Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
608/14.7TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE GRUPO
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
FORMAÇÃO DO NEGÓCIO
VALIDADE
TOMADOR
DEVER DE INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 11/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO COMERCIAL – SEGUROS.
DIREITO CIVIL – LEIS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / VIGÊNCIA, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO AS LEIS / APLICAÇÕES DAS LEIS NO TEMPO.
Doutrina:
-António Menezes Cordeiro, Direitos dos Seguros, Almedina, 2.ª Edição, 628, 631;
-Helena Tapp Barroso, Temas de Direito dos Seguros, Almedina, 2012, 39 e ss.;
-Joana Galvão Telles, Deveres de Informação das Partes, Temas de Direito dos Seguros, Almedina, 2012, 249 e ss.;
-José Vasques, Contrato de Seguro, 223 e ss.;
-Lei do Contrato de Seguro Anotada, Almedina, 2011, 25 a 28;
-Margarida Lima Rego, Temas de Direito dos Seguros, Almedina, 2012, 252.
Legislação Nacional:
CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGO 429.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 12.º.
REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO (RJCS), APROVADO PELO DL N.º 72/2008 DE 16 DE ABRIL: - ARTIGOS 1.º, 2.º, N.º 1, 3.º, 6.º, N.º 2, ALÍNEA A) E 188.º.
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS, APROVADAS PELO DL N.º 446/85, DE 25 DE OUTUBRO: - ARTIGO 4.º, N.º 1 E 8.º, ALÍNEAS A) E B).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 17-11-2005, CJSTJ, TOMO III, 120;
- DE 08-01-2009, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-09-2010, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25-06-2013, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 02-12-2013, IN WWW.DGSI.PT
- DE 27-03-2014, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 05-04-2016, PROCESSO N.º 36/12.9TBALD.C1-A.S114, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I – As normas de direito transitório do DL nº 72/2008 de 16 de abril, que provou o novo regime jurídico do contrato de seguro (RJCS), concretamente as constantes dos arts. 2º e 3º, ressalvam a aplicação da lei nova à formação do contrato, em especial à sua validade, situações que continuam a reger-se pela lei vigente à data da sua celebração, mesmo que esta já tenha sido revogada quando a questão vier a ser dirimida;

II - Nos seguros de grupo, salvo convenção em contrário, recai sobre o tomador do seguro (e não sobre a seguradora) a obrigação de informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas e as obrigações e direitos em caso de sinistro, cabendo-lhe o ónus da prova de ter fornecido estas informações.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I - Relatório


1. AA instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra “BB - Companhia de Seguros Vida, S.A.. (STS)”, pedindo que a ré fosse condenada a pagar ao “Banco CC, S.A..” a quantia de EUR 47.021,57, correspondente ao capital em dívida até 28/12/2012, acrescida de juros de mora e das «penalizações» previstas nos contratos de mútuo celebrados com aquele Banco, bem como de todas as prestações, entretanto, pagas pela autora e de todas as despesas em que viesse a incorrer “para se defender em tribunal contra o Banco”, também acrescidas de juros de mora.

Para tanto, alegou, em síntese, que:

Em 20/2/2006, a autora e o seu falecido marido, como mutuários, celebraram com o “Banco CC, S.A.” dois contratos de mútuo com hipoteca.

Nos termos previstos nos contratos de mútuo, e para cobertura dos “riscos de morte e invalidez absoluta e definitiva ou outros riscos por acidente e/ou doença, e até ao limite do capital mutuado”, a autora e o marido subscreveram dois seguros de grupo, do ramo vida, figurando, em qualquer deles, como beneficiário, o “Banco CC, S.A.” e como pessoa segura, a autora e o marido.

Na mesma altura, a autora e o marido assinaram uma “Declaração de Saúde”, sem que a tenham, contudo, preenchido.

De acordo com o clausulado no contrato de seguro, a ré seguradora comprometeu-se a garantir o pagamento do capital seguro, correspondente à cobertura dos riscos contratados.

Sucede que, em 28/12/2012, o marido da autora faleceu, em consequência de “síndrome coronário agudo devida ou consecutiva a pneumonia adquirida na comunidade”. Não obstante, a ré, alegando que a causa da morte tem origem em «doença preexistente», recusou pagar ao Banco CC o capital em dívida a esta esta instituição bancária.

2. A autora requereu a intervenção do “Banco CC, S.A..”, a qual foi indeferida, por decisão transitada em julgado (cf. despacho de fls. 122-123).

3. Na contestação, a ré alegou, em síntese, que:

O contrato de seguro celebrado com o marido da autora é nulo, por este não ter declarado, aquando da sua subscrição, que, desde 2004, sofria de doença coronária e de outras patologias.

Se a ré tivesse tido conhecimento da sua verdadeira situação clínica, teria recusado a cobertura do risco contratado.

Acresce que, nos termos do contrato (clª 4.4., das condições gerais), a ré encontra-se desonerada de efetuar o pagamento das quantias reclamadas pela autora, pois o falecimento do segurado ficou a dever-se a doença anterior à data da entrada em vigor do contrato.

Também nos termos da clª 4.2., das condições gerais, a omissão de factos ou as declarações inexatas ou incompletas fazem cessar as garantias do contrato, relativamente à pessoa segura em causa.

Concluiu, pedindo a improcedência da ação.

4. Na réplica, a autora alegou, em síntese, que:

O falecimento do seu marido não se ficou a dever a doença preexistente.

Além disso, aquando da assinatura do contrato de seguro de vida, nem à autora nem ao marido, foram dadas explicações sobre o conteúdo das respectivas cláusulas, nem sobre as consequências de eventual omissão ou inexatidão de elementos ali referenciados.

Por outro lado, a autora e o marido, só receberam as Condições Gerais e Particulares do contrato de seguro depois da celebração do contrato de compra e venda, sendo que uma cópia do boletim de adesão ao seguro de vida apenas foi entregue pouco antes da propositura da presente ação.

As cláusulas 4.2. e 4.4., das aludidas Condições Gerais devem considerar-se excluídas do contrato, por força do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.

5. Na 1ª instância, foi proferida sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou a ré a pagar:

- “Ao “Banco CC, S.A..” a quantia de € 47.021,57, a título de capital;

- Ao “Banco CC, S.A..” a quantia correspondente aos juros de mora, calculados sobre € 47.021,57, à taxa supletiva legal em vigor, de 4% ao ano, contados desde 24 de abril de 2014 até integral pagamento;

- À autora, a título de indemnização, as quantias correspondentes aos pagamentos efetuados por ela, desde 28 de dezembro de 2012, no âmbito dos contratos de mútuo celebrados entre ela e DD, por um lado, e o Banco CC, S.A., por outro, até ao trânsito em julgado da sentença, bem como as quantias correspondentes às penalizações que lhe foram exigidas pela mesma Instituição Bancária, e as quantias correspondentes a todas as despesas em que tenha incorrido e venha a incorrer para se defender em Tribunal contra ações ou procedimentos movidos pelo “Banco CC, S.A.” contra si, pelo incumprimento dos contratos de mútuo referidos, acrescidas de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal em vigor, de 4% ao ano, contados desde 24 de abril de 2014 até integral pagamento, indemnização a liquidar em execução e sentença.”

6. Inconformada com a sentença, dela apelou a ré, tendo o Tribunal da Relação de … proferido acórdão a revogar a sentença e a absolver a ré do pedido.

7. Irresignada com esta decisão, veio, agora, a autora, interpor recurso de revista.

Nas suas alegações, em conclusão, disse:

1. O Acórdão recorrido não fez uma apreciação sobre a aplicação da lei no tempo e não considerou nem valorou todos os factos dados como provados, afastando inexplicavelmente a aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais.

2. O Acórdão recorrido decidiu pela aplicação exclusiva aos contratos de seguro dos presentes autos do art° 429°, do Código Comercial, com exclusão da aplicação do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), publicado pelo D.L. 78/2008.

3. E considerou que as declarações inexatas do segurado DD, no Inquérito Médico, por si, são reveladoras e suficientes para considerar a anulabilidade do contrato de seguro.

4. E considerou que, assim sendo, "irreleva se agiu dolosamente ou por negligência grosseira".

5. Acontece que aos contratos de seguro em apreciação no presente processo tem aplicação o art° 188°, n° 1, do RJCS, por força das normas transitórias contidas no n° 1 do art° 2° e n° 1 do art° 3°, do DL 72/2008.

6. Os dois contratos de seguro tiveram o seu início de vigência no dia 20/02/2006, sendo renovados anualmente por períodos de um ano e de forma automática, ou seja, renovavam-se no dia 21/02 de cada ano, seguinte a 2006.

7. O RJCS entrou em vigor, no dia 1-1-2009, e as normas transitórias de aplicação da lei no tempo mandavam que se aplicasse aos contratos que subsistam à data da sua entrada em vigor e no que diz respeito aos contratos renováveis, aplicam-se a partir da primeira renovação após a entrada em vigor do novo regime.

8. Assim, o RJCS começou a ser aplicado aos contratos de seguro do presente processo no dia 21/02/2009.

9. O art° 429° do Código Comercial foi revogado pelo art° 6° do D.L. n° 7/2008.

10. Por força da cláusula da incontestabilidade o segurador não se pode prevalecer das omissões ou inexatidões negligentes dos segurados decorridos dois anos sobre a celebração do contrato.

11. Como esta cláusula da incontestabilidade só começou a aplicar-se aos contratos dos presentes autos em 21/02/2009, os dois anos nela previstos terminaram no dia 21/02/2011, por força do previsto nas normas transitórias e no n° 1, do art° 297°, do Código Civil.

12. Desde 21/02/2011, que a ré seguradora não se pode prevalecer das declarações ou omissões negligentes do DD ou da autora.

13. E tem de se concluir que os segurados, DD e autora, não cometeram dolo ou negligência grosseira aquando do preenchimento do Inquérito Médico.

14. Porque o ónus da prova do dolo dos segurados era da ré seguradora, por força do previsto no n° 1, do art.° 342°, do CC, e essa prova não foi sequer feita nem apreciada pelo Acórdão recorrido.

15. Além do mais, e com base nos factos provados, tem de se considerar que não houve dolo nem negligência grosseira por parte dos segurados na omissão ou inexatidão de doença.

16. Porque não foi dado como provado que "DD tenha omitido deliberadamente da Ré a doença coronária, o ter tido até maio de 2004 pesados hábitos tabágicos, e a doença pulmonar obstrutiva crónica e apneia de sono" (art° 5° dos Factos Não Provados).

17. E em abono da verdade, está dado como provado que os segurados "são de condição social baixa", que "todo o processo de concessão dos créditos e dos seguros associados foram conduzidos pelos Funcionários "do banco CC, que o preenchimento do Inquérito Médico foi feito por um Funcionário do Banco, que desde 2004 o DD diminuiu o consumo de tabaco e que passou a ter cuidado com a alimentação, que "acreditava estar completamente reestabelecido do episódio cardíaco que determinara a realização de um cateterismo", e que entre "2004 e Dezembro de 2005, DD não voltou a ter qualquer tipo de problema de saúde".

18. Com estes factos provados não se pode concluir que houve dolo ou negligência grosseira dos segurados.

19. Em consequência, é totalmente ilegal não aplicar o n° 1, do art° 188°, do RJCS, e considerar que irreleva o dolo ou a negligência grosseira.

20. Os dois requisitos previstos na cláusula da incontestabilidade estão verificados, razão pela qual não pode a ré seguradora prevalecer-se de omissões ou inexatidões contidas no Inquérito Médico.

21. O prazo de dois anos da cláusula de incontestabilidade é um prazo de caducidade, pelo que precludiu o direito da seguradora de pedir a anulabilidade dos contratos de seguro invocando factos contidos na declaração inicial de avaliação do risco.

22. Acresce que, mas sem conceder, no Acórdão recorrido não foram valorados todos os factos dados como provados e, outrossim, não foram consideradas as normas constantes do regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, aplicáveis aos contratos de adesão.

23. Mais se considera que se acolhem os fundamentos e a decisão proferida pela Sentença, em primeira instância, por ser uma decisão abrangente e em conformidade com o Direito.

24. No Acórdão recorrido não foram, como deviam ter sido considerados todos os factos, em particular os factos contidos nos números 4, 9, 14, 15, 16, 17, 18, 22, 25, 26 e 32 dos Factos Provados.

25. Tendo em consideração todos estes factos, agora em ponderação, tem de se concluir que há similitude com os fundamentos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27/05/2010, Processo n° 976/06.4TBOAZ.PI. S1, onde foi negada a Revista e decidida exclusão do direito de anulabilidade do contrato de seguro por força da aplicação das alíneas a) e b), do art° 8° do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais.

26. Toda a jurisprudência conhecida aceita a aplicação do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais aos contratos de seguro, que, sendo contratos de grupo como os dos presentes autos são considerados contratos de adesão.

27. As alíneas a) e b) do artigo 8°, do regime jurídico das CCG, consideram excluídas dos contratos singulares as cláusulas que não tenham sido comunicadas na íntegra à outra parte ou, sendo comunicadas, não tenha sido feita a explicação do seu conteúdo, sendo o ónus da prova da comunicação e explicação da seguradora (n° 3 do art° 5° das CCG).

28. Acontece que, a ré seguradora não fez prova de que comunicou aos segurados, na íntegra, com a "antecedência necessária" as cláusulas do contrato de seguro.

29. Os segurados só receberam as Condições Particulares e as Condições Gerais dos contratos de seguro depois de subscreverem os seguros (facto provado 32).

30. E, consequentemente, também não fez prova de ter informado posteriormente o conteúdo dessas Condições contratuais.

31. Assim, têm de se considerar excluídas dos Contratos de Seguro as cláusulas 4.2 e 4.4 das Condições Gerais dos contratos de seguro (ver doc. 5 da PI).

32. As omissões de comunicação e de informação sobre as cláusulas do contrato têm de ser anteriores ao preenchimento do Inquérito Médico.

33. O preenchimento do Inquérito Médico com omissões ou inexatidões não impede a aplicação da exclusão de cláusulas por violação do previsto nas alíneas a) e b) do art° 8° das CCG.

34. As duas situações ocorrem na fase de formação do contrato, mas a violação dos deveres da ré seguradora, por ser a violação de uma norma legal imperativa, prevalece sobre a violação de uma norma contratual.

35. As cláusulas 4.2 e 4.4 das Condições Gerais dos contratos em apreciação têm de se considerar excluídas dos contratos de seguro singulares do presente processo, por força do previsto nas alíneas a) e b), do art° 8° do DL 446/85.

8. Nas contra-alegações, pugnou-se pela improcedência do recurso.

9. Cumpre apreciar e decidir:

- Se é aplicável ao caso dos autos o regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo DL nº 72/2008, de 16 de abril, concretamente o disposto no art. 188º deste diploma;

- Na afirmativa, se, por força do disposto no art. 188º, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, a ré seguradora não pode pedir a anulabilidade dos contratos de seguro invocando factos contidos na declaração inicial de avaliação do risco.

- Se as cláusulas 4.2 e 4.4, das Condições Gerais do contrato de seguro se devem considerar excluídas por força do previsto nas alíneas a) e b), do art.8° do DL 446/85, de 25 de outubro.

II – Fundamentação de facto

10. Está provado que:

1    - DD nasceu no dia 18 de junho de 1948, sendo registado como filho de EE e de FF.

2     - Em 03 de Agosto de 1975, DD casou com AA, aqui Autora.

3     - DD tinha como profissão encarregado de ….

4     - A Autora e DD são de condição social baixa; e só estudaram até à antiga 4ª classe (correspondente ao atual 4º ano de escolaridade), não tendo qualquer outro tipo de habilitações literárias.

5     - Pelo menos desde 2001, DD sofria de hipertensão arterial.

6     - Em maio de 2004, DD sofreu um enfarte agudo do miocárdio, o que justificou a realização de um cateterismo cardíaco.

7     - Há vários anos que DD tinha hábitos tabágicos.

8     - Em 2004, a Médica de DD disse-lhe que não podia fumar e que tinha de ter cuidado com a alimentação.

9     - DD reduziu relevantemente o consumo de tabaco desde 2004 e passou a ter cuidado com a alimentação.

10    - No dia 20 de fevereiro de 2006, por escritura notarial de «COMPRA E VENDA», outorgada em Lisboa, DD comprou a fração autónoma designada pelas letras «BC», correspondente ao Io andar D, Corpo C, para habitação, do prédio urbano denominado Empreendimentos …., situado em …, …., Lote 4, freguesia da Charneca, concelho de Lisboa.

11    - No dia 20 de fevereiro de 2006, por documentos escritos outorgados no Edifício do Banco CC, em Lisboa, AA, aqui Autora, e DD, celebraram com o Banco CC, S.A.. o «CONTRATO N° 0040….0 (COM HIPOTECA)» e o «CONTRATO N° 0030.0…10 (COM HIPOTECA)», nos quais solicitaram e obtiveram, a título de empréstimo, as quantias de € 10.000,00 e de € 59.990,54.

12    - As Cláusulas Décima Segunda, número dois, do «CONTRATO N° 0040.0….0 (COM HIPOTECA)» e do «CONTRATO N° 0030.0…10 (COM HIPOTECA)», referem que o «Mutuário declara ter conhecimento que constitui sua obrigação subscrever apólice de seguro de vida que tenha a "IC" como beneficiária, cobrindo os riscos de morte e invalidez absoluta e definitiva ou outros riscos, por acidente e/ou doença, consoante o que for acordado com a "IC" até ao limite do capital mutuado e nas demais condições constantes do presente contrato».

13    - Por indicação do Banco CC, SA, a Autora e DD aderiram, no Balcão … I daquela Instituição Bancária, ao «SEGURO DE VIDA GRUPO / CRÉDITO À HABITAÇÃO» para os dois créditos referidos no facto provado enunciado sob o número 11 (conforme «BOLETIM DE ADESÃO» que é fls. 43 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido); e assinaram a «Declaração de Saúde (Informação Confidencial)» que é fls. 44 e 45 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

14     - Todo o Processo de concessão dos créditos e dos seguros associados foram conduzidos pelos Funcionários do Balcão …. I do Banco CC, SA.

15    - A Autora e DD, sendo pessoas de fracas habilitações literárias, confiaram nos Funcionários do Banco CC.

16   - A Autora e DD, ao confiarem nos Funcionários do Banco (que lhes aprovaram o empréstimo e fizeram os seguros) pensaram seriamente que estava tudo em condições.

17    - A Autora e DD assinaram todos os documentos que lhes deram para assinar com vista à concessão dos créditos.

18    - Não foram a Autora e/ou DD quem preencheu a «Declaração de Saúde (Informação Confidencial)» que é fls. 44 a 46 dos autos, limitando-se a assiná-la.

19     - A «Declaração de Saúde (Informação Confidencial)» que é fls. 44 a 46 dos autos foi subscrita preenchida por um Funcionário do Banco CC, S.A.., na presença da Autora e de DD, fazendo-lhes aquele perguntas para o efeito; e a Autora e DD assinaram-na por volta de novembro de 2005.

20     - À data da «Declaração de Saúde (Informação Confidencial)» (fls. 44 a 46 dos autos), DD sofria já de doença coronária.

21    - A existência de um qualquer problema coronário justificativo da realização de um cateterismo foi conhecida de DD desde 2004.

22     - No início de 2006, DD acreditava estar completamente reestabelecido do episódio cardíaco que determinara a realização de um cateterismo.

23     - À data da «Declaração de Saúde (Informação Confidencial)» (fls. 44 a 46 dos autos), DD tinha tido durante vários anos pesados hábitos tabágicos, tendo, porém, reduzido relevantemente o consumo de tabaco desde maio de 2004.

24     - Pesados hábitos tabágicos constituem um reconhecido fator de risco cardiovascular.

25     - Entre 2004 e dezembro de 2006, DD não voltou a ter qualquer tipo de problema de saúde.

26     - Não foram a Autora e/ou DD quem preencheu o «BOLETIM DE ADESÃO» (fls. 43 dos autos), não sendo a letra constante do mesmo de nenhum dos dois, limitando-se a assiná-lo.

27    - O dito «BOLETIM DE ADESÃO» foi preenchido, sem data; e recebido na Ré em 18 de novembro de 2005.

28     - A «Declaração de Saúde (Informação Confidencial)» referida no facto anterior foi recebida pela Ré em 15 de novembro de 2005.

29     - Nada constando de relevante da «Declaração de Saúde (Informação Confidencial)» (fls. 44 e 45 dos autos) e após esclarecimentos quanto às profissões dos proponentes, aquela e o «BOLETIM DE ADESÃO» (de fls. 43 dos autos) foram aceites pela Ré, em 12 de dezembro de 2005, com a tarifa normal.

30    - Os dois seguros referidos no facto provado enunciado sob o número 13 começaram a produzir efeitos no dia 21 de fevereiro de 2006; e foram emitidos dois Seguros de Vida Grupo Habitação Plus, Apólice n° 1…01, com o Certificado n° 1…55 e com o Certificado n° 1….57, feitos no BB -Companhia de Seguros de Vida, S.A., aqui Ré (documentos de fls. 48, 50 a 56, e 172 a 180, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

31     - Nas Condições Gerais do Seguros de Vida Grupo Habitação Plus, Apólice n° 1…01, consta, nomeadamente, que:

«(...) 4. INCONTESTABILIDADE

4.2. A omissão de factos ou as declarações inexatas ou incompletas referentes a qualquer pessoa segura, que alterem a apreciação do risco, fazem cessar as garantias do Contrato relativamente à Pessoa Segura em causa.

(...)

4.4. A Seguradora não garante o pagamento das importâncias seguras, em nenhuma das coberturas contratadas, caso o falecimento ou incapacidade da Pessoa Segura seja devido a doença ou acidente anterior à data de entrada em vigor deste contrato. (...)» .

32     - Só após 22 de Fevereiro de 2006, mas ainda durante esse mês, é que a Autora e DD receberam as Condições Gerais e as Condições Particulares do contrato de seguro.

33     - Se a Ré tivesse tomado conhecimento de quaisquer factos omitidos (em especial, os referentes às patologias acima descritas) não teria aceite o seguro sem previamente exigir que lhe fossem dados a conhecer os relatórios de exames de diagnóstico e da cirurgia realizada.

34     - A Ré jamais aceitaria a cobertura de risco de invalidez/morte caso tivesse tido conhecimento que DD tinha sofrido de Enfarte Agudo de Miocárdio, ocorrido em maio de 2004.

35     - Em maio de 2006, manifestaram-se em DD problemas de saúde.

36     - A doença coronária de que DD já padecia foi a causa, em 2006, da ocorrência de Flutter auricular (arritmia relacionada com frequência com a existência de doença coronária).

37     - Entre os dias 12 e 22 de dezembro de 2006, DD esteve internado no Serviço de Cardiologia Vascular do Hospital de …, sendo-lhe realizada uma «Dissecção Aórtica tipo B» (conforme «Relatório Médico» de fls. 65 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

38  - A dissecação da aorta é expressão da doença vascular arterial.

39- 0 enfarte do miocárdio é consequência de uma obstrução interna de uma artéria na circulação do sangue, e a dissecção da aorta é um corte noutra artéria: não são doenças com a mesma causa, nem com o mesmo efeito.

40     - A dissecação aórtica tipo B, registada por DD, em dezembro de 2006, foi uma patologia aguda que se instalou naquela ocasião e que nada em a ver com o enfarte agudo do miocárdio e o cateterismo cardíaco efetuado em 2004.

41     - Em 2007, DD foi sujeito a exame médico na Segurança Social.

42     - Com data de 01 de Outubro de 2007, foi emitido e entregue a DD o «ATESTADO MÉDICO DE INCAPACIDADE MULTIUSO» cuja cópia consta de fls. 57 dos autos, tendo-lhe sido atribuída incapacidade permanente global de 66%, sendo de 0,15 por Grau I, 1.1., de doença cardíaca (capítulo VI), e sendo 0,51 por Grau III, 8., de doença pneumológica, como consta na Tabela Nacional de Incapacidades de 1993, publicada no Dec-Lei n° 341/93 (documento que aqui se dá por integralmente reproduzido).

43     - No dia 23 de abril de 2008, DD participou à Ré a sua situação de incapacidade, para acionamento dos dois seguros de vida associados aos empréstimos referidos no facto provado enunciado sob o número 11.

44     - A Ré enviou a DD, que a recebeu, o original da carta cuja cópia consta de fls. 58 dos autos, datada de 02 de maio de 2008, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê:

«(...) como é do seu conhecimento, é essencial a uma companhia de seguros, sobretudo do Ramo de Vida, o conhecimento de todos os factos do dossier clínico de um cliente, quando existe a possibilidade de pagamento de um capital consequente do mesmo.

Assim e tendo em atenção os termos do contrato de seguro celebrado entre a BB Seguros e o Sr. DD, e no seguimento da última informação clínica recebida, venho pela presente, solicitar que obtenha junto do seu Médico assistente um Atestado Médico, com menção das datas de diagnóstico de:

- Hipertensão arterial;

-Cardiopatia isquémica;

-Tabagismo E doença pulmonar obstrutiva crónica. (...)» .

45    - Mercê da carta reproduzida no facto anterior, DD entregou à Ré uma «Declaração» médica de 8 de maio de 2008, assinada pela médica GG, onde se pode ler que a hipertensão arterial vem desde maio de 2004, a cardiopatia isquémica foi em dezembro de 2006, e que teve hábitos tabágicos há vários anos (conforme documento de fls. 59 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

46    - A Ré enviou a DD o original da carta, cuja cópia é fls. 60 e 61 dos autos, datada de 02 de agosto de 2008, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê:

«(...) A fim de nos ser possível dar continuidade ao processo, agradecemos que obtenha junto da Dra. GG a informação clínica solicitada pelo nosso Médico Conselheiro.

(...). No seguimento da participação efetuada, e após análise da documentação remetida pelos familiares do sinistrado, venho solicitar a seguinte informação complementar:

-      Data exata da ocorrência de dissecção da aorta;

-      Data exata de conhecimento de flutter auricular e de cardiopatia isquémica e manifestação clínica desta situação;

-      Onde foi orientada para estas situações clínicas. (...)» .

47     - Em agosto de 2008, DD entregou à Ré a «Informação Clínica» assinada pela médica GG, acompanhada por um «Relatório Médico», lendo-se nomeadamente neste último, relativamente à dissecação Aórtica tipo B, que se tratava «de uma patologia aguda que se instalou naquela ocasião e que nada tem a ver com cateterismo cardíaco efetuado em 2004» (conforme documentos juntos a fls. 62 e 66, respectivamente, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

48     - A Ré não aceitou a reclamação de DD e recusou-se a acionar o seguro por incapacidade daquele.

49     - O seguro referido no facto provado enunciado sob o número 13 manteve-se válido e continuou a ser pago (não tendo sido anulado pela Ré, nem denunciado pela Autora ou por DD).

50     - Em dezembro de 2012, DD foi internado no Hospital de ….

51     - A síndrome coronária aguda é a forma médica de designar os enfartes do miocárdio e outras formas equivalentes de doença coronária.

52     - A doença coronária aguda apenas serve para as distinguir das formas crónicas.

53     - No dia 28 de dezembro de 2012, DD morreu no Hospital de …, conforme «CERTIFICADO DE ÓBITO n° 16…0», assinado pelo médico HH, onde se lê, como «Causa direta» da morte, «Síndrome Coronário agudo», «Devida ou consecutiva a» «Pneumonia adquirida na comunidade» (conforme documento de fls. 67 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

54     - A causa da morte de DD foi a doença coronária de que já padecia desde 2004: a síndrome coronária aguda não teria ocorrido, in casu, sem a existência de patologia cardíaca prévia.

55     - A causa direta da morte de DD foi a síndrome coronário agudo, verificado oito dias antes da morte (devido à doença coronária de que o mesmo já padecia antes).

56     - A pneumonia adquirida em comunidade pode ter agravado a doença coronária que afetou DD.

57     - A pneumonia adquirida em comunidade não foi a causa da morte de DD.

58    - Não há qualquer nexo causal entre a pneumonia adquirida na comunidade e a hipertensão arterial que DD tinha desde 2001.

59     - A Autora participou no Banco CC a morte de DD, para acionamento do seguro de vida; e em 20 de Fevereiro de 2013, entregou à Ré o «Relatório Médico sobre a doença que foi causa da Morte da Pessoa Segura», assinado pela médica GG, onde consta sofrer o mesmo desde 2001 de hipertensão arterial, e ter-lhe sido diagnosticada em 2006 doença pulmonar obstrutiva crónica e dissecação da aorta tipo B, tendo aquele tido conhecimento da doença pulmonar obstrutiva crónica desde o respectivo diagnóstico (documento de fls. 68 e 69 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

60     - No dia 20 de março de 2013, o médico II fez o «Relatório Médico sobre a doença que foi causa da Morte da Pessoa Segura», que foi entregue à Ré, onde constam doença pulmonar obstrutiva crónica, dissecação da aorta tipo B, flutter auricular crónico, cardiopatia isquémica como doenças que levaram à invalidez de DD; e que as mesmas se iniciaram em 2006 (conforme documento de fls. 70 e 71 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

61     - A Ré enviou à Autora, que a recebeu, o original da carta cuja cópia consta de folhas 72 dos autos, datada de 04 de abril de 2013, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê:

« (...) Contudo, a fim de nos ser possível dar continuidade ao processo, agradecemos que obtenha junto da respectiva Médica Assistente, Dra. GG, a informação clínica solicitada pelo nosso Médico Conselheiro, conforme pedido em anexo. Agradecemos, ainda, que nos devolvam o Atestado Médico, que anexamos, devidamente preenchido pelo respectivo Médico Assistente do Hospital de …, ao cuidado do nosso Departamento Clínico. (...)».

62     - No dia 28 de agosto de 2013, a Autora entregou à Ré, nos balcões do Banco CC, o «RELATÓRIO MÉDICO» do médico JJ, do Hospital de .., de fls. 73 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê:

"(...) Doente do sexo masculino, internado neste Serviço de 12/12/2016 a 22/12/2006, com o diagnóstico de Dissecação de aorta tipo B, com antecedentes de hipertensão arterial, cardiopatia isquémica (EAM - maio 2004), hábitos tabágicos marcados com DPOC e apneia do sono, recorreu ao Serviço de Urgência do HSM por quadro de dor «dilacerante» no dorso com irradiação ao precórdio e à região lombar, apresentando-se à entrada uma T.A. 186/123 mnH6. Realizou uma TAC toraxo-abdominal que revelou uma dissecação de aorta tipo B. Foi internado no SMI sendo instaurada terapêutica médica hipertensora com 8-bloqueadores, vasodilatadores e diurético, com posterior controlo da tensão arterial. Posteriormente, quando a situação clínica do doente esteve controlada, foi transferido ao serviço de Cirurgia Vascular onde realizou uma nova TAC de controlo que não revelou alterações significativas em relação à anterior. Perante o risco que a progressão da doença representava, o doente foi proposto para realizar cirurgia eletiva, mas na investigação pré-operatória pulmonar revelou (provas de função respiratória) uma insuficiência respiratória global em repouso motivo pelo qual foi reconsiderada a opção de operar o doente, tendo sido encaminhado para a Consulta externa da Cirurgia Vascular. (...)» .

63     - A Ré enviou à Autora, que a recebeu, o original da carta cuja cópia consta de fls. 110 dos autos, datada de 04 de setembro de 2013, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê:

«(...). Na sua sequência, e após avaliação pelo nosso Departamento Clínico de toda a documentação amavelmente enviada, vimos comunicar-lhe a impossibilidade de qualquer pagamento do capital referente ao pedido efetuado, já que verificamos que o presente sinistro se encontra excluído nas Condições Gerais da apólice, por omissão da doença diretamente relacionada co*m a causa do óbito e não declarada no Boletim de Adesão ao Contrato de Seguro de Vida Grupo. (...)»

64     - A Ré enviou à Autora, que a recebeu, o original da carta cuja cópia é fls. 74 dos autos, datada de 26 de setembro de 2013, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê:

«(...) O Sr. DD faleceu em 2012 de Síndrome coronário agudo na sequência de Pneumonia da comunidade, em sequência da existência da doença coronária já conhecida desde 2004, conforme os vários relatórios médicos enviados a esta seguradora.

No entanto a causa final de morte do Sr. DD é a doença coronária, já conhecida desde 2004, antes da subscrição do contrato de seguro.

Lamentamos, mas nada podemos fazer em relação à posição de recusa já assumida pela seguradora. (...)»

65     - Em 28 de Dezembro de 2012, o valor em dívida dos empréstimos segurados pela Ré era de € 6.682,58 e de € 40.338,99.

66      - Em 28 de Dezembro de 2012, havia um saldo na conta à ordem de € 7.257,20.

67     - A Autora não conseguiu pagar ao Banco CC, S.A.. as prestações da casa, entrando em incumprimento.

68      - A Autora recebeu do Banco CC, S.A.. uma carta, datada de 09 de outubro de 2013, onde é informada que está em dívida na conta à ordem e nas duas contas empréstimo; e que serão forçados a intentar processo judicial para pagamento das dívidas (conforme documento que é fls. 75 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

11. Não se provou que:

1º - DD tenha deixado de fumar em 2004.

2º - No início de 2006, DD já não tivesse hábitos de tabaco e estivesse completamente restabelecido do enfarte do miocárdio.

3º - DD, quando fez o seguro, nem sequer se lembrasse que tinha doença ou patologia cardíaca.

4º - À data da «Declaração de Saúde (Informação Confidencial)» que é fls. 44 a 46 dos autos, DD tinha DPC e apneia do sono.

5° - DD tenha omitido deliberadamente da Ré a doença coronária, o ter tido até maio de 2004 pesados hábitos tabágicos, e a doença pulmonar obstrutiva crónica e a apneia do sono.

6º - A «Declaração de Saúde (Informação Confidencial)» (de fls. 44 a 46 dos autos) tenha sido subscrita pela Autora e por DD (isto é, tenham sido eles quem a preencheu).

7º - A Autora desconheça quem preencheu a «Declaração de Saúde (Informação Confidencial)» que é fls. 44 a 46 dos autos, e com base em que informações.

8º - Não houve qualquer comunicação ou explicação, por parte da Ré ou do Banco CC, S.A.., no momento da assinatura do «BOLETIM DE ADESÃO» que é fls. 43 dos autos, das cláusulas contratuais gerais do contrato de seguro, nomeadamente não foram explicadas à Autora e/ou DD as consequências de omitirem factos, ou fazerem declarações inexatas ou incompletas.

9º - A Autora e DD nem sequer ficaram com uma cópia do «BOLETIM DE ADESÃO», que só foi entregue à Autora antes da propositura da presente ação.

10° - Só em 2009, a Autora e DD receberam as Condições Gerais e as Condições Particulares do contrato de seguro.

11° - A doença coronária de DD só tenha surgido em maio de 2006.

12° - A pneumonia adquirida na comunidade surgiu quando DD estava no Hospital e foi ela que deu origem à síndrome coronária aguda.

13° - Entre 2004 e 2012, DD não manteve qualquer sequela do enfarte de miocárdio, que tivesse originado a síndrome coronária aguda.

14° - Não há qualquer nexo causal entre a síndrome coronária aguda, com a hipertensão arterial que DD tinha desde 2001.

15° - A síndrome coronária aguda, verificado em DD oito dias antes da morte, tenha sido devido, ou consecutivo, à pneumonia adquirida na comunidade.

16° - A cardiopatia isquémica e hipertensiva não foi causa direta da morte de DD.

17° - A pneumonia adquirida na comunidade, 15 dias antes da morte, e a síndrome coronária aguda, 8 dias antes da morte (devida, ou consecutiva, à dita pneumonia adquirida na comunidade), tenham sido causas diretas e únicas da morte de DD.


III - Fundamentação de Direito

12. Nas suas alegações, a autora sustenta que, por força do disposto no art.188º, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo DL nº 78/2008, de 16 de abril, a ré (desde 21.2.2011[1]) deixou de poder prevalecer-se de omissões ou inexatidões negligentes na declaração inicial do risco, por parte da autora ou do seu marido, aquando da celebração do contrato.

O acórdão recorrido, porém, considerou aplicável o art.429º, do Código Comercial e afastou a aplicação ao caso dos autos do novo Regime Jurídico do Contrato de Seguro, nos seguintes termos:

“O contrato de seguro em causa foi outorgado no dia 20 de fevereiro de 2006.

Trata-se de um seguro de grupo celebrado para melhor garantir um mútuo contraído para aquisição de habitação do segurado.

Ocorre, aqui, uma relação triangular: seguradora, tomador e segurado, sendo precípuos os interesses deste, em termos de lhe ficarem garantidas as obrigações do mútuo que contraiu perante o tomador.

(…)

À data da celebração do contrato, vigorava o artigo 429. ° do Código Comercial (atualmente revogado pelo artigo 6. °, n.º 2, alínea a) do Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16 de abril, que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro e entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2009).

Mas o artigo 2. ° n.º 1 do mesmo Decreto-Lei manda aplicar o novo regime aos contratos de seguro celebrados após a sua entrada em vigor "assim como ao conteúdo dos contratos de seguro celebrados anteriormente que subsistam à data da sua entrada em vigor, com as especificidades constantes dos artigos seguintes".

A referência ao "conteúdo dos contratos" leva-nos ao artigo 1º, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, epigrafado de "conteúdo típico" a restringir o conceito à cobertura de um "risco determinado do tomador do seguro ou de outrem", com as inerentes e respectivas obrigações de realização da "prestação convencionada" (segurador) e do pagamento do "prémio correspondente" (tomador).

Assim, em tudo o que não se relacione com o "conteúdo", os contratos de pretérito regem-se pela lei anterior. “.

Cremos que se decidiu acertadamente.

Efetivamente, em sintonia com o art. 12º, do CC, as regras de direito transitório do novo regime jurídico do contrato de seguro (RJCS), concretamente as constantes dos arts. 2º e 3º, ressalvam a aplicação da lei nova à formação do contrato, em especial à sua validade, situações que continuam a reger-se pela lei vigente à data da sua celebração, mesmo que esta já tenha sido revogada quando a questão vier a ser dirimida.[2]

É, assim, de afastar a aplicação do disposto no art.188º, do RJCS (disposição nova sem correspondente no direito anterior), preceito que contempla um regime particular, e inovador, no que toca a inexatidões ou omissões negligentes na declaração inicial do risco, ou seja, no plano do cumprimento de um dever que recai sobre o tomador ou segurado na fase da formação do contrato.

Improcede, pois, a alegação da recorrente.

Por conseguinte, tal como se decidiu no acórdão recorrido, no que respeita aos deveres de informação do tomador ou segurado, aquando da declaração inicial do risco e à sanção legal pela inobservância desses deveres, há que convocar o regime plasmado no art. 429º, do Código Comercial, uma vez que o contrato dos autos foi celebrado antes da entrada em vigor da Lei do Contrato de Seguro.[3]

Ora, segundo se dispunha no art. 429º, do Cód. Com "toda a declaração inexata, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato, tornam o seguro nulo".

Por sua vez, dizia-se no seu § único que "se da parte de quem fez as declarações tiver havido má-fé o segurador terá direito ao prémio".

Como literalmente resulta do mencionado preceito legal, a sanção para o incumprimento do dever ali consagrado é a nulidade. Porém, ao longo dos anos, a jurisprudência e a doutrina maioritárias, reconhecendo que a solução formalmente prevista na lei não se ajustava à moderna qualificação dos vícios dos negócios jurídicos, propenderam para cominar com a anulabilidade a invalidade em causa. [4]

O art. 429º, do Cód.Com definia o âmbito da obrigação de informar em função de dois fatores: abrange (a) todos os factos ou circunstâncias conhecidas pelo tomador (ou segurado) e/ou que devesse conhecer e (b) suscetíveis de influir na celebração ou no conteúdo do contrato. [5]

Por sua vez, nos termos previstos no mencionado art.429º, a invalidade do contrato não era influenciada pela boa-fé ou má-fé do tomador, a qual apenas releva(va) para efeitos de restituição ou manutenção do prémio (v. § único).

Também não se exigia qualquer nexo de causalidade entre o facto ou circunstância omitida ou inexata declarada e o facto ou circunstância que determinou o sinistro.

Para a invalidade do contrato, o art. 429º, do CCom somente considerava se (…) teria existido qualquer omissão ou nas declarações e informações prestadas pelo tomador do seguro suscetível de influenciar as condições contratuais.”.[6]

Ora, atenta a factualidade provada (v.g. a matéria constante dos nºs 5, 6, 7, 20, 21, 34, 54, 55 e 57, da fundamentação de facto), não restam dúvidas de que o segurado Vítor Nunes ocultou o facto de ter sofrido certas doenças, designadamente a doença coronária de que padecia desde 2004 e que foi a causa da sua morte, em 2012, bem como o facto de ser portador de fatores de risco, cujo relevo não podia ignorar, violando, desta forma, o dever de prestar informações sobre o seu estado de saúde, suscetíveis de influir na celebração ou no conteúdo do contrato de seguro.

Nem se invoque a “baixa condição social” do segurado ou a circunstância de a «declaração de saúde» ter sido preenchida por um funcionário do Banco, na presença da autora e do marido, “fazendo-lhes aquele perguntas para o efeito” (cf. nºs 4 e 19, dos factos provados) tendo em vista obstar às consequências das inexatidões/reticências que a mesma evidencia, pois não foi alegado, nem ficou provado, que as respostas dadas pelo segurado Vítor Nunes sobre a sua condição de saúde não tenham sido rigorosa e fielmente transpostas para a declaração.

Conclui-se, pois, que a ré seguradora logrou cumprir o ónus que sobre si recaía de demonstrar não só a inexatidão das declarações do segurado, mas também a existência de um nexo de causalidade entre essa inexatidão e a outorga do contrato.[7]

Improcede, assim, em toda a linha, a alegação da recorrente.


xxx


13. Nas conclusões das suas alegações, veio ainda, a recorrente, suscitar a questão da exclusão das cláusulas 4.2. e 4.4. do contrato de seguro.

Para fundamentar a sua pretensão alega que a ré seguradora não cumpriu os deveres de comunicação e de informação, previstos na Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.

Mais uma vez, não lhe assiste razão.

Na verdade:

Da factualidade provada retira-se que entre a ré seguradora e o Banco CC SA (tomador do seguro e beneficiário) foram oportunamente contratados seguros de vida grupo, a que a autora e o seu marido, entretanto falecido, vieram a aderir, figurando como pessoas seguras.

O seguro garantia o pagamento ao tomador do capital em dívida no empréstimo contraído pelas pessoas seguras, à data da ocorrência, ou seja, a morte ou a invalidez total e permanente por doença ou acidente – cf. nºs 13 e 30, dos factos provados e a documentação junta aos autos ali referida.

Das condições gerais do referido contrato de seguro constam as cláusulas 4.2. e 4.4., com o teor consignado no nº 31, dos factos provados.

Sustenta a recorrente que a ré seguradora estava obrigada a proceder a tal comunicação/informação, competindo-lhe ainda alegar e provar que o fez, o que não sucedeu no caso em análise. Pede, por isso, a exclusão das ditas cláusulas, ao abrigo do disposto no art. 8º, als. a) e b), do DL nº 446/85, de 25 de Outubro.

Todavia, como se realçou no acórdão deste Supremo Tribunal de 5/4/2016 (proferido no processo nº 36/12.9TBALD.C1-A.S114, disponível em www.dgsi.pt), o Supremo Tribunal de Justiça teve já a ocasião de se pronunciar diversas vezes sobre a questão de saber sobre quem recai a obrigação de comunicação/informação das cláusulas de exclusão de riscos ao segurado que adere a um contrato de seguro de grupo contributivo, como in casu, tendo decidido que resultava expressamente do nº 1, do 4º do Decreto-Lei nº 176/95 (normativo aplicável ao caso dos autos) que era ao tomador que incumbia o dever de comunicação/informação dos segurados quanto às coberturas e exclusões contratadas, cabendo-lhe igualmente o correspondente ónus da prova.

Assim, e tal como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 25 de junho de 2013 (disponível em www.dgsi.pt):

“É incontroverso que tal dever de esclarecimento do aderente recai sobre o banco/tomador de seguro; é este o regime que decorre expressamente do estatuído no art. 4º do DL. 176/95: nos seguros de grupo, salvo convenção em contrário, o tomador de seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas e as obrigações e direitos em caso de sinistro, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora, cabendo-lhe o ónus da prova de ter fornecido estas informações; por sua vez, deve a seguradora facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efetiva compreensão do contrato.

(…) Saliente-se que este regime especial, fundado na peculiar natureza e estrutura da figura do seguro de grupo, envolvendo uma relação triangular entre os interessados, se sobrepõe naturalmente (precisamente como regime especial que é) ao regime regra das cláusulas contratuais gerais, que impõe ao outro contraente (nos casos normais, que não tenham subjacente um seguro de grupo, obviamente a própria seguradora) a obrigação de comunicar e explicitar as cláusulas ao aderente; porém, no caso do seguro de grupo, este dever de comunicação e informação está legalmente posto a cargo do tomador de seguro, pelo que, em primeira linha, ele não incide sobre a seguradora, a menos que algo diferente resulte das estipulações das partes.”

Nesta conformidade, toda a argumentação da recorrente, à luz do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, com vista a concluir pela obrigação de comunicação/informação das suprarreferidas cláusulas contratuais por parte da ré seguradora não pode ser atendida.

Improcede, portanto, mais uma vez, a sua alegação.


xxx



14. Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando integralmente o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 30.11.2017


Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado (Relator)

José Sousa Lameira

Hélder Almeida

______


[1] Ou seja, dois anos após a primeira renovação do contrato durante a vigência do novo regime.
[2] Cf. Lei do Contrato de Seguro Anotada, Almedina, 2011, págs. 25 a 28.
[3] Cf., neste sentido, António Menezes Cordeiro, Direitos dos Seguros, Almedina, 2ª edição, pág. 631 e Helena Tapp Barroso, Temas de Direito dos Seguros, Almedina, 2012, págs. 39 e ss.
[4] Cf., neste sentido, Menezes Cordeiro, Direito dos Seguros, Almedina, 2ª edição, pág. 628 e Joana Galvão Telles, Deveres de Informação das Partes, Temas de Direito dos Seguros, Almedina, 2012, págs. 249 e ss.; na jurisprudência, entre muitos outros, os acs. do STJ de 8/1/2009, de 9/9/2010, de 2/12/2013 e de 27/3/2014, em www.dgsi.pt.
[5] Cf. António Menezes Cordeiro, Direitos dos Seguros, Almedina, 2ª edição, pág. 628.
[6] Cf. Margarida Lima Rego, Temas de Direito dos Seguros, Almedina, 2012, pág. 252.

[7] Neste sentido, cf. José Vasques, Contrato de Seguro, págs. 223 e ss. e, na jurisprudência, entre outros, o ac. do STJ, de 17/11/2005, CJSTJ, tomo III, pág. 120.