betão ciclópico, mistura de betão com rachão, ao aplic[ar] os elementos isoladamente, o que não permite que o betão se misture com a pedra, [e] implic[ou] a sua posterior demolição, agiu com falta de diligência e zelo, sendo-lhe “exigível que soubesse colocar betão ciclópico e ler um projecto que, certamente, pouca dificuldade teria, na medida em que se tratava de construir uma bancada”, como reconhece a Relação.

Para além disso, o trabalhador decidiu, por sua iniciativa, sem qualquer instrução ou ordem nesse sentido, incumprir o projecto de execução da obra previamente definido e aprovado, relativamente à construção da bancada e das respetivas escadas de acesso… que se encontravam previstas no projecto da obra.

A falta de diligência e zelo no exercício das funções levou, inclusive, a que se fizesse constar no livro de registo de obra atinente ao dia 6.07.2007 o seguinte: “O Sr AA – Encarregado do subempreiteiro BB demonstra em obra falta de profissionalismo no trabalho que executa, não cumpre o Projeto de Execução, tendo efectuado diversos erros em obra e executado trabalhos sem autorização da fiscalização. Desta forma solicitamos a sua substituição de forma a que os trabalhos possam decorrer dentro da normalidade”, tendo o Engenheiro DD inserido o seguinte “A CC vai propor a sua substituição” (nº 29 dos factos provados).

Como referido, as condutas do A. violaram claramente dos deveres contratuais de obediência, de zelo e diligência, a que aludem as alíneas c) e d) do art. 121º, nº 1 do Código do Trabalho e, porque graves em si mesmas, como reconhecido pelas instâncias, para além de facto do A. ter já antecedentes disciplinares, constituem justa causa de despedimento, na medida em que tornam inexigível para a R. a manutenção da relação de trabalho.

4.2.3 – Consequências da passagem do A. à situação de reforma por velhice.

Tendo-se concluído que os atos praticados pelo A. constituem justa causa de despedimento, mostra-se prejudicada a apreciação desta         questão.

4.2.4 – Se a falta de comunicação do A. ao processo da sua situação de reforma por velhice constitui litigância de má-fé.

Invoca a Ré que o A. ao ter-se apresentado nas suas instalações para prestar trabalho aquando da notificação do acórdão da Relação, omitindo o facto de já se encontrar reformado por velhice desde 16.02.2012 impõe a sua condenação como litigante de má-fé.

Nos termos do art. 542º/2 do CPC, “diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.

O paradigma do instituto da litigância de má-fé, relativamente ao elemento subjetivo, foi alterado com a revisão do Código de Processo Civil em 1995.

Enquanto no regime anterior se considerava ser a litigância de má-fé aplicável apenas à situação de dolo material ou instrumental, o introduzido com a reforma de 1995, cuja formulação se mantém no diploma atualmente em vigor, passou a abarcar também as situações de litigância negligente ou culposa.

Refere Menezes Cordeiro ([12]): “No direito processual – 1995/96 – valem o dolo e a negligência grave: não a comum. A jurisprudência, ainda que sublinhando o alargamento que a relevância agora dada à negligência (grave) significa, restringe esse alargamento às prevaricações substanciais; nas processuais – art. 456º/2, d) – apenas relevaria o dolo. A própria negligência grave é entendida como “imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesto aos olhos de qualquer um”.

Nas palavras de Rodrigues Bastos ([13]), “A parte tem o dever de não deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; de não alterar a verdade dos factos ou de não omitir factos relevantes para a decisão da causa; de não fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão; de não praticar omissão grave do dever de cooperação, tal como ele resulta do disposto nos arts. 266.º e 266º-A. Se intencionalmente, ou por falta da diligência exigível a qualquer litigante, a parte violar qualquer desses deveres, a sua conduta fá-lo incorrer em multa, ficando ainda sujeito a uma pretensão indemnizatória destinada a ressarcir a parte contrária dos danos resultantes da má-fé.”

Subjacente à tese da Ré está o entendimento de que a reforma por velhice acarreta inexoravelmente a cessação do contrato por caducidade.

É certo que nos termos do art. 343º, al. c) do CT (ora em vigor) o contrato de trabalho caduca com a reforma do trabalhador por velhice. Porém, se o trabalhador permanecer ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice, a consequência é a conversão a termo do contrato sem termo até então vigente.

Por outro lado, constituindo matéria de exceção, e pretendendo do facto tirar o respetivo proveito, sobre ela, e não sobre o A., impendia o respetivo ónus de alegação, nomeadamente em articulado superveniente.

Termos em que se conclui que a invocada omissão de comunicação pelo A. da sua situação de reforma por velhice, não o faz incorrer em litigância de má-‑fé.

DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Não conhecer da invocada nulidade da sentença e do acórdão.

2 – Revogar o acórdão recorrido e repristinar a sentença da 1ª instância.

3 – Condenar o A. nas custas da revista e nas custas da apelação que interpôs.

Anexa-se o sumário do acórdão.

                            Lisboa, 22.06.2017

Ribeiro Cardoso (Relator)

Ferreira Pinto

Chambel Mourisco

_____________________
[1] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[2] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de  23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[3] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247.
[4] Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 5ª edição, pág. 954.
[5] Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2015, 3ª edição, págs. 427 e 428.
[6] Ac. do STJ de 28.01.2016, proc. 1715/12.6TTPRT.P1.S1 (Cons. Leones Dantas).
[7] António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 17ª edição, pág. 514.
[8] Neste sentido Maria do Rosário Palma Ramalho, in ob. cit. págs. 957 e 958.
[9] Ac. do STJ de 5.01.2012, proc. 3937/04.4TTLSB.L1.S1 (Cons. Sampaio Gomes).
[10] António Monteiro Fernandes, in ob. cit. pág. 519.
[11] São nossos todos os sublinhados que doravante forem inseridos.
[12] LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ, ABUSO DO DIREITO DE ACÇÃO E CULPA IN AGENDO, pág. 26.
[13] NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, vol. II, 3ª Edição, págs. 221 e 222.