Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2470/08.0TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2º SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
INDEMNIZAÇAO DE CLIENTELA
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
CONTRATO DE AGÊNCIA
ANALOGIA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Data do Acordão: 05/12/2016
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO COMERCIAL - CONTRATOS COMERCIAIS / CLIENTELA / CONTRATO DE CONCESSÃO / CONTRATO DE AGÊNCIA .
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / FALTA DE CUMPRIMENTO IMPUTÁVEL AO DEVEDOR.
Doutrina:
- Ferreira Pinto, Contratos de Distribuição – Da tutela do distribuidor integrado em face da cessação do vínculo, 2014, 724 e ss., 737 e ss..
- Paulo Mota Pinto, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, 2008.
- Pinto Monteiro, Contratos de Distribuição Comercial, 2002, 110, 150 e ss., 163.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 562.º, 564.º, N.º1, 798.º, 801.º, N.º2.
REGIME LEGAL DO CONTRATO DE AGÊNCIA, CONSTANTE DO DECRETO-LEI Nº 178/86, DE 3 DE JULHO: - ARTIGOS 33.º, 34.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 23/11/2006 (PROC. Nº 06B2085), DE 04/11/2010 (PROC. Nº 2916/05.9TBVCDD.P1.S1), DE 11/10/2011 (PROC. 4749/03.8TVPRT.P1.S1), DE 27/10/2011 (PROC. Nº 8559.06.2TBBRG.G1.S1), DE 31/01/2012 (PROC. Nº 2394/06.5TBVCT.P1.S1), DE 18/12/2013 (PROC. Nº 2394/06.5TBVCT.P2.S1), DE 18/06/2014 (PROC. Nº 2709/08.1TVLSB.L1.S1), DE 12/03/2015 (PROC. Nº 2199/11.1TVLSB.L1.S1), DE 29/09/2015 (PROC. Nº 1552/07.0TBPTM.E2.S1) E DE 17/11/2015 (PROC. Nº 4671/06.6TBMTS.P1.S1), TODOS CONSULTÁVEIS EM WWW.DGSI.PT, E DE 28/04/2016, PROC. Nº 1723/06.6TVPRT.P3.S1, NÃO PUBLICADO).
-DE 15/11/2007 (PROC. Nº 07B3933), DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 10/12/2009 (PROC. Nº 763/05.7TVLSB.S1), DE 20/06/2013 (PROC. Nº 178/07.2TVPRT.P1.S1), DE 02/12/2013 (PROC. Nº 1420/06.2TVLSB.L1.S1), CONSULTÁVEIS EM WWW.DGSI.PT ; E AINDA O ACÓRDÃO DE 17/05/2012 (PROC. Nº 99/05.3TVLSB.L1.S1), IN WWW.DSGI.PT .
Sumário :
I - Pelo facto de o conteúdo concreto do contrato de concessão revelar a integração do concessionário na rede de distribuição da concedente, “com tudo o que isso implica e pressupõe em termos de colaboração entre as partes e de promoção dos bens distribuídos”, justifica-se a aplicação analógica do regime legal do contrato de agência, constante do Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho, admitida pelo próprio preâmbulo deste diploma, pela doutrina em geral e pela jurisprudência reiterada do STJ.

II - Num contrato de distribuição comercial em que ocorre uma declaração de resolução infundada por parte do concedente, verifica-se uma situação de não cumprimento definitivo por causa que lhe é imputável, ficando este obrigado a indemnizar o concessionário nos termos gerais do art. 798.º do CC.

III - Nesse caso, tem o concessionário direito a ser indemnizado pelos lucros que obteria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido até ao termo da sua vigência, ou seja, tem direito a ser indemnizado pelos lucros cessantes correspondentes ao interesse contratual positivo ou de cumprimento.

IV - A indemnização de clientela não constitui uma autêntica indemnização por danos, apenas relevando para efeitos do seu reconhecimento e cálculo da indemnização o regime previsto nos arts. 33.º e 34.º do DL n.º 178/86, de 03-07, e não o regime geral da obrigação de indemnização.

V - No cálculo da indemnização de clientela, constitui orientação reiterada do STJ que a média anual das remunerações recebidas seja aferida pelo lucro líquido do concessionário.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA, Lda, intentou acção contra BB – Sociedade Industrial de refigerantes, S.A., pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 871.414,99, acrescida de juros à taxa legal vencidos desde a citação até efectivo e integral pagamento, como indemnização pela cessação ilegal de um contrato de distribuição de produtos celebrado entre as partes. Invocou ainda o direito a receber a quantia de € 7.778,67, correspondente ao saldo da conta-corrente mantida até à cessação do contrato.

A R. contestou, impugnando o alegado direito de indemnização, e, em reconvenção, pedindo que a A. fosse condenada a pagar-lhe a quantia de €806.781,35, acrescida dos juros que se vencerem até integral pagamento, e a abster-se de usar, de imediato, quaisquer sinais distintivos quer da R., quer das marcas The Coca-Cola Company, com fundamento na falta de pagamento da mercadoria fornecida (no valor de € 52.209,21) e como indemnização pela utilização abusiva dos sinais distintivos das referidas marcas.

Por sentença de fls. 1433, foram a acção e a reconvenção julgadas parcialmente procedentes, condenando-se a R. a pagar à A., a título de indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes da resolução ilícita do contrato e a título de indemnização de clientela, em quantia a liquidar ulteriormente, e a A. a pagar à R. a quantia de € 52 209,21, acrescida de juros, à taxa legal fixada para as dívidas de que são titulares sociedades comerciais, e a abster-se de usar nas facturas e viaturas sinais distintivos das marcas comercializadas pela R.

Inconformadas, a A. e a R. recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa. Por acórdão de fls. 1596, foram a apelação da A. e a apelação da R. julgadas parcialmente procedentes, condenando-se a R. a pagar à A. a quantia de € 161.832,00, acrescida dos juros de mora, à taxa legal dos juros comerciais, desde a citação até integral pagamento, a compensar com o crédito que lhe é devido pela A.


2. A A. recorre para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

1. Em jeito de comparação, ou metafórico, dir-se-á que a verba arbitrada pelo Tribunal a quo, de € 80.000,00, significa que após 15 anos de trabalho intenso e de serviço leal, com excelentes resultados, a Recorrente é recompensada com um veículo de gama média alta, mas de baixa cilindrada. Ou um T1, naturalmente usado, numa zona suburbana afectada por graves problemas sociais.

2. Aliás, verdade seja dita, a indemnização de clientela estipulada pelo douto Acórdão recorrido nem sequer é suficiente para pagar ao funcionário mais antigo da concessão a indemnização de antiguidade a que tem direito (funcionário este que já vem do tempo da firma primitiva).

3. Em conformidade, e face ao exposto, sempre se perguntará a quantos “direitos à vida” equivale o encerramento de uma empresa em consequência directa e necessária da extinção de um contrato de distribuição, de cuja subsistência dependia a manutenção da empresa e, em consequência, dos vários contratos de trabalho dos funcionários a ela afectos?

4. Os trabalhadores de uma empresa como a Autora (com 22 trabalhadores, diga-se), muitos deles com mais de 20 anos de antiguidade, neste contexto de crise económica, a mais grave de que algum ser vivo tem memória, nunca mais ingressam no mercado de trabalho. São pessoas activas mas laboral e profissionalmente mortas.

5. Ora, ficou provado que a média anual das margens brutas auferidas pela Autora entre os anos de 2005 a 2007 ascendeu a € 234.169,85 (al. RR’ dos factos assentes, facto provado nº 41).

6. Pelo que, entende a Recorrente que atentos os factos provados e as particularidades do caso concreto deve ser este o valor a arbitrar a título de compensação pela clientela angariada.

7. De facto, e como acima se deixou alegado, da manutenção do contrato com a poderosa marca Coca-Cola dependia a subsistência da Autora, nunca é demais recordar. Ora, só a utilização do critério do lucro bruto pode compensar equitativamente a Autora.

8. Como vem sendo ultimamente defendido, e nas palavras da douta sentença proferida no âmbito do processo nº 622/08.1TVPRT, da 1ª Secção Cível da Instância Central da Comarca do Porto, “a contrapartida a considerar deve ser formada pelo seu valor bruto, isto é, sem dedução de quaisquer despesas ou impostos suportados pelo concessionário”.

9. Neste sentido importa conferir, a título de exemplo, Menezes Leitão, “A indemnização de clientela no contrato de agência”, p.69; Ferreira Pinto, “Contratos de Distribuição”, Univ. Católica Editora, Lisboa, 2013, p.664; acórdãos do STJ de 04.06.2009 (processo nº99/05.TVLSB) e de 15.05.2012 (processo nº 3170/2009), e acórdão da Relação do Porto de 03.07.2012 (processo nº 330/07.0TBMCD).

10. Em Portugal, é mister dizê-lo, os Tribunais contam com a tradição persistente de arbitrar escassas e reduzidas indemnizações em sede de litígios emergentes da ruptura de contratos de direito comercial; contanto, o mesmo não sucede noutras áreas como, por exemplo, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual e do direito dos seguros, sendo, nestes casos, prática habitual das doutas instâncias o arbitramento de indemnizações comparativamente muitíssimo mais avultadas, ao nível, aliás, da média daquelas concedidas pela generalidade dos Tribunais Europeus.

11. Como decorrência do fenómeno impar e imparável da globalização, o direito de propriedade já não assume hoje, para as empresas, sobretudo, a importância de outrora. A posição cimeira na hierarquia dos activos de uma sociedade - antes preenchida pelo chamado “activo imobilizado corpóreo” -, é actualmente ocupada pela relevância e qualidade dos contratos que esta tenha em carteira. E a sua importância é tanta que, actualmente, a subsistência da maioria das empresas (micro, pequenas e médias) assenta, a maior parte das vezes, única e exclusivamente na manutenção de um determinado contrato ou de um pequeno conjunto de contratos. No mais, importa não olvidar que a globalização feriu de morte o comércio tradicional, operando-se actualmente a troca de produtos, maxime, no âmbito da distribuição comercial, circunstâncias que exigem, assim, por parte dos Tribunais uma nova e renovada abordagem.

12. O lucro líquido está talhado para a obrigação de indemnização nos termos gerais.

13. Se fosse para compensar o agente dos lucros reais que deixou de auferir, então haveria que ter em consideração que após a cessação do contrato o concessionário, ao contrário do agente, continua a ter que suportar os investimentos, rendas, salários, as contribuições para a depauperada segurança social, impostos, seguros, indemnizações, compromissos financeiros etc., pelo que sendo com a retribuição bruta que ele fazia face a todos esses encargos, o seu prejuízo real corresponderia à perda da margem de comercialização bruta que o contrato lhe proporcionava e de cuja manutenção dependia a sua actividade.

14. De notar que, os concessionários realizam, em regra, investimentos em instalações, recursos humanos, viaturas, equipamentos publicidade, etc.

15. Ao invés, o agente não suporta os investimentos e os custos de exploração comercial das respectivas marcas que representa, limitando-se a vender em nome e por conta do principal. Por vezes nem sequer emite uma factura relativa à revenda, antes se limita a emitir um recibo de comissões a favor do principal. Justamente por não suportar qualquer risco, os contratos de agência “genuínos”, em que o agente actua em nome e por conta do principal ou fornecedor, não são proibidos pelo art. 101º do TFUE.

16. Deste modo, por argumento de maioria de razão, faz todo o sentido utilizar a margem de comercialização ou lucro bruto na atribuição de uma indemnização de clientela ao concessionário.

17. O critério do “lucro líquido”, além de ser manifestamente repelido pela “ratio” da compensação pela clientela angariada, conduz a soluções injustas e desfasadas da realidade.

18. Por isso é que a jurisprudência recente está a inverter a tendência, seguindo antes o critério da margem de comercialização bruta, posição que é, aliás, de aplaudir e que constitui a única forma, aliás, de introduzir a necessária justiça interna numa relação comercial já de si e durante toda a sua vigência desequilibrada.

19. Imagine-se uma concessão com muitos anos de duração, por exemplo 15 anos, mas em que os últimos 5 anos a sua exploração foi deficitária. De acordo com o critério do lucro líquido não assistiria ao concessionário qualquer direito ou compensação pela clientela angariada.

20. Ora, a jurisprudência belga determina a indemnização compensatória dessa concessão deficitária em função do benefício bruto auferido nos dois ou três exercícios anteriores à cessação do contrato.

21. E em Espanha existe uma tendência generalizada na jurisprudência para conceder o tecto máximo legal da chamada indemnização de clientela, ou seja, o valor correspondente à média bruta anual dos últimos cinco anos.

22. Neste sentido cumpre, aliás, conferir a Proposta de Lei (“Proposición de Ley de Contratos de Distribución”) que está em curso no ordenamento jurídico espanhol que prevê, entre o mais, o seguinte:

“Los Tribunales o los árbitros fijarán el importe de la compensación que ha de recibir el distribuidor cesado, apreciando, según las reglas de la sana crítica, el número y grado de concurrencia de las circunstancias aludidas y las demás que deban tomarse em consideración. La compesación no podrá ser inferior, em ningún caso, del doble del importe medio anual de las remuneraciones percibidas por el distribuidor durante los últimos cinco años o durante todo el período de duración del contrato, si éste fuese inferior.

A los afectos del párrafo anterior, se entenderá por remuneración las comisiones y margénes brutos obtenidos por el distribuidor en su explotación económica, sin deducir aquellos costes, gastos y expensas correspondientes a su actividade”.

(cfr. doc. nº1 que segue em anexo)

23. A acrescentar, sempre se diga, que em Portugal só cerca de 30% apresentam lucros e em média de € 5.000,00. E só empresas monopolistas como a PT, EDP, REN, GALP, etc. é que apresentam lucros chorudos. A jurisprudência, ao fixar como critério de atribuição da “indemnização de clientela” o lucro líquido, acaba por a eliminar, tanto mais quando é certo que a maioria dos concessionários/distribuidores são formados justamente por pequenas empresas, que, aliás, representam cerca de 98% a 99% do tecido empresarial português.

24. Como sublinham Ferrer Correia e Lobo Xavier in RDES, IV – 124, “a equidade é a justiça do caso concreto. Ao julgar segundo a equidade dá-se ao caso a solução que parecer mais justa, atendendo unicamente à sua especificidade e prescindindo das normas gerais e abstractas eventualmente aplicáveis.

Importante é ter presente que julgar segundo critérios de equidade não significa julgar segundo critérios de miserabilismo. Errado é também pensar-se que a indemnização estabelecida por equidade se deve traduzir em indemnização simbólica”.

25. No caso presente, e para a definição de uma indemnização justa, há que ponderar desde logo a repercussão que a cessação do contrato teve para as partes.

26. Ora, é manifesto que para a Ré/Recorrida a cessação do contrato não representou a supressão de qualquer rendimento, na medida em que a clientela angariada pela Autora/Recorrente passou a ser abastecida directamente por ela e pelos novos distribuidores nomeados pela Ré/Recorrida, em substituição da Autora/Recorrente.

27. Já para a Autora/Recorrente a extinção do contrato representou a cessação da sua actividade comercial. Como se isso não chegasse ainda implicou que a A. tivesse que assumir encargos!

28. Por outro lado, estamos a lidar com uma relação comercial que tinha uma já longa duração (cerca de 15 anos – alíneas J), K) e L) dos factos assentes). Ora, esta duração necessariamente tornou a A. dependente da Ré enquanto esta em nada se tornou dependente da Autora.

29. Por último, importa ter em vista que a decisão sobre juízos de equidade no caso como o vertente passa invariavelmente pela atendibilidade da capacidade económica das partes.

30. Ora, a Ré constitui um potentado económico enquanto a A. mostra estar reduzida praticamente à indigência, tanto que se viu obrigada a encerrar as portas.

31. Por todo o exposto, é da mais elementar justiça que à Autora seja arbitrada uma compensação pela clientela angariada correspondente ao valor máximo determinado nos termos do art.º 34º do DL178/86, não se devendo olvidar que nos anos de 2006 e 2007, a A. foi o 2º e o 3º distribuidor da R. em Portugal, na zona Norte, que mais produtos vendeu (cfr. n.º 46 e 47 dos factos provados); que as vendas dos produtos contratuais representaram entre 73,63% e 83,32% do volume global de negócios da A. (n.ºs 75 a 77 FP); que a A. teve de admitir seis vendedores, um director comercial e um chefe de equipa, devidamente preparados para comercializar os produtos da R. (69 FP); dispunha de dois fiéis de armazém (67 FP); e de sete viaturas de transporte de mercadorias adaptadas ao transporte da R. (68 FP); teve de dispor de um armazém coberto apropriado para a manutenção de um stock durante pelo menos 15 dias (65 FP); que a cessação do contrato pela R., com efeitos imediatos, afectou negativamente a imagem da A. junto de alguns clientes (79 FP); que a A. divulgou à R. toda a informação relativa aos clientes pelo que esta pôde manter, sem qualquer dificuldade, os contactos com a clientela desenvolvidos pela A., continuando a beneficiar da actividade desta (74 FP);

32. Ora, admitindo que a compensação pela clientela é arbitrada pelo máximo legal (€234.169,35), pergunta-se: será que este valor chega para cobrir todos os prejuízos e indemnizações inerentes aos factos referidos na antecedente conclusão?

33. Deixa-se a resposta para o bom senso…

NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência ser a indemnização de clientela fixada no valor de €234.169,85.


Também a R. recorre para este Supremo Tribunal, formulando as seguintes conclusões:

“(…)

D. Na sequência da resolução do contrato dos autos, verifica-se que a Autora procura ser compensada pelo denominado dano contratual positivo, na medida em que pretende retirar os benefícios que eventualmente resultariam para a sua esfera jurídica da execução do contrato.

E. Exigir-se à Ré o pagamento desta remuneração futura (o tal lucro cessante) é fazer tábua rasa dos efeitos resultantes da resolução contratual.

F. O Tribunal a quo não se digna a explicar por que é que o princípio da boa-fé determina que a Autora deva ser indemnizada a título de lucros cessantes.

G. É certo que se admite ser aceitável a indemnização pelo interesse contratual positivo. No entanto, esse caminho estreito, justificado pela necessidade de se valorar o princípio da boa-fé, apenas deve ser adoptado nos cenários de nulidade ou anulabilidade de um negócio jurídico.

H. Apenas aquando do apuramento dos efeitos decorrentes da invalidade de um negócio jurídico, poder-se-á, atendendo-se ao princípio da boa-fé, contornar os efeitos típicos da mesma, designadamente no que respeita à obrigação de restituição.

I. O caso sub judice nada tem a ver com as situações excepcionais consideradas pela jurisprudência e a doutrina referidas para se admitir a indemnização pelo interesse contratual positivo. O Tribunal a quo nem explica em que medida é que o princípio de boa-fé estaria aqui em causa de modo a justificar ter seguido o tal caminho estreito admitido na jurisprudência acima identificada.

J. Não estamos perante um cenário de invalidade do contrato de distribuição em crise, pelo que devemos colocar irremediavelmente de parte a possibilidade de a Autora poder ser compensada pelo interesse contratual positivo.

K. A jurisprudência maioritária sobre esta matéria tem defendido que, no âmbito de uma resolução contratual, as partes não podem pedir o ressarcimento pelos lucros que deixaram de receber, em face da não execução do contrato, até ao esgotamento do seu período de vigência.

L. O Tribunal a quo entendeu liquidar a condenação que havia sido decretada pelo Tribunal de 1ª instância, porque considerou que já tinha sido apurado o lucro, deduzido de todos os custos relacionados com a actividade da Autora.

M, O Tribunal a quo aplicou a taxa de "lucro bruto" de 23,75% aparentemente constante do relatório pericial, ao valor das vendas para o período de 7 de Maio de 2008 a 31 de Dezembro de 2008 que terá sido de € 344.597,99 e obteve o valor da condenação.

N. Nunca deveria ter o Tribunal a quo tido em conta o valor de € 344.597,99 para efeitos de cálculo da facturação espectável, uma vez que este valor foi apurado até ao dia 31 de Dezembro de 2008. O contrato era válido por períodos renováveis de 1 ano e foi celebrado no dia 2 de Dezembro de 2004, o que significa, quando muito, que apenas se deveria ter em conta a facturação espectável até ao dia 2 de Dezembro de 2008 e não o dia 31 de Dezembro de 2008, como considerou o Tribunal a quo.

O. No relatório pericial a fls. 632 refere-se efectivamente que "a taxa de lucro bruto média obtido em 2006/2007 se cifra em 23,75%" e a fls. 636 já se refere que a percentagem de 23,75% consiste na "média da margem bruta de 2006/2007”. A fls. 762 vieram os peritos esclarecer que por Lucro Bruto deve entender-se "a diferença entre o valor das vendas e o valor do respectivo Custo das Vendas".

P. Trata-se da margem bruta das vendas e não do lucro. Resulta claro que a taxa não teve em conta a dedução dos custos efectivos com a actividade de distribuição.

Q. Uma vez que a taxa de 23,75% não contempla qualquer dedução com os custos da actividade de distribuição, não estava o Tribunal a quo em condições de ter condenado a Ré no pagamento de qualquer valor, devendo por isso ser revogado o acórdão e, consequentemente, deve a Ré ser absolvida do pedido.

R. Na sequência da resolução do contrato dos autos, verifica-se que a Autora procura ser compensada pelo denominado dano contratual positivo, na medida em que pretende retirar os benefícios que eventualmente resultariam para a sua esfera jurídica da execução do contrato.

S. A jurisprudência maioritária rejeita a atribuição de uma indemnização pelo interesse contratual positivo, no âmbito de uma resolução contratual e consequente não execução do contrato, até ao esgotamento do seu período de vigência.

T. Quando o principal resolve ilicitamente o contrato de concessão comercial, o distribuidor não pode pretender ser indemnizado no montante das remunerações que supostamente iria receber até ao final do contrato, porquanto tal configura um dano contratual positivo, o que não tem cobertura legal, em a cobertura da maioria da doutrina e da jurisprudência.

U. O acórdão proferido pelo Tribunal a quo deve ser revogado e substituído por outro que absolva a Ré do pedido de pagamento dos lucros cessantes decorrentes da resolução antes do termo do mesmo e que seriam eventualmente auferidos pela Autora, caso o contrato vigorasse até final.

V. O Tribunal a quo considerou de uma forma geral que se encontravam reunidos os requisitos necessários para a atribuição de uma indemnização de clientela.

W. A factualidade sobre esta matéria é inexistente, pois não ficou demonstrado qual era o número de clientes existentes antes de a Autora passar a actuar como concessionária Ré, como também não ficou demonstrado qual era o volume de negócios da Ré no distrito concedido à Autora, antes da sua intervenção, para podermos perceber se o aumento do volume de negócios foi significativo.

X. Para se demonstrar o aumento significativo do número de clientes quer para se demonstrar o aumento considerável do volume de negócios tinha a Autora que ter alegado e demonstrado factualmente estas duas realidades, sendo certo que o ónus da prova destes requisitos recai sobre a Autora, o que não ocorreu.

Y. A Autora não tem direito a receber uma indemnização de clientela, pois não ficou preenchido o primeiro pressuposto.

Z. Não se verificou o requisito previsto na alínea a) do n.° 1 do artigo 33.° do Decreto-Lei n.° 178/86 e, consequentemente, deve ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, na parte em que condena a Ré a pagar à Autora uma indemnização de clientela a liquidar em sede de execução de sentença.

AA. Os factos apurados são totalmente omissos quanto à existência de um benefício considerável para a Ré, sendo certo que eventuais especulações não podem ser admitidas. Nem sequer foi, aliás, alegado pela Autora que existiu um benefício considerável para a Ré, pelo que devemos necessariamente concluir que este requisito também fica por demonstrar.

BB. Os factos apurados são totalmente omissos quanto à inexistência de benefícios para a Autora após a cessação do contrato. Verifica-se que nem sequer foi alegado pela Autora qualquer facto relacionado com este pressuposto.

CC. Compete ao concessionário alegar e provar factos que preencham o requisito previsto na alínea c) do artigo 33.° do Decreto-Lei n.° 178/86. A Autora nem sequer a procurou demonstrar esta matéria, pelo que devemos necessariamente concluir que o dito requisito ficou por preencher.

DD. Não se encontram reunidos os pressupostos para que possa ser conferida à Autora uma indemnização de clientela, pelo que o acórdão deve ser revogado.


A. e R. contra-alegaram, pretendendo a segunda a alteração do facto provado 41.

Cumpre decidir.


3. Vem provado o seguinte:


1. A A. dedica-se à comercialização de diversos tipos de produtos alimentares, entre os quais se incluem águas, refrigerantes e outros tipos de bebidas.

2. A R. tem por objectivo a produção e/ou a comercialização de refrigerantes da gama de produtos da companhia multinacional The Coca-Cola Company, com sede nos Estados Unidos.

3. A R. é a única entidade em Portugal a produzir e/ou a comercializar essa gama de produtos.

4. A R. produz e/ou comercializa os produtos que ostentam, nomeadamente, as marcas Coca-Cola, Fanta, Sprite, Aquarius, Nestea e outras.

5. Em ordem a organizar a distribuição e comercialização dos seus produtos, de forma a executar a sua política comercial, a R. possui uma estrutura de intermediação, a rede de distribuidores, apta a fazer a colocação dos seus produtos no mercado de consumo.

6. Esta rede de distribuidores caracteriza-se pela celebração de um conjunto de contratos de distribuição, concebidos de uma forma uniforme e associando a R. a uma pluralidade de distribuidores, cada um dos quais responsável pela distribuição dos produtos da R. numa área geograficamente delimitada.

7. A distribuição dos produtos da R. no território nacional é levada a cabo por empresas independentes e estranhas a ela, especializadas em razão da sua aptidão técnica e comercial e vulgarmente designadas por “distribuidores”.

8. A R. tem, pelo menos, 25 distribuidores, a cada um dos quais conferiu a distribuição dos seus produtos numa área geográfica determinada.

9. A A. foi distribuidora da R. nos concelhos de Viana do Castelo, Ponte de Lima, Caminha, Vila Nova de Cerveira, Valença, Melgaço, Ponte da Barca, Monção, Paredes de Coura e Arcos de Valdevez.

10. CC distribuiu produtos fabricados e comercializados pela R. entre os anos de 1993 a 1998.

11. Por acordo das partes, desde 1 de Janeiro de 1998 até 2004, a posição contratual ocupada por CC passou a sê-lo por DD e EE filhos de CC, Lda.

12. A A. foi constituída em 18 de Março de 2004.

13. Em 2 de Dezembro de 2004, A. e R. reduziram a escrito o acordo entre ambas celebrado, que denominaram de contrato de distribuição no qual consignaram o seguinte [dá-se por reproduzido o conteúdo do documento a fls. 3 e segs.]

14. A A. distribuiu os produtos da R. desde 2 de Dezembro de 2004 até 5 de Maio de 2008, tendo aberto na sua contabilidade uma conta-corrente na qual se registavam todos os movimentos resultantes da relação contratual entre ela e a R.

15. A R. pôs unilateralmente termo ao contrato referido em 13., tendo enviado à A. a carta de 5 de maio de 2008, registada com aviso de recepção, da qual consta, designadamente:  “Vem a BB nos termos e para os efeitos previstos na cláusula 11.ª do contrato de distribuição, em vigor desde 2 de dezembro de 2004, declarar a resolução do mesmo com fundamento na violação do dever contida na alínea a) da cláusula 5.ª do mencionado contrato. Efetivamente, e sempre de acordo com o contrato, a área geográfica concedida para a venda dos produtos da BB compreende os concelhos de Viana do Castelo, Ponte de Lima, Caminha, Vila Nova de Cerveira, Valença, Melgaço, Ponte da Barca, Monção, Paredes de Coura e Arcos de Valdevez. No entanto, tomou recentemente a BB conhecimento de que V. Exas. em claro desrespeito da obrigação contratual assumida, têm vindo a promover ativamente a venda dos produtos da BB fora do território concedido, concretamente em Espanha. Referimos, a título de mero exemplo, as vendas promovidas e realizadas à empresa espanhola “El Gallego”, com estabelecimento na Calle Alvarez Caballero, 28970 Humanes de Madrid, Espanha. Este incumprimento, por parte do Distribuidor, da obrigação assumida na já referida alínea a) da cláusula do contrato de distribuição é da maior gravidade. Trata-se, de facto, do incumprimento culposo de uma norma contratual que assume a maior relevância no desenvolvimento equilibrado e sustentado da distribuição dos produtos da BB. Tudo sobejamente do conhecimento de V. Exas. A conduta de V.Exas., incumprindo de forma grave e reiterada o dever contratual a que nos vimos reportando, criou na BB, justificadamente, a total perda de confiança na v. empresa, no que a este tema se refere. E, atendendo às graves consequências que desta conduta podem advir, não pode conformar-se com a situação. A gravidade e reiteração da conduta imputada a V.Exas. tornam assim inexigível à BB a subsistência do vínculo contratual vigente, permitindo pois a sua resolução. A presente declaração de resolução produz os seus efeitos logo que chegue ao v. poder ou seja de VExas. conhecida. Assim, e ao abrigo do disposto na alínea a) da cláusula 13.ª do contrato, devem VExas. no prazo de 30 dias contado desse momento, fornecer à BB todas as informações respeitantes à distribuição na área do contrato, designadamente o volume de vasilhame caucionado e indicação dos respetivos clientes e eventuais reclamações pendentes relacionadas com a qualidade dos produtos fornecidos. Solicitamos também a devolução de materiais de promoção em equipamentos que sejam propriedade da BB e que estejam na vossa posse. Finalmente, ao abrigo da al.) b) da mesma cláusula 13.ª queiram regularizar no mesmo prazo, o saldo devedor da v. conta corrente, cujo extrato vos enviaremos no decurso desta semana”.

16. Desde 2.12.2004 até 6.5.2008 a R. não nomeou outro distribuidor nos concelhos referidos em 9., tendo a A. sido o distribuidor da R. nessas áreas.

17. Os clientes da A. eram os retalhistas e os estabelecimentos de restauração e hotelaria dos concelhos referidos.

18. A A. adquiria o conteúdo líquido dos refrigerantes da R. aos preços por esta estabelecidos e caucionando sempre o valor do respectivo vasilhame.

19. A R. concedia à A. descontos comerciais em factura deduzidos nos referidos preços de tabela.

20. Bem como lhe reservava um bónus de distribuição, pagando a R. à A. um bónus de operação logística.

21. A R. atribuía à A. descontos promocionais quando esta lhe adquiria determinado volume de produtos.

22. O conteúdo líquido adquirido era posteriormente revendido pela A. a cervejarias, restaurantes, snacks, cafés, pastelarias, tabernas, casas de pasto, cantinas de empresas, bares de hospitais, bares de quartéis militares, bares de parques de campismo, bares de praia, bares noturnos, boites, pubs, discotecas, supermercados, cooperativas, cantinas, mercearias, bem assim como a outros estabelecimentos hoteleiros e de retalho.

23. O vasilhame era recolhido pela A. contra a restituição da caução ou substituição por novo vasilhame, sendo posteriormente devolvido pela A. à R.

24. A R. entregava os refrigerantes à A. nos armazéns desta.

25. Servindo-se dos seus armazéns e da sua frota, a A. distribuía os produtos da R. nas áreas pelas quais era responsável, alienando-os aos diversos tipos de clientes.

26. A A. conhecia bem o distrito de Viana do Castelo e a clientela aqui sedeada, sendo conhecida na região.

27. A A. usava esse conhecimento para prospeccionar o mercado, angariar novos clientes, aumentar as compras por parte dos clientes regulares, detectar necessidades de abastecimento e assegurar a presença dos produtos na área que lhe fora confiada.

28. A A. mantinha ainda actualizado um ficheiro de clientes, com a indicação das transacções efectuadas, tendo a R., através do inspector que visitava diariamente a A. e acompanhava, por vezes, os seus empregados na venda, acesso a tais informações.

29. A A., sempre que a R. solicitava, informava-a sobre todos os dados de mercado que envolviam os seus produtos, quer em termos de consumos, características dos clientes e actuação das marcas concorrentes.

30. A A. efectuava directamente a distribuição dos refrigerantes da R. nas áreas do contrato não recorrendo a sub-agentes, nem a sub-distribuidores.

31. A A., para proceder à venda dos produtos fornecidos pela R., implantou um modelo de venda na modalidade de pré-venda, com as entregas das mercadorias vendidas efectuada no espaço de 24 horas após a encomenda.

32. Assim como teve de providenciar, nos estabelecimentos que abastecia, para que a exposição dos produtos da marca BB tivesse notoriedade e controlar a qualidade desses produtos nos locais de venda, recolhendo amostras, quer a pedido da BB, quer quando entendeu e/ou as circunstâncias a aconselharam.

33. Bem como providenciar no sentido de não entregar os produtos com data da validade inferior a 60 dias e fazer controlo de rotação de produtos: “o primeiro a entrar era o primeiro a sair”.

34. O volume de unidades (grades, tabuleiros de tara perdida, “pets”) anualmente fornecidas à A. foi: em 2006, de 239.350 unidades, e em 2007, de 198.114 unidades, a que corresponde um decréscimo de 20% relativamente ao ano anterior, motivado pelo verão pouco quente.

35. Em 2005, a R. facturou à A. € 861 844,00, em produtos abrangidos pelo contrato.

36. Em 2006, a R. facturou à A. € 1 641 158,00, em produtos abrangidos pelo contrato.

37. Em 2007, a R. facturou à A. € 1 414 253,00, em produtos abrangidos pelo contrato.

38. Em 2005, a A. facturou aos seus clientes € 1 036 983,31, em produtos abrangidos pelo contrato.

39. Em 2006, a A. facturou aos seus clientes € 1 916 167,66, em produtos abrangidos pelo contrato.

40. Em 2007, a A. facturou aos seus clientes € 1 616 039,59, em produtos abrangidos pelo contrato.

41. A média anual das margens brutas auferidas pela A., entre 2005 e 2007, ascendeu a € 234.169,85.

42. Nos anos de 2005, 2006 e 2007, a margem bruta de comercialização da A. foi, respectivamente, de € 175.139,31, € 325.583,66 e € 201.786,59.

43. A A. manteve sempre o stock adequado às suas necessidades.

44. A A. é uma empresa familiar.

45. Em 2007, a R. ofereceu ao vendedor da A., GG, uma viagem à Ilha da Madeira, como prémio das vendas realizadas no ano de 2006.

46. No ano de 2006, a A. foi o 2.º distribuidor da R. em Portugal, na zona norte, que mais produtos BB vendeu.

47. E no ano de 2007, a A. foi o 3.º distribuidor da R. em Portugal, na zona norte, que mais produtos BB vendeu.

48. A A. gozava de reconhecimento nos concelhos do distrito de Viana do Castelo, em razão do cuidado no trato com os clientes, do cumprimento pontual das obrigações perante eles assumidas, da promoção geral dos produtos da R. e de um esforço da A. e da política de vendas seguida.

49. Não beneficiando a A. dos negócios que, após a cessação do contrato, vierem a ser celebrados entre a R. e o novo distribuidor para a zona e a clientela angariada pela A., relativamente aos produtos comercializados por aquela.

50. A A. emitiu a nota de débito n.º 119 em nome da R., no valor de € 22.008,57, e que lhe remeteu em 20 de maio de 2008.

51. A A. procedeu à devolução de produtos cujo prazo de validade para o consumo tinha sido ultrapassado.

52. A A., em 4.4.2008, 20.5.2008 e 16.07.2008, emitiu as notas de débito n.º s 117, 120, 123 e 124, nos valores de € 471,37, € 14 877,07, € 573,90 e € 3 022,66, respectivamente, que enviou à R.

53. A A. é locatária dos veículos com as matrículas …-AD-… e …-AL-….

54. Dois meses, após a cessação do contrato, a R. comunicou à COSEC que a A. lhe devia € 52.209,21.

55. A partir de 2008, a R. suprimiu os descontos em grades e taras perdidas nas facturas que apresentava à A., do que a informou através de carta registada enviada em 8 de Abril de 2008.

56. Descontos esses que, por força do contrato, se cifravam entre 20% e 55%.

57. A R. informou os clientes da A. de que os produtos BB, a partir de 6 de Maio de 2008, deveriam ser-lhe comprados directamente ou à firma HH, Lda., pois a A. já não era seu “Representante”.

58. A R. criou o sistema C.F.T./ distribuição ao “canal alimentar” em que a A. distribuía os produtos da R. pelos estabelecimentos pertencentes ao referido sistema.

59. A A. subscreveu o documento vertido em 13. apresentado pela R. e já pré-elaborado por esta.

60. O clausulado desse documento é igual ao dos outros contratos que a R. estabeleceu com os demais distribuidores.

61. A A. não influiu na elaboração do clausulado do contrato.

62. A R. vendia directamente apenas às chamadas “grandes superfícies” e/ou grandes clientes nacionais que se instalaram na área confiada à A.

63. Após a resolução de um problema informático no sistema electrónico que a R. disponibilizava aos distribuidores, a A. transferia, em regra, diariamente para a R. todos os dados relativos às vendas dos produtos BB.

64. Nos ditos concelhos a A. comercializava ou distribuía também outros produtos alimentares não concorrentes com os da R., tais como águas minerais e vinhos.

65. Para proceder à venda dos produtos fornecidos pela R., para além dos factos referidos em 31. e 33., a A. dispôs de um armazém coberto com a área apropriada para a manutenção dum stock durante lapso de tempo, nunca inferior de 15 dias, com boas condições de acesso e salubridade.

66. A A., para proceder à venda dos produtos fornecidos pela R., dispôs de “Racks’’ metálicos, 180 vitrinas e 15 sistemas de “vendings’’.

67. A A. dispunha de dois fiéis de armazém, empilhadores e posto de abastecimento nas suas instalações.

68. E sete viaturas de transporte de mercadorias, sendo quatro delas pesadas e as restantes três ligeiras, de 3,5 toneladas, adaptadas ao transporte dos produtos, em bom estado de conservação e devidamente pintadas, ostentando as inscrições publicitárias com cores e marcas segundo indicação e modelo dado pela BB.

69. Assim como teve de admitir seis vendedores, um director comercial e um chefe de equipa, devidamente preparados para comercializar os produtos da R.

70. E de dispor de notas de encomenda e facturas devidamente identificadas com as marcas BB.

71. Cada vendedor tinha uma carteira de clientes que rondava os 300.

72. Cada vendedor visitava os seus clientes com uma periodicidade variável em função do volume de vendas e distância da sede da A.

73. Até 6 de maio de 2008, a A. angariou cerca de 1.200 clientes dos enunciados em 22., para os produtos abrangidos pelo contrato, sendo que esses clientes eram abastecidos regularmente com marcas da R., aumentando, nessa medida, o volume de negócios desta. (alterado pela Relação).

74. A A. divulgou à R. toda a informação relativa aos clientes pelo que esta pôde manter, sem qualquer dificuldade, os contactos com clientela desenvolvidos pela A., continuando a beneficiar da actividade (resposta ao quesito 32.º).

75. Em 2005, as vendas dos produtos da R. representaram 80,37 % do volume global de negócios da A. (vendas totais = € 1.284.545,43).

76. Em 2006, as vendas dos produtos da R. representaram 83,32 % do volume global de negócios da A. (vendas totais = € 2.361.863,35).

77. E em 2007, as vendas dos produtos da R. representaram 73,63 % do volume global de negócios da A. (vendas totais = € 2.194.893,20).

78. Por força da cessação do contrato pela R., a A. deixou de receber lucros, calculados para o ano de 2008, numa média de € 81 832,00. (alterado pela Relação).

79. A cessação do contrato pela R., com efeitos imediatos, afectou negativamente a imagem da A. junto de alguns clientes.

80. Por ordem da R., a A. concedeu a clientes nacionais especiais vários descontos comerciais e comparticipou nas promoções neles efectuadas.

81. O valor decorrente dos factos constantes de 51. corresponde aos valores inscritos nas notas de débito enunciadas em 52.

82. A título de descontos comerciais concedidos aos clientes especiais, em Abril de 2008, a R. emitiu a favor da A. uma nota de crédito, no valor de € 18 975,00.

83. No período compreendido entre 2 de Dezembro de 2004 até 6 de Maio de 2008, a R., através da sua estrutura interna, também comercializava directamente os seus produtos na área dos concelhos referidos em 9.

84. Ao atribuir os descontos promocionais referidos em 21., a R. visava facilitar as vendas à A., que devia fazê-los reflectir no preço de venda e não serem retidos pela A.

85. Os equipamentos referidos em 66. foram pela R. entregues à A. gratuitamente.

86. Após 6 de Maio de 2008, a A. continuou a vender produtos comercializados pela R.

87. A A. desenvolveu essa actividade, utilizando nas facturas as marcas comercializadas pela R.

88. A A. utilizou, para proceder a essa venda, carros pesados com a imagem da R.

89. Antes de 2 de Dezembro de 2004, a R. vendia, através de distribuidores, para 1.200 clientes do distrito de Viana do Castelo, correspondendo cerca de 500 ao concelho de Ponte de Lima, para os quais a A. continuou a vender. (alterado pela Relação).

90. No território concedido à A., já antes de 2 de Dezembro de 2004, outras empresas tinham distribuído produtos da R.

91. No dia 3 de Março de 2008, pelas 12:15 horas, chegou às instalações da A. um camião de matrícula espanhola …DYD, com a matrícula de reboque …BBX, com o n.º de telefone inscrito 98…, que carregou grades de Coca-Cola, as quais, em data não apurada, vieram ser descarregadas nas instalações da empresa El Galego, em Madrid.

92. A R. nos dias 6, 11 e 12 de Junho de 2008, pôs termo aos contratos de distribuição que mantinha com as empresas II, Lda., JJ, Lda., KK, Lda. e Distribuidora LL, Lda., por estes distribuidores venderem os produtos comercializados pela R. fora das áreas dos territórios que lhes estavam concedidos.

93. A R., a partir de determinado momento, deixou de pagar “à cabeça’’ os descontos promocionais e enviou a carta referida em 55.

94. A R. comunicou à A., por carta registada remetida em 29.10.2007, que, a partir de 1 de Novembro de 2007, a R. deixaria de aceitar qualquer devolução, por caducidade do prazo de validade de consumo dos seus produtos.

95. Carta que a A. recepcionou em 30 de Outubro de 2007.

96. A R. efectuou à A. os fornecimentos de produtos que constam das facturas n.º s 15V8…86 (7/4/08), 15V8…83 (14.4.2008), 03V8…78 (29.4.08), 03V8…875 (30.4.08), 03V8…27 (7/5/08), 15V8…64 (17.10.07), 15V8…00 (19/11/07), 03V8…50 (20/11/07), 03V8…84 (28/11/07), 03V8…60 (4/12/07), 03V8…91 (6/12/07), 15V8…59 (7/12/07), 01V8…15 (22/2/08), 15V8…53 (6/12/07), 15V8…53 (6/12/07), 01V8…85 (3/6/08), 01V8…27 (3/6/08), 01V8…43 (3/6/08), 01V8…84 (3/6/08) e 01V8…68 (3/6/08), respectivamente, nos valores de € 15 192,32, € 23 678,15, €341,74, € 425,58, € 352,45, € 21 411,65, € 16 151,56, € 533,23, € 119,39, € 146,38, € 63,55, € 17 018,32, € 14 493,29, € 14 854,14, € 14 845,14, € 3,93, € 6,63, € 9,95, € 6,76, € 6,76 e € 6,66.

97. Tendo a R. emitido, em 3.6.2008, 22.2.2008, 6.5.2008, 12.5.2008, 12.5.2008, 21.5.2008, 3.6.2008, 3.6.2008, 3.6.2008, 21.7.2008, 21.7.2008 e 2.7.2008, respectivamente, as notas de crédito de € 417,93, € 14 845,14, € 351,84, € 3 154,20, € 10 131,78, € 5 447,39, € 6,80, € 165,84, € 417,93, € 6 251,16, € 38,90, € 18 975,00.

98. À data da resolução do contrato, a A. tinha em stock € 228 090,15 de produtos que a R. lhe havia fornecido.

99. E que se destinavam ao abastecimento do mercado durante o ano de 2008.

100. Entre Novembro e Dezembro de 2007, a A. adquiriu à R. 23 cargas, perfazendo 36 800 grades de Coca-Cola.

101. À data da resolução do contrato, a A. ficou ainda com 684 grades de Fanta Laranja em armazém.

102. E com 22 tabuleiros da marca Sprite.

103. Do stock de produtos com que a A. ficou, facturou, até ao momento, 633 caixas, o que produziu um lucro bruto de € 856,33.

104. A R. vendia directamente a alguns clientes.

105. A publicidade nas viaturas utilizadas pela A. foi colocada pela R.

106. Até hoje, a R. não contactou a A. para proceder à remoção, a suas expensas, dessa publicidade, nem para distribuir o papel timbrado com a insígnia da R.


4. Tendo em conta o disposto no nº 4, do art. 635º, do Código de Processo Civil, nos presentes recursos estão em causa as seguintes questões:

- Direito da A. a receber indemnização pelo interesse contratual positivo com base em não cumprimento do contrato por parte da R. [recurso da R.];

- Caso se responda afirmativamente à questão anterior, cálculo da indemnização por interesse contratual positivo [recurso da R.];

- Direito da A. a receber indemnização de clientela [recurso da R.];

- Caso se responda afirmativamente à questão anterior, apreciação do montante da indemnização de clientela fixado equitativamente pela Relação [recurso da A.].


5. Além dos factos dados como provados, deve ter-se presente que as instâncias entenderam, e as partes aceitaram, que o contrato celebrado entre ambas é um contrato de distribuição autorizada pelo qual a A. se integrou na rede de distribuição dos produtos da R.

Também não se discute que as relações entre as partes se regem pelas cláusulas contratuais válidas, pelo regime geral dos contratos no qual a A. funda a pretensão indemnizatória pelo incumprimento contratual e, ainda pelo regime do contrato de agência, aplicado analogicamente, designadamente quanto ao direito à denominada “indemnização de clientela”. Com efeito, precisamente pelo facto de o conteúdo concreto do contrato revelar a integração da A. na rede de distribuição da R. “com tudo o que isso implica e pressupõe em termos de colaboração entre as partes e de promoção dos bens distribuídos” (na formulação de Pinto Monteiro, Contratos de Distribuição Comercial, 2002, pág. 110), deu-se como justificada a aplicação analógica do regime legal do contrato de agência, constante do Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho, admitida pelo próprio preâmbulo deste diploma, pela doutrina em geral e pela jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal (acórdãos de 23/11/2006 (proc. nº 06B2085), de 04/11/2010 (proc. nº 2916/05.9TBVCDD.P1.S1), de 11/10/2011 (proc. 4749/03.8TVPRT.P1.S1), de 27/10/2011 (proc. nº 8559.06.2TBBRG.G1.S1), de 31/01/2012 (proc. nº 2394/06.5TBVCT.P1.S1), de 18/12/2013 (proc. nº 2394/06.5TBVCT.P2.S1), de 18/06/2014 (proc. nº 2709/08.1TVLSB.L1.S1), de 12/03/2015 (proc. nº 2199/11.1TVLSB.L1.S1), de 29/09/2015 (proc. nº 1552/07.0TBPTM.E2.S1) e de 17/11/2015 (proc. nº 4671/06.6TBMTS.P1.S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt, e de 28/04/2016, proc. nº 1723/06.6TVPRT.P3.S1, ainda não publicado).

Pelo que, não se ignorando embora a existência de posição doutrinal contrária a esta orientação dominante de aplicação analógica do regime do contrato de agência ao contrato de concessão (cfr. Ferreira Pinto, Contratos de Distribuição – Da tutela do distribuidor integrado em face da cessação do vínculo, 2014, págs. 724 e segs.), designadamente para efeito de atribuição de indemnização de clientela – admitindo antes a possibilidade de, verificadas certas condições, ter o concessionário direito a uma indemnização por investimentos (cit., págs. 737 e segs.) –, considera-se que tal discussão se encontra excluída do objecto dos recursos em apreciação.

As divergências entre as partes situam-se apenas nas questões concretas elencadas, que em seguida se apreciam.

          

6. Quanto à questão do direito da A. a receber a peticionada indemnização pelo interesse contratual positivo, esclareça-se, antes de mais, que foi dado como provado pelas instâncias – e não impugnado pelas partes – que a declaração de resolução do contrato de concessão feita pela R. não tinha fundamento, sendo, por isso, ilícita.

Considera-se que, assim sendo, o contrato se manteve, verificando-se sim uma situação de não cumprimento definitivo por parte da R., por causa que lhe é imputável, ficando a mesma obrigada a indemnizar a A. nos termos gerais do art. 798º do Código Civil.

Quanto à natureza e âmbito desta indemnização, invoca a R. Recorrente (concls. D a K, e concls. R a U) que, ocorrendo resolução do contrato, não há lugar a indemnização pelo interesse contratual positivo, mas apenas pelo interesse contratual negativo, invocando para o efeito que A jurisprudência maioritária sobre esta matéria tem defendido que, no âmbito de uma resolução contratual, as partes não podem pedir o ressarcimento pelos lucros que deixaram de receber, em face da não execução do contrato, até ao esgotamento do seu período de vigência”, orientação que, segundo alega, terá também amplo apoio na doutrina nacional.

Labora a R. num sério equívoco. A posição jurisprudencial e doutrinal que invoca respeita a uma situação diferente da que se verifica nos autos. Com efeito, a referida controvérsia diz respeito à natureza e âmbito da indemnização exigida pela parte de um contrato bilateral que opta, justificadamente, pelo direito de resolução do contrato, em caso de incumprimento definitivo por causa imputável à contraparte (conforme previsto no nº 2, do art. 801º, do Código Civil).

Não é esta a situação que está em apreciação nos autos. Nestes, está em causa uma declaração de resolução infundada por parte da R. concedente à A. concessionária, o que, conforme decidido pelas instâncias e aceite pelas partes, constituiu uma declaração de não cumprimento definitivo da R. à contraparte. Não se subsume esta hipótese ao regime da denominada condição resolutiva tácita do art. 801º, nº 2, do CC, antes integra o princípio geral da responsabilidade civil contratual, consagrado no art. 798º do CC.

Por outras palavras, a situação dos autos é precisamente a inversa da situação relativamente à qual largamente se vem problematizando, na doutrina e na jurisprudência, em especial depois da publicação da obra de referência de Paulo Mota Pinto (Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, 2008). A hipótese controvertida seria a de a parte não faltosa (aqui A. Recorrente) invocar o direito de resolução com fundamento no não cumprimento definitivo da R. concedente. Ora, como se sabe, não foi isso o que se verificou, mas sim o inverso. Foi a R. Recorrente que, infundadamente, resolveu o contrato, sendo, portanto, o contraente faltoso. Tem a parte não faltosa, aqui A. Recorrente, direito a ser indemnizada nos termos gerais.

De acordo com o princípio geral do art. 562º, do CC, “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.” No caso sub judice, o evento foi o incumprimento definitivo do contrato pela R., por causa que lhe é imputável. Tem, por isso, a A., direito a ser indemnizada pelos lucros (art. 564º, nº 1, do CC) que obteria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido até ao termo da sua vigência; ou seja, tem a A. direito a, conforme peticiona, ser indemnizada pelos lucros cessantes correspondentes ao interesse contratual positivo ou de cumprimento.  


7. Tendo-se respondido afirmativamente à questão anterior, há então que determinar o montante indemnizatório que a R. tem de pagar à A. pelo não cumprimento definitivo do contrato.

O acórdão recorrido decidiu a questão como se segue:

“Ora, tendo ficado provado que, por força da resolução ilícita do contrato pela R., a A deixou de receber, no ano de 2008, lucros calculados em € 81 832,00, é este valor que, como dano sofrido, lhe deverá ser ressarcido.

Este valor, representando o lucro deixado de receber, pressupõe, logicamente, a dedução prévia dos custos efetivos do exercício da atividade da distribuição, não se justificando a necessidade de liquidação posterior, dada a liquidez alcançada.

Deste modo, pelo dano causado pela resolução ilícita do contrato de distribuição, a R. está obrigada a pagar à A. a indemnização no valor de € 81 832,00.”

Pretende a R. Recorrente (concls. L a Q) que este montante deve ser revisto por não estar devidamente calculado. Mas, na verdade, foi dado como provado que, “Por força da cessação do contrato pela R., a A. deixou de receber lucros, calculados para o ano de 2008, numa média de € 81 832,00” (facto 78. da matéria de facto, na redacção que lhe foi dada pela Relação). Não tendo este Supremo Tribunal competência para reapreciar a matéria de facto – salvo nas excepções, não verificáveis no caso dos autos, da segunda parte do nº 3, do art. 674º, do CPC – , não pode o quantitativo dos lucros cessantes da A., dado como provado, ser alterado.

Mantém-se assim a condenação da R. Recorrente ao pagamento à A. de € 81 832,00, a título de indemnização pelo incumprimento definitivo do contrato.


8. Quanto à questão do direito da A. a receber indemnização de clientela, não está em causa a admissibilidade, em abstracto, do direito do concessionário a receber tal indemnização aquando da cessação do contrato de concessão, mas tão só a verificação, em concreto, dos pressupostos desse direito.

Na verdade, como se afirmou supra, ponto 5., não constitui objecto dos presentes recursos o entendimento das instâncias de que a integração da A. concessionária na rede de distribuição da R. concedente permite a aplicação analógica do regime de indemnização de clientela do art. 33º do Decreto-Lei nº 178/86, previsto directamente, quanto ao contrato de agência, com o objectivo de “compensar o agente dos proveitos de que, após a cessação do contrato, poderá continuar a usufruir a outra parte, como decorrência da actividade desenvolvida por aquele” (preâmbulo do diploma), uma vez que está provado que a situação da A. é análoga à de um agente, “em termos de ele próprio dever considerar-se, pela actividade que exerceu, como um relevante factor de atracção da clientela” (Pinto Monteiro, cit., pág. 163).

A análise do problema implica ter presente que a “indemnização de clientela”, prevista nos arts. 33º e 34º do Decreto-Lei nº 178/86 não constitui uma autêntica indemnização por danos.

Entende-se comummente que, nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 11/11/2010 (cit.), “a forma como a lei define os requisitos e os termos da indemnização da clientela revelam que é a preservação do equilíbrio de cada contrato que ela visa proteger, repartindo entre o concedente (o principal, no caso da agência) e o concessionário (o agente) os benefícios que se projectam após a cessação do contrato, em consequência da actividade desenvolvida pelo concessionário (pelo agente) durante a sua vigência; basta ter em consideração o modo de cálculo da indemnização, assente na média anual das remunerações do contrato terminado”. No mesmo sentido, cfr. os acórdãos deste Supremo Tribunal de 23/11/2006 (cit.), de 04/11/2010 (cit.), de 27/10/2011 (cit.)., de 31/01/2012 (cit.)., de 17/05/2012 (cit.)., de 18/06/2014 (cit.)., e de 29/09/2015 (cit.).

Neste domínio não relevam pois os danos emergentes, designadamente aqueles que terão resultado da alegada cessação da actividade invocada pela A. Recorrente (concls. 2, 3, 4, 7, 11 e 13), nem os danos correspondentes à frustração dos investimentos por esta realizados (concls. 13 a 15). É certo que foi feita prova da existência de investimentos (factos 65. a 69.), ainda que não quantificada, mas – não tendo sido peticionada a sua compensação – encontra-se prejudicada a eventual consideração da sua relevância.

Assim sendo, para efeito do reconhecimento e cálculo da “indemnização de clientela”, apenas interessa o regime dos arts. 33º e 34º do Decreto-Lei nº 178/86, e não o regime geral da obrigação de indemnização.


9. Pretende a R. Recorrente (concls. V a DD) que não foi feita prova dos pressupostos concretos exigidos pelo regime do nº 1, do art. 33º, do Decreto-Lei nº 176/86, aplicados, no caso dos autos, à pessoa da concessionária: “a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente; b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente; c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a).”

Não foi esse o julgamento da Relação, que decidiu antes nos seguintes termos:

“Compulsando o elenco dos factos provados, não há dúvida de que a A. tem direito à indemnização de clientela, pela cessação do contrato de distribuição.

Com efeito, como ficou provado, a A. angariou cerca de 1 200 clientes, de que resultou o benefício substancial do volume de negócios da R., avaliado pela faturação registada pela atividade desenvolvida pela A.

A notoriedade das marcas da R. e as facilidades promocionais concedidas, embora pudessem facilitar a atividade desenvolvida pela A., não têm, no entanto, o efeito de retirar o proveito substancial resultante da angariação de novos clientes.

Por outro lado, a R. continuou a beneficiar, de modo unilateral, da angariação de clientes, depois da extinção do contrato, já que a A., como se demonstrou, lhe facultou toda a informação relativa aos clientes, podendo a R. manter, sem dificuldade, os contactos com a clientela desenvolvida pela A.

(…)

Neste contexto, encontram-se, cumulativamente, reunidos os requisitos para a verificação do direito à indemnização de clientela, por aplicação analógica do disposto no art. 33.º, n.º 1, do DL n.º 178/86, tal como se concluiu na sentença recorrida.”

Quanto ao primeiro requisito (art. 33º, nº 1, al. a)) – que o concessionário “tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente” – foi dado como provado que, “Até 6 de maio de 2008, a A. angariou cerca de 1.200 clientes dos enunciados em 22., para os produtos abrangidos pelo contrato, sendo que esses clientes eram abastecidos regularmente com marcas da R., aumentando, nessa medida, o volume de negócios desta.” (facto 73., alterado pela Relação).Verifica-se, pois, o pressuposto da indemnização de clientela de que o concessionário tenha angariado novos clientes para a outra parte.

Relativamente ao segundo pressuposto – que a R. concedente “venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente”, foi feita prova de que “A A. divulgou à R. toda a informação relativa aos clientes pelo que esta pôde manter, sem qualquer dificuldade, os contactos com clientela desenvolvidos pela A., continuando a beneficiar da actividade, a qual, como se provou (factos 75. a 78.), permitia alcançar significativos volumes de vendas. Verifica-se, pois, também o segundo pressuposto da indemnização de clientela.

Por fim, quanto ao terceiro pressuposto – que a R. concedente “deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a)” – foi feita a seguinte prova: Não beneficiando a A. dos negócios que, após a cessação do contrato, vierem a ser celebrados entre a R. e o novo distribuidor para a zona e a clientela angariada pela A., relativamente aos produtos comercializados por aquela.”.

Considerando-se preenchido o terceiro pressuposto da indemnização de clientela, confirma-se que a A. Recorrente tem direito a tal indemnização.


10. Tendo sido dada resposta afirmativa à questão anterior, há que apreciar, por último, a questão do montante da indemnização de clientela fixado equitativamente pela Relação [recurso da A.]. De acordo com o art. 34º do Decreto-Lei nº 178/86, “A indemnização de clientela é fixada em termos equitativos, mas não pode exceder um valor equivalente a uma indemnização anual, calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente durante os últimos cinco anos; tendo o contrato durado menos tempo, atender-se-á à média do período em que esteve em vigor.”

Considere-se de que forma o acórdão recorrido fixou o montante de indemnização de clientela:

“Admitida a indemnização de clientela a favor da A., deve a mesma ser fixada em termos equitativos.

Nesse âmbito, importa considerar o lucro líquido da A., extrapolado em metade a partir da média da margem bruta de comercialização, nos anos de 2005, 2006 e 2007 (41). [facto provado 41.]

Estando em causa o benefício direto do distibuidor, é o lucro líquido que releva, como, aliás, se entende maioritariamente na jurisprudência, designadamente, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de março de 2012 (processo n.º 99/05.3TVLSB.L1.S1), publicado no Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 144.º, pág. 353, com a anotação favorável, nesta questão específica, de A. PINTO MONTEIRO.

Interessa também ponderar a duração do contrato de distribuição, incluindo a dos contratos de distribuição anteriores, nomeadamente a partir de 1993, ainda que celebrados, juridicamente, por outras pessoas, mas que, no fundo, correspondem às mesmas pessoas, dada a natureza familiar da A. (factos n.º s 10, 11, 12 e 44).

Acresce ainda o modo empenhado como a A. desenvolveu a sua atividade, o que lhe conferiu reconhecimento, bem como o investimento material e humano feito para o exercício da sua atividade comercial de distribuidor.

Por outro lado, importa ponderar, igualmente, quer a reconhecida notoriedade atribuída às marcas da R. quer os apoios por esta concedidos ao distribuidor, circunstâncias que, naturalmente, têm o efeito de facilitar a atividade comercial da A.

Assim, e num juízo de mera equidade, consagrado legalmente, entende-se ajustado fixar a indemnização de clientela no valor de € 80.000,00.”

Os limites e pressupostos dentro dos quais se situou o juízo equitativo da Relação afiguram-se justos e adequados. Impõe-se apenas ponderar a específica pretensão da A., no sentido de que o valor máximo a considerar seja aferido em função da média anual das margens brutas auferidas pela A. entre os anos 2005 e 2007, calculada em € 234.169,85 (facto provado 41.).

Esclareça-se que o referido valor da média anual das margens brutas não pode ser revisto – como pretende a R. nas suas contra-alegações – não apenas porque não constituem estas o meio processual adequado para o efeito, como, sobretudo, porque não cabe a este Supremo Tribunal apreciar matéria de facto, salvo nas hipóteses excepcionais do nº 3, do art. 674º, do CPC, que aqui não se verificam.

Constitui orientação reiterada deste Supremo Tribunal que a média anual das remunerações recebidas pelo agente seja aferida pelo lucro líquido do concessionário. Nas palavras do acórdão de 15/11/2007 (proc. nº 07B3933), “Assim, o critério da fixação do montante indemnizatório relativo ao benefício da clientela é o da equidade, mas com o limite referenciado à média anual das remunerações quinquenais do agente. A aplicação, por analogia, do regime do contrato de agência ao contrato de concessão comercial, impõe, em tema de adaptação, que a expressão retribuição, equivalente [n]o agente ao ganho decorrente da sua actividade, seja entendida como rendimento auferido pelo concessionário no exercício da sua actividade comercial no mencionado período, ou seja, o seu rendimento líquido.” No mesmo sentido, cfr. os acórdãos de 23/11/2006 (cit.), de 10/12/2009 (proc. nº 763/05.7TVLSB.S1), de 20/06/2013 (proc. nº 178/07.2TVPRT.P1.S1), de 02/12/2013 (proc. nº 1420/06.2TVLSB.L1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt; e ainda o acórdão de 17/05/2012 (proc. nº 99/05.3TVLSB.L1.S1), in www.dsgi.pt, que, equivocadamente, a A. Recorrente cita como defendendo a posição contrária.

Não se vislumbra que as razões invocadas pela A. Recorrente (insuficiência da indemnização de clientela fixada pelo acórdão recorrido para reparar danos emergentes resultantes da alegada cessação de actividade da cessionária, assim como para compensar a frustração de investimentos da mesma) permitam que nos afastemos desse critério. Com efeito, como se afirmou supra, ponto 9., e diversamente do que pretende a A. Recorrente, a “indemnização de clientela” não constitui uma verdadeira indemnização, devendo ser atribuída independentemente da verificação de danos para o distribuidor que a ela tem direito (cfr. Pinto Monteiro, cit., págs. 150 e segs.). Não faz, pois, sentido fazer qualquer comparação com a prática dos tribunais em matéria de atribuição de indemnizações por responsabilidade civil extracontratual. No caso dos autos, a verdadeira indemnização pelos danos causados à A. com a cessação ilícita do contrato é a indemnização por lucros cessantes resultantes do incumprimento definitivo do contrato por parte da R., e confirmada supra no presente acórdão.

Em conclusão, mantém-se a indemnização de clientela que a R. deve pagar à A. no montante de € 80.000,00.

        

11. Pelo exposto, julgam-se improcedentes as revistas da A. e da R., confirmando-se o acórdão recorrido.


Custas pelas Recorrentes, em partes iguais.


Lisboa, 12 de Maio de 2016


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Bettencourt de Faria

João Bernardo