Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P3379
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERNANDO FRÓIS
Descritores: PRINCÍPIO DA INVESTIGAÇÃO
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
HOMICÍDIO QUALIFICADO
FRIEZA DE ÂNIMO
ESPECIAL CENSURABILIDADE
ESPECIAL PERVERSIDADE
HOMICÍDIO
TENTATIVA
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
RESPONSABILIDADE CIVIL EMERGENTE DE CRIME
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
Nº do Documento: SJ200810290033793
Data do Acordão: 10/29/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário :

I - O princípio da livre investigação ou da verdade material tem o seu campo essencial de aplicação na audiência de julgamento, pelo que, ressalvados os direitos do arguido e os preceitos imperativos sobre a admissibilidade de certas provas, o CPP não admite qualquer restrição ao poder/dever do juiz de ordenar (ou autorizar) a produção de prova indispensável para a boa decisão da causa, isto é, para a instrução do facto ou para a descoberta da verdade material acerca dele.

II - Assim, tendo determinada certidão sido junta ao processo por decisão oficiosa do tribunal de 1.ª instância, com vista a apurar da existência do bom ou mau relacionamento entre o arguido e a assistente, tendo a junção ocorrido no decurso do julgamento e sido ordenada por despacho judicial da qual os interessados foram notificados, estes puderam exercer o contraditório, e a prova resultante desse documento é válida, não tendo sido violado o estatuído no art. 355.º do CPP.

III - A frieza de ânimo está relacionada com o processo de formação da vontade de praticar o crime e é entendida como a conduta que traduz calma, reflexão e sangue-frio na preparação do ilícito, insensibilidade, indiferença e persistência na sua execução – cf. Ac. do STJ de 30-09-1999, Proc. n.º 36/99 - 3.ª, SASTJ, n.º 33, pág. 94 –, ou consiste em a vontade se formar de modo frio, lento, reflexivo, cauteloso, deliberado, calmo na preparação e execução persistente na resolução – cf. Ac. do STJ de 17-02-2005, Proc. n.º 4216/04 - 5.ª, SASTJ, n.º 88, pág. 123.

IV - Por outro lado, há que ter em atenção que as circunstâncias enumeradas a título exemplificativo no art. 132.º, n.º 2, do CP não são elementos do tipo legal de crime, mas da culpa. Não são, por isso, de funcionamento automático, pelo que pode verificar-se qualquer delas e, apesar disso, concluir-se que o agente não agiu com especial censurabilidade ou perversidade (cf., neste sentido, o Ac. do STJ de 20-03-1985, BMJ 345.º/248).

V - Não operando aquelas circunstâncias automaticamente, é indispensável determinar se, no caso concreto, qualquer uma delas (que se verifique) preenche ou não o elemento qualificante da especial censurabilidade ou perversidade e justifica uma sanção que não cabe na moldura incriminadora do homicídio simples (cf. Acs. do STJ de 04-07-1996, CJSTJ, IV, tomo 2, pág. 222, e de 11-12-1997, BMJ 472.º/154).

VI - Tendo resultado assente, para além do mais, que «Logo depois de ter passado o portão de entrada do referido prédio, a MB ouviu passos atrás de si e voltou-se para trás, vendo então o arguido distanciado de si cerca de 1,50 m a empunhar uma pistola e a apontá-la na sua direcção. De imediato, à referida distância de cerca 1,50 m da assistente/demandante, e sem proferir qualquer palavra, o arguido efectuou com a referida pistola, de calibre 6,35 mm, um primeiro disparo na direcção da MB quando esta se encontrava de lado em relação a ele por se ter virado para trás ao ouvir os referidos passos atrás de si, atingindo-a no braço esquerdo. De seguida, o arguido efectuou ainda com a mesma pistola mais dois disparos na direcção da MB quando esta, depois de se ter sentido atingida no braço esquerdo com o primeiro disparo, já se encontrava de costas para ele e a fugir em direcção à sua casa, disparos estes que a atingiram nas costas, fazendo com que a mesma caísse ao chão. Após os três disparos, o arguido pôs-se em fuga em direcção ao pinhal existente defronte do referido portão, sendo ainda perseguido durante algum tempo por um dos filhos da MB que não conseguiu alcançá-lo», evidencia-se uma conduta do arguido merecedora de juízo de censura, mas não reveladora de especial censurabilidade ou perversidade, pelo que se configura a prática de um crime de homicídio simples (na forma tentada), e não de um homicídio qualificado.

VII - Dentro das molduras penais abstractas correspondentes ao crime de homicídio, na forma tentada (de 1 ano, 7 meses e 6 dias a 10 anos, 8 meses e 1 dia de prisão), e ao de detenção de arma proibida (prisão até 5 anos, considerando apenas a pena privativa de liberdade, que foi aplicada e não vem questionada), e tendo em consideração que:
- é elevado o grau de ilicitude, pois o arguido agiu com manifesta superioridade de meios em relação à ofendida/vítima;
- o arguido agiu com dolo directo e intenso (utilizou uma arma e desferiu 3 tiros, procurando e conseguindo atingir a vítima – com alguns desses tiros – em zonas vitais do corpo);
- «foram muito gravosas as consequências da conduta do arguido, que deixou a ofendida paraplégica para o resto da sua vida, tratando-se duma mulher com 45 anos de idade, esposa e mãe de menores, até então alegre, jovial e empreendedora;
- o arguido manifestou inusitada cobardia colocando-se em fuga imediata, escondendo ou desfazendo-se de pronto da arma que utilizou e procurando fazer desaparecer as demais provas reais de que fosse portador lavando-se bem como a roupa que na ocasião envergava»;
- não manifestou qualquer arrependimento, pois negou os factos, não obstante a evidência das provas contra ele obtidas, o que revela também falta de consciencialização do desvalor da sua acção;
- a favor do arguido militam as suas condições de vida nos aspectos familiares e profissionais e a boa reputação perante os que lhe são próximos, designadamente os amigos;
- a seu favor também, a ausência de antecedentes criminais;
- as razões de prevenção geral são acentuadas, dada a frequência com que no nosso país vêm sendo praticados crimes com utilização de armas de fogo; mostra-se adequada a aplicação da pena de 8 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, n.ºs 1 e 2, 73.º, n.º 1, als. a) e b), e 131.º do CP, na redacção vigente à data dos factos (a aprovada pela Lei 65/98, de 02-09), e da de 12 meses de prisão pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c) da Lei 5/2006, de 23-02, com referência ao art. 3.º, n.º 4, al. a), do mesmo diploma; e, em cúmulo jurídico, ponderando, no seu conjunto, os factos e a personalidade do agente, entende-se ajustada a pena única de 8 anos e 6 meses de prisão.

VIII - Resultando da matéria de facto provada que a ofendida sofreu graves lesões que lhe provocaram sequelas para toda a vida, muitas e intensas dores, sofrimentos e receios, sendo que, antes dos factos destes autos, era mulher saudável e alegre e depois do sucedido perdeu a alegria de viver, tendo ficado uma mulher diferente e triste, mostra-se justo o montante fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais, de € 40 000.

IX - Estando demonstrado que:
- a MB já despendeu em medicamentos, exames e consultas médicos, honorários clínicos, taxas moderadoras, despesas de transportes, e com a aquisição de um colchão, fraldas e demais produtos aludidos na factualidade provada a quantia de € 3123,13, e adquiriu uma cadeira de rodas eléctrica, como o que gastou a quantia de € 2383,50, custos estes que se cifram no montante global de € 5506,63;
- tem de adquirir “um plano de inclinação automático”, como forma de facilitar a circulação sanguínea nos membros inferiores, que custa € 2500;
- tem de fazer obras na cozinha e na casa de banho da casa onde reside, a fim de as adaptar às limitações físicas de que é portadora, obras essas que consistem, designadamente, no rebaixamento dos móveis da cozinha assentes no chão, de modo a permitir à demandante fazer uso deles, na substituição da banheira e chuveiro na casa de banho, na construção de uma rampa de acesso à base do chuveiro, na substituição da sanita por outra mais baixa, na colocação de apoios em tubo inox nas laterais da sanita e na substituição do lavatório de modo a permitir-lhe o uso dessa casa de banho e algum conforto, obras essas que orçam, as da cozinha em € 2850, e as da casa de banho em € 2390, montantes estes acrescidos de IVA, cuja soma ascende ao valor global de € 6461,40;
- tem de adquirir, pelo menos, uma cama e colchão apropriados e uma almofada adequada, cujo custo importa em quantia não concretamente apurada;
- com a aquisição de algálias, sacos de urina, sondas vaginais, esponjas para uso higiénico, compressas esterilizadas, soro fisiológico, fraldas, medicamentos vários, produtos de higiene e cremes, e deslocações para beneficiar de sessões de fisioterapia e para receber cuidados médicos, gasta quantia mensal não inferior a € 270, e o acompanhamento completo e permanente de que precisa por parte de uma ou mais empregadas implica despender verba mensal não inferior a € 1250; tais danos, de natureza futura e previsível, não podem deixar de ser considerados e incluídos nos danos patrimoniais futuros.

X - Estes danos são indemnizáveis – art. 564.º do CC –, não sendo aplicável o estatuído no art. 494.º do mesmo Código, pois resultaram dum comportamento doloso do arguido.

XI - Trata-se indemnização a determinar com recurso à equidade – art. 566.º, n.º 2, do CC –, devendo ter-se em atenção que a quantia a atribuir à lesada há-se ressarci-la durante o tempo provável da sua vida activa, de forma a representar um capital gerador de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final desse período, devendo ter-se em conta, desde logo, a esperança de vida do lesado e o quantitativo das despesas a efectuar pelo mesmo.

XII - Assim, tendo em consideração, para além do mais, que a demandante tinha à data dos factos 45 anos de idade, sendo razoável ponderar que a sua esperança de vida ronde os 70 anos de idade, afigura-se justa e equilibrada a indemnização fixada, no montante de € 210 000, pelas despesas que terá de suportar relativas à aquisição dos produtos e ao acompanhamento completo e permanente por parte de uma ou mais empregadas, montante esse já actualizado.

XIII - Para tal concluir basta que nos socorramos – apenas como elemento de referência –, por exemplo, da fórmula muito utilizada nos tribunais de trabalho nos cálculos respeitantes à remição das pensões: remuneração anual x incapacidade total x o coeficiente de referência relativo à idade da ofendida anexo à Portaria 11/2000, de 03-01. Considerando-se o montante das despesas anuais, no total de € 20 740, multiplicado pelo coeficiente de referência respeitante à idade da demandante (14,270), resulta a quantia de € 295 959, superior à fixada de € 210 000.
Decisão Texto Integral:



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


No Círculo Judicial de Viseu, no processo comum nº 690/06.0GCVIS do 1º Juízo Criminal de Viseu, foi submetido a julgamento perante Tribunal Colectivo, o arguido:

AA, identificado nos autos.

Era-lhe imputada a prática de:

- Um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22º, 23º, 131, 132º nºs 1 e 2-g), h) e i), todos do Código Penal; e
- Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º-1-c), com referência aos artigos 2º-1-o) e 3º-3 e 4-a), todos da Lei nº 5/2006, de 23.02.

Deduziram pedido de indemnização civil contra o mesmo arguido:

- Hospital de São Teotónio EPE, no montante inicial e global de € 20.439,00 acrescido de juros vencidos desde a data da interpelação feita ao arguido para o respectivo pagamento e vincendos a contar da dedução do mesmo e até integral pagamento, referente a assistência médica e hospitalar prestada a BB, pedido de indemnização esse que posteriormente, e com base também na referida assistência médica e hospitalar, veio a ser ampliado para a quantia de € 20.488,01, acrescido dos respectivos juros de mora; e BB, identificada nos autos e que se constituiu também assistente nos autos, no montante inicial e global de € 775.363,13, acrescido de juros à taxa legal, desde a notificação e até efectivo pagamento, pedido de indemnização esse que posteriormente veio a ser reduzido em € 4.616,50, e ainda depois disso ampliado no montante de € 8.250,00, montantes esses peticionados a título de danos de natureza patrimonial e não patrimonial.

A final, foi proferida sentença que, além do mais:

A – PARTE CRIMINAL:

Julgou parcialmente provada e procedente a acusação e condenou o arguido AA:
a) Como autor material e em concurso real:
- pela prática, como autor material, de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, nºs 1 e 2, 73º, nº 1, al.s a) e b), 131º e 132º nº1 e 2 i) do C. Penal na redacção em vigor à data dos factos aprovada pela Lei 65/98, de 02.09, na pena de 10 ( dez ) anos de prisão;
- pela prática, como autor material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo Art. 86º nº1 c) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, com referência ao art. 3º nº4 a) da mesma, na pena de 18 ( dezoito ) meses de prisão.
b) Em cúmulo jurídico de tais penas, foi o mesmo arguido condenado na pena única de 10 ( dez ) anos e 6 ( seis ) meses de prisão.

B – PARTE CÍVEL:

1 - Julgou procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante Hospital de São Teotónio EPE, e, consequentemente:
a) Condenou o arguido a pagar ao mencionado demandante o montante total de € 20.488,01, montante este acrescido de juros desde a notificação de tal pedido de indemnização civil ao arguido e até integral pagamento.
2 - Julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante BB, e, consequentemente:
a) Condenou o arguido a pagar a tal demandante, a título de danos patrimoniais, o montante de € 20.168,03 e ainda o que se vier a liquidar posteriormente, relativo ao custo da aquisição de uma cama e colchão apropriados e uma almofada adequada, acrescido de juros moratórios, à taxa legal de 4%, desde a notificação de tal pedido de indemnização ao arguido e até integral pagamento.
b) Condenar o arguido a pagar à mesma demandante também a título de danos patrimoniais a quantia de € 410.000,00, acrescida de juros moratórios à referida taxa legal desde a presente decisão e até integral pagamento.
c) Condenar, ainda, o arguido a pagar à mesma demandante, a título de danos não patrimoniais, o montante de € 40.000,00, acrescido de juros moratórios à referida taxa legal desde a data da sentença e até integral pagamento.
d) Absolver o arguido do demais contra si peticionado em tal pedido de indemnização civil.

Inconformado com tal condenação, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, alegando, em resumo:

Foi violado o disposto no artigo 355 do CPP, pelo que o julgamento deve ser anulado;
Há contradição insanável da fundamentação (artigo 410º-2 do CPP);
Há erro notório na apreciação da prova (artigo 410º-2-c) do CPP), devendo, por isso, ser reenviado o processo para novo julgamento;
Se assim se não entender:
O crime por que o arguido deveria ter sido condenado era o crime de homicídio simples, na forma tentada (e não o de homicídio qualificado, na forma tentada), pois não se verifica a circunstância qualificativa de frieza de ânimo;
Pelo que seria ajustada uma pena de prisão não superior a 4 anos.
Caso assim se não entenda:
A pena aplicada ao recorrente é manifestamente excessiva.
Relativamente ao pedido cível:
A indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais é manifestamente excessiva e contraria a generalidade da jurisprudência;
Também a indemnização por dano patrimonial futuro é de um exagero chocante, não devendo ser fixada em montante superior a € 100,000.

Por acórdão de 04 de Junho de 2008, o Tribunal da Relação de Coimbra negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida.

Inconformado com esse Acórdão da Relação, o arguido AA interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal de Justiça.

Termina a respectiva motivação com extensas conclusões que se podem sintetizar nas seguintes:

1- O acórdão recorrido deve ser anulado, por omissão de pronúncia;
2 - O acórdão recorrido deve ainda ser anulado quer por contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão; quer também devido a erro notório na apreciação da prova, o que determina o reenvio do processo para novo julgamento; quer ainda por violação do disposto no artigo 355º do CPP.

A não se entender assim:

4 - O crime cometido terá sido apenas o de homicídio simples na forma tentada;
5 - A pena aplicada ao arguido pelo crime de homicídio é manifestamente excessiva;
6 - Tratando-se de homicídio simples na forma tentada, a pena não deveria ser superior a 4 anos de prisão;

7 - Mas, mesmo tratando-se de homicídio qualificado, a pena não devia exceder metade do limite máximo da moldura aplicável pelo que a pena aplicada por este crime deverá ser substancialmente reduzida;
8 - Do mesmo modo, deverá ser reduzida – ao mínimo legal - a pena do crime de detenção de arma proibida;
9 - Em consequência, a pena única aplicada deverá ser substancialmente reduzida;
10 - A indemnização fixada para os danos não patrimoniais é exagerada e está desfasada com a jurisprudência do STJ, devendo, por isso, ser substancialmente reduzida;
11 - Houve erro notório na apreciação da prova relativamente aos factos provados sob os números 70 e 71 que, por isso, não poderão ser considerados na fixação da indemnização ou deverá anular-se o julgamento, com o consequente reenvio do processo (por violação do artigo 410º-2-a) do CPP quanto a esses pontos);
12 - E o mesmo se passa quanto ao nº 73 dos factos provados;
13 - De todo o modo, o dano patrimonial futuro é de um manifesto exagero, contrariando a Jurisprudência do STJ;
14 - O acórdão da Relação, na fixação dos danos patrimoniais futuros, distinguiu entre despesas futuras previsíveis e danos patrimoniais futuros da ofendida, correspondentes à sua capacidade de trabalho, havendo, por isso, neste aspecto, duplicação de prejuízos;
15 - Deverá ser reduzido o dano patrimonial futuro e fixado em montante não superior a 100.000,00 euros.

Respondeu o Exmº Magistrado do MºPº junto da Relação, pugnando pelo não provimento do recurso e pela manutenção do decidido.

Na respectiva motivação, sem formular conclusões, alega, em resumo:

1 – O acórdão recorrido não padece de omissão de pronúncia pois teve em consideração todas as questões sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
2 - Tal acórdão também não padece de qualquer dos invocados vícios relativos à matéria de facto (contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova);
3 – O recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame da matéria de direito. Ora as questões de direito mencionadas pelo arguido nas conclusões da sua motivação – designadamente a violação do artigo 355º do CPP, a violação do princípio in dubio pro reo, o enquadramento da conduta do arguido na previsão do artigo 132º-2-i) do CP e a medida concreta da pena – foram já suscitadas no recurso que o arguido apresentou na 1ª instância, tendo o acórdão recorrido decidido as mesmas.
Ao reeditar tais questões neste recurso, o arguido mais não pretende do que uma reapreciação daquilo que já foi objecto de decisão, sendo, por isso, nesta parte, o recurso manifestamente improcedente pelo que deverá ser rejeitado.

A não se entender assim:

4 – Dos factos provados resulta que o arguido agiu com frieza de ânimo, revelando uma culpa agravada, agiu com especial censurabilidade, pelo que bem andou o tribunal no acórdão recorrido, ao qualificar o crime como sendo de homicídio qualificado, na forma tentada (artigo 132º-j do CP na redacção ora vigente ou 132º-i) na redacção vigente à data dos factos).
5 – No que respeita à dosimetria da pena aplicada, confirmada pelo acórdão recorrido, a mesma é justa e equilibrada, em função das exigências de prevenção geral e especial, tendo como limite inultrapassável a culpa do agente.
6 – Tendo isso em conta e também a moldura penal abstracta para o crime em questão (homicídio qualificado, na forma tentada) – prisão de 2 anos 4 meses e 26 dias a 16 anos 8 meses e 1 dia; que o grau de ilicitude é muito elevado; o modo de execução (o arguido agiu de forma fria, fácil, despreocupada e contra uma pessoa indefesa e desarmada, que abandonou sem providenciar por assistência); que o dolo é directo e intenso; que em sede de culpa, o arguido merece grande censura ético-jurídica, situando-se a medida da culpa muito acima do limite médio da moldura penal; e atendendo ao elevado alarme social que este tipo de criminalidade violenta suscita na comunidade, com repercussões negativas em sede de prevenção geral de integração, a pena aplicada mostra-se justa e adequada ao caso, pelo que se deverá manter.

A Exmª Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal teve vista do processo nos termos do artigo 417º-1 do CPP.

Colhidos os vistos e realizada a audiência de julgamento, cumpre decidir.

As questões suscitadas pelo recorrente e a decidir são as seguintes:

1 – Deve o acórdão recorrido ser anulado por omissão de pronúncia?

2 – Padece o acórdão recorrido dos vícios de contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão; e de erro notório na apreciação da prova, devendo, por isso, ser ordenado o reenvio do processo para novo julgamento?
3 – O julgamento deve ser anulado por violação do disposto no artigo 355º do CPP?
4 – Qualificação jurídica dos factos provados: crime de homicídio qualificado na forma tentada (como entenderam as instâncias) ou crime de homicídio simples na forma tentada (como entende o arguido/recorrente)?
5 - Tratando-se de homicídio simples na forma tentada, a pena a aplicar não deveria ser superior a 4 anos de prisão?
6 - Mas, mesmo tratando-se de homicídio qualificado, a pena aplicada por este crime é excessiva pelo que deverá ser substancialmente reduzida?
7 – E também deverá ser reduzida – ao mínimo legal - a pena do crime de detenção de arma proibida?
8 - Em consequência, a pena única aplicada deverá ser igualmente reduzida?
9 - A indemnização fixada para os danos não patrimoniais é exagerada devendo, por isso, ser substancialmente reduzida?
10 - Os factos provados sob os números 70, 71 e 73, não poderão ser considerados na fixação da indemnização porque incorrectamente apreciados, devendo, por isso, anular-se o julgamento, com o consequente reenvio do processo (por violação do artigo 410º-2-a) do CPP quanto a esses pontos – erro notório na apreciação da prova)?
11 - O acórdão da Relação, na fixação dos danos patrimoniais futuros, distinguiu entre despesas futuras previsíveis e danos patrimoniais futuros da ofendida, correspondentes à sua capacidade de trabalho, havendo, por isso, neste aspecto, duplicação de prejuízos;
12 – O dano patrimonial futuro é exagerado devendo, por isso, ser reduzido e fixado em montante não superior a 100.000,00 euros?

Vejamos então:

É a seguinte a matéria de facto provada:

1. O arguido e a assistente/ demandante BB são vizinhos, existindo desde há algum tempo conflitos entre as famílias de ambos motivados, designadamente, pelo facto de uma irmã, um cunhado e um sobrinho do arguido terem sido condenados no âmbito do Processo Comum Colectivo Nº 1466/01.7PBVIS do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu em penas de prisão que, em cúmulo jurídico, aplicou a pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, à primeira, a pena única de 6 anos de prisão, ao segundo, e a pena única de 7 anos e 6 meses de prisão, ao terceiro, e, ainda, no pagamento da indemnização aí fixada, penas de prisão e indemnização essas reportadas a crimes de que, na sua maioria, foram vítimas a ora assistente/demandante e o seu marido, tendo o arguido adiantado em Abril de 2005 a quantia de cerca de € 20.000,00 que faltava por aqueles pagar da aludida indemnização.
2. No dia 24 de Agosto de 2006, a mencionada BB chegou à sua casa cerca das 18.30 horas, acompanhada dos seus três filhos, proveniente do restaurante de que a mesma e o seu marido são proprietários e onde a mesma trabalhava.
3. Depois de ali ter efectuado outras tarefas, a mencionada BB dirigiu-se à horta que possui num terreno sito nas imediações do prédio onde está inserida a sua referida casa de habitação, e ali colheu vários tomates.
4. Após o que, entre as 19 horas e 40 minutos e as 19 horas e 54 minutos, decidiu ir a casa buscar um alguidar para transportar os tomates que havia colhido.
5. Logo depois de ter passado o portão de entrada do referido prédio, a BB ouviu passos atrás de si e voltou-se para trás, vendo então o arguido distanciado de si cerca de 1,50 m a empunhar uma pistola e a apontá-la na sua direcção.
6. De imediato, à referida distância de cerca 1,50 m da assistente/demandante, e sem proferir qualquer palavra, o arguido efectuou com a referida pistola, de calibre 6,35 mm, um primeiro disparo na direcção da BB quando esta se encontrava de lado em relação a ele por se ter virado para trás ao ouvir os referidos passos atrás de si, atingindo-a no braço esquerdo.
7. De seguida, o arguido efectuou ainda com a mesma pistola mais dois disparos na direcção da BB quando esta, depois de se ter sentido atingida no braço esquerdo com o primeiro disparo, já se encontrava de costas para ele e a fugir em direcção à sua casa, disparos estes que a atingiram nas costas, fazendo com que a mesma caísse ao chão.
8. Após os três disparos, o arguido pôs-se em fuga em direcção ao pinhal existente defronte do referido portão, sendo ainda perseguido durante algum tempo por um dos filhos da BB que não conseguiu alcançá-lo.
9. Os três aludidos disparos efectuados pelo arguido, que atingiram a assistente/ demandante no braço esquerdo e nas costas, provocaram-lhe orifício a nível dorsal esquerdo, orifício lombar direito a três centímetros da linha média e orifício no braço esquerdo com saída no hemitórax esquerdo, ficando um dos projécteis alojados no fígado e outro na coluna vertebral ( D 11 – D 12 ), tendo-lhe causado, entre outras, as seguintes lesões/sequelas: perfuração da face anterior do antro gástrico, perfuração do lobo esquerdo do fígado, hemopneumotórax à esquerda e laceração da artéria do grande epiplon; zona arroxeada escura com 2,50 cm de diâmetro na planta do pé direito e esquerdo, cicatriz rosada, linear, longitudinal, desde a região do apêndice xifóide até 7 cm abaixo do umbigo, medindo no total 24 cm, duas outras cicatrizes lineares, rosadas, transversais, na região umbilical (metade direita inferior), a mais superior com 2,50 cm de comprimento e a mais distal com 0,5 cm de comprimento, cicatriz rosada com 4 mm de diâmetro, no terço médio da região braquial posterior do braço esquerdo, outra cicatriz rosada com 6 mm de diâmetro na região axilar esquerda (metade superior), outra cicatriz rosada com 7 mm de diâmetro na região axilar (metade inferior), cicatriz rosada com 5 mm de diâmetro na região vertebral torácica (metade direita), cicatriz rosada com 7 mm de diâmetro na região vertebral lombar (metade esquerda), cicatriz linear, na região mediana lombar com 10 cm de comprimento, lesões essas que puseram em perigo a vida da assistente/demandante e que determinaram um período de doença de 165 dias, todos com afectação do trabalho em geral e com afectação da capacidade para o trabalho profissional e de que resultou para a assistente/demandante paraplegia dos membros inferiores, o que lhe retira de maneira grave a possibilidade de utilizar o corpo e lhe afecta gravemente a capacidade de trabalho.
10. Tais zonas do corpo da assistente/demandante, atingidas, alojam órgãos e estruturas essenciais à vida.
11. Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu com a intenção de tirar a vida à BB, bem sabendo que os disparos efectuados nas circunstâncias referidas, eram adequados a provocar a morte desta e agiu querendo proceder dessa forma, morte essa que só não ocorreu por circunstâncias alheias à sua vontade, designadamente, pelo facto de a BB ter sido prontamente transportada ao hospital onde foi assistida e submetida a urgentes intervenções cirúrgicas e aturados cuidados clínicos.
12. Por volta das 20.15 horas do mesmo dia, o arguido veio a ser abordado na sua casa por agentes da GNR, onde o mesmo tinha acabado de tomar banho e onde se encontrava a funcionar uma máquina de lavar roupa contendo no seu interior poucas peças de roupa, entre as quais, o pólo de cor castanha que o arguido usava quando efectuou os referidos disparos contra a BB.
13. No local onde ocorreram os disparos vieram a ser localizados por agentes da GNR que se deslocaram ao local três invólucros / cápsulas de pistola de calibre 6,35 mm, dois dos quais junto ao portão da propriedade onde se insere a casa da BB e o outro já no interior dessa propriedade.
14. O arguido sabia que a pistola por si utilizada, cujas características conhecia, é considerada uma arma letal de agressão e meio particularmente perigoso, dada a sua potencialidade lesiva, e que não permite qualquer hipótese ou meio de defesa à vítima.
15. O arguido não é titular de licença de uso e porte da referida pistola e não tinha qualquer justificação ou motivo para a deter.
16. Sabia ser proibida a detenção, uso e porte da referida pistola sem possuir a respectiva licença de uso e porte emitida por organismo competente para o efeito.
17. O arguido agiu nas circunstâncias atrás descritas de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo as suas condutas proibidas e punidas por lei.
18. Na tarde do referido dia 24 de Agosto de 2006 o arguido esteve na oficina do Sr. C...M...da S..., em S. Miguel de Outeiro, tendo aí sido informado que em Parada de Gonta existia uma carrinha, cujo dono a pretendia vender.
19. Por volta das 17 horas do referido dia o arguido dirigiu-se a Parada de Gonta onde procurou o dono da referida carrinha para ver esta.
20. Depois de observar a dita carrinha o arguido dirigiu-se para a sua casa onde chegou cerca das 19 horas desse dia.
21. Aí dirigiu-se ao local onde guarda sucata para venda, dando uma volta à mesma e depois foi ver as hortas para ver quais os produtos hortícolas que precisavam de ser regados.
22. No período compreendido entre as 19.20 -19.30 horas do referido dia e durante um período de 5 a 10 minutos, esteve em casa do arguido e na companhia deste, J...da A...O...N... que ali foi buscar um gerador e um motopico.
23. Pelo percurso principal, através da estrada, a casa da residência do arguido e a casa da residência da BB distam entre si 350 m.
24. O arguido é considerado pessoa respeitadora por aqueles que com ele lidam, e, designadamente, pelos seus amigos.
25. É pai de dois filhos, de 23 e 15 anos de idade, ambos a viver com os pais, o menor dos quais estudante e a seu cargo.
26. Dedica-se juntamente com a sua esposa à compra e venda de pinhas e de sucata, actividade essa que lhes permite auferir o montante mensal de cerca € 2.000,00.
27. Vive em casa própria adquirida com recurso ao crédito bancário, suportando com a amortização deste o encargo mensal de € 600,00
28. Tem como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade.
29. Não consta do seu CRC junto aos autos qualquer condenação.
30. Em consequência das lesões sofridas a mencionada BB foi atendida no serviço de urgência do Hospital de São Teotónio EPE no dia 24.08.2006, tendo aí sido prestada à mesma a assistência médica descriminada nas facturas nºs ..., emitida em 19.06.07, no montante de € 8.750,19, ..., emitida em 16.05.07, no montante de € 30,00, 27005395, emitida em 07.02.07, no montante de € 11.659,62, e 27008061, emitida em 20.06.07, no montante de € 48,20.
31. A BB mantém ainda projéctil hepático.
32. Foi submetida a intervenção cirúrgica, tendo sido efectuada ráfia em dois planos da face anterior do antro gástrico, laqueação da artéria sangrante do grande epiplon e drenagem torácica à esquerda.
33. Esteve internada no hospital de São Teotónio de Viseu desde 24.08.2006 até 22.12.2006, data em que lhe foi dada alta para o domicílio.
34. Para além de, quanto ao quadro neuromotor, apresentar paraplegia, apresenta, ainda, tónus flácido, sem sensibilidade ou contracção anal, esfíncter intestinal sem treino instituído, esfíncter vesical com algália.
35. Faz autoalgaliação.
36. Após alta hospitalar frequentou sessões de fisioterapia nos serviços externos do Hospital São Teotónio de Viseu.
37. No dia 31.05.2007 foi submetida a nova intervenção cirúrgica para exérese do projéctil alojado na medula.
38. Tem fases de humor depressivo e crises frequentes de irritabilidade.
39. Necessita de manter continuadamente o apoio de medicina fisiátrica de reabilitação e ainda tratamento a nível psíquico.
40. A situação clínica da BB de paraplegia dos membros inferiores é considerada irreversível, não havendo, segundo informação clínica, benefício previsível com qualquer intervenção neurocirúrgica.
41. A BB nasceu em 16.02.1961.
42. À data dos factos a BB era saudável, alegre, jovial, dinâmica, trabalhadora e com um feitio sociável e expansivo.
43. Em consequência da paraplegia dos membros inferiores que apresenta não pode tomar banho sozinha, não pode cuidar da sua higiene pessoal, não consegue vestir-se pelos seus próprios meios e não se deita nem se levanta da cama sozinha e só se desloca numa cadeira de rodas, tarefas em que necessita da ajuda de terceira pessoa durante as 24 horas do dia.
44. De 2 em 2 horas, quando deitada, necessita de ser mudada de posição.
45. Por se encontrar algaliada por sistema fechado, de 2 em 2 horas tem necessidade de proceder ao esvaziamento do saco de urina.
46. Sente-se muito triste e infeliz por se ver deficiente e agarrada para toda a vida a uma cadeira de rodas e com necessidade de ser assistida de modo permanente e continuado para toda a vida, o que também a choca profundamente por não se sentir uma pessoa normal.
47. Sente-se triste e profundamente chocada por não poder ter um relacionamento afectivo normal com o marido, visto que a sua actividade sexual ficou cerceada.
48. Sofre por saber que a sua situação clínica causa desgosto ao seu marido e filhos e por saber que para a toda a vida será um peso para estes.
49. Necessita de usar fraldas diariamente.
50. E de usar meias elásticas para evitar complicações circulatórias sanguíneas nas pernas.
51. Necessita de tomar diariamente medicamentos, vitaminas e de aplicar cremes de protecção no corpo para evitar escaras.
52. Necessita de adquirir algálias, sacos de urina, sondas vaginais, esponjas para uso higiénico, compressas esterilizadas, soro fisiológico, fraldas, medicamentos vários, produtos de higiene e cremes.
53. Necessita de ser deslocada para beneficiar de sessões de fisioterapia e para receber cuidados médicos.
54. Na aquisição dos produtos aludidos em 49 a 52 e nas deslocações aludidas em 53 a demandante despende quantia mensal não inferior a € 270,00.
55. O acompanhamento completo e permanente da demandante por parte de uma ou mais empregadas implicam despender a verba mensal não inferior a € 1.250,00.
56. Para minorar o seu isolamento, lhe permitir ter alguma mobilidade e garantir-lhe algum bem-estar a demandante adquiriu uma cadeira de rodas eléctrica no que despendeu a quantia de € 2.383,50.
57. Como forma de facilitar a circulação sanguínea nos membros inferiores a demandante necessita de adquirir “um plano de inclinação automático “ que a preços actuais custa € 2.500,00.
58. Em medicamentos, exames e consultas médicos, honorários clínicos, taxas moderadoras, despesas de transportes e com a aquisição de um colchão, fraldas e demais produtos aludidos em 52 a demandante despendeu a quantia de € 3.123,13.
59. A demandante tem necessidade de fazer obras na cozinha e na casa de banho da casa onde reside a fim de as adaptar às limitações físicas de que é portadora, obras essas que consistem, designadamente: no rebaixamento dos móveis da cozinha assentes no chão, de modo a permitir à demandante fazer uso deles, na substituição da banheira e chuveiro na casa de banho, na construção de uma rampa de acesso à base do chuveiro, na substituição da sanita por outra mais baixa, na colocação de apoios em tubo inox nas laterais da sanita e na substituição do lavatório de modo a permitir-lhe o uso dessa casa de banho e algum conforto.
60. As referidas obras orçam, as da cozinha em € 2.850,00, e as da casa de banho em € 2.390,00, montantes estes acrescidos de IVA.
61. A demandante necessita de adquirir, pelo menos, uma cama e colchão apropriados e uma almofada adequada, cujo custo importa em quantia não concretamente apurada.
62. Como consequência directa da conduta do arguido atrás descrita a demandante sentiu dores, sentiu que as suas forças estavam a faltar até dar entrada no hospital e medo de morrer e de deixar o seu marido e filhos que ama.
63. Sente ainda dores, mal-estar físico e psicológico.
64. Vive apreensiva em relação ao futuro.
65. Perdeu o interesse e a alegria de viver.
66. À data dos factos a demandante trabalhava juntamente com o seu marido na exploração de um restaurante de que são proprietários, denominado Restaurante Marisol, sito na Estrada Nacional Nº 2, em Repeses.
67. O agregado familiar da demandante, composto pela mesma, marido e três filhos, estes a frequentar estabelecimentos de ensino, vivia exclusivamente dos proventos advindos da exploração de tal restaurante, a qual lhe permitia uma vida normal, sem dificuldades económicas e frequentemente viajar e fazer férias.
68. Era a demandante quem organizava, orientava e planificava toda a actividade e serviços da cozinha, ementas, aquisição de produtos, mesas, etc.
69. Actividades essas que a demandante desenvolvia durante o dia e que lhe ocupavam mais de 8 horas deste.
70. Tendo em conta o âmbito, a especificidade e a duração de tais actividades, a responsabilidade que tinha na sua gerência e administração nunca poderá ser feito sem a contratação de uma ou mais pessoas a quem se terá de pagar quantia não inferior a € 1.500,00 mensais.
71. A incapacidade que afecta a demandante levou-a a ter de interromper, por completo, a elaboração de tais actividades profissionais, as quais não poderão ser feitas sem recurso à contratação de um ou mais dois trabalhadores, o que importará o pagamento a estes de pelo menos € 1.500,00 por mês.
72. A actividade desenvolvida pela demandante e pelo seu marido no aludido restaurante sofreu um decréscimo do seu rendimento em consequência da diminuição da clientela.
73. O rendimento da actividade desenvolvida pela demandante à data dos factos computa-se, anualmente, em quantia não inferior a € 20.000.

São os seguintes os factos não provados:
Nenhum outro se provou com interesse para a decisão da causa, designadamente, os seguintes -
a) Da acusação -
- que tenha sido mais do que um dos filhos da BB a perseguir o arguido após este ter efectuado os três disparos referidos na factualidade provada.
- que os disparos efectuados pelo arguido tenham atingido a BB no terço médio do braço direito.
- que um dos projécteis tenha ficado alojado na espessura da linha axilar posterior da região abdominal.
- que ainda não seja possível saber quais os dias de doença e eventuais sequelas resultantes para a BB em consequência das lesões por esta sofridas.
- que o arguido não tivesse registada em seu nome qualquer arma de fogo calibre 6,35 mm.
- que o arguido tenha esperado a BB junto ao portão da casa.
b) Do pedido de indemnização civil do Hospital de São Teotónio -
- que a interpelação para pagamento dos montantes referentes à assistência médica prestada pelo Hospital de São Teotónio à mencionada BB discriminada nas facturas aludidas na factualidade provada se tenha efectivado pelos ofícios do dito hospital nºs 8768, de 19.06.07, 7297, de 16.05.07, e 3732, de 12.03.07.
- que a factura Nº ..., emitida em 20.06.07, no montante de € 48,20 referente a assistência médica prestada pelo Hospital de São Teotónio à mencionada BB tenha sido remetida ao arguido em 12.07.2007 através do ofício Nº 9799.
c) Do pedido de indemnização civil de BB -
- que a demandante tenha estado internada no Hospital de Viseu desde 28.04.2006 e que no dia 29 de Maio de 2007 tenha dado novamente entrada nesse hospital para ser submetida a nova intervenção cirúrgica e aí tenha permanecido internada até 8 de Junho de 2007, data em que teve alta para o domicílio.
- que não seja possível saber quais os dias de doença e quais as sequelas que a demandante apresenta.
- que na aquisição dos produtos e nas deslocações aludidos nos pontos 49. a 53. a demandante despenda mensalmente € 500,00.
- que o acompanhamento completo e permanente da demandante e outras despesas impliquem a contratação de quatro funcionárias e o dispêndio mensal de verba nunca inferior a € 2.500,00, atendendo aos salários destas.
- que a demandante necessite de adquirir uma cadeira de rodas eléctrica que, aos preços actuais, não custa menos de € 7.000,00.
- que constantemente advenha ao pensamento da demandante imagens recorrentes do agressor.
- que a demandante entrasse diariamente no restaurante às 8.00 horas e de lá saísse às 23-24 horas.
- que a actividade desenvolvida pela demandante conjuntamente com o seu marido tivesse decrescido consideravelmente com a impossibilidade da demandante continuar a exercer essa actividade, sendo hoje a clientela e o movimento do restaurante inferior a metade.
- o restaurante tenha estado fechado muitos dias consecutivos, tendo perdido muitos clientes que dificilmente voltará a ganhar.
- a actividade hoje desenvolvida no restaurante não se processe com a eficiência e com o movimento que tinha antes e que os respectivos lucros sejam reduzidos a metade.
d) Da contestação -
- que no dia referido na acusação o arguido não tenha visto a BB.
- que o arguido tenha estado na oficina do mencionado Sr. C...M...da S... com vista à aquisição de uma carrinha para o exercício do seu comércio.
- que o Sr. J...da A...O...N... tenha ido à casa do arguido levar um gerador cerca das 19.30 horas e aí tenha estado com o arguido durante cerca de 15 minutos.
- que o arguido tenha tomado banho imediatamente a seguir a ter estado com o mencionado Sr. J...da A...O...N....
- que o arguido nunca tenha tido qualquer questão, problema ou confronto com a BB e que tivesse com esta um relacionamento de vizinhos, sem intimidade.
- que o arguido nunca tenha sido portador de qualquer pistola de calibre 6.35 mm.
- que recentemente a BB tenha sido condenada por agredir corporalmente uma professora da Escola de Repeses.
- que a BB seja tida como pessoa conflituosa, tenha tido vários confrontos com várias pessoas da localidade onde reside e que a mesma tenha criado inúmeras inimizades que podem ter levado à prática da agressão de que foi vítima.
- que o arguido seja pessoa bem comportada.
- que a demandante não exercesse qualquer profissão remunerada.
- que a actividade de exploração do restaurante de que são proprietários a demandante e o marido se tivesse mantido regularmente.
Consigna-se que os factos descritos na acusação, nos pedidos de indemnização civil e nas contestações não elencados quer nos factos provados, quer nos factos não provados, foram considerados pelo Tribunal Colectivo alguns deles como irrelevantes para a decisão da causa e os demais meras considerações e conclusões.

OS FACTOS E O DIREITO:

Cumpre agora apreciar e decidir as questões suscitadas neste recurso e atrás elencadas.

1ª questão:

Deve o acórdão recorrido ser anulado por omissão de pronúncia?

Segundo o recorrente essa omissão de pronúncia respeita á impossibilidade de o arguido ter sido o autor dos disparos, questão suscitada nas conclusões 1ª a 5ª da motivação do presente recurso (e que suscitara nas conclusões 16ª e 17ª da motivação do recurso interposto para a Relação e relativamente à qual, alega, o acórdão recorrido não se pronunciou).
Podemos dizer, desde já, que não lhe assiste razão quanto a este aspecto.
Na verdade, como bem refere o Exmº Magistrado do MºPº junto do Tribunal da Relação de Coimbra na resposta que apresentou, basta atentar no que consta de fls. 1322 do acórdão recorrido e que se passa a transcrever:
… 2.3.2- No caso concreto, examinada a prova documental e oral, concluímos não haver razões para alterar o decidido.
2.3.2.1- Quanto à autoria dos disparos efectuados sobre a ofendida as declarações desta e os depoimentos dos filhos M... e M... são categóricos e não deixam margem para dúvidas. E não há razão para lhes não conferir credibilidade, tanto assim que se conjugam em perfeita harmonia e passaram pelo crivo da «reconstituição dos factos» que o tribunal efectuou.
A ofendida declarou ter pressentido que alguém vinha em seu encalço e ao olhar para trás para saber de quem se tratava confrontou-se com a presença do arguido que a cerca de metro e meio de si logo lhe desferiu o primeiro tiro no braço esquerdo face à rotação que fez do corpo para saber quem dela se aproximava.
Seguiram-se outros dois tiros, sendo que quanto ao terceiro as testemunhas M... e M... são categóricos em afirmar que viram o arguido a efectuá-lo: Refere o M... que estando na cozinha de casa ouviu a primeira detonação pelo que logo se dirigiu para a porta de entrada da cozinha; quando a abria ouviu o segundo tiro e passou a visionar o arguido com uma pistola na mão a apontá-la à sua mãe e a fazer um terceiro tiro. Refere a M... que estando sentada no sofá na cozinha/sala a ver televisão ouviu o barulho da primeira detonação pelo que se levantou e veio à janela que dá para o exterior da casa; viu então o arguido com uma pistola na mão; mais refere que dirigindo-se então para a porta que dessa divisão dá acesso ao exterior da casa ouviu a segunda detonação e viu depois o arguido a efectuar um terceiro disparo e a pôr-se de imediato em fuga.
Merecendo tais depoimentos e declarações credibilidade ao tribunal, credibilidade que justifica racionalmente, não vemos como negá-la na base das conjecturas do recorrente.
Note-se que o julgador é livre de formar a sua convicção num só depoimento em desfavor de outros contrários desde que motive racionalmente a sua opção.
No caso temos três pessoas presenciais a referirem o seu conhecimento da autoria dos disparos, pelo que não nos impressiona [com também não impressionou o tribunal recorrido] a persistência do arguido em negar tal autoria.
O arguido não era um estranho para estas três pessoas; tratava-se dum seu vizinho de há longa data e que conheciam muito bem, pelo que não é de admitir qualquer confusão com qualquer outra pessoa.
Assim, apesar de nos fenecer a imediação das provas que teve o tribunal recorrido, também nós estamos perfeitamente crentes que foi o arguido o autor dos disparos efectuados sobre a ofendida.
E sabendo-se que estes foram feitos pelo arguido e recolhidos que foram os projécteis no local sabendo-se que tipo de arma os deflagrou é obvia a prova da detenção pelo arguido do tipo de arma por ele utilizada.
Não são as discrepâncias sobre que tipo de calça que o arguido envergava que infirmam a credibilidade das referidas testemunhas, pois conheciam-no perfeitamente como se deixou referido. …”.

Resulta evidente da transcrição efectuada que o acórdão recorrido apreciou de forma cuidada e aprofundada a questão suscitada e atinente à autoria dos disparos.
E, acrescentamos agora nós, que as contradições da matéria de facto alegadas pelo recorrente, correspondem, na verdade, a meras conjecturas na medida em que se desconhece o tempo que demora a percorrer a distância que separa a casa do arguido da casa da ofendida/assistente.
Como quer que seja, importante para a decisão – quanto ao aspecto em causa – era apurar o autor dos disparos. Essa questão está perfeitamente esclarecida e fundamentada, na decisão recorrida.
Inexiste, pois, a alegada omissão de pronúncia pelo que, nesta parte, o recurso improcede.

2ª e 10ª questões:

Padece o acórdão recorrido dos vícios de contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão e de erro notório na apreciação da prova, devendo, por isso, ser ordenado o reenvio do processo para novo julgamento (questão suscitada nas conclusões 6ª a 18ª da motivação; e nas conclusões 40ª a 46ª)?

Como resulta inequívoco das conclusões 6ª a 18ª e 40ª a 46ª da motivação apresentada pelo recorrente, este alicerça o recurso na alegação de que o acórdão recorrido padece dos vícios previstos no artigo 410º-2-b) do CPP (designadamente contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova, designadamente quanto ao móbil do crime – más relações entre a família do arguido e da vítima - e aos factos dados como provados supra sob os nºs 70, 71 e 73).

Pois bem, como resulta claro do preceituado no artigo 434º do CPP, o recurso interposto para este Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.

No caso “sub judice” o recorrente ao estribar este segmento do recurso exclusivamente na alegação de que o acórdão recorrido sofre dos vícios previstos no artigo 410º-2-b) do CPP, está, nesta parte, a atacar exclusivamente a matéria de facto.

O que pretende é que este Supremo Tribunal proceda ao reexame da matéria de facto, o que, como se disse, não é legalmente admissível.

O objecto do recurso, nesta parte, consiste – exclusivamente - na apreciação por este Supremo Tribunal, dos vícios previstos no artigo 410º-2, do Código de Processo Penal que o recorrente imputa ao acórdão recorrido.

Ora a invocação e apreciação dos vícios previstos no artigo 410º-2 do CPP não pode ser objecto de recurso autónomo para este STJ pois o objecto do recurso para este Supremo Tribunal visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.

Tal resulta, como vimos, expressamente da lei: artigo 434º do CPP.

E é, igualmente, jurisprudência pacífica deste Tribunal (cfr. v.g. Acs. STJ de 16.02.06, Recurso nº 471/06, 5ª Secção; e de 13.07.06, Recurso nº 2423/06, 5ª Secção).

A menos que tais vícios resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

Ora, quanto á alegada contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, no caso em apreço, tal não se verifica na medida em que do texto da decisão recorrida não resulta, como pretende o recorrente, que os disparos tenham ocorrido às 19,40 horas e que a essa mesma hora o arguido estivesse em sua casa, na companhia de outra pessoa.
O acórdão recorrido tendo embora a preocupação de ser preciso quanto a tais factos, fixou a ocorrência dos mesmos dentro de um determinado intervalo de tempo.
Sendo assim, não é legítima a conclusão do recorrente.
Aliás, a fundamentação desta parte da matéria de facto é bastante clara e convincente. Daí que nos permitamos transcrevê-la:
“Para infirmar a autoria dos factos que lhe vinha imputada na acusação, que o arguido negou desde o primeiro momento na audiência de julgamento, tentou o mesmo escudar-se na circunstância de se encontrar em locais diferentes daquele onde o crime ocorreu à hora em que este teve lugar.
Com efeito, conforme resulta da contestação apresentada nos autos pelo arguido, este, fazendo o périplo dos locais por si percorridos na tarde em que os factos ocorreram, alega que no momento em que os disparos ocorreram, segundo a acusação, se encontrava em sua casa na companhia da testemunha J...da A...O...N..., que ali tinha ido levar um gerador.
Em sede de audiência o arguido mantém tal versão, embora referindo que a referida testemunha J...N... ali foi buscar emprestados um gerador e um motopico, quando eram mais ou menos 19.30 horas e ali se demorando no máximo 20 minutos e que depois deste se ter ausentado foi tomar banho, tendo os agentes da GNR chegado à sua residência enquanto ainda tal acontecia.
A esse propósito, a referida testemunha J...N..., inquirida em sede de audiência e cujo depoimento se revelou aparentemente isento, confirmou que se deslocou, de facto, no dia em que os factos ocorreram à casa do arguido depois de ter saído do seu emprego pelas 19 horas, tendo estado na casa do arguido durante um período que situou entre 5 e 10 minutos e entre as 19.20 horas e as 19.30 horas, após o que dali se ausentou depois de ter convidado o arguido para ir com ele comer e beber qualquer coisa, tendo o mesmo recusado.
Ora, tendo em conta que os disparos ocorreram, conforme resulta da factualidade provada, entre as 19 horas e 40 minutos e as 19 horas e 54 minutos, hora esta para prova da qual levou o Tribunal em conta as declarações da assistente/demandante e os depoimentos das três testemunhas já mencionadas como filhos da mesma em conjugação com o que a respeito disso se colhe da informação do CODU (Centro de Orientação de Doentes Urgentes) junta a fls. 1017 e dos relatórios da GNR juntos a fls. 1060 e 1061, que dão conta, o primeiro, que a emergência médica foi solicitada, via telemóvel, em virtude da situação em causa nos autos (vítima baleada nas costas) quando eram 19 horas, 54 minutos e 8 segundos, e, os segundos, que quando eram 20 horas foi dada a informação pelo CODU à GNR da ocorrência dos factos em apreciação, considerando, ainda, que a residência do arguido dista, pelo trajecto principal, pelo lado da estrada, da residência da assistente/demandante cerca de 350 m e também que existe, através da propriedade do arguido onde se situa a sua residência um trajecto, mais curto, que vem dar ao portão de ferro e rede que se evidenciam nas fotografias de fls. 37 e 38, e que deste dá acesso à residência da assistente/demandante pelo caminho que também aí se ilustra e que termina no pinhal que se vê na fotografia junta a fls. 37 o qual se situa em frente à residência da assistente/demandante, é por demais evidente que o arguido, depois de ter estado com a mencionada testemunha J...N... na sua casa e de tal testemunha se ter ido embora, tinha tempo mais do que suficiente para se ter deslocado à residência da assistente/demandante, seja pelo mencionado trajecto principal, seja pelo portão de ferro que da sua propriedade dá para o caminho que termina no pinhal situado em frente da casa da assistente, e aí ter desferido os três tiros que a assistente/demandante diz ter o mesmo desferido, tanto mais que, o arguido conhecia bem este trajecto alternativo e mais curto, pois, segundo a testemunha M...M... quando ainda perseguiu o arguido depois do terceiro tiro este fugiu através do referido pinhal que dá acesso ao dito caminho que conduz ao portão de ferro da propriedade do arguido.
Desta feita, também a versão trazida aos autos pelo arguido, no sentido de que não foi ele o autor dos disparos porque quando estes ocorreram o mesmo se encontrava na sua casa e na companhia da testemunha J...N..., não poderá colher, isto, sem prejuízo de se ter apurado, como apurou, que tal testemunha esteve na casa do arguido entre as 19.20 horas e as 19.30 horas e que antes disso o arguido andara dentro da sua propriedade a dar volta para ver quais os produtos que precisavam de rega e, ainda, antes disso estivera em S. Miguel de Outeiro, na oficina da testemunha C...M...da S... e dali saiu para Parada de Gonta para o fim descrito na factualidade provada, regressando à sua residência por volta das 19 horas, factos estes para prova dos quais contribuíram os depoimentos da mencionada testemunha C... da S... e ainda da testemunha L... de A... de F... e S.. que corroboraram as declarações do arguido nesta parte.
Diga-se, ainda, que a presença da assistente/demandante ou de alguém da sua família na residência desta à hora em que os factos ocorreram nem sequer constituiria qualquer novidade para o arguido, pese embora o facto de aquela assistente e sua família não terem horas certas para regressar a casa depois da sua actividade de restauração, pois, foi o próprio arguido que admitiu nas suas declarações prestadas em audiência de julgamento que quando andava na sua propriedade a dar volta para ver quais os produtos hortícolas que precisavam de rega se apercebeu de que havia gente na casa da assistente/demandante, factos este que deixam também antever a proximidade entre o prédio onde se insere a casa do arguido e o prédio onde se insere a casa da assistente/demandante. …”.

Acresce que a discussão deste aspecto teria relevância, na óptica do recorrente, para se poder pôr em causa a autoria dos disparos.
Só que tal questão está perfeitamente esclarecida na decisão recorrida (como acima se verificou), não tendo o tribunal a menor dúvida em atribuir essa autoria ao arguido.

Quanto ao alegado erro notório na apreciação da prova alega o recorrente que as invocadas “más relações” (entre a família do arguido e a da assistente/ofendida) nele referidas não são, dentro da normalidade da sociedade portuguesa e segundo as regras da experiência comum, suficientes para constituir motivo do crime, sendo certo que os factos relativos aos familiares do arguido ocorreram em 2001 e os factos objecto deste processo tiveram lugar em 2006, sem que houvesse qualquer motivo ou causa próxima do deflagrar dos mesmos.
Assim, no entender do recorrente, houve erro notório na apreciação da prova quanto ao estabelecimento do móbil do crime.
Também quanto a este aspecto, não temos dúvidas em afirmar que, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, tal vício não se verifica.

Na verdade, ficou provado (nº1 dos factos assentes) que “O arguido e a assistente/ demandante BB são vizinhos, existindo desde há algum tempo conflitos entre as famílias de ambos (sublinhado nosso) motivados, designadamente, pelo facto de uma irmã, um cunhado e um sobrinho do arguido terem sido condenados no âmbito do Processo Comum Colectivo Nº 1466/01.7PBVIS do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu em penas de prisão que, em cúmulo jurídico, aplicou a pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, à primeira, a pena única de 6 anos de prisão, ao segundo, e a pena única de 7 anos e 6 meses de prisão, ao terceiro, e, ainda, no pagamento da indemnização aí fixada, penas de prisão e indemnização essas reportadas a crimes de que, na sua maioria, foram vítimas a ora assistente/demandante e o seu marido, tendo o arguido adiantado em Abril de 2005 a quantia de cerca de € 20.000,00 que faltava por aqueles pagar da aludida indemnização”.
E, da fundamentação da matéria de facto consta, designadamente, o seguinte:
A convicção do Tribunal relativamente aos factos provados alicerçou-se na análise crítica de toda a prova produzida na audiência de julgamento em conjugação com a prova documental e pericial constante dos autos, deslocação do Tribunal ao local onde ocorreram os factos e onde foi feita a reconstituição destes, e, ainda, com as regras da experiência, e, designadamente:
Nas declarações do arguido o qual admitiu não falar com a assistente/demandante BB, sua vizinha, depois desta ter tido problemas com os seus familiares (irmã, de nome H..., cunhado, de nome A..., e sobrinho, de nome F...) arguidos no Processo Comum Colectivo Nº 1466/01.7PBVIS do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, no âmbito do qual vieram estes a ser condenados nas penas de prisão e na indemnização aludidos na factualidade provada e a que se reporta a certidão do acórdão junta a fls. 905-970 e também porque a assistente o ameaçava de que o havia de meter na cadeia para não andar a fiscalizar o que era dos outros, ameaça essa que o arguido referiu estar relacionada com o facto do mesmo ter sido testemunha em dois processos de natureza cível referentes um deles a marcos e outro a caminhos que envolveram a assistente e vizinhos desta, embora uma e outra coisa o não impedissem de lhe dar a salvação se a encontrasse.
A tal propósito, nas suas declarações prestadas em audiência de julgamento a assistente / demandante BB referiu que por causa do aludido processo de natureza criminal deixou de falar com o arguido, seu vizinho, e este com ela, nem sequer se dando a salvação um ao outro, sendo, ainda verdade que o arguido testemunhou contra ela nos aludidos dois processos de natureza cível, sem que, contudo, por causa disso lhe tenha feito qualquer ameaça, assumindo, ainda, que em público chegou a manifestar a suspeita de ter sido o arguido quem, em Julho de 2006, lhe matara um cão que aparecera morto com um tiro, circunstâncias que, no seu conjunto, justificam que a assistente/demandante e o arguido não se falassem de todo.
A respeito das más relações entre as famílias do arguido e da assistente/demandante, corroboraram a versão da assistente/demandante no sentido de que esta e o arguido não se falavam de todo um com o outro depois do aludido processo crime as testemunhas M...M... S... e N...P...da S...A..., os quais, enquanto filho da assistente, o primeiro, e como inquilino e trabalhador que foi em tempos do arguido, o segundo, demonstraram ter conhecimento de tais factos.
É certo que o arguido tentou, sem conseguir, desvalorizar as relações conflituosas entre a família do mesmo e a da assistente/demandante e desligar as mesmas da condenação dos seus mencionados familiares no mencionado processo crime, alegando que as suas relações com aqueles seus familiares, de há algum tempo a esta parte, não eram as melhores, não só porque não tinha concordado com a actuação dos mesmos que levou à sua condenação no aludido processo crime, como ainda porque, em tempos, um outro filho daquela sua irmã H... e cunhado A... não quis sair de uma sua casa que ocupava e que lhe tinha sido doada pelo seu pai, casa essa na qual aquele filho da sua irmã H...a chegou até a causar estragos antes de a abandonar.
Ora, se é verdade que ficou o Tribunal convencido de que, em tempos, terá havido entre o arguido e outro mencionado filho daqueles H... e A... um litígio relacionado com a aludida casa doada pelo pai do arguido a este, por tais factos terem sido corroborados, não só pelos documentos juntos a fls. 992 (carta enviada pelo arguido ao sobrinho), a fls. 991 (factura), 993 (documento comprovativo do pedido de desligação da água) e a fls. 1078-1081 (doação), como também pelos depoimentos das testemunhas J...L...C..., A...G...F... e M...T...de M...C...T..., o certo é que na convicção do Tribunal tais factos, ou não constituíram sequer, motivo para a deterioração das relações familiares entre o arguido e os familiares deste envolvidos no aludido processo crime, ou então, se chegaram a causar distanciamento entre eles, a verdade é que o relacionamento familiar entre eles voltou depois disso à normalidade, pelas razões que passaremos a elencar.
Com efeito, não é crível que se o arguido não tivesse concordado com a actuação daqueles seus familiares que levou à condenação dos mesmos no referido processo crime e, ainda assim, se tivesse prestado, como prestou, a ser em tal processo testemunha de defesa daqueles e nessa qualidade ter tomado o partido destes aquando do depoimento que prestou na audiência de julgamento que teve lugar no âmbito do referido processo - ao ter aí considerado impossível ver a partir da janela da casa dos ali assistentes o local onde deflagrou o incêndio -, quando, como se colhe da fundamentação do aludido acórdão que condenou aqueles familiares do arguido, a fls. 24 do mesmo, pela deslocação feita ao local pelo Tribunal que efectuou o julgamento no referido processo, ter sido possível aferir da possibilidade de tal visão, sintomático de que o ora arguido e ali testemunha deturpou a verdade dos factos, o que, à luz das regras da experiência, só pode entender-se que com tal depoimento, desconforme à verdade, por si ali prestado o ora arguido quis favorecer aqueles seus familiares, o que denota, obviamente, proximidade entre eles e não afastamento, como o arguido quis fazer crer a este Tribunal.
Acresce que, também esse distanciamento no relacionamento familiar entre o arguido e aqueles seus mencionado resulta infirmado pelas próprias declarações do arguido prestadas na audiência de julgamento nos presentes autos, quando nelas assumiu ter pago com dinheiro seu a quantia de cerca de € 20.000,00 que faltava pagar por aqueles seus familiares a título da indemnização arbitrada no referido processo crime à ora assistente/demandante e seu marido em que aqueles também foram condenados, pagamento esse que a testemunha D...L...M..., solicitador da execução que corria para cobrança de tal indemnização e cujo requerimento executivo se mostra junto em cópia a fls. 166, confirmou no seu depoimento prestado na audiência de julgamento e no que prestou durante a fase de inquérito, constante do auto de fls.164-165, a cuja leitura se procedeu por verificação dos pressupostos legais para o efeito exigidos, como se evidencia da acta de audiência de julgamento.
Com efeito, apesar do arguido ter esclarecido que esse pagamento, por si efectuado em parte com dinheiro e o resto através de cheque, se ficou a dever ao facto daquela sua irmã e cunhado terem visto penhorados em sede de execução bens próprios dos mesmos para pagamento de tal indemnização e, porque ele lhes devia a quantia de € 20.000,00 que aquela sua irmã Helena lhe havia emprestado muito tempo antes dos factos a que se reportam os presentes autos e sem o conhecimento do cunhado marido da mesma acabou por adiantar tal indemnização – a verdade é que o Tribunal não ficou convencido da existência de tal empréstimo, pese embora o facto de, para prova dele, o arguido ter junto aos autos os documentos que constam de fls. 1062, 1063 e 1077, não só porque a declaração de fls.1063 pode ter sido apenas agora elaborada pela subscritora da mesma com o teor dela constante apenas e só para efeitos de ser junta aos presentes autos, como também porque os talões de depósito juntos a fls. 1062 e 1077 também por si nada provam, pois, a quantia neles mencionada cujo depósito através dos mesmos se pretende provar na conta da esposa do arguido pode ter tido proveniência diferente daquela que o arguido referiu – o empréstimo por parte da irmã H... -, para já não falar das dúvidas que podem suscitar-se quanto ao talão de depósito de fls. 1077, que foi junto pelo arguido como sendo o original do também já por si anteriormente junto e que consta de fls. 1062, já que da análise minuciosa do mesmo ficam muitas dúvidas ao Tribunal sobre essa originalidade, na medida em que, incompreensivelmente, dele constam marcas evidentes de se tratar de um fotocópia no todo ou pelo menos em parte, mormente a meio do mesmo, ou seja, entre a parte que respeita ao carimbo da instituição bancária e assinatura sobre este e a restante parte do mesmo, onde ressalta com evidência essa marca de fotocópia.
É que, a versão do aludido empréstimo feito pela irmã H... ao arguido trazida aos autos por este, para além das dúvidas que suscitam os aludidos documentos juntos pelo arguido para comprovação do mesmo, as próprias declarações do arguido prestadas em audiência de julgamento sobre os pormenores do mesmo apresentam contradições que, pela natureza destas, não podem, senão, fazer o Tribunal legitimamente suspeitar da falta de veracidade das mesmas, que, diga-se, apenas se mostram corroboradas pelo depoimento da testemunha M...T...de M...C...T..., a cujo depoimento aludiremos infra.
De facto, aquando do seu interrogatório na 1ª sessão da audiência de julgamento, de forma espontânea, o arguido justificou o adiantamento por si feito da quantia de cerca de € 20.000,00 para pagamento da indemnização devida pelos seus mencionados familiares à ora assistente/demandante e seu marido no âmbito do referido processo crime com o facto daquela sua mencionada irmã Helena lhe ter emprestado tempos antes tal quantia, apesar do relacionamento pouco próximo entre ambos, esclarecendo então expressamente, e a instâncias do Digno Procurador, que tal empréstimo foi sem juros e sem prazo.
Já na última sessão da audiência de julgamento, depois de ao mesmo ter sido feita a comunicação de factos nos termos do art. 358º Nº1 do C.P.P. que consta da acta da audiência de julgamento, e na sequência da junção aos autos por si requerida dos aludidos documentos (declaração de fls. 1063 e talões de depósito de fls. 1062 e 1077), veio em novas declarações, em contradição com o por ele referido anteriormente na primeira sessão de julgamento, adiantar que o empréstimo que a irmã H... lhe havia feito foi com juros de 4%, embora sem prazo, contradição essa para a qual o arguido não deu qualquer explicação, apesar de ter sido confrontado com as suas anteriores declarações, posicionamento esse do arguido que o Tribunal não pode deixar de realçar como revelador da falta de consistência da versão por ele trazida aos autos a respeito do aludido empréstimo.
A tal propósito, não poderá deixar, ainda, de se salientar que para consistência da tese do referido empréstimo pouco pesou o único depoimento que o confirma, da testemunha M...T...de M...C...T..., no sentido de que tal empréstimo teve lugar e que sabe disso por o arguido lhe ter pedido primeiro a si para lhe emprestar tal quantia, o que só não aconteceu por não ter disponibilidade para o efeito.
Na verdade, tal testemunha que se intitulou amiga do arguido desde há cerca de 15 anos, vizinha do mesmo durante cerca de 7 anos e referiu ser presença assídua em todas as festas havidas em casa do arguido - nas quais referiu nunca viu os aludidos familiares do arguido - e frequentadora da casa deste e ele da sua, deu a saber que o arguido tem mais afinidade com os amigos do que com a própria família e que teve conhecimento do empréstimo feito ao mesmo pela irmã H....
Ainda que aparentemente isento, o depoimento de tal testemunha não poderá deixar de merecer ao Tribunal algumas reservas quanto à sua isenção, desde logo, pelo facto da mesma, como o confirmou no seu depoimento prestado na audiência de julgamento, ter assistido a esta desde a primeira sessão da mesma, visto que só veio a ser arrolada pelo arguido na sequência da comunicação dos factos feita ao mesmo e já referida, circunstância essa que, seguramente, retira espontaneidade ao depoimento por ela prestado, já que enquanto assistiu à audiência de julgamento tal testemunha certamente se inteirou do interesse do arguido em convencer o Tribunal do aludido empréstimo, o que retira isenção ao seu depoimento, único, aliás, conforme já referido, que corroborou a tese do referido empréstimo, pois que, as demais testemunhas arroladas pelo arguido e inquiridas em sede de audiência, J...L...F...C..., amigo do arguido desde a infância, e A...G...F..., amigo do arguido há cerca de 12 anos, se limitaram a referir, o primeiro, que as relações do arguido com os seus mencionados familiares eram pouco especiais e que até estranha que tenha havido o referido empréstimo de dinheiro da H... ao arguido, devido a essas relações entre eles não serem muito estreitas, e também por entender que, do que conhece da vida do arguido, este nunca ter precisado de empréstimos de dinheiro, e o segundo, que as relações entre o arguido e a H... não eram de grande amizade, manifestando, ainda, muitas dúvidas quanto à existência do referido empréstimo.
Ora da análise de tais elementos probatórios não pode deixar de considerar-se, como o Tribunal considerou, que aquando dos factos existiam conflitos entre as famílias do arguido e da assistente/demandante, apesar do arguido ter tentado convencer o Tribunal do contrário(o sublinhado é nosso).

Decorre portanto, da matéria de facto assente e também da fundamentação da matéria de facto, de forma clara e inequívoca, que havia más relações entre as famílias do arguido e da assistente.

E consta do texto do acórdão recorrido, expressamente o seguinte:
“… A referida certidão foi junta aos autos por decisão oficiosa do tribunal proferida na sessão da audiência de julgamento de 2/11/2007. Da referida decisão -, consubstanciada no despacho de fls. 903 -, não houve recurso.
Com tal junção o tribunal pretendeu averiguar do bom ou mau relacionamento existente entre o arguido e a assistente, ou seja, pretendeu trazer para o processo prova, ainda que meramente corroborativa ou indiciária, das más relações havidas entre a família alargada do arguido e a família próxima da ofendida/assistente, num esforço de desvendar a motivação do arguido aos factos que integram o homicídio tentado.
Essas más relações acabaram por, dum modo ínvio, serem admitidas pelo arguido. E não há dúvida que elas estão na base da tentativa do homicídio já que sem esse mau relacionamento o acto criminoso do arguido era falho de sentido. …”.

Perante estes elementos como pode dizer-se que do texto da decisão recorrida existe erro notório na apreciação da prova quanto ao móbil do crime? A questão do mau relacionamento entre as famílias do arguido e da assistente foi profundamente averiguada e escalpelizada em audiência. E, perante a prova produzida, o tribunal formou a sua convicção. Devidamente fundamentada e esclarecida. Nada a censurar.
E nem se diga, como o recorrente, que as más relações entre as famílias não justifica um crime de homicídio, segundo as regras da experiência. O caso em apreço, prova o contrário: está assente que foram aquelas más relações que estiveram na base da tentativa de homicídio levada a cabo pelo arguido.

Relativamente aos factos provados sob os números 70, 71º e 73, são, como vimos, os seguintes:
70 - Tendo em conta o âmbito, a especificidade e a duração de tais actividades, a responsabilidade que tinha na sua gerência e administração nunca poderá ser feito sem a contratação de uma ou mais pessoas a quem se terá de pagar quantia não inferior a € 1.500,00 mensais.
71. A incapacidade que afecta a demandante levou-a a ter de interromper, por completo, a elaboração de tais actividades profissionais, as quais não poderão ser feitas sem recurso à contratação de um ou mais dois trabalhadores, o que importará o pagamento a estes de pelo menos € 1.500,00 por mês.
73. O rendimento da actividade desenvolvida pela demandante à data dos factos computa-se, anualmente, em quantia não inferior a € 20.000.

Pretende o recorrente que houve erro notório na apreciação da prova relativamente a tais factos que, por isso, não poderão ser considerados na fixação da indemnização.
Trata-se de questão suscitada já por aquele no recurso interposto para a Relação e por esta já decidida.
Como se refere no acórdão sob recurso, nesta parte o recorrente “nem sequer deu cumprimento ao que se estatui no nº4, in fine, do artigo 412º do CPP onde se dispõe que deve o recorrente indicar concretamente as passagens (dos depoimentos) em que se funda a impugnação”.
E, prossegue o mesmo acórdão: “ …também inexiste erro notório na apreciação da prova, pretendendo o recorrente retirá-lo da sua divergência com o tribunal na apreciação das provas.
Ora, como já se deixou dito, tal erro terá de resultar directamente do texto do acórdão recorrido por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, sem o lançar de mão de outros elementos constantes dos autos excepção feita à prova tarifada -, v.g. do seu confronto com a gravação dos depoimentos prestados e consequente divergência apreciativa.
E como ao tribunal não ficaram dúvidas quanto aos factos que deu por «provados» que desfavorecem a posição processual do arguido, é óbvio que não foi violado o princípio «in dubio pro reo»”.

Acresce que, da fundamentação da matéria de facto consta – quanto a estes aspectos – o seguinte: “…Sobre o modo como tais lesões e sequelas afectaram, de forma condicionante e grave, a vida da assistente/demandante BB, nos aspectos pessoais, de saúde, familiares e profissionais sopesou o Tribunal o que a respeito dos mesmos também se colhe dos elementos clínicos e periciais atrás aludidos, conjugado com o que a esse respeito revelaram saber as testemunhas M...C...R...S..., F...R...S..., respectivamente irmã e sobrinha da assistente, A...M...S..., amigo da família da assistente/demandante há muitos anos e frequentador do restaurante propriedade da mesma, F...L...F...C..., cliente do referido restaurante, A...R...S...L..., empregada do aludido restaurante, e J...M...S..., marido da assistente/demandante, cujos depoimentos, no geral, se mostraram isentos, pese embora as relações de família e de amizade existentes entre algumas das mesmas com a assistente/demandante, dando a saber ao Tribunal que a assistente/demandante, cuja personalidade antes dos factos em apreciação nos autos foi considerada como sendo a de pessoa muito dinâmica, de muito trabalho e muita luta, alegre e dada a gracejos, e que, depois dos factos se transformou numa pessoa depressiva, facilmente irritável, revoltada com a sua incapacidade, triste e infeliz, e que, do ponto de vista profissional, a sua actividade ficou condicionada pela incapacidade que hoje apresenta a nível de locomoção e outras, que não só lhe não permitem desenvolver a actividade de restauração a que se dedicava juntamente com o seu marido como, ainda, demandam necessidade de terceira pessoa para acompanhamento durante todo o dia, tendo em conta os cuidados de saúde, de higiene e de conforto que urge acautelar em consequência das lesões que apresenta, necessitando para tanto de aquisição e manutenção de medicamentos e outros produtos, aparelhos, utensílios e elaboração de obras de adaptação na sua residência para nela se poder deslocar na cadeira de rodas, tudo do conhecimento de tais testemunhas que, designadamente aquelas que têm relações de família com a assistente/demandante, bem conhecem porque lhe prestam ajuda devido a essa incapacidade, e que, à luz das regras da experiência comum se revela perfeitamente coadunável com o quadro de incapacidade que a assistente/demandante apresenta em virtude das sequelas de que ficou afectada em resultado das lesões sofridas – visto que a actividade desenvolvida pela demandante na gerência do restaurante pela forma descrita na factualidade provada não se compadece com as limitações que aquela advieram, mormente o facto de só poder deslocar-se em cadeira de rodas -, como também ajustados, à luz de tais regras da experiência comum, alguns dos gastos que se tornam necessários, designadamente, os referentes ao acompanhamento durante as 24 horas do dia por parte de uma ou mais empregadas, consoante a opção de uma empregada interna ou mais do que uma empregada, sendo que num caso ou noutro, e em face das limitações que apresenta a assistente/demandante, os custos com esse acompanhamento nunca implicarão um gasto inferior a € 1.250,00/mês, considerando o montante dos salários praticados para esse sector e as despesas com contribuições a eles associadas, assim como à substituição da assistente/demandante por outra pessoa no desempenho da sua actividade profissional que, tendo em conta o âmbito, a especificidade e a duração dessa actividade, sempre implicará a contratação de um ou mais trabalhadores e o dispêndio de pelo menos € 1.500,00, tendo em conta também os salários praticados no sector da restauração referentes a trabalhadores com funções de gerência.
Sobre a quebra de rendimento da actividade de restauração desenvolvida pela assistente/demandante e seu marido em consequência da diminuição da clientela sopesou o Tribunal, para além dos depoimentos das mencionadas testemunhas frequentadoras do restaurante propriedade daqueles, sopesou o Tribunal o teor das declarações de IRS juntas a fls. 824-835 e 605-609 que o atestam, documentos estes que serviram ao Tribunal para, com base neles, computar o montante dos rendimentos anuais da demandante que o Tribunal computou com recurso à média dos rendimentos referentes a prestação de serviços aludidos em tais declarações de IRS, dividindo tais montantes em dois, por respeitarem os valores globais aí referidos a tal propósito não só à actividade da assistente/demandante mas também à do marido desta.
Quanto às despesas suportadas e a suportar pela assistente/demandante relacionadas com as lesões e sequelas que apresenta considerou o tribunal o teor da documentação junta a fls. 538-604 e 836-854, com base na qual foi também possível ao tribunal calcular, em média, o valor das despesas que a demandante terá de fazer no futuro com a aquisição dos produtos e com as deslocações para tratamentos de que necessita e de que vai continuar a necessitar. …”.

Tendo isto em consideração não se vê que do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência, resulte a existência do invocado erro na apreciação da prova.
Trata-se, afinal, de discordância do recorrente com o decidido, divergindo na apreciação das provas.
Isso, porém, não configura o apontado vício.

Seja como for, como se disse, trata-se de questão atinente aos vícios da matéria de facto e tal questão foi já apreciada pela Relação, não podendo ser objecto de recurso autónomo para este Supremo Tribunal.

Por isso, nesta parte, o recurso não é admissível, o que acarreta a respectiva rejeição.

3ª questão:

O julgamento deve ser anulado por violação do disposto no artigo 355º do CPP (questão suscitada nas conclusões 13ª e 14ª)?
Sustenta o recorrente, quanto a este aspecto, que na fundamentação da sentença da 1ª instância invoca-se o facto de o arguido ter sido testemunha de defesa de uma irmã, cunhado e sobrinho, num processo que correu termos no Tribunal de Viseu, no ano de 2001. Porém, em julgamento, o arguido/recorrente não foi confrontado com o depoimento que prestou como testemunha de defesa nesse processo, nem esse depoimento foi examinado em audiência de julgamento. E a junção do acórdão do processo do Tribunal de Viseu não constitui prova bastante da existência do móbil para o crime em causa.

Quid juris?
Verifica-se dos autos que a certidão em questão foi junta ao processo por decisão oficiosa do tribunal de 1ª instância com vista a apurar da existência do bom ou mau relacionamento entre o arguido e a assistente.
Dessa forma o tribunal procurou trazer aos autos prova – ainda que indiciária – das más relações entre as famílias do arguido e da assistente, esforçando-se por desvendar a motivação do arguido para a prática dos factos que lhe eram imputados neste processo.
Ora nos termos do citado artigo 355º do CPP não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito da formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.
Porém, como resulta dos autos, a junção daquela certidão foi feita no decurso do julgamento e foi ordenada por despacho judicial do qual os interessados foram notificados.
Por isso, estes puderam exercer o contraditório e, sendo assim, a prova resultante desse documento, porque sujeita ao contraditório, é válida, nada obstando que tivesse sido tomada em consideração na formação da convicção do tribunal em obediência ao poder/dever consagrado no artigo 340º-1 do CPP, sendo ainda certo que – como se refere no acórdão recorrido – “o princípio da livre investigação ou da verdade material tem o seu campo essencial de aplicação na audiência de julgamento pelo que, ressalvados os direitos do arguido e os preceitos imperativos sobre a admissibilidade de certas provas, o CPP não admite qualquer restrição ao poder/dever do juiz de ordenar (ou autorizar) a produção de prova indispensável para a boa decisão da causa, isto é, para a instrução do facto ou para a descoberta da verdade material acerca dele”.
Acresce que, como se vê da fundamentação da matéria de facto atinente a este segmento do acórdão recorrido, aquela certidão foi apenas um dos meios de prova que o tribunal teve em consideração para concluir pela existência, desde há algum tempo, de conflitos entre as famílias do arguido e da assistente.

Do exposto resulta não ter sido violado o estatuído no citado artigo 355º do CPP, pelo que, também neste segmento, não assiste razão ao recorrente.

4ª questão:

Qualificação jurídica dos factos provados: crime de homicídio qualificado na forma tentada (como entenderam as instâncias) ou crime de homicídio simples na forma tentada (como entende o arguido/recorrente)?

No acórdão recorrido – tal como na 1ª instância – qualificaram-se os factos provados como integrando a prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada.
E isto, porque se considerou que o circunstancialismo que rodeou a acção criminosa manifesta uma acrescida censurabilidade da conduta do arguido (que o acórdão da 1ª instância considerou integrar o conceito de frieza de ânimo).

O recorrente, porém, entende que a factualidade provada não permite fazer aquele enquadramento jurídico.

Quid júris?

Como se diz – e bem – no acórdão da 1ª instância, “Para a qualificação do crime de homicídio, o legislador português combinou um critério generalizador, determinante de um especial tipo de culpa, com a técnica dos chamados exemplos-padrão. Assim, a qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos indeterminados: a “ especial censurabilidade ou perversidade “ do agente referida no nº1 do art. 132º do C. Penal; verificação indiciada por circunstâncias ou elementos uns relativos ao facto, outros ao autor, exemplarmente elencados no nº 2. Elementos estes cuja verificação, por um lado, não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a consequente qualificação; e cuja não verificação, por outro lado, não impede que se verifiquem outros elementos substancialmente análogos aos descritos e que integrem o tipo de culpa qualificador. Deste modo, devendo afirmar-se que o tipo de culpa supõe a realização dos elementos constitutivos do tipo orientador – que resulta de uma imagem global do facto agravada correspondente ao especial conteúdo de culpa tido em conta no art. 132º nº2 – neste sentido, Prof. Figueiredo Dias, in ob. cit., pag. 26.
Segundo defende o mesmo autor, in ob. cit., pag. 27, «muitos dos elementos constantes das diversas alíneas do art. 132º nº 2, em si mesmos tomados, não contendem directamente com uma atitude mais desvaliosa do agente, mas sim com um mais acentuado desvalor da acção e da conduta, com a forma de cometimento do crime. Ainda nestes casos, porém, não é esse maior desvalor da conduta o determinante da agravação, antes ele é mediado sempre por um mais acentuado desvalor da atitude: a especial censurabilidade ou perversidade do agente, é dizer, o especial tipo de culpa do homicídio agravado. Só assim se podendo compreender e aceitar que haja hipóteses em que aqueles elementos estão presentes e, todavia, a qualificação vem em definitivo a ser negada», e, a fls. 29, «o pensamento da lei é, na verdade, o de pretender imputar à “ especial censurabilidade “ aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas, e à “ perversidade “ aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas».

Tendo em atenção estes princípios, o tribunal de 1ª instância (depois de afastar a possibilidade de subsunção dos factos provados à previsão das alíneas g) e/ou h) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal) concluiu que a factualidade provada integra a qualificativa da alínea i) do nº 2 do citado artigo 132º do Código Penal, ou seja, a circunstância de o agente “agir com frieza de ânimo”.
E, refere o mesmo acórdão, a frieza de ânimo é a única circunstância agravativa das elencadas na alínea i) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal que poderá equacionar-se perante a factualidade provada pois “não vemos que a reflexão sobre os meios empregados ou a persistência da intenção de matar por mais de 24 horas também aí contempladas possam estar em causa em face dos elementos disponíveis na factualidade provada” (sic).

A propósito desta circunstância agravante qualificativa, refere-se a fls. 39 do Comentário Conimbricense do Código Penal que “a alínea i), reproduzindo integralmente o conteúdo do preceito correspondente do CP de 1982, dá efeito de exemplo-padrão qualificador à tradicionalmente chamada circunstância da premeditação, mas cujo conceito é agora omitido. … O CP de 1982 reuniu sob o conceito de premeditação alguns dos entendimentos que diferentes ordenamentos lhe conferiam: a frieza de ânimo, a reflexão sobre os meios empregados e o protelamento da intenção de matar por mais de 24 horas. E esta concepção continuou a ser sufragada pela reforma de 1995 que apenas eliminou o conceito englobante de premeditação, mas deixou subsistir os seus possíveis entendimentos. …”.
Ora, a frieza de ânimo está relacionada com o processo de formação da vontade de praticar o crime e é entendida como a conduta que traduz calma, reflexão e sangue frio na preparação do ilícito, insensibilidade, indiferença e persistência na sua execução - (cfr. Ac. STJ de 30.09.1999, Proc. 36/99 – 3ª – SASTJ, nº 33, pag. 94) – ou consiste em a vontade se formar de modo frio, lento, reflexivo, cauteloso, deliberado, calmo na preparação e execução persistente na resolução (cfr. Ac. STJ de 17.02.2005 in Proc. 4216/04 – 5ª – SASTJ nº 88, pág. 123).

Por outro lado, há desde logo que ter em atenção que as circunstâncias enumeradas a título exemplificativo no artigo 132º-2 do Código Penal, não são elementos do tipo legal de crime, mas antes, da culpa.

Por isso, não são de funcionamento automático pelo que pode verificar-se qualquer delas e, apesar disso, concluir-se que o agente não agiu com especial censurabilidade ou perversidade (neste sentido, cfr. Ac. STJ de 20.03.1985, BMJ 345, 248).

Portanto, uma vez que aquelas circunstâncias não operam automaticamente, é indispensável determinar se, no caso concreto, qualquer daquelas circunstâncias (que se verifique) preenche ou não o elemento qualificante da especial censurabilidade ou perversidade e justificam uma sanção que não cabe na moldura incriminadora do homicídio simples (cfr. Acs. STJ de 04.07.1996 in CJ Acs. STJ, IV, Tomo 2, pág. 222; e de 11.12.1997, BMJ 472, 154).

Tendo isto em atenção e ponderando o circunstancialismo do caso concreto (cfr. matéria fáctica assente), cremos que, da matéria de facto assente não pode concluir-se que se verifique a agravante da frieza de ânimo.
Na verdade, resulta dos factos provados que “Logo depois de ter passado o portão de entrada do referido prédio, a BB ouviu passos atrás de si e voltou-se para trás, vendo então o arguido distanciado de si cerca de 1,50 m a empunhar uma pistola e a apontá-la na sua direcção.
De imediato, à referida distância de cerca 1,50 m da assistente/demandante, e sem proferir qualquer palavra, o arguido efectuou com a referida pistola, de calibre 6,35 mm, um primeiro disparo na direcção da BB quando esta se encontrava de lado em relação a ele por se ter virado para trás ao ouvir os referidos passos atrás de si, atingindo-a no braço esquerdo.
De seguida, o arguido efectuou ainda com a mesma pistola mais dois disparos na direcção da BB quando esta, depois de se ter sentido atingida no braço esquerdo com o primeiro disparo, já se encontrava de costas para ele e a fugir em direcção à sua casa, disparos estes que a atingiram nas costas, fazendo com que a mesma caísse ao chão.
Após os três disparos, o arguido pôs-se em fuga em direcção ao pinhal existente defronte do referido portão, sendo ainda perseguido durante algum tempo por um dos filhos da BB que não conseguiu alcançá-lo”.

Partindo destes factos, o acórdão recorrido conclui que o arguido agiu com sangue frio, de modo bem pensado, sem qualquer comiseração pela vítima (indefesa e surpreendida) e com determinação e persistência na concretização da sua intenção de a matar (tanto assim que não se quedou pelo primeiro disparo, tendo feito ainda mais dois quando aquela – já ferida em consequência do primeiro disparo e por isso mesmo, mais fragilizada - estava já de costas para ele, fugindo em direcção a casa).

Só que, trata-se de meras conclusões do tribunal.
Não se trata de factos assentes.
Na verdade, não está provado que o arguido “agiu com sangue frio, de modo bem pensado, sem qualquer comiseração pela vítima (indefesa e surpreendida) e com determinação e persistência na concretização da sua intenção de a matar”.
Isto, são conclusões do tribunal que não têm suporte na matéria de facto assente.

Da mesma forma que não passa de mera conclusão – e não de factualidade assente – a afirmação do acórdão recorrido de que o circunstancialismo em que os factos ocorreram – sobretudo o modo como o arguido os praticou – não podem deixar de revelar uma conduta de grande indiferença e grande insensibilidade, reveladora de especial censurabilidade ou perversidade.
Na verdade, os factos provados evidenciam uma conduta do arguido merecedora de juízo de censura.
Porém, não se vê que dos mesmos se evidencie uma conduta reveladora de especial censurabilidade ou perversidade.
Seria assim se tivesse ficado provado que o arguido “agiu com sangue frio, de modo bem pensado, sem qualquer comiseração pela vítima (indefesa e surpreendida) e com determinação e persistência na concretização da sua intenção de a matar”.
Só que isto não está provado, sendo apenas conclusões do acórdão recorrido assentes na fundamentação da matéria de facto (coisa diferente da factualidade provada).
Pelo exposto concluímos que os factos provados integram a prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada.

Em face desta conclusão, fica prejudicado o conhecimento da 6ª questão suscitada pelo recorrente, que se reporta ao caso de homicídio qualificado na forma tentada.

5ª, 7ª e 8ª questões:

Trataremos estas questões de forma conjunta na medida em que se reportam ao mesmo segmento do recurso: a medida concreta das penas parcelares e da pena única.

Equacionámos assim tais questões:

5ª - Tratando-se de homicídio simples, a pena aplicada por este crime não deve ser superior a 4 anos de prisão?

7ª - E também deverá ser reduzida – ao mínimo legal - a pena do crime de detenção de arma proibida?

8ª - Em consequência, a pena única aplicada deverá ser igualmente reduzida?

Vejamos:

Relativamente ao homicídio tentado, face à qualificação jurídica dos factos provados, os mesmos, à data da respectiva prática, subsumiam-se à previsão e punição dos artigos 22º, 23º-1 e 2, 73º-1-a) e b) e 131º, do CP então vigente (com a redacção dada pela Lei 65/98, de 02.09).

Actualmente, os factos (respectivos) provados subsumem-se à previsão e punição dos artigos 22º, 23º-1 e 2, 73º-1-a) e b) e 131º, do CP (na redacção dada pela Lei 59/2007, de 04.09).

Porém, a respectiva moldura penal abstracta - quer à face da lei vigente à data da prática dos factos, quer á face da lei actual – é a mesma: prisão de 1 ano, 7 meses e 6 dias a 10 anos, 8 meses e 1 dia de prisão.

Relativamente ao crime de detenção de arma proibida não se questiona a qualificação jurídica dos factos. Apenas de discorda da medida da pena aplicada.

Tal crime (p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 86º-1-c) e 3º-4-a), ambos da Lei 5/2006, de 23.02) é punível, em abstracto, com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.

No caso em apreço foi aplicada pena de prisão e tal aspecto não é objecto deste recurso, discordando o recorrente apenas da medida da pena.
Quanto a este crime foi aplicada a pena concreta de 18 meses de prisão.

Vejamos, então.

Actualmente, todos estão de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis.
Porém, há quem defenda que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade, estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista.
Outros ainda, distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa, estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção.
Mas a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum de pena, o recurso de revista seria inadequado.
Só assim não será – e aquela medida será controlável mesmo em revista, se, p.ex, tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada (cfr. Figueiredo Dias in Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, pág.211; e Ac. deste STJ, 3ª Secção, in Proc. 2555/06).

Nos termos do artigo 71º nº 1 do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Toda a pena tem, como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta.
Daí que não haja pena sem culpa - nulla poena sine culpa.
Mas, por outro lado, a culpa constitui também o limite máximo da pena – (cfr. Ac STJ de 26.10.00 in Proc. 2528/00, desta 3ª Secção: “a culpa jurídico-penal traduz-se num juízo de censura que funciona, a um tempo, como um fundamento e um limite inultrapassável da medida da pena”.
Isto mesmo resulta claro do estatuído no artigo 40º-2 do CP: em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Além disso, como se disse, há que atentar nas exigências de prevenção, quer geral, quer especial.
Com o recurso à prevenção geral busca-se dar satisfação aos anseios comunitários da punição do caso concreto, tendo em atenção de igual modo a necessidade premente da tutela dos bens e valores jurídicos.
Com o apelo à prevenção especial aspira-se em conceder resposta às exigências da socialização (ou ressocialização) do agente delitivo em ordem a uma sua integração digna no meio social” (Cfr. Ac. desta 3ª Secção deste Supremo Tribunal, de 26.10.00, in processo nº 2528/00).
Citando Figueiredo Dias (obra supra citada, pág. 214) “ … a culpa e prevenção são, assim, os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena”.
E, mais adiante (pág. 215) “ …a exigência legal de que a medida da pena seja encontrada pelo juiz em função da culpa e da prevenção é absolutamente compreensível e justificável. Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limita de forma inultrapassável as exigências de prevenção …”.
A este respeito, é pertinente citar aqui o acórdão do STJ de 1/03/00, in processo nº 53/2000, desta 3ª Secção “ … a culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, os seus limite mínimo e máximo absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. A prevenção especial positiva, porém, subordinada que está à finalidade da protecção dos bens jurídicos, já não tem virtualidade para determinar o limite mínimo, este logicamente não pode ser outro que não o mínimo da pena que, em concreto, ainda realiza, eficazmente, aquela protecção … se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e, se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que – dentro, claro está, da moldura legal – a moldura da pena legal aplicável ao caso concreto (moldura de prevenção) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social …”.

Por seu turno, estatui o nº 2 do mesmo artigo 71º do CP que na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

Importa ter em atenção a moldura penal correspondente aos crimes praticados pelo arguido/recorrente (tendo-se em atenção, por um lado, a opção feita na decisão recorrida e que não é posta em causa no recurso, de aplicação de pena privativa de liberdade; e, por outro lado, que não foi suscitada qualquer questão relativa à aplicação da lei no tempo, aspecto esse devidamente referido na decisão da 1ª instância, aceite no acórdão recorrido e que também não nos merece reparo):
- 1 crime de homicídio na forma tentada, p. e p. á data dos factos pelos artigos 22º, 23º-1 e 2, 73º-1-a) e b) e 131º, do CP então vigente e á face da lei actual p. e p. pelos 22º, 23º-1 e 2, 73º-1-a) e b) e 131º, do CP (redacção actual): prisão de 1 ano, 7 meses e 6 dias a 10 anos, 8 meses e 1 dia de prisão; e
- 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 86º-1-c) e 3º-4-a), ambos da Lei 5/2006, de 23.02): pena de prisão até 5 anos (considerando apenas a pena privativa de liberdade, que foi aplicada, aspecto que não se discute no recurso).

Por outro lado, importa também ter presente quanto à medida das penas parcelares que, como refere o acórdão recorrido:
Foram muito gravosas consequências da conduta do arguido que deixou a ofendida paraplégica para o resto da sua vida, tratando-se duma mulher com 45 anos de idade, esposa e mãe de menores, até então alegre, jovial e empreendedora.
O arguido manifestou inusitada cobardia colocando-se em fuga imediata, escondendo ou desfazendo-se de pronto da arma que utilizou e procurando fazer desaparecer as demais provas reais de que fosse portador lavando-se bem como a roupa que na ocasião envergava.
A sua persistência na negação da autoria dos disparos contra a evidência das provas que nela o comprometem revela a falta de consciencialização do desvalor da sua acção e consequentemente falta de arrependimento”.

Sendo assim e tendo em atenção tudo quanto atrás se deixou exposto e ainda que, no caso concreto:
- o grau de ilicitude se mostra elevado pois o arguido agiu com manifesta superioridade de meios em relação à ofendida/vítima;
- o arguido agiu com dolo directo e intenso (utilizou uma arma, desferiu 3 tiros e procurou e conseguiu atingir a vítima – com alguns desses tiros - em zonas vitais do corpo);
- o arguido, após os factos, colocou-se de imediato em fuga escondendo ou desfazendo-se da arma que utilizou e procurou fazer desaparecer outras provas concretas da prática do crime, designadamente lavando-se e também a roupa que na ocasião vestia;
- o arguido não manifestou qualquer arrependimento, pois negou os factos, não obstante a evidência das provas contra ele obtidas, o que revela também falta de consciencialização do desvalor da sua acção;
- a favor do arguido militam as suas condições de vida nos aspectos familiares e profissionais e a boa reputação perante os que lhe são próximos, designadamente os amigos;
- a seu favor também, a ausência de antecedentes criminais.
Há ainda que ter em atenção que as razões de prevenção geral são acentuadas, dada a frequência com que no nosso País vêm sendo praticados crimes com utilização de armas de fogo.

Ponderando tudo quanto se deixou dito – designadamente a culpa do arguido, as exigências de prevenção especial e geral, as necessidades de ressocialização daquele e as respectivas molduras penais abstractas – julgam-se adequadas as seguintes penas parcelares:

- pela prática de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22º, 23º - 1 e 2, 73º-1-a) e b) e 131º, do Código Penal, na redacção vigente à data dos factos, aprovada pela Lei 65/98, de 02 de Setembro, a pena de 8 (oito) anos de prisão; e

- pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º-1-c) da Lei 5/2006, de 23.02, com referência ao artigo 3º-4-a), da mesma Lei, a pena de 12 meses de prisão.

Relativamente á pena a fixar em cúmulo jurídico, há que ter em conta, no seu conjunto, os factos e a personalidade do agente, sendo que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos dois crimes (no caso, 9 anos de prisão) e, como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos dois referidos crimes (no caso, 8 anos de prisão) – cfr. artigo 77º-2 do CP.

Ora, observando os critérios estabelecidos nos artigos 77º e 78º do Código Penal e ponderando os factos (provados) e a personalidade do arguido, julga-se adequado condenar este na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Sendo assim, neste segmento, o recurso logra provimento.

9ª, 11ª e 12ª questões (que trataremos conjuntamente dada a sua conexão):

9ª - A indemnização fixada para os danos não patrimoniais é exagerada devendo, por isso, ser substancialmente reduzida?
11ª - O acórdão da Relação, na fixação dos danos patrimoniais futuros, distinguiu entre despesas futuras previsíveis e danos patrimoniais futuros da ofendida, correspondentes à sua capacidade de trabalho, havendo, por isso, neste aspecto, duplicação de prejuízos;
12 – O dano patrimonial futuro é exagerado devendo, por isso, ser reduzido e fixado em montante não superior a 100.000,00 euros?

Neste segmento – cível - o arguido foi condenado, na 1ª instância:

1 - A pagar ao demandante Hospital de São Teotónio EPE, o montante total de € 20.488,01, montante este acrescido de juros desde a notificação de tal pedido de indemnização civil ao arguido e até integral pagamento.

2 - A pagar à demandante BB:
a) A título de danos patrimoniais, o montante de € 20.168,03 e ainda o que se vier a liquidar posteriormente relativo ao custo da aquisição de uma cama e colchão apropriados e uma almofada adequada, acrescido de juros moratórios, à taxa legal de 4%, desde a notificação de tal pedido de indemnização ao arguido e até integral pagamento.
b) A título de danos patrimoniais a quantia de € 410.000,00, acrescida de juros moratórios à referida taxa legal desde a presente decisão (da 1ª instância) e até integral pagamento.
c) A título de danos não patrimoniais, o montante de € 40.000,00, acrescido de juros moratórios à referida taxa legal desde a presente decisão (da 1ª instância) e até integral pagamento.

Tal condenação foi confirmada pelo acórdão da Relação de Coimbra agora sob recurso.

Relativamente às condenações referidas supra em 1 e 2 – a), as mesmas não são objecto deste recurso.

O recurso – neste segmento – respeita apenas aos montantes indemnizatórios que o arguido foi condenado a pagar à demandante/ofendida BB, referidos supra em 2 – b) e c), ou seja aos montantes de € 410.000,00 – e juros – a título de danos patrimoniais e de € 40.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Quanto aos danos de natureza não patrimonial (fixados em 40.000,00 euros):

Alega o recorrente que o montante fixado é exagerado e está em desfasamento com a jurisprudência do STJ (conclusões 37 a 39º da respectiva motivação).
Só que, por um lado, nem indica as razões da sua discordância, nem indica o montante que reputa justo; e, por outro lado, não indica qualquer jurisprudência deste STJ.
Pois bem, como o recorrente não questiona a condenação em indemnização por danos de natureza de não patrimonial – apenas discordando do montante fixado – é este aspecto que tem de apreciar-se.

Quanto a estes danos (não patrimoniais) rege o artigo 496º do Cód. Civil, de onde resulta que são indemnizáveis os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
A gravidade do dano deve medir-se por um padrão objectivo (devendo, porém, considerar-se as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos.
Assim, são geralmente considerados danos não patrimoniais relevantes, a dor física, a dor psíquica, a ofensa à honra ou reputação do indivíduo, o desgosto pelo atraso na conclusão de um curso ou de uma carreira – cfr. Pires de Lima e A. Varela in C. Civil anotado (anotação artigo 496º).
O dano não patrimonial tem por objecto um interesse não avaliável em dinheiro.
Na determinação do quantum indemnizatório – nº 3 do citado artigo 496º – deve atender-se ao grau de culpabilidade do responsável, à situação económica do lesante e do lesado e demais circunstâncias do caso.
Esta indemnização deve, pois, ser adequada à gravidade do facto ou dano, tomando em conta todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
Esta indemnização, além de sancionar o lesante pelos factos que praticou e que causaram danos a terceiro, visa permitir atenuar, minorar e de algum modo compensar o lesado pelos danos que sofreu, permitindo-lhe a satisfação de várias necessidades de teor monetário. Visa compensar o lesado, na medida do possível, das dores e incómodos que suportou e se mantêm, assim como da situação de debilidade física resultante dos factos (neste sentido, cfr. Ac. STJ de 26.01.94, in CJ Acs. STJ, Tomo II, pág.67).
E, porque neste tipo de danos é evidente a impossibilidade de reparação natural dos mesmos, no cálculo da respectiva indemnização deve recorrer-se à equidade, tendo em conta, como se disse, os danos causados, o grau de culpa, a situação económica do lesante e do lesado e as circunstâncias do caso (supra citado artigo 496º-3 do CC).
No caso em apreço, resulta da matéria de facto assente (que aqui nos dispensamos de repetir) que a ofendida sofreu graves lesões que lhe provocaram sequelas para toda a vida, sofreu muitas e intensas dores, sofrimentos e receios. Antes dos factos destes autos, era mulher saudável, alegre e, depois do acidente perdeu a alegria de viver. Depois daqueles factos, ficou uma mulher diferente e triste.
Face àquela matéria de facto provada, os danos sofridos pela ofendida/demandante BB não podem deixar de considerar-se merecedores da tutela do direito porque muito relevantes e muito graves.
As instâncias fixaram em € 40.000,00 o montante da indemnização a arbitrar á demandante a título de danos não patrimoniais.
Embora possa parecer um montante elevado se comparado até com os montantes por vezes fixados em caso de morte, cremos que no caso em apreço se afigura justo tendo em atenção não só as dores, angústias, sofrimentos, lesões e sequelas delas resultantes, sofridas pela ofendida, mas também todo o demais circunstancialismo provado no caso concreto.
Daí que não mereça censura, pelo que se mantém
Razão por que o recurso, nesta parte, não merece provimento.

Quanto aos danos patrimoniais futuros (fixados em 410.000,00 euros):

O montante de € 410.000,00 fixado, respeita, claramente, a danos patrimoniais futuros (como, aliás, o recorrente admite – cfr. pág 23 da respectiva motivação).

Refere o acórdão recorrido, quanto a esse montante, que € 200.000,00 são relativos à perda de capacidade futura de ganho da demandante BB.
E € 210.000,00 são relativos a futuras despesas de saúde e de acompanhamento.

O recorrente considera um exagero manifesto, o montante fixado quanto aos danos patrimoniais futuros porque:
- o recorrente é um modesto comerciante de frutos secos – actividade que ocupa apenas alguns meses por ano – e eras desse seu trabalho que vivia ele, a mulher e os dois filhos;
- a ofendida não tinha qualquer remuneração fixa, explorando com o marido, um modesto restaurante onde, para além deles, trabalhava apenas um ou dois empregados;
- o restaurante não fechou nem perdeu clientes e não se provou que os respectivos lucros tenham sido reduzidos em metade;
- o trabalho da ofendida era organizar, orientar e planificar a actividade e serviços da cozinha, ementas, aquisição de produtos, mesas, etc., pelo que o marido não está impedido de continuar a exploração desse restaurante;
- refere-se nos factos provados (nºs 70º e 71º) que a administração e gerência do estabelecimento não pode fazer-se sem a contratação de uma ou mais pessoas a quem terá de se pagar quantia não inferior a 1.500,00 euros mensais. Ora, sendo o marido da ofendida quem com ela trabalha no restaurante e dada a modéstia deste revelada nas declarações de IRS apresentadas e que são comuns a ambos os cônjuges, na fixação daqueles factos (nºs 70 e 71º) houve erro notório na apreciação da prova.
- os factos provados no nº 73º contraria o que consta da declaração do IRS da ofendida, comum ao marido, pelo que, neste ponto, houve também erro notório na apreciação da prova.
- há uma duplicação de prejuízos aos indemnizar-se despesas futuras previsíveis da ofendida e danos patrimoniais futuros da mesma, correspondentes à sua capacidade de trabalho. É que, por um lado, pede-se uma indemnização por despesas com a contratação de pessoal para efectuar o trabalho que a ofendida deixou de poder executar e, por outro lado, pede-se um dano patrimonial futuro pela sua impossibilidade de trabalhar, ou seja, pela sua incapacidade de ganho;
- porque a ofendida não exercia qualquer actividade remunerada, nunca a sua incapacidade de ganho podia ser fixada – como foi – com base na fórmula usada no acórdão da Relação que teve por base um rendimento anual de 20.000,00.

Diga-se, desde já, quanto aos factos referidos e provados sob os números 70, 71 e 73, que já atrás se decidiu que, pese embora a discordância do recorrente quanto aos mesmos, a verdade é que foram considerados provados, mostram-se devidamente fundamentados e, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum, não se verifica o vício de erro notório na apreciação da prova.
Por isso, tais factos não podem deixar de ser atendidos, designadamente para efeitos de fixação de indemnização á demandante, por danos patrimoniais futuros.
Aliás, a este propósito e no que concerne ao facto provado sob o nº 73 (a demandante auferia rendimentos anuais não inferiores a 20.000,00 euros) resulta claramente da respectiva fundamentação que, ao contrário do que parece pretender o recorrente, aquele rendimento foi determinado com base – para além de outros elementos – também nas declarações do IRS e depois de ser dividido a meio o rendimento do casal da demandante (Sobre a quebra de rendimento da actividade de restauração desenvolvida pela assistente/demandante e seu marido em consequência da diminuição da clientela sopesou o Tribunal, para além dos depoimentos das mencionadas testemunhas frequentadoras do restaurante propriedade daqueles, sopesou o Tribunal o teor das declarações de IRS juntas a fls. 824-835 e 605-609 que o atestam, documentos estes que serviram ao Tribunal para, com base neles, computar o montante dos rendimentos anuais da demandante que o Tribunal computou com recurso à média dos rendimentos referentes a prestação de serviços aludidos em tais declarações de IRS, dividindo tais montantes em dois, por respeitarem os valores globais aí referidos a tal propósito não só à actividade da assistente/demandante mas também à do marido desta).

Vejamos então:

Foi fixado o montante indemnizatório de € 210.000,00 relativamente a futuras despesas de saúde e de acompanhamento.

Quanto a este aspecto ficou provado que a demandante BB:
- já despendeu em medicamentos, exames e consultas médicos, honorários clínicos, taxas moderadoras, despesas de transportes e com a aquisição de um colchão, fraldas e nos demais produtos aludidos na factualidade provada a quantia de € 3.123,13 e que adquiriu uma cadeira de rodas eléctrica no que despendeu a quantia de € 2.383,50, custos estes que se cifram no montante global de € 5.506,63;
- tem de adquirir “um plano de inclinação automático” como forma de facilitar a circulação sanguínea nos membros inferiores, que custa € 2.500,00;
- tem de fazer obras na cozinha e na casa de banho da casa onde reside a fim de as adaptar às limitações físicas de que é portadora, obras essas que consistem, designadamente: no rebaixamento dos móveis da cozinha assentes no chão, de modo a permitir à demandante fazer uso deles, na substituição da banheira e chuveiro na casa de banho, na construção de uma rampa de acesso à base do chuveiro, na substituição da sanita por outra mais baixa, na colocação de apoios em tubo inox nas laterais da sanita e na substituição do lavatório de modo a permitir-lhe o uso dessa casa de banho e algum conforto, obras essas que orçam, as da cozinha em € 2.850,00, e as da casa de banho em € 2.390,00, montantes estes acrescidos de IVA, cuja soma ascende ao valor global de € 6.461,40.
- tem de adquirir pelo menos, uma cama e colchão apropriados e uma almofada adequada, cujo custo importa em quantia não concretamente apurada;
- logrou, ainda, a demandante provar que na aquisição de algálias, sacos de urina, sondas vaginais, esponjas para uso higiénico, compressas esterilizadas, soro fisiológico, fraldas, medicamentos vários, produtos de higiene e cremes e deslocações para beneficiar de sessões de fisioterapia e para receber cuidados médicos, despende quantia mensal não inferior a € 270,00 e que no acompanhamento completo e permanente de que precisa por parte de uma ou mais empregadas implica despender a verba mensal não inferior a € 1.250,00.

Tais danos, de natureza futura e previsível, não podem deixar de ser considerados e incluídos nos danos patrimoniais futuros.
Estes danos são indemnizáveis – artigo 564º do Código Civil, não sendo aplicável o estatuído no artigo 494º do mesmo código pois os danos resultaram dum comportamento doloso do arguido.
Trata-se indemnização a determinar com recurso à equidade – artigo 566º-2 do C. Civil, devendo ter-se em atenção que a quantia a atribuir à lesada há-se ressarci-la durante o tempo provável da sua vida activa, de forma a representar um capital gerador de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final desse período.
Porque não é possível fixar com rigor essa quantia, há tabelas que nos ajudam nessa tarefa.
Para tal dever ter-se em conta desde logo a esperança de vida do lesado e o quantitativo das despesas a efectuar pelo mesmo.

Sendo assim e tendo em atenção que está provado que a demandante BB tem uma despesa mensal fixa de 270,00 euros, que terá de despender no acompanhamento completo e permanente de que precisa por parte de uma ou mais empregadas verba mensal não inferior a € 1.250,00, e que tinha à data dos factos 45 anos de idade (nasceu em 16.02.1961), sendo razoável ponderar que a esperança de vida da mesma ronde os 70 anos de idade, afigura-se justa e equilibrada a indemnização fixada do montante de € 210.000,00 pelas despesas que terá de suportar relativas à aquisição dos produtos (fraldas diárias; meias elásticas; medicamentos, vitaminas e cremes de protecção no corpo, diariamente; algálias, sacos de urina, sondas vaginais, esponjas para uso higiénico, compressas esterilizadas, soro fisiológico, fraldas, medicamentos vários, produtos de higiene e cremes) e deslocações (para beneficiar de sessões de fisioterapia e para receber cuidados médicos) constantes do ponto 54 dos factos provados e ao acompanhamento completo e permanente por parte de uma ou mais empregadas aludido no ponto 55 da mesma factualidade (acompanhamento completo e permanente da demandante por parte de uma ou mais empregadas implica despender a verba mensal não inferior a € 1.250,00), montante este já actualizado.
E, para se concluir que tal indemnização se mostra justa basta que nos socorramos – apenas como elemento de referência - p.ex. da fórmula referida no acórdão recorrido e muito utilizada nos tribunais de trabalho no cálculo respeitantes à remição das pensões: remuneração anual x incapacidade total x o coeficiente de referência relativo à idade da ofendida anexo à Portaria 11/2000, de 03 de Janeiro (neste caso, 14,270).
No aspecto agora a considerar, considerar-se-á o montante das despesas anuais do total de € 20.740,00 (sendo 270,00 de despesas fixas mensais x12 meses = € 3.240,00; mais 17.500,00 correspondentes à despesa mensal de € 1.250,00 com uma ou mais empregadas para acompanhamento completo e permanente da demandante x 14 meses) multiplicado pelo coeficiente de referência respeitante à idade da demandante (14,270) o que dá o montante de € 295.959,00, superior ao fixado de € 210.000,00.
Por isso, como se disse, a indemnização fixada quanto a este aspecto não merece reparo.

E foi fixado o montante de € 200.000,00 pela perda de rendimentos em consequência da sua incapacidade para o trabalho que desenvolvia à data do facto ilícito praticado pelo arguido montante este já actualizado.

Quanto a este aspecto está provado que a demandante BB à data dos factos desenvolvia a actividade de exploração de um restaurante juntamente com o seu marido e do qual são proprietários, actividade essa que lhe permitia auferir rendimentos anuais não inferiores a € 20.000,00.

A doutrina e jurisprudência vêem entendendo de forma pacífica que os danos relativos aos rendimentos que por virtude de total incapacidade profissional de que ficou afectada, a ofendida/demandante deixará de receber – no caso, o rendimento anual de € 20.000,00 – têm de ser incluídos nos danos patrimoniais futuros, pois neles se incluem os casos em que o lesado perde ou vê diminuída, em consequência do facto lesivo, a respectiva capacidade de trabalho.

Não é fácil, porém, calcular esses danos emergentes e lucros cessantes pois tem de considerar-se a situação em que o lesado se encontraria se não tivesse sofrido a lesão.

Daí que se adoptem critérios de probabilidade de acordo com o que, em cada caso concreto possa vir a acontecer, seguindo as coisas a sua evolução normal e natural.

E se, mesmo assim, não puder apurar-se o respectivo valor exacto, o tribunal deverá julgar segundo a equidade (cfr. Vaz Serra in RLJ 112º, 320 e 114ª, 287; e Pires de Lima e A. Varela, CC anotado, pág. 584; e Ac. STJ 10.02.98 in CJ Acs. STJ, I, 67).

Porém, qualquer que seja o critério que se utilize – e vários têm sido utilizados – para avaliar os danos patrimoniais futuros, fundamental é que – como atrás se disse - na fixação dessa indemnização se tenha em consideração que a quantia a atribuir ao lesado há-se ressarci-lo durante o tempo provável da sua vida activa, de forma a representar um capital gerador de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final desse período.

E, porque não é possível fixar com rigor essa quantia, há tabelas que nos ajudam nessa tarefa.

Para tal dever ter-se em conta desde logo a esperança de vida do lesado e o tempo provável de vida activa do mesmo.

Outro elemento indispensável ao cálculo dessa indemnização é o quantitativo do salário recebido pelo lesado à data do acidente.

Assim sendo, no caso concreto estando provado que a demandante BB à data dos factos desenvolvia a actividade de exploração de um restaurante juntamente com o seu marido e do qual são proprietários, actividade essa que lhe permitia auferir rendimentos anuais não inferiores a € 20.000,00; que tinha à data dos factos 45 anos de idade, sendo razoável ponderar que a esperança de vida e de capacidade de trabalho da mesma ronde os 70 anos de idade, afigura-se-nos igualmente justa e equilibrada quanto a tais danos, a indemnização fixada do montante de € 200.000,00.


Utilizando o mesmo critério atrás referido usado nos tribunais de trabalho para cálculo da remição de pensões (de que o acórdão recorrido também lançou mão) - remuneração anual x incapacidade total x o coeficiente de referência relativo à idade da ofendida anexo à Portaria 11/2000, de 03 de Janeiro (neste caso, 14,270) – encontraríamos o valor de 285.000,00 euros (20.000,00 x 100 x 14,270 = 285.000,00), superior ao fixado de € 200.000,00.

Por isso, como se disse, a indemnização fixada quanto a este aspecto também não merece reparo.

Diga-se ainda, quanto a este aspecto, que a indemnização arbitrada teve em consideração apenas o rendimento da demandante/ofendida e não padece de qualquer duplicação (designadamente a alegada pelo recorrente: por um lado, pede-se uma indemnização por despesas com a contratação de pessoal para efectuar o trabalho que a ofendida deixou de poder executar e, por outro lado, pede-se um dano patrimonial futuro pela sua impossibilidade de trabalhar, ou seja, pela sua incapacidade de ganho).

É que, no que respeita à perda de rendimentos em consequência da sua incapacidade para o trabalho, apenas se teve em consideração o rendimento anual que a demandante auferia (€ 20.000,00); e no que respeita a futuras despesas de saúde e de acompanhamento, atendeu-se apenas às despesas fixas (de € 270,00 mensais) e à despesa com o acompanhamento completo e permanente de que a demandante precisa por parte de uma ou mais empregadas (e que implica despender a verba mensal não inferior a € 1.250,00).

Assim, mantêm-se os montantes indemnizatórios fixados, por não nos merecem censura.

Pelo exposto, o recurso improcede também nesta parte.

DECISÃO:

Nos termos expostos acorda-se em:

1- Rejeitar o recurso, por inadmissível, na parte respeitante aos alegados vícios do artigo 41º-2 do CPP (contradição insanável na fundamentação e entre esta e a decisão e erro notório na apreciação da prova);

2 - Conceder provimento parcial ao recurso na parte respeitante à medida das penas parcelares e única e, em consequência, condenar o arguido pela prática de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22º, 23º - 1 e 2, 73º-1-a) e b) e 131º, do Código Penal, na redacção vigente à data dos factos, aprovada pela Lei 65/98, de 02 de Setembro, na pena de 8 (oito) anos de prisão; e, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º-1-c) da Lei 5/2006, de 23.02, com referência ao artigo 3º-4-a), da mesma Lei, na pena de 12 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico de tais penas, vai o arguido condenado na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.

3 – No mais, designadamente na parte cível, negar provimento ao recurso.

4 – Custas pelo recorrente.

Lisboa, 29 de Outubro de 2008

Fernando Fróis (Relator)
Henriques Gaspar
Pereira Madeira