Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9334/11.8TBOER-G.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ACÁCIO DAS NEVES
Descritores: LETRA DE CÂMBIO
PROTESTO
DIREITO DE ACÇÃO
ACEITANTE
AVAL
AVALISTA
Data do Acordão: 11/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO COMERCIAL – LETRAS / PAGAMENTO / ACÇÃO POR FALTA DE ACEITE E FALTA DE PAGAMENTO.
Doutrina:
- Abel Pereira Delgado, Lei Uniforme sobre Letras e Livranças Anotada, 62 Edição, p. 317;
- Fernando Olavo, Direito Comercial, Volume II, p. 136;
- Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Volume III, 1975, p, 211;
- Gonçalves Dias, Da Letra e da Livrança, Volume VII, p. 511;
- J.G. Pinto Coelho, As Letras, Fasc. V, p. 19 e ss.22, 23 e 24.
Legislação Nacional:
LEI UNIFORME DA LETRA E LIVRANÇAS (LULL): - ARTIGOS 32.º, 43.º E 44.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 3.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 18-02-1987, RELATOR PINHEIRO FARINHA;
- DE 07-03-1988, RELATOR FERREIRA DE ALMEIDA;
- DE 17-03-1988;
- DE 12-05-1988, RELATOR SOLANO VIEIRA;
- DE 24-05-1988, RELATOR GAMA PRAZERES;
- DE 08-11-1988;
- DE 17-01-1990, RELATOR ABÍLIO VALVERDE;
- DE 29-01-1991, RELATOR MOREIRA DA FONSECA;
- DE 08-10-1991, RELATOR MARTINS DA FONSECA;
- DE 07-12-1995;
- DE 22-02-1996, RELATOR ROGER LOPES;
- DE 14-05-1996;
- DE 08-04-1997, RELATOR RIBEIRO COELHO;
- DE 29-01-1998;
- DE 09-11-1999, RELATOR FRANCISCO LOURENÇO;
- DE 20-11-2003;
- DE 11-11-2004;
- DE 09-09-2008;
- DE 23-04-2009;
- DE 10-09-2009, RELATOR LOPES DO REGO;
- DE 14-01-2010, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
O direito de ação contra o avalista do aceitante de uma letra de câmbio não depende da realização do protesto por parte do respetivo portador.  
Decisão Texto Integral:

            Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

No âmbito da oposição deduzida pelos executados AA, Lda (1º executado), BB (2º executado) e CC (3º executado), por apenso à execução que lhes foi movida por DD, em sede de despacho saneador foi, para além do mais, julgada procedente a exceção perentória de falta de protesto relativamente aos avalistas BB e CC (oponentes - 2º e 3º executados) e declarada quanto a estes extinta a execução.

Inconformado, recorreu o exequente para a Relação, pugnando pela revogação do despacho saneador na parte em que julgou procedente a exceção perentória de falta de protesto relativamente aos avalistas BB e CC (2° e 3° executados), julgando extinta a execução quanto a estes, com a consequente substituição da decisão por outra que julgue improcedente a exceção invocada.

           

A Relação de Lisboa, por acórdão constante dos autos, julgou procedente o recurso e revogou a decisão recorrida, julgando improcedente a exceção dilatória de falta de protesto da letra quanto aos 2º e 3º executados e ordenando o prosseguimento da execução quanto a estes.

           Inconformados, interpuseram os executados/oponentes BB e CC o presente recurso de revista, no âmbito do qual formularam as seguintes conclusões:

DO PEDIDO DA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

A. Resulta da análise de vária Jurisprudência quanto à matéria objeto deste Recurso, e no que tange à exigibilidade e requisito de Protesto nas Letras quanto aos Avalistas, em momento anterior à sua cobrança coerciva, a existência de vários Acórdãos contraditórios entre si, impondo-se, em Defesa dos Garantias e Garantias dos Cidadãos e em nome da Segurança Jurídica Uniformizar Jurisprudência quanto a esta matéria.

B. Nestes termos, se Requer a V. Exas. se Dignem Ordenar o Julgamento alargado, determinando-se, até à prolação do Acórdão, que o Julgamento do Recurso se faça com intervenção do Pleno das Secções Cíveis, de forma a se assegurar a Uniformidade da Jurisprudência.

C. Tudo e para os efeitos do disposto no Artigo 686.º do CPC.

           D. Os presentes Autos de Execução, correm ternos com o nº 9334/11.8TBOER, no Juízo de Execução de Oeiras - Juiz 2 - Tribunal judicial da Oeste, têm come Titulo Executivo uma Letra de Câmbio,

DO OBJECTO

E. A referida Letra serviu de garantia ao pagamento da última prestação do preço devida pela Executada e única Aceitante, a Sociedade comercial com a firma AA, LDA. Pela Compra/transmissão de Ações da Sociedade EE S.A. e que apenas poderia ser descontada na hipótese do último pagamento, referente à última prestação, não ser efetuado e ser devido.

            F. Estamos perante um Contrato de Compra e Venda de Ações, outorgado aos 30/06/2007, pelo preço de € 1.170.000,00 (um milhão, cento e setenta mil euros), tendo a então AA LDA. pago o montante de 1.050.000,00, refutando-se ao pagamento da última prestação pelas questões e defesa que apresenta, objeto de matéria controvertida levada a julgamento, no âmbito da Oposição à Execução, cuja Decisão foi já proferida, mas ainda não Transitada em Julgado.

G. O Recorrido, á revelia e sob instruções contrárias dos aqui Recorrentes, para que a letra não fosse acionada, propôs Acão Executiva, que deu origem ao Processo Principal n.º 9334/11.8TBOER, executando a referida Letra, junta aos Autos a fls…

           H. A única Aceitante é AA, LADA., sendo Avalistas os aqui Recorrentes e beneficiários os então Vendedores das Ações FF na proporção de 70% do Capital Social e DD na proporção de 30%.

I. Contudo, apenas DD executou a referida Letra, mesmo contra a vontade do outro Beneficiário, FF, que manifestou nos próprios Autos e junto dos aqui Recorrentes, que nada lhe é devido, por força do seu incumprimento e do seu Irmão ao Contrato de Venda de Ações, conforme documento exarado pelo próprio e devidamente autenticado junto a fls. ---' nos Embargos de Executado.                                                    J. Sucede que, e conforme tem vindo a ser alegado, o aqui Recorrido nunca interpelou previamente à interposição da Execução, os Executados Avalistas, para o pagamento da Letra.                                                                                                            K. Na verdade, nem a mesma foi apresentada a pagamento na data do seu vencimento (ou posteriormente!), nem foi lavrado o respetivo Protesto por falta de pagamento, sobejamente e tal como confirmado em Decisão de Primeira Instância.       

L. Por Despacho Saneador datado de 26-04-2017, com a referência ..., foi, quanto à invocada exceção da falta de Interpelação para Pagamento (LULL 38º) e de Protesto (LULL 44º) da Letra, julgada “procedente a exceção perentória de falta de protesto relativamente aos 22 e 32 executados - e julga-se extinta a execução, quanto a estes”.   

M. Não se conformando, o Exequente, aqui Recorrido, apresentou Recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que veio, por Acórdão datado de 11/01/2018, a julgar o Recurso procedente, porquanto:                                                                             

N. “Dada a posição jurídica do avalista, que garante a obrigação subjacente da mesma maneira que o signatário ou o aceitante da letra, embora de forma autónoma, o direito de crédito pode ser exercido contra um só ou contra todos, que são interessados da relação material controvertida. Consequentemente, adere-se ao entendimento jurisprudencial dominante, de que sendo o aceitante e o dador do aval devedores principais, é aplicável a ambos o disposto no citado artigo 53º da L.U.L.L., não se vislumbrando qual a razão de fundo para exigir o cumprimento da formalidade do protesto no caso de acionamento do avalista, e dispensá-la quanto se trata de uma ação cambiária contra o aceitante. Nesta sequência, a decisão recorrida deve ser alterada no sentido pretendido pela apelante.”                                      

O. O que não se aceita, nem se pode conceber.

DAS ALEGAÇÕES STRICTO SENSU         

  P. Dúvidas não restam, tanto por Decisão de Primeira Instância como por Acórdão da Relação de Lisboa, que o Sacador nunca notificou ou interpelou os Avalistas para o pagamento, quer judicial quer extra judicialmente, e por conseguinte não deu cumprimento ao formalismo que se impõe para que a Letra tenha valor cambiário.                                                                                                                        Q. Conclui o Tribunal da Relação de Lisboa, que o Portador da Letra não tem de Protestar por Falta de Pagamento do Aceitante, a fim de poder exercer o seu direito contra o Avalista.                                                                                                      R. Reiterando-se e sendo entendimento Doutrinal e Jurisprudencial que o Protesto é condição necessária para o Portador poder exercer o seu Direito contra os Avalistas.   

  S. A recusa do pagamento deve ser comprovada pelo Protesto, conforme dispõe o Artigo 44.º da LULL, afastando-se veemente a Tese da Desnecessidade de Protesto contra o Avalista.                                                                                              

T. O Protesto é o ato jurídico formal efetuado perante um Notário, destinado a certificar a falta de aceite ou de pagamento de uma letra por parte do sacado ou subscritor (função de segurança), dar conhecimento desta aos demais subscritores cambiários (função informativa) e a salvaguardar os direitos do portador da letra ou livrança (função conservatória).                                                                                     U. Sem o Protesto, não se pode considerar que os Avalistas tomam formalmente conhecimento de que o Aceitante não havia procedido ao pagamento a que estava obrigado.                                                                                                               

V. Nos termos e ao abrigo do disposto no Artigo 53º da LULL, depois de expirado o prazo para apresentação de uma letra à vista ou a certo termo de vista ou para fazer o protesto por falta de pagamento, o Portador perde os seus direitos de Acão contra os Endossantes, contra o Sacador e contra os outros coobrigados, à exceção do Aceitante.                                                                                                         W. Considerando que o referido Artigo 53º da LULL apenas exclui do dever de apresentação do título a pagamento e o respetivo protesto contra o aceitante, englobando no dito dever os outros coobrigados sem exceção, sempre se dirá que, onde a lei não distingue o intérprete também não deve distinguir.                             

X. A própria epígrafe do Artigo 53.º da LULL refere "Direito de ação contra intervenientes não aceitantes". Ora, ainda que se afirma que o Avalista é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, Aceitante e Avalista são figuras diferentes. Resulta assim que o legislador quis apenas excluir o Aceitante. O Avalista é um interveniente não aceitante! Pelo que o Artigo 53.º aplica-se, sem mais, ao Avalista.                                                                                                                              

Y. “A falta de protesto determina a caducidade do direito de ação do portador contra todos os firmantes da letra à exceção do aceitante, diz o art. 53º” (Perde ou não o portador da letra os seus direitos contra o avalista do aceitante por não ter feito o protesto atempadamente in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 4 - Instituto da Conferência (1944)).                                                                                        Z. Consequentemente, o Artigo 53.º da LULL dispõe que o portador da letra não protestada apenas tem direito de ação contra o aceitante - que é quem estava incumbido de a pagar e aceitara essa incumbência -, mas não contra os garantes do seu pagamento, contra quem ele não tem (legalmente) meio de provar que a recusa se deu.  

AA. Por outro lado, atente-se que os Avalistas não são Aceitantes, mas tão só coobrigados (obrigado juntamente com outrem, sendo que em relação a estes todos, a Falta de Protesto o Avalista implica que os mesmos não possam ser acionados.                  

BB. O elemento literal é claro: exceciona o Aceitante. E apenas o Aceitante! Se o Legislador quisesse excecionar outra figura, como a dos Avalistas, fá-lo-ia. O que não sucede. Não cabendo ao Intérprete substituir-se ao Legislador.    

CC. Mais, a tese da desnecessidade do Protesto face ao Avalista, obriga a uma interpretação corretiva, não só do Artigo 53.º. mas também de outros Artigos como os n.ºs 43º, 46º, todos da LULL. O que não é aceite na nossa Ordem Jurídica. Tal interpretação desvirtua todo o elemento sistemático.                                                         

DD. Nem se pode equiparar o Avalista ao Aceitante. São figuras distintas, com regimes jurídicos e obrigacionais distintos.                                                        

 EE. A simples leitura do art. 53.º “conduz imediatamente à conclusão de que, expirado o prazo fixado para o protesto por falta de pagamento, o portador perdeu todos os seus direitos, inclusive contra o avalista do aceitante, só os conservando contra o aceitante mesmo. Na verdade, só o aceitante é excetuado pelo art. 53.º. E não parece lícito, pela razão indicada, equiparar-lhe o seu avalista.” (Perde ou não o portador da letra os seus direitos contra o avalista do aceitante por não ter feito o protesto atempadamente in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 4 - Instituto da Conferência (1944).                                                                                                            FF. E ainda que se admitisse que os Avalistas integram o conceito de Aceitante (o que não se aceita!), quem são os coobrigados? Se os avalistas não são os co­obrigados quem serão?                                                                                                           GG. “Nos arts. 11.º, 18º9, 19.º, 43.º, 50.º, 52.º e 53.º há expressão outros obrigados, coobrigados na tradução portuguesa, servindo a compreender nela os avalistas; onde a mesma razão, a mesma disposição." (Idem).      

  HH. No que respeita ao Artigo 32.º da LULL, onde fica expresso que “O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada”,  

II. tal disposição tem apenas efeitos, e refere-se concretamente ao Regime de Responsabilidade Obrigacional dos Avalistas. Isto é, o Avalista é um devedor solidário e por isso não goza do Benefício da Excussão Prévia.                            

 JJ. Até porque “a simples solidariedade não é razão suficiente para justificar que a responsabilidade seja exigida aos garantes da letra, independentemente da apresentação ao aceitante e da prova da falta de pagamento por parte deste.” (Idem).                                                                                                                   KK. Sucede que a responsabilidade solidária dos Avalistas não afasta, nem pode afastar, a figura do Protesto, porque não resulta da Lei.      LL. O Regime Obrigacional (que se relaciona e estabelece a responsabilidade pelo incumprimento) em nada interfere com os procedimentos subjacentes e necessários ao Direito de Acão contra intervenientes não aceitantes (cfr. Artigo 53.º da LULL).                                                                                                                MM. “E pode mesmo argumentar-se - por estranho que pareça - com o próprio art. 32.º. Não é senão a recapitulação do argumento de ordem lógica e sistemática. É pela obrigação do aceitante que se define a obrigação do avalista. E o aceitante não tem de pagar a letra, como é óbvio, sem que ela, para tanto, lhe seja apresentada (arts. 34,º, 38,º e 42º). Se o avalista do aceitante fosse obrigado a pagar a letra antes de o pagamento ser pedido ao aceitante, teria que pagá-la sem que tivesse que a pagar o aceitante. E isso parece ser contrário ao próprio art. 32º. Deverá portanto, entender-se, que, expirado o prazo fixado para o protesto por falta de pagamento, o portador só conserva os seus direitos contra o aceitante. Igualdade de situações de interesses requer igualdade de regulamentação legal. Se a interpretação puder conduzir a essa igualdade de regulamentação, deverá preferir-se a solução por essa interpretação indicada” (Idem).                                 

  NN. Na mesma senda: “I - O aval é nada mais do que uma forma de garantir o pagamento de um título cambiário, configurando como que uma fiança, na medida em que o avalista garante a satisfação do direito de crédito do tomador ou beneficiário do titulo, ficando aquele pessoalmente obrigado perante o credor, embora deforma subsidiária ou acessória, mas solidária – artºs 30º, 32º, I, e 78º, I da LULL, e 627º, nºs 1 e 2, do C. Civ .. II - Por outras palavras, o avalista de um título cambiário é considerado tão responsável como o subscritor desse título que é por ele afiançado, pelo que não há distinção entre aceitante e avalista para efeitos de responsabilidade pelo pagamento do título” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo 189-A/1999.Cl, Relator JAIME FERREIRA).                                   

OO. Ainda que o Artigo 77.º da LULL, respeitante às Livranças, mande aplicar, “na parte em que não sejam contrárias à natureza deste escrito”, nomeadamente o disposto no Artigo 32,º, mais uma vez se reitera que tal regime respeita única e exclusivamente à Responsabilidade Obrigacional! E não quanto à questão procedimental de pré-requisito a esta obrigação!                                           

  PP. Até porque o Artigo 32,º da LULL está inserido no Capitulo das Letras e o Artigo 77.º no das Livranças.   

QQ. Andou e bem, o Digníssimo Tribunal de Primeira Instância, ao fundamentar a sua Decisão no facto de “diferentemente do que sucede, no que respeita às livranças - em que a jurisprudência considera ser desnecessário o protesto (…) a recusa do pagamento de letra deve ser acompanhado por um ato formal e autêntico (…)”    RR. Sendo, in casu, o Protesto obrigatório, este visa não só comprovar a recusa, mas é também um pressuposto processual.     SS. Que uma vez não verificado, consubstancia uma exceção perentória leva à Absolvição do Pedido.                                                                        TT. In casu, só podia haver lugar a dispensa de protesto por motivo de ordem legal (insolvência do sacado - Artigos 43.º e 44.º da LULL, motivo insuperável ou força maior - Artigo 54.º da LULL,) ou voluntário (com a inserção no título da cláusula “sem despesas” ou “sem protesto”, ou equivalente - Artigos 46.º e 77.º), o que não se verifica!                                                                                                   UU. Face a todo o exposto, reitera-se que a Letra avalizada pelos ora Recorrentes, não foi protestada por falta de pagamento e não contem cláusulas de “sem despesas” ou “sem protesto”. Pelo que resulta que o ora Recorrido perdeu os seus direitos de Acão contra os ora Recorrentes.  

VV. Extinguiu-se assim o Direito de Acão Cambiária contra os Recorrentes porquanto, nos termos do Artigo 53.º da LULL, para que não se perca o direito de ação cambiária contra os Avalistas é forçoso protestar a Letra quando não paga no seu vencimento, exceto se a ação foi intentada apenas contra o Aceitante.                  

WW. Concluindo-se que, não existe Acão Cambiária contra os aqui Recorrentes, dado que a Letra objeto destes Autos não foi protestada, não podem os Autos de Execução prosseguirem contra os ora Recorrentes.                                         

XX. O Acórdão do Tribunal da Relação violou a lei substantiva, ao dar uma interpretação que para além de não ter qualquer fundamento literal, consubstancia uma interpretação corretiva, também ela proibida por Lei, cfr. Artigo 9.º do Código Civil. Mais, não consegue ultrapassar o facto da Tese acolhida fazer tabua rasa das normas de interpretação vigentes no nosso Ordenamento Jurídico, nomeadamente de que “o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, cfr. Artigo 9.º, n.º3 do Código Civil.                                   

     YY. Salvo melhor opinião, o Digníssimo Tribunal a quo interpretou o Regime estabelecido pela Lei Uniforme das Letras e Livranças, de forma inconstitucional, em clara violação das regras de interpretação vigentes no nosso ordenamento Jurídico, reiterando-se todo o acima exposto, e por conseguinte do Principio da Legalidade, cfr. Artigo 3.º da Constituição da Republica Portuguesa.          

ZZ. Motivo pelo qual desde já se suscita a Inconstitucionalidade das normas 32, 43 e 44 da LULL conjugadas, com a interpretação de que, em relação ao Avalista, não é necessário o Portador munir-se de Protesto por falta de pagamento,   

AAA. Devendo ser apenas admissível a interpretação da necessidade de Protesto para que o Portador possa exercer o seu Direito contra o Avalista, porquanto é a única que resulta da Lei.                                                       

BBB. Seria fazer uma interpretação extensiva, em total violação aos Direitos e Defesa dos Avalistas e Garantes. Exatamente por terem tratamento diferenciado, a Lei distingue o que dispõe quanto ao Aceitante e o que dispõe quanto aos Avalistas, criando diferentes Institutos para cada um deles.                                                                CCC. Relembrando que “nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunas aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”, cfr. Artigo 204.º da CRP.

 Contra-alegou o recorrido (exequente), pugnando pela improcedência da revista.

  Por decisão do Exmo. Senhor Presidente do STJ (de fls. 380 a 383), a quem os autos foram conclusos, nos termos legais, para o efeito, foi indeferido o requerido julgamento ampliado da revista.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir:

   Perante o conteúdo das conclusões dos recorrentes, enquanto delimitadoras do objeto da revista (e uma vez decidida a questão do julgamento ampliado da revista, no sentido do indeferimento), são as seguintes as questões de que cumpre conhecer:

 - saber se, para exercer o seu direito contra o avalista do aceitante, o portador de uma letra tem de proceder previamente ao protesto da mesma por falta de pagamento do aceitante.                                                                                                 - saber se a interpretação dos arts. 32º, 43º e 44º da LULL no sentido da dispensa do protesto viola o princípio da legalidade previsto no art. 3º da CRP.

      É a seguinte a factualidade tida por relevante que foi dada como provada pelas instâncias:

1) O exequente apresentou como título executivo a letra junta aos autos principais, em 17.05.2017, emitida em 30.06.2007, e com data de vencimento de 31.12.2009, preenchida no valor de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros).

2) A letra foi subscrita pelo exequente, na qualidade de sacador, e aceite pela 1ª executada AA, Lda.

3) O 2° e 3° executados, BB e CC, deram o seu aval.

   Quanto à questão da exigência do protesto:

                                                                                                                  Está neste âmbito em causa saber se o portador de uma letra de câmbio pode exercer o seu direito de ação contra o avalista do aceitante sem proceder ao respetivo protesto.

  Conforme se alcança da respetiva decisão (saneador), a 1ª instância – não obstante assumir, na linha de jurisprudência que cita, a desnecessidade do protesto no que respeita às livranças – veio a tomar posição no sentido da exigência do protesto no caso de estar em causa, conforme sucede no caso em apreço, uma letra de câmbio.            E daí ter julgado procedente a invocada exceção perentória de falta de protesto, relativamente aos 2º e 3º executados (os avalistas da executada aceitante), ora recorrentes, e ter julgado extinta a execução quanto aos mesmos.

Seguindo o entendimento contrário, a Relação veio, no âmbito da apelação do exequente, a tomar posição no sentido da desnecessidade do protesto – e daí a revogação do decidido na 1ª instância, ordenando-se, em consequência, o prosseguimento da execução também quanto aos ora recorrentes.

   É contra tal entendimento que estes se manifestam, defendendo o entendimento interpretativo da 1ª instância, nos termos e com os fundamentos constantes das conclusões supra transcritas.

   A 1ª instância, para justificar a sua posição (necessidade do protesto) limitou-se a invocar o acórdão do STJ de 04.12.96 (CJ), cujo sumário transcreve, nos seguintes termos:

Quanto aos avalistas (2° e 3° executados), e diferentemente do que sucede no que respeita às livranças - em que a jurisprudência considera ser desnecessário o protesto (cf. acórdãos da Relação de Lisboa de 9-XI-95 - EMJ 451, 494 , da Relação do Porto de 19-V-95 - BMJ 437, 586 -, da Relação de Coimbra de 14-XII-93 - BMJ 432, 440 -, ou do Supremo Tribunal de Justiça de 7-1-93 - EMJ 423, 440) -, vale a jurisprudência do S.T.J. de 4-XII-96 (CJ): “I - A recusa do pagamento de letra deve ser acompanhada por um ato formal e autêntico - protesto por falta de pagamento - que é não só um meio de prova, mas também um ato conservatório indispensável. II - A falta de protesto atempado conduz à perda ou extinção da ação de regresso do portador, a menos que este esteja dispensado de o fazer, seja por motivo voluntário, seja por razão legal. III - A falta de protesto, quando exigível, integra uma exceção perentória, que, por se referir a direitos disponíveis, só pode operar desde que expressamente invocada pelo devedor cambiário.”        Assim, pelos motivos supra, julga-se procedente a exceção perentória de falta de protesto relativamente aos 2° e 3° executados - e julga-se extinta a execução, quanto a estes”.

            Todavia, o certo é que do texto do sumário do acórdão em que a 1ª instância se estriba (cuja eventual publicação nem é sequer devidamente identificada) nem sequer se pode retirar a ilação que dele foi retirada – na medida em que ficamos sem saber qual a concreta situação ali em causa, sendo certo que a ali aludida perda do direito de ação baseada na falta de protesto apenas é feita com referência aos casos em que o protesto é exigível (“…A falta de protesto, quando exigível, integra uma exceção perentória…).

            Assim, o que interessa saber (e a 1ª instância não o justifica) é se, relativamente ao avalista do aceitante da letra de câmbio, se verifica a exigência do protesto.

    Não estando em causa uma situação de dispensa do protesto a que alude o art. 46º da LULL (resultante da existência de cláusulas “sem despesas” ou “sem protesto”), a questão tem que ser vista à luz do disposto nos arts. 44º, 53º e 32º daquele diploma.                                                                                                                   Não sendo o protesto efetuado, nos termos do art. 44º, o portador da letra, nos termos do disposto no art. 53º “perdeu os seus direitos de ação contra os endossantes, contra o sacador e contra os outros coobrigados, à exceção do aceitante”.

É à luz deste preceito que os recorrentes defendem a tese da exigência do protesto – dizendo que o mesmo apenas exceciona o aceitante que não qualquer dos outros coobrigados, entre os quais se inclui o avalista do aceitante.

  Todavia o certo é que o art. 32º do mesmo diploma também estabelece que “O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada”.

            Ora, é precisamente com base neste preceito que, conforme bem se salienta no acórdão recorrido, a doutrina e a jurisprudência dominantes têm vindo (e desde há muito) a seguir o entendimento da não exigência do protesto em relação ao avalista do aceitante da letra.

            Salienta-se a propósito, e bem, no acórdão recorrido o seguinte, com referência a este (“primeiro”) entendimento:

“Na doutrina, é dominante o primeiro entendimento (J.G. Pinto Coelho, As Letras, Fasc. V, pág. 19 e seguintes; Gonçalves Dias, Da Letra e da Livrança, Vol. VII, pág. 511; Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Vol. III, 1975, pág, 211; Fernando Olavo, Direito Comercial, Vol. II, pág. 136; e Abel Pereira Delgado, Lei Uniforme sobre Letras e Livranças Anotada, 62 edição, pág. 317).

(…)

Na jurisprudência, tem-se assinalado uma adesão reiterada a este entendimento no S.T.J. (conforme, entre outros, Acórdãos de 17.03.1988, de 8.11.1988, de 7.12.1995, de 14.05.1996, de 29.1.1998, de 20.11.2003, de 11.11.2004, de 9.9.2008, de 23.04.2009 e de 14.01.2010, acessíveis no sítio da internet do IGFEJ)”.

E, para além destes acórdãos, foi no mesmo sentido que o STJ se pronunciou designadamente nos seus acórdãos de 18.02.1987 (relator Pinheiro Farinha), de 07.03.1988 (relator Ferreira de Almeida), de 12.05.1988 (relator Solano Vieira), de 24.05.1988 (relator Gama Prazeres), de 17.01.1990 (relator Abílio Valverde), de 08.1991 (relator Martins da Fonseca), de 29.01.1991 (relator Moreira da Fonseca), de 22.02.1996 (relator Roger Lopes), de 08.04.1997 (relator Ribeiro Coelho), de 09.11.1999 (relator Francisco Lourenço) de 10.09.2009 (relator Lopes do Rego) – todos in www.dgsi.pt.

É este o entendimento (da Relação) que perfilhamos, ou seja o entendimento seguido na doutrina e na jurisprudência (não só do STJ como também das Relações), e desde há muito tempo - sendo certo estar em causa a interpretação de disposições legais que se encontram em vigor desde há muitas décadas (e daí que não faça sentido que, sem alteração das normas, se procure uma total inversão do entendimento interpretativo).

De resto, conforme se refere no despacho de fls. 380 a 383 do Exmo. Senhor Presidente do STJ (no qual foi indeferido o requerido julgamento ampliado da revista) “na jurisprudência do Supremo quanto à questão em causa, não se encontram divergências contemporâneas a que seja adequado pôr cobro, assim como não parece existir risco atendível de mutação jurisprudencial inesperada que possa operar em prejuízo das desejáveis estabilidade e segurança”

 Ademais, conforme se alcança das conclusões do recurso, os recorrentes ali nem sequer identificam qualquer acórdão que trilhe sentido diferente da tese que perfilhamos, ou seja, a tese seguida pela Relação.

E, neste contexto, não poderemos efetivamente deixar de ter em atenção o disposto no nº 3 do art. 8º do C. Civil, nos termos do qual “Nas decisões a proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.

A norma do artigo. 53º em que os recorrentes baseiam a sua tese - relativa à perda do direito de ação “contra os endossantes, contra o sacador e contra os outros coobrigados, à exceção do aceitante” deve ser vista como norma genérica que tem que ser complementada com a norma especial e, como tal, de exceção, estabelecida no artigo 32º para os avalistas, no sentido de que “O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada”.   Ora se o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, subsistindo, como tal, a responsabilidade do avalista do aceitante da letra enquanto se mantiver a responsabilidade deste, não faria sentido que, em contrário do que sucede com o aceitante, a responsabilidade do avalista estivesse dependente da formalidade do protesto.                                                      Conforme bem se considerou no supra referido acórdão do STJ de 21.04.2004 “o aval representa um ato cambiário que desencadeia uma obrigação independente e autónoma de honrar o título… para acionar o avalista do aceitante não é necessário proceder ao protesto, uma vez que o avalista, embora subsidiariamente, se vincula da mesma forma que o aceitante”.               E, conforme se considerou ainda no também supra referido acórdão de 24.05.1988 “como obrigado direto, tal como o aceitante da letra, e solidariamente responsável como avalizado (responsabilidade imprópria, porque não são condevedores da prestação cambiária, nem esta se divide entre ambos), o dador do aval responde como obrigado principal, como principal pagador”.

Vale ainda a propósito, sublinhar e transcrever, porque relevante, o que no acórdão recorrido se expende a propósito dos ensinamentos de Pinto Coelho:

“ Na opinião de J.G. Pinto Coelho (obra citada, pág. 22 e 23), a autonomia das obrigações não é decisiva a este respeito, pois o que releva é a circunstância de o protesto condicionar, não o exercício do direito de regresso pelo garante que paga, mas a própria garantia ou responsabilidade dos obrigados de regresso, ou garantes, que, enquanto tais, têm ação de regresso contra os signatários que os antecedem na cadeia dos responsáveis. Nas suas palavras, compreende-se, «pois, que o ordenador subordine a sua responsabilidade ou garantia à circunstância de o portador apresentar a letra, na ocasião própria, ao destinatário da ordem (...) e não conseguir o pagamento prometido. (...) vistas as coisas assim,... somos ainda levados a reconhecer que ao aceitante deve equiparar-se ao seu avalista, e que, se o portador não precisa de protestar a letra para acionar o aceitante, tão-pouco terá que o fazer para acionar o avalista deste (...) Não é uma responsabilidade secundária, derivada da ordem de pagamento, como a do sacador ou endossante, mas uma responsabilidade primária; não se justifica, pois, que se condicione à formalidade do protesto.» (Obra citada, pág. 23 e 24).”.

Em suma, face ao que se acaba de expor, haveremos e concluir no sentido da não exigência do protesto, relativamente ao acionamento dos avalistas do aceitante da letra dada à execução ou seja dos ora recorrentes – razão pela qual não nos merece censura o decidido no acórdão recorrido, tendo-se por base tal entendimento.

Improcedem assim nesta parte as conclusões dos recorrentes.

Quanto à questão da inconstitucionalidade:

Defendem e invocam os recorrentes a inconstitucionalidade das normas dos artigos 32º, 43º e 44º da LULL quando conjugadas com a interpretação de que em relação ao avalista não é necessário o portador munir-se de protesto por falta de pagamento.                                                                                               E isto por considerarem que tal interpretação (seguida pela Relação e a que acima igualmente chegámos) constitui uma clara violação das regras de interpretação vigentes no nosso ordenamento jurídico, assim se violando o princípio da legalidade consagrado no art. 3º da CRP.

Todavia, sem qualquer razão, na medida em que, assentando o princípio da legalidade a que se refere o art. 3º da CRP na conformidade da lei com a Constituição, nada é invocado no sentido de a interpretação em causa estar em desconformidade com qualquer normativo constitucional.   E, para além disso, tal interpretação assenta, como supra referimos, no texto da lei e é aquela que tem vindo a ser sufragada na jurisprudência.                                              

Improcedem assim claramente nesta parte as conclusões do recurso.

Em síntese:

O direito de ação contra o avalista do aceitante de uma letra de câmbio, não depende da realização do protesto por parte do respetivo portador.

Termos em que se acorda em negar a revista e em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 27 de novembro de 2018


Acácio das Neves


Maria João Vaz Tomé


Garcia Calejo