Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8057/13.8TBBRG.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: DEMOLIÇÃO PARA RECONSTRUÇÃO DE PRÉDIO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
RELAÇÕES DE VIZINHANÇA
CONTRATO DE EMPREITADA
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
EMPREITEIRO
DONO DA OBRA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESCRIÇÃO
BEM IMÓVEL
Data do Acordão: 05/23/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA DOS RÉUS. CONCEDIDA A REVISTA DA INTERVENIENTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS / DIREITO DE PROPRIEDADE / PROPRIEDADE DE IMÓVEIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 3ª edição, p.520 e ss. e 621;
- Manuel Andrade, Teoria Geral, Vol. II, p. 446;
- Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Almedina, 1984, p. 831;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, p. 183;
- Vaz Serra, in BMJ 106, p. 23.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1305.º E 1348.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 615.º, N.º 1, ALÍNEA B), 663.º, N.º 2 E 666.º.
Sumário :
I - Os proprietários de qualquer dos edifícios confinantes gozam dos poderes gerais que a lei lhes confere, entre os quais se inclui o de demolição e de reconstrução, devendo, contudo, respeitar os limites da lei e observar as restrições por ela imposta (art. 1305º, do CC);

II - O proprietário do prédio que, em próprio proveito, foi alvo de obras de demolição é o autor delas para os fins previstos no n.º 2 do art. 1348º, do Cód. Civil, devendo arcar com as consequências danosas para terceiros que essa atividade tenha originado;

III – O dono do prédio onde as obras foram executadas e a empreiteira respondem solidariamente pela satisfação da obrigação de indemnizar os lesados.

Decisão Texto Integral:
Revista nº 8057/13.8TBBRG.G1.S1




Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – Relatório


1. AA e mulher BB intentaram a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra CC e mulher, DD, e EE - CONSTRUÇÕES, S.A., pedindo que:

- Seja declarada a conduta dos 1.ºs RR. e 2.ª R. como a única e exclusiva causa dos danos materiais verificados no prédio dos AA., descritos em relatório técnico junto à p.i. e que os 1.ºs RR e 2.ª R. sejam declarados únicos e exclusivos culpados da produção do evento-causa;

- Sejam todos os RR. condenados, solidariamente, a executar todas as obras adequadas a repor o prédio dos AA., no estado de conservação anterior ao evento-causa, por si ou por intermédio de terceiros, à escolha dos AA.

Em alternativa:

- Sejam todos os RR. condenados a pagar aos AA., a quantia de € 98.010,00, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, a título de danos patrimoniais, destinada à execução de obras de reparação;

e sempre, cumulativamente

- Sejam os RR. condenados, individual ou solidariamente, a pagar aos AA. a quantia de € 11.690,00 a título de outros danos patrimoniais e a quantia de € 15.000,00 a título de danos não patrimoniais, bem como as quantias que se vierem a quantificar em execução de sentença, quer a título de desvalorização do prédio dos AA, quer a título de danos não patrimoniais futuros, quantias estas acrescidas de juros moratórios vencidos calculados à melhor taxa legal em vigor, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, alegaram, em síntese, que:

Os 1ºs Réus são proprietários de um prédio urbano contíguo ao seu, no qual aqueles levaram a efeito a demolição e reconstrução do edifício aí existente, tendo para o efeito celebrado com a 2ª R. um contrato de empreitada.

As obras, que tiveram o seu início em meados do mês de Dezembro de 2010, acabaram por afetar o imóvel dos Autores, que sofreu forte abalo na sua estrutura e apresentou uma fissura vertical ao longo do alçado lateral de todos os três pisos e águas furtadas, que constitui uma parede meeira de ambos os prédios.

Estes danos foram de imediato denunciados à 2ª. R. e, posteriormente, também aos 1ºs Réus, os quais depois de contactos e conversações, solicitaram a elaboração de um relatório de vistoria. Não obstante o resultado desse relatório, os 1ºs e 2ºs Réus não levaram a efeito quaisquer obras no prédio dos Autores com vista à reposição do mesmo no estado de conservação em que se encontrava anteriormente, obras essas que ascendem ao valor de € 98.010,00.

Para além destes danos, a incúria dos RR levou à deterioração do recheio do prédio dos Autores, computado em € 2.500,00 quanto aos móveis e em € 2.500,00 no que toca ao valor de fotografias. Referem, também, ter suportado despesas com honorários de peritos (€ 500,00), com taxa de justiça (€ 1.020,00) e com honorários à mandatária (€ 5.000,00); relativamente a danos não patrimoniais sofridos, reclamam o montante indemnizatório de € 15.000,00.

2. A ação foi contestada.

2.1. Os 1ºs RR. excecionaram a prescrição do direito invocado pelos AA, alegando ter já decorrido o prazo de três anos previsto no art. 483º, do Cód. Civil, desde que tiveram conhecimento do seu alegado direito.

Impugnaram, também, que as obras realizadas tenham causado danos no prédio dos AA, até porque a parede que confinava com o prédio dos 1ºs RR. foi protegida da entrada das águas pluviais; mais alegaram não ter tido qualquer intervenção na direção da obra, a qual foi efetuada pela 2ª Ré, pelo que apenas esta poderá ser responsabilizada por eventuais danos sofridos pelos AA.

Por fim, invocaram que os AA. litigam com abuso de direito, dado o lapso temporal que mediou entre a ocorrência dos danos e a propositura desta ação.

2.2. A 2ª R. excecionou a prescrição do direito invocado pelos AA., dado que os trabalhos se iniciaram em 16-11-2009, tendo a demolição terminado em meados de Janeiro de 2010. Como tal, quando foi citada para a presente ação, há muito tinha decorrido o prazo de prescrição previsto no art. 498º, do Cód. Civil.

Excecionou, ainda, a sua ilegitimidade, alegando que se obrigou perante os donos da obra, os ora 1ºs RR., a executar os trabalhos de acordo com um projeto previamente fornecido por estes e sem que tenha incorrido em violação de qualquer dever especial de conduta, pelo que nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada; assim, a existir nexo de causalidade entre os danos e a obra, aqueles terão ficado a dever-se a um erro de projeto, da inteira responsabilidade dos 1ºs RR..

Pugnou, finalmente, pela existência de abuso de direito, dado que a tardia denúncia dos invocados danos contribuiu necessariamente para o seu agravamento.

3. A 2ª ré requereu a intervenção principal da seguradora “FF - Companhia de Seguros, S.A..”, para quem havia transferido a responsabilidade civil decorrente de danos emergentes da execução da empreitada.

4. Por despacho de fls. 211-212, transitado em julgado, foi admitida a requerida intervenção principal provocada da seguradora.  

5. Ordenada a sua citação, a interveniente apresentou contestação, arguindo a prescrição do direito invocado pelos AA. com os mesmos fundamentos já antes invocados pelos RR. e, reconhecendo embora a existência de contrato de seguro de responsabilidade civil celebrado com a 2ª ré, alegou que os danos reclamados se encontram excluídos da cobertura da apólice, conforme resulta das condições especiais e particulares do contrato.

Concluiu, pedindo, a sua absolvição do pedido.

6. Na sua resposta, a 2ª R. veio alegar que as cláusulas de exclusão invocadas pela interveniente não lhe foram comunicadas ou explicadas, não são do seu conhecimento, nem se encontram inseridas em documento por si assinado. Nestas circunstâncias, sustentou que as ditas cláusulas devem ter-se por excluídas do contrato. Em todo o caso, considerou que os danos em causa não resultaram de trabalhos de demolição, mas antes da reconstrução do edifício, pelo que, também por esta via, não poderá a seguradora deixar de assumir a sua responsabilidade, nos termos previstos no contrato de seguro celebrado com a 2ª R.

7. Foi realizada audiência prévia, no decurso da qual foi proferido despacho saneador em que se julgou improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade que havia sido deduzida pela 2ª R. e se relegou para final o conhecimento das exceções de prescrição e do abuso de direito. Foi ainda fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

8. Na 1ª instância, realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando procedente a exceção perentória de prescrição, absolveu os RR. do pedido.

9. Inconformados como o decidido, os AA. interpuseram recurso de apelação. Por sua vez, nas contra alegações, e a título subsidiário, os 1ºs RR. requereram a ampliação do âmbito do recurso e impugnaram a decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto.

O Tribunal da Relação de Guimarães proferiu, então, acórdão em que, revogando a sentença, condenou:

1. Os 1ºs RR. e a 2ª R. a reparar os danos identificados nos pontos 6 e 7 da matéria de facto provada e ainda a pagar aos AA. a quantia de 5.000,00 euros a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios desde a notificação da decisão em 1ª instância.

2. A interveniente/seguradora, em substituição da 2ª R., a reparar os danos identificados nos pontos 6 e 7 da matéria de facto provada e ainda a pagar aos AA. a quantia de 5.000,00 euros, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios desde a notificação da decisão em 1ª instância, até ao montante de 50.000,00 euros, com a dedução da franquia de 10%, no montante de 5.000,00 euros, da responsabilidade da 2ª R.

10. Irresignados com o acórdão proferido pela Relação, quer a interveniente, quer os 1ºs RR. interpuseram recurso para este Supremo Tribunal de Justiça.

10.1. Nas suas alegações, a Companhia de Seguros FF, SA formulou as seguintes conclusões:

1. O prazo de prescrição iniciou-se notoriamente em data anterior a 28 de dezembro de 2010.

2. À data em que é remetida a carta aos Réus já os Autores se encontravam na possibilidade de exercer o seu direito.

3. Tendo a citação dos Réus ocorrido em 31 de dezembro de 2013, verifica-se que o direito invocado pelos Autores, para o exercício judicial do seu direito já se encontrava efetivamente prescrito, por decurso do prazo de 3 anos previsto no art. 498° do Cód. Civil, motivo pelo qual se extinguiu o seu direito para fazer valer a sua pretensão.

4. Não se verifica nenhuma circunstância suscetível de interromper a prescrição, nos termos do disposto nos arts. 323° e segs. do Cod. Civil.

5. No entanto e ainda que assim não se entenda cumpre ainda dar conta que, a chamada ora recorrente foi citada, apresentou a sua contestação, onde levantou exceções e impugnou matéria de facto.

6. Para ser condenada, têm as exceções que levantou, que ser apreciadas e decididas pelo Tribunal de 1ª Instância.

7. O cumprimento ou incumprimento do ónus que sobre a aqui Recorrente impende, enquanto Seguradora, de facultar e explicar as Cláusulas Gerais e Especiais do contrato de seguro que celebrou com a 2ª Ré, é matéria controvertida, carecida de prova, pois que o respetivo cumprimento foi alegado pela Recorrente, e impugnado pela 2ª Ré.

8. Essa matéria não foi objeto de qualquer prova, tendo o Tribunal recorrido, no acórdão proferido, assumido sem qualquer suporte material, que a Chamada, aqui Recorrente, tinha preterido na sua obrigação de comunicação.

9. Em sede de sentença, como a exceção de prescrição foi julgada procedente, o Tribunal de 1ª instância esgotou o seu poder jurisdicional e absteve-se de conhecer do mais peticionado, nomeadamente, do alegado cumprimento do dever de informação da seguradora.

10. Em sede de recurso, em nenhuma das conclusões apresentadas, existe pedido de pronúncia sobre a chamada FF, nomeadamente relativa à omissão de pronúncia do Tribunal de 1ª Instância.

11. A defesa da chamada FF, foi simplesmente desconsiderada, sendo condenada, mas mantendo-se olvidada quantos aos argumentos que aduziu e que constituíam matéria de facto nova, impeditiva do direito arrogado pela 2ª Ré.

12. Verifica-se, pois, uma clara omissão de pronúncia nos termos e para os efeitos do artigo 615° n° 1 alínea d) do CPC, ex vi artigo 674° n° 1 alínea c), também do CPC o que determina a nulidade do acórdão.

13. O Tribunal da Relação não pode conhecer do que não consta das conclusões e não pode reapreciar matéria não apreciada pela 1ª instância, quando foi chamado a intervir sobre matéria que não contendia, com essa falta de apreciação.

14. Assim, a decisão que condena a ora recorrente é nula, quer se considere que o Tribunal a quo não pode pronunciar-se sobre matéria que não conste das conclusões de recurso.

15. E é anulável, se se considerar que não foi julgada a exceção levantada pela ora recorrente em sede de contestação.

16. Nomeadamente quanto à exclusão do contrato de seguro celebrado entre a ora recorrente e a 2ª Ré que, na decisão da 1ª instância, não foi dado como provado que o sinistro estava ou não excluído.

17. O Acórdão recorrido refere que o sinistro não estava excluído do contrato de seguro celebrado, não fundamentando tal decisão, sendo apenas referida a falta de comunicação à 2ª Ré do teor das cláusulas especiais que afastavam a sua responsabilidade, sem que tenha sido produzida prova quanto a esse facto.

18. O Tribunal a quo substituiu-se à 1ª instância quanto ao conhecimento de factos que escaparam à produção de prova, e conhecendo de matéria não contida nas conclusões de recurso, sendo nos termos da melhor jurisprudência, é anulável a decisão - vide Acórdão da Relação de Guimarães no âmbito do processo 2777/12.1TBBRG.G1.

19. Assim procedendo nesta parte o presente recurso, deve o Acórdão recorrido ser anulado, baixando os autos à primeira instância para repetição do julgamento, fazendo-se constar dos temas da prova a questão de saber se as cláusulas contratuais gerais e especiais do contrato de seguro titulado pela apólice 13…01 foram devidamente comunicadas e explicadas à 2ª Ré, e deve ser ordenada a produção de prova quanto a esse facto.

20. Caso assim não se entenda e sem prescindir, é o Acórdão recorrido nulo por excesso de pronúncia, tendo o Tribunal recorrido proferido decisão sobre matéria não suscitada pelas partes recorrentes - Veja-se Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do processo 0586/14

21. E assim resulta da conjugação dos artigos 615°, 639°, 640° e 637° todos do CPC, no sentido em que a ratio que subjaz a formulação de conclusões de recurso, prende-se com a delimitação dos poderes de cognição do Tribunal ad quem.

10.2. Por sua vez, os 1ºs RR. apresentaram as seguintes conclusões:

1ª Na decisão proferida sobre a matéria de facto o TRG alterou a resposta às als. b) e c) dos factos não provados na sentença da 1ª instância, para a factualidade que fez constar do ponto 19 dos factos provados no Acórdão revidendo, fundamentando a sua decisão na factualidade que adquiriu dos documentos 2, 4 e 5 juntos com a p.i.

2ª Essa decisão, porém, ofende frontalmente o regime jurídico-legal relativo à força probatória desses documentos, que são documentos particulares nos termos legais, porquanto os mesmos, conjugados com o doc. 3 junto com a p.i., impõem decisão sobre a matéria de facto diametralmente oposta à erradamente vertida no ponto 19 dos factos provados no Acórdão sob recurso.

3ª Com efeito, a interpretação e compaginação daqueles docs. 2, 4 e 5, também com o doc. 3 da p.i., impõe que os AA. denunciaram à 2ª Ré os danos sofridos na sua casa, que não aceitou ser responsável pelos mesmos, remetendo-os aos 1ºs RR., que, por sua vez, nunca receberam a carta que os AA. lhes enviaram, tendo os RR., posteriormente, mandado fazer uma vistoria ao prédio dos AA., que deu causa ao relatório de vistoria, ao qual tiveram acesso, e no qual se faz constar existir apenas um tipo de defeitos imputável à obra de demolição do prédio dos 1ºs RR. Nada mais.

4ª Nem por presunção tais documentos permitem a decisão sobre a matéria de facto vertida em 19 dos factos provados no Acórdão revidendo, pelo que, ocorrendo, como ocorreu, ofensa de norma legal que fixe força probatória de determinado meio de prova, o presente recurso de revista é admissível também com o fundamento do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa (cfr. artº 674º, nº 3, do CPC).

5ª Ao invés, na aplicação do disposto no artº 376º, nºs 1 e 2, do Código Civil, daqueles documentos apenas se obtém a factualidade sucintamente vertida em 3ª supra, não sendo possível concluir, nem por presunção, que os RR. enviaram ou entregaram aos AA. o relatório de vistoria de 28/10/2011, nem que, o facto de os AA. a ele terem tido acesso fosse reconhecimento pelos RR. de responsabilidade pelos danos (muito pelo contrário, atenta a enorme diferença entre os danos denunciados pelos AA. e os encontrados pelo autor do relatório) e compromisso pela sua reparação.

6ª Tem, pois, de concluir-se ser ilegal a alteração da matéria de facto não provada constante das als. b) e c) da sentença da 1ª instância para a constante do ponto 19 dos factos provados no Acórdão revidendo, por ofensa ao regime jurídico do artº 376º, nºs 1 e 2, do Código Civil, impondo-se, por isso, a revogação dessa decisão, mantendo-se válida e intacta a decisão proferida quanto a essa matéria pela decisão de 1ª instância.

7ª E, em consequência, deve revogar-se a condenação dos RR., em especial dos 1ºs RR., ora recorrentes, na reparação dos danos identificados nos pontos 6 e 7 da matéria de facto e no pagamento aos AA. da indemnização fixada, por ter ocorrido a prescrição do direito destes.

8ª A não se considerar assim, o que se concede por mera cautela e dever de patrocínio, os RR. apenas teriam aceitado reparar a parede meeira, porquanto o relatório apenas nela encontrou danos, tal como consta do doc. 5 da p.i., e então o Acórdão sob recurso nunca poderia, contraditoriamente à factualidade (ponto 19) que deu como provada, condenar os RR., sobretudo os 1ºs RR, na reparação de tudo quanto consta dos pontos 6 e 7 da matéria de facto provada e que não consta do relatório de 28/10/2011, verificando-se, nesta hipótese, que os fundamentos estão em oposição com a decisão proferida, o que é causa de nulidade do Acórdão revidendo, como se requer seja declarado (cfr. artºs 615º, nº 1, al. c) e 666º, nº 1, ambos do CPC).

9ª Se ainda assim se não considerar, o que se concede pelos mesmos princípios, deve concluir-se que foram abundantemente alegados factos essenciais quanto à questão de a 2ª Ré ter conhecimento pleno do tipo de obra que ia fazer no prédio dos 1ºs RR. e a sua área envolvente, designadamente o prédio dos AA., contíguo àquele, também muito antigo, de construção frágil, com paredes em tabique, telhados velhos e inserido no centro histórico de …, pelo que, destes factos essenciais resulta evidente para qualquer pessoa, nomeadamente também para a 2ª Ré, na sua qualidade de empreiteira, que as obras de demolição do prédio dos 1ºs RR., atentas as suas características e das do prédio dos AA., implicavam especiais cuidados, adequados à respectiva leges artis.

10ª E deve igualmente concluir-se que este facto é consequência daqueles abundantemente alegados também pelos 1ºs RR. e foi bem evidenciado pela perícia realizada no processo, que impõe a conclusão que se referiu supra no ponto 90, transcrito no ponto 38 supra destas alegações e que, por razões de brevidade, aqui se dá por reproduzido

11ª De tudo se concluindo que as contratadas obras de demolição do prédio dos 1ºs RR. pela 2ª Ré e o conhecimento dessa obra a realizar no prédio daqueles e a sua área envolvente (o prédio contíguo dos AA., considerando a alegada vetustez, fraca qualidade construtiva e mau estado de ambos os prédios, inseridos no centro histórico), são os factos essenciais quanto a esta questão, sendo complementares os factos relacionados com os especiais cuidados que, por força daqueles, a 2ª Ré deveria ter adotado enquanto responsável pela execução da obra.

12ª Impondo-se, também, concluir que o TRG deveria ter considerado provado o seguinte facto: “A obra de demolição do prédio referido em 2 implicava especiais cuidados pela 2ª Ré, atendendo à antiguidade do prédio referido em 1º contíguo àquele.”, por não se tratar de factos essenciais ou porque, ainda que o fossem, serem complementares aos já alegados pelas partes, mormente pelos 1ºs RR..

13ª É que a reforma do processo civil atribuiu ao Tribunal o dever/poder de assumir uma posição muito mais ativa do que antigamente, mormente na aquisição instrumental/processual dos factos, de quaisquer factos, desde que sempre salvaguardados os princípios legais de aquisição da prova e do direito do contraditório, por forma a aproximar-se da verdade material e alcançar uma posição mais justa do processo, afinal o verdadeiro desiderato da aplicação da justiça em nome do povo, naturalmente, sem prejuízo de às partes caber a formação da matéria de facto, mediante a alegação, nos articulados, dos factos principais que integram as suas pretensões.

14ª Visto que devem ser efetivamente atendidos na, e para, a boa decisão da causa, verifica-se uma omissão de pronúncia por parte do TRG quanto a esta questão da alteração da matéria de facto em sede de ampliação do recurso de apelação, pelo que, assim se considerando, deve ordenar-se a baixa do processo ao TRG, a fim de se apreciar devidamente essa questão suscitada pelos ora recorrentes na ampliação do recurso que ali requereram.

15ª Ou, se assim se não considerar, deve decidir-se desde já e favoravelmente também essa ampliação da matéria de facto pretendida pelos ora recorrentes, por esse Alto Tribunal ter no processo todos os meios de prova que a impõem.

16ª Ainda que se não considere procedente o anteriormente requerido, o que igualmente se concede por mera cautela e dever de patrocínio, tem de concluir-se pelo erro na aplicação do direito no Acórdão recorrido quanto à questão da responsabilidade pela reparação dos danos sofridos pelos AA..

17ª Porque neste caso está provado que, a obra de demolição do prédio dos 1ºs RR, contíguo ao prédio dos AA., ambos prédios antigos, com mais de 50 anos, integrados em Centro Histórico, com características de construção muito antigas e materiais de construção fracos, foi efetuada pela 2ª Ré, empreiteira, ao abrigo de contrato de empreitada, a qual, ademais, declarou assumir toda a responsabilidade inerente a essa obra, que reveste risco acrescido que obriga a especiais cautelas, porquanto são trabalhos que podem pôr em causa a estabilidade, segurança e conservação de prédios contíguos, fragilizados pelas suas próprias características e vetustez, pelo que, deve concluir-se ainda que essa atividade se reveste de especial perigosidade pela sua própria natureza e obriga a especiais cuidados.

18ª Assente que está que a 2ª Ré, empreiteira foi quem executou tal obra e, bem assim, quem, inclusive, assumiu toda a responsabilidade inerente à mesma (vide ponto 21 da matéria de facto assente pelo TRG), considerando-se esta de especial perigosidade, como tem de considerar-se atenta a sua especialidade demonstrada nos autos, presume-se a sua culpa pela sua realização, como deve concluir-se (cfr. artº 493º, nº 2, do CC.)

19ª A obrigação que dimana do nº 2, do artº 493º, do CC, e que recai sobre quem desenvolve a atividade perigosa, incide unicamente sobre o facto próprio dessa mesma pessoa, assumindo a lei, na situação nela prevista, que essa mesma pessoa omitiu a necessária vigilância que era a adequada na situação concreta (a culpa in vigilando), a que acresce que a autonomia do empreiteiro não permite ao dono da obra uma fiscalização técnica que “perturbe o andamento ordinário da empreitada”.

20ª Pelo que, tem de concluir-se ainda, “dono da obra”, para efeitos de responsabilidade civil, mormente aquiliana, não é, nem pode considerar-se, o proprietário do prédio que vai ser sujeito à obra, porquanto aquele proprietário entrega o prédio ao empreiteiro para execução da obra e o proprietário apenas tem o poder de fiscalizar a obra, de forma a não perturbar o seu normal curso.

21ª Pelo que, deve concluir-se, durante toda a execução da obra pelo empreiteiro é este quem é o seu possuidor, sendo o proprietário do prédio intervencionado o dono da obra apenas para efeitos do contrato de empreitada em si mesmo, isto é, na relação entre as partes contratantes, sem que tenha em conta os demais deveres que ao possuidor incumbem.

22ª Pelo que, da aplicação do melhor direito aos factos provados nestes autos, não pode deixar de concluir-se que, o dever de vigilância incumbiu à 2ª Ré durante a execução da empreitada de demolição do prédio dos 1ºs RR., e que foi a 2ª Ré quem, na execução dessa empreitada, de características especiais e perigosa pela sua própria natureza, deu causa aos danos sofridos pelo prédio dos AA., estando, por isso, obrigada a repará-los, responsabilidade que, aliás, assumiu expressamente.

23ª Assim, tem de decidir-se pela atribuição à 2ª Ré da responsabilidade do dever de indemnizar os AA. pelos danos sofridos em consequência direta e necessária do comportamento culposo unicamente daquela 2ª Ré, sem prejuízo da transferência da mesma para a respectiva companhia de seguros, chamada a intervir nos autos, mantendo-se a absolvição dos 1ºs RR. dos pedidos como na 1ª instância.

24ª O Acórdão recorrido violou o disposto no artº 376º, nºs 1 e 2, no artº 493º, nº 2, no artº 483º, nº 1, no artº 799º, no artº 1209º, nº 1, todos do Código Civil.

Termos em que deve o presente recurso ser considerado provado e procedente e, por via disso, deve revogar-se o Acórdão revidendo, mantendo-se a absolvição dos RR., mormente dos 1ºs RR., como na 1ª instância, ou, se assim se não entender, deve anular-se o Acórdão revidendo na parte em que condena os RR. na reparação de todos os danos constantes de 6 e 7 dos factos provados, devendo sempre revogar-se o Acórdão revidendo, mantendo-se a absolvição dos 1ºs RR. como na 1ª instância, só assim se fazendo a usual e esperada justiça.

11. Foram apresentadas contra-alegações, pugnando-se pela improcedência dos recursos interpostos.


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12. Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões apresentadas (arts. 608.º, n.º2, 635.º, nº4 e 639º, do CPC), pelo que só abrange as questões aí contidas.

Por sua vez – como vem sendo repetidamente afirmado – os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal que proferiu a decisão impugnada, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal a quo.

Sendo assim, as questões de que cumpre conhecer consistem em saber se:


a) – O acórdão recorrido enferma de nulidade;

b) – Há erro na apreciação das provas e/ou violação de normas de direito probatório material;

c) – Se deve ser alterada e/ou ampliada a matéria de facto;

d) Se se verifica a prescrição;

e) Se os 1ºs RR devem assumir a responsabilidade pela reparação/indemnização dos danos sofridos pelos AA;

f) Se deve anular-se o acórdão recorrido quanto ao segmento decisório que condenou a seguradora, a fim de ser ampliada a matéria de facto.


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II – Fundamentação de facto


13. Vem dado como provado que:

“1. Encontra-se inscrito, em data anterior a 1951, na matriz predial urbana sob o art. 624.º, da freguesia de … (…), do concelho de … e descrito na C.R.Predial de … sob o n.º10610, onde a respectiva aquisição se encontra inscrita a favor dos Autores, o prédio urbano composto por três andares e águas furtadas.

2. Contíguo a este prédio, à esquerda deste (para quem se encontra de frente para o mesmo), na mencionada rua, freguesia e concelho, com os nºs de polícia … a …, situa-se um prédio urbano pertencente aos 1ºs Réus.

3. Ambos os prédios encontram-se inseridos no Centro Histórico da Cidade de …, cujas construções remontam há mais de 50 anos.

4. Os 1ºs Réus celebraram com a 2.ª Ré um contrato de empreitada, mediante o qual esta última se obrigou a realizar a obra de demolição e reconstrução do prédio urbano referido em 2º.

5. As obras iniciaram-se entre Novembro e Dezembro de 2009 com a demolição da construção existente, que teve a duração de entre 2 a 3 meses e, em Agosto de 2010, a construção que se encontrava em curso no prédio referido em 2º já dispunha de paredes e teto.

6. Como consequência direta e necessária das obras de demolição do prédio referido em 2º, o prédio referido em 1º sofreu:

- na empenha lateral esquerda do, contígua àquele outro prédio, fissuração vertical em toda a extensão da parede meeira abarcando todos os três pisos e as águas furtadas;

- fissuração estrutural da ligação das paredes de tabique ortogonais à parede meeira da empena e do próprio teto dos respectivos compartimentos, com maior magnitude a partir do piso 2 até ao sótão;

- infiltrações de humidade em revestimento de parede meeira;

- infiltração de humidade em tetos dos compartimentos confinantes com a parede meeira;

- infiltração de humidade em revestimento de pavimentos dos compartimentos confinantes com a parede meeira;

- infiltração de humidade nas paredes divisórias de tabique ortogonais à parede meeira;

- infiltração de humidade nas costas dos móveis de madeira encostados à parede meeira;

- infiltração de humidade na própria estrutura da parede meeira em tabique, a partir do piso 2 até ao sótão;

- empenamentos de portas e janelas;

- desníveis de pavimentos;

- deslocamento vertical junto aos cantos de paredes.

7. As referidas infiltrações de humidade inutilizaram um roupeiro de quarto, um móvel de quarto, uma porta de acesso à cozinha e um móvel de cozinha.

8. Em 28 de Dezembro de 2010, o filho dos AA., GG, também morador (ele e o respetivo agregado) naquele referido prédio, remeteu à 2ª. Ré uma carta registada com aviso de receção, recebida no dia seguinte, indicando como assunto “Danos causados pela obra na r….” (danos que à data eram visíveis) com o seguinte teor:

“Serve a presente para vos comunicar que desde o início da reconstrução que a vossa empresa se encontra a efetuar no edifício contínuo à minha casa; que a mesma tem causado vários danos na minha residência.

A parede da minha sala jantar inclinou.

As paredes da sala jantar, de dois quartos e da caixa de escada apresentam fissuras algumas delas bastantes consideráveis, a tinta encontra-se toda levantada e as mesmas estão cheias de humidade; devido às várias infiltrações de água que ocorreram durante os períodos de chuva, os tetos e chão junto das ditas paredes encontram-se húmidos o que pode provocar o apodrecimento dos mesmos uma vez que estes são em madeira, o mesmo acontece com os móveis, que se encontram nesses locais.

Com o passar do tempo esta situação tem vindo a sofrer um agravamento considerável o que está a tornar a habitabilidade de minha casa cada vez mais difícil.

Assim sendo solicito que vexas tomem as diligências necessárias no mais curto espaço de tempo para assim se evitar danos maiores.

Solicito também que procedam o mais rápido possível à reparação de todos os danos já causados.

(…)” 

9. A esta carta a 2.ª R. respondeu, no sentido de que deveriam contactar o dono da obra.

10. Os AA., por intermédio do seu filho, enviaram aos 1ºs RR., a 30 Março de 2011, uma carta registada com aviso de receção, que veio devolvida.

11. Por intermédio da então Mandatária dos AA., Dr.ª HH, em contacto com a Mandatária dos 1.ºs RR., Dr.ª II, foram desenvolvidos contactos e conversações.

12. Por solicitação do 1º Réu e de um colaborador da 2ª. Ré, em 28 de Setembro de 2011 foi efetuada uma vistoria aos referidos prédios e foi elaborado um relatório datado de 28 de outubro de 2011, no qual o técnico subscritor propôs a colocação de rufos em chapa zincada ou pré-lacada ao longo de toda a empena bem como o revestimento daquela empena através de forra em chapa nervurada lacada aplicada sobre a alvenaria existente.

13. Em data não apurada, mas não anterior a 28-09-2011, os Réus colocaram nessa empena tela plástica e chapas metálicas.

14. As patologias e estragos referidos em 6º e 7º são passíveis de reparação, ascendendo o valor do encargo necessário para esse fim e para a reposição do imóvel no estado anterior a € 45.000,00.

15. No imóvel referido em 1º vivem os AA., dois filhos dos mesmos, nora e netas, o qual constitui a sua única casa de morada de família.

16. Por via dos danos causados, uma sala e um quarto existentes nesse prédio encontram-se fechados e inabitáveis.

17. A sala de jantar esconde por detrás de um móvel, fungos (cogumelos).

18. Os AA. sentem desgosto e tristeza com o estado em que se encontra a sua casa de habitação.

19.[1] Em face da comunicação dos autores através da carta enviada à 2ª ré a 29/12/2010 e aos primeiros réus a 31/03/2011 e do relatório de vistoria ao prédio dos autores de 28/10/2011[2], aqueles encetaram conversações e comprometeram-se a realizar as obras nele apontadas, o que não concretizaram.

20.[3] Antes do início das obras no prédio dos primeiros réus as paredes interiores do prédio dos autores encontravam-se pintadas e sem fissuras.

21.[4] Em 31 de Agosto de 2009 a 2ª Ré emitiu um documento, denominado “Declaração de Responsabilidade”, com o seguinte teor:

EE - CONSTRUÇÕES, LDA., contribuinte n' 50…., titular do certificado de classificação de construção civil nº 5…, inscrita no Instituto da Construção e do Imobiliário em 15/10/2007, com sede na …, nº …, freguesia de …, concelho de …, declara nos termos do Regulamento Municipal de Edificações Urbanas em vigor no concelho e demais disposições legais aplicáveis, que assume a responsabilidade pela execução e direção da obra de construção civil, pertencente a CC, com residência na Rua …, nº … 6º Esquerdo, concelho de …, portadora do BI. nº …, incluindo toda a responsabilidade inerente à mesma.


14. Por sua vez, não se provou que:

a) As obras iniciaram-se em meados do mês de dezembro de 2010.

b) -[5]

c) -[6]

d) -[7]

e) -[8]

f) Os AA. suportaram ainda o pagamento de honorários pela elaboração do relatório técnico no valor de 500,00€ líquidos, acrescido de IVA.

g) Terão de suportar o pagamento de taxa de justiça no valor de 1.020,00€.

h) E ainda os honorários com a sua Mandatária que se estimam no valor aproximado de 5.000,00€ (cinco mil euros).

i) O prédio dos AA., foi sempre objeto do maior zelo, conservando-o através de manutenções (pintura, envernizamentos) periódicas.

j) O elevado grau de humidade afetou quadros com fotografias de … antiga, no valor de 2.500,00€.

k) Os AA. são pessoas de idade e compraram o imóvel com enorme esforço pessoal e fruto do seu trabalho, onde criaram os seus filhos.

l) O que antes era um lugar aprazível para morar, há quase três anos a esta parte tornou-se um pesadelo.

m) Os AA. estão desacreditados de tudo, pela forma como os RR., passivamente, lidaram com o assunto.


***



III – Fundamentação de direito

15. Das nulidades do acórdão recorrido

No recurso por si interposto, a seguradora veio alegar que “o acórdão recorrido refere que o sinistro não estava excluído do contrato de seguro celebrado, não fundamentando tal decisão …”.

Está, assim, ao que parece, a imputar ao acórdão impugnado a nulidade prevista no art.615º, n° 1, al. b), do CPC.

Pois bem.

A causa de nulidade ali tipificada, aplicável aos acórdãos da Relação, por via das normas remissivas dos artigos 663.º, n.º 2, e 666.º do CPC, ocorre quando não se especifiquem os fundamentos de facto e de direito em que se funda a decisão.

Como é entendimento corrente, esta nulidade apenas se verifica quando se omite ou se mostra de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar a decisão, ou quando, não obstante a indicação dos factos, não se enuncia o quadro legal aplicável, mais ou menos desenvolvido, de forma a deixar transparecer os seus fundamentos.

Ora, in casu, o acórdão recorrido, convocando o regime jurídico que considerou aplicável, afastou as cláusulas contratuais (de exclusão do risco) e imputou à seguradora a responsabilidade pela reparação dos danos sofridos pelos autores.

Sendo assim, e independentemente da avaliação sobre o mérito desta decisão, é patente não ter sido cometida a nulidade em causa.


***


A mesma recorrente veio também arguir a nulidade do acórdão por omissão e/ou excesso de pronúncia nos termos previstos no art. 615°, n° 1, al. d), do CPC, alegando que a matéria das exceções por si suscitadas na sua contestação e na resposta apresentada pela 2ª R. não foi objeto de produção de prova. Assim, tratando-se de matéria controvertida, sustenta que o Tribunal recorrido, sem o indispensável suporte factual, não podia ter considerado que a ora recorrente tinha violado a obrigação de comunicar as cláusulas contratuais de exclusão do risco, devendo, antes, ter ordenado a ampliação da matéria de facto.

Salvo o devido respeito, o alegado não configura a nulidade em causa.

Efetivamente, os vícios imputados ao acórdão recorrido pela recorrente situam-se, a nosso ver, no plano do julgamento do mérito da causa, pois se trata de saber se, relativamente a um dos segmentos decisórios, a matéria de facto provada constitui, ou não, a base necessária para alicerçar determinada solução de direito.

Note-se que, vigorando a regra da substituição ao tribunal recorrido (cf. art. 665º, nº2, do CPC), a Relação podia conhecer das questões consideradas prejudicadas pela 1ª instância, desde que dispusesse dos elementos necessários.

Estamos, portanto, também neste ponto, confrontados com questões de mérito, que não se confundem com as nulidades invocadas.

Improcedem, pois, as nulidades arguidas pela seguradora/recorrente.


***


Os 1ºs RR., na sua revista, vieram também arguir nulidades do acórdão recorrido, ao abrigo das alíneas c) e d), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC, sustentando que:

- Sob pena de contradição entre os fundamentos e a decisão, face ao teor do ponto 19, da factualidade provada, o Tribunal recorrido não podia ter condenado os ora recorrentes a reparar os danos enunciados nos pontos 6 e 7 do mesmo elenco factual;

- O Tribunal recorrido, ao abrigo dos poderes que a lei processual lhe atribui, e independentemente de ter sido, ou não, alegado, devia ter considerado provado determinado facto, sob pena de, não o tendo feito, ter sido cometida a nulidade por omissão de pronúncia.

Não têm, contudo, razão.

Com efeito:

A nulidade prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 615º, do CPC, segundo a qual a sentença é nula quando os fundamentos estejam em manifesta oposição com a decisão, sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença.

Ora, constituindo a sentença um silogismo lógico-jurídico (cf. art. 607º, do CPC), de tal forma que a decisão seja a conclusão lógica dos factos apurados, aquela nulidade – como tem sido unanimemente afirmado na doutrina e na jurisprudência - só se verifica quando das premissas de facto e de direito se extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído.

No caso em apreço, não se depreende qualquer relação de exclusão formal entre a fundamentação de facto e de direito e o dispositivo da decisão recorrida, pelo que não se verifica a nulidade assacada à decisão recorrida.

O que sucede é que os recorrentes discordam da consistência dos fundamentos e dos argumentos em que se apoia a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, mas isso constitui já uma questão de mérito a apreciar em sede própria.

Por seu turno, no que toca às deficiências apontadas ao julgamento da matéria de facto pela Relação, há que distinguir os vícios de que possa enfermar a decisão sobre a matéria de facto dos que possam afetar a decisão sobre o mérito, uma vez que os primeiros não configuram as nulidades previstas no art. 615º, do CPC que indica – com caráter taxativo – as causas de nulidade da sentença.

Improcedem, pois, as arguidas nulidades.


***


16. Do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa

16.1. Insurgindo-se contra o julgamento da matéria de facto, os recorrentes vieram alegar que o Tribunal da Relação ao dar como provada a matéria que consta do ponto 19, da fundamentação de facto (e que a 1ª instância havia considerado não provada), violou norma de direito probatório material, pois atribuiu a documentos particulares uma força probatória que os mesmos não têm.


Pretendem, assim, que se altere aquela decisão, mantendo-se o decidido quanto a essa matéria pela 1ª instância.

Sem razão, como veremos.

Como se sabe, salvo situações de exceção, o Supremo Tribunal de Justiça só conhece matéria de direito, sendo as decisões proferidas pela Relação no plano dos factos, em regra, irrecorríveis (arts. 662.º, n.º 4, 674º, nº 3, e 682º, do CPC).

Está, assim, vedado ao STJ conhecer de eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, apenas lhe sendo permitido sindicar a atuação da Relação quando esteja em causa a designada prova vinculada ou tarifada, ou seja, quando se esteja perante um erro de direito.

Ora, na motivação da decisão proferida quanto aquele ponto da matéria de facto, os julgadores fazem referência aos diferentes meios de prova que serviram para fundamentar a convicção do Tribunal, destacando a prova documental produzida: cartas; relatório de uma vistoria efetuada em data anterior à da propositura da ação, a mando dos réus, e, ainda, concretos depoimentos de testemunhas.


Neste contexto, não se detetando violação de norma de direito probatório material, mormente a atinente ao valor probatório de documentos particulares, é de concluir que a asserção do julgador sobre a realidade do facto probando resultou de um processo de livre formação da sua convicção, para a qual, no caso em apreço, concorreram meios de prova distintos, os quais, sujeitos à sua livre apreciação (cf. art. 607º, nº5, do CPC), escapam à sindicância deste Supremo Tribunal.


Mantém-se, pois, inalterada a decisão em causa.


***


16.2. Como já dissemos, no recurso de apelação, os ali apelados, ora recorrentes, ao abrigo do disposto no art. 636º, do CPC, requereram, a título subsidiário, a ampliação do recurso quanto à questão de saber a quem deve ser atribuída a responsabilidade pela reparação dos danos e, nesse âmbito, invocando a prova documental e testemunhal produzidas, pediram que se aditasse à decisão de facto que: “A obra de demolição do prédio referido em 2 implicava especiais cuidados pela 2ª Ré, atendendo à antiguidade do prédio referido em 1º contíguo àquele.”.

O acórdão recorrido, porém, não acolheu a pretensão dos réus, ali apelados, por entender que se tratava de matéria não alegada nos articulados.

Na revista, os réus defendem que, sendo aquela matéria uma consequência de outros factos por si alegados, deve considerar-se adquirida para o processo; assim não se entendendo, pretende que se ordene a ampliação da matéria de facto, quanto a esse ponto, baixando o processo à Relação, para o efeito; ou, se assim não for entendido, assumindo este Supremo a decisão sobre esta questão, uma vez que o processo fornece já os meios de prova requeridos.

Ora bem.

Como os próprios recorrentes reconhecem, a matéria em causa configura uma mera ilação ou consequência que eventualmente se pode vir a extrair, em função dos factos concretos alegados e dados como provados.

Sendo assim, como é, afigura-se-nos inquestionável a sua natureza conclusiva, o que, naturalmente, obsta à sua inserção no elenco factual.

Improcede, pois, a sua alegação.


17. Da prescrição

Nesta ação, os ora recorrentes invocaram a prescrição do direito alegado pelos autores.

Na 1ª instância, julgou-se procedente aquela exceção perentória, com fundamento em que o prazo da prescrição se iniciou na data em que os autores tiveram conhecimento do direito que lhes assistia, e que situou em momento anterior a 28.12.2010, pelo que, à data da citação (31.12.2013) já tinha decorrido o prazo prescricional de três anos, fixado no art. 498º, nº1, do CC.

O Tribunal da Relação, porém, na sequência da alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto impugnada, afastou a prescrição, por entender que tinha havido reconhecimento do direito dos AA., por aqueles contra quem o direito pode ser exercido.

Na revista, vieram, agora, os recorrentes impugnar essa decisão.

Vejamos, então.

À prescrição estão sujeitos todos e quaisquer direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos dela (art. 298º, n.º 1, do Cód. Civil) e, uma vez completado o prazo prescricional, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer forma, ao exercício do direito prescrito (art. 304º, n.º 1, do Cód. Civil), desse modo, bloqueando a pretensão do credor (art. 576º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil).


No caso em discussão, situamo-nos no domínio da responsabilidade civil extracontratual, cujo regime jurídico consta, no essencial, dos arts. 483º e segs., do Código Civil.


De harmonia com o disposto no artº 498º, nº 1, do Código Civil “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.”


O prazo de prescrição está, assim, sujeito a um prazo curto: o legislador fixou um prazo de três anos, a contar do momento em que o lesado teve conhecimento do direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu.[9]

Quando determina que o prazo de prescrição se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito quer o preceito em causa significar que o início da contagem do prazo especial de três anos não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, supondo apenas que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, saiba que o ato foi praticado ou omitido por alguém - saiba ou não do seu carácter ilícito - e dessa prática ou omissão resultaram para si danos. [10] [11]

De igual forma, com a intenção de aproximar a data da apreciação da matéria em juízo do momento em que os factos ocorreram, a lei tornou o início do prazo independente do conhecimento da extensão integral dos danos, bem como da pessoa do responsável.

O dies a quo do prazo prescricional de três anos, previsto no art.º. 498º, nº1, do CC, coincide, portanto, com o conhecimento por parte do lesado da ocorrência de um facto danoso, isto é, do facto ilícito e culposo que tem a suscetibilidade de produzir danos na sua esfera jurídica, ainda que a extensão dos danos não seja completamente determinável.

Não obstante, tal como como salienta o Prof. Antunes Varela, reportando-se ao art. 498.º, do CC, «a solução estabelecida não impede que, mesmo depois de decorrido o prazo de três anos e enquanto a prescrição ordinária não se tiver consumado, o lesado requeira a indemnização correspondente a qualquer novo dano[12] de que só tenha tido conhecimento dentro dos três anos anteriores».[13]

Dito isto, retornemos ao caso dos autos.

Como justificadamente se considerou no acórdão recorrido, “tendo ficado provado que o início das obras ocorreu entre novembro e dezembro de 2009, que a demolição durou 2/3 meses e que em agosto o prédio já tinha paredes e tetos, é de concluir que os danos indicados na carta de 28/12/2010 já se teriam consolidado antes desta data e que os autores já tinham interiorizado o direito à reparação”.

Foi, portanto, em data anterior a 28.12.2010 que se iniciou a contagem do prazo de prescrição previsto no nº 1 do art. 498º do Cód. Civil.

Como se sabe, o prazo prescricional corre de forma contínua, a não ser que ocorram causas de suspensão ou de interrupção que suspendam o decurso do tempo ou apaguem o tempo já decorrido.

A interrupção da prescrição verifica-se quando ocorre um facto, promovido pelo titular do direito, v. g. através de uma ato judicial evidenciador de querer agir por forma a reclamar o direito de que se arroga, ou aceite pelo devedor , v. g. reconhecimento da situação ou do facto a quem a prescrição pode prejudicar (arts. 323º e ss. do Cód. Civil).

Ora, no caso em apreço, os réus reconheceram (pelo menos, em 28/10/11) a existência dos danos aqui em causa (sendo de notar que os danos que ficaram provados nos pontos 6 e 7 não divergem, no essencial, dos que os RR. se comprometeram a reparar) e assumiram o compromisso de realizar as obras tendentes à sua reparação, ainda que não o tenham feito (cf., v.g., a matéria constante do ponto 19 dos factos provados, aditada pela Relação, no âmbito da reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto).

Sendo assim, fica - tal como se decidiu no acórdão recorrido -, definitivamente afastada a prescrição (cf. art. 325º, do Cód. Civil).


***


18. Da responsabilidade dos 1ºs réus pela obrigação de indemnizar os autores pelos danos sofridos

Os 1ºs réus insurgem-se contra a sua condenação em indemnizar os autores pelos danos sofridos, sustentando, em síntese, que, tendo celebrado com a 2ª ré um contrato de empreitada tendo como objeto a realização da obra, a obrigação de indemnizar deve recair, exclusivamente, sobre a empreiteira, já que os mesmos são consequência direta e necessária do comportamento culposo daquela.

Vejamos.

AA. e RR. são proprietários de prédios contíguos, tendo o prédio dos AA. sofrido os danos que constam dos pontos 6 e 7 dos factos provados, como consequência direta e necessária de obras de demolição realizadas no prédio dos RR.

Os proprietários de qualquer dos edifícios confinantes gozam dos poderes gerais que a lei lhes confere, entre os quais se inclui o de demolição e de reconstrução, devendo, contudo, respeitar os limites da lei e observar as restrições por ela imposta (art. 1305º, do CC).

Nestas condições, como se escreveu no ac. do STJ de 29-03-20, proc. 6150-06.2TBALM.L1.S1, www.dgsi.pt. “a situação de vizinhança e mais ainda a existência de construções confinantes implica algumas limitações ao exercício do direito de propriedade, como bem o evidenciam designadamente as normas dos arts. 1346º, 1348º ou 1350º do CC.”.

Ora, o art. 1348º, do Cód. Civil, depois de reconhecer ao proprietário a faculdade de fazer escavações no seu prédio, prevê que os donos dos prédios vizinhos sejam indemnizados pelo autor dessas obras, logo que com elas venham a padecer danos, e mesmo que tenham sido tomadas as precauções julgadas necessárias.

Este normativo consagra a figura da responsabilidade civil por facto lícito, vinculando ao ressarcimento dos danos causados quem os provocou no exercício de uma atividade, não culposa, consentida pela ordem jurídica.

Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. III, pág. 183, em comentário àquele artigo escrevem:

“A doutrina do nº2 é semelhante à do nº3 do artigo anterior.

Mesmo que tenham sido tomadas as precauções consideradas necessárias para evitar os danos, o autor da obra é responsável pelo prejuízo que vier a causar.

Também neste caso se não exige culpa do responsável.

É mais uma das numerosas hipóteses típicas de ato lícito que obriga o agente a reparar os danos causado.”

A lei tutela, assim, o interesse do proprietário no exercício da livre fruição do seu prédio, tirando proveito de certos atos, mas, por razões de justiça, não permite que o dono do prédio vizinho, com iguais direitos de gozo no plano legal, veja estes direitos sacrificados sem compensação.[14]

No caso que apreciamos, sendo os 1ºs RR. os proprietários do prédio que foi alvo de  obras de demolição, em seu próprio proveito, são os autores delas para os fins previstos no n.º 2 do art. 1348º, do Cód. Civil.[15]

São, pois, indiscutivelmente, sujeitos da obrigação de indemnizar os proprietários do prédio contíguo, ora recorridos.

A responsabilidade dos 1ºs réus pelos danos causados poderia ainda ser alcançada por outra via.

Na verdade, em caso de demolição de um dos prédios confinantes, recai sobre o respetivo proprietário o dever de tomar as precauções necessárias para que, em consequência dessa obra, não ocorram danos no edifício subsistente.

É que, como afirma Menezes Cordeiro[16], “um edifício contíguo a outro traz-lhe desvantagens, mas, também, alguns benefícios. Destes avulta uma proteção, seja pela maior estabilidade do conjunto, seja por deixar a parede sobreposta ao abrigo do tempo.”.

Desta forma, o proprietário que mandar demolir o seu prédio, causando, com isso, danos a outrem, responde nos termos do art. 492º, nº1, do CC, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos.

Efetivamente, como também explica aquele Ilustre Professor, “a norma que penaliza os efeitos da ruína de construção por vício ou defeito de conservação atinge, por maioria de razão, a demolição propositada sem precauções.”[17]

Por conseguinte, seguindo esta construção normativa, e não tendo os réus afastado a presunção de culpa que sobre si recai, não se vislumbra como exonerá-los do dever de indemnizar os AA. pelos danos sofridos, em consequência da demolição.



***


Por outro lado, a responsabilidade dos réus, enquanto donos do prédio onde as obras foram executadas, não fica, ao contrário que os recorrentes pretendem, afastada pelo facto de a empreiteira, a ora 2ª ré, dever - igualmente - responder pelos danos causados.

Com efeito:

Ainda que a factualidade provada não permita, sem mais, integrar a previsão do nº2, do art. 493º, do CC (concretamente que os danos foram causados no exercício de uma atividade perigosa[18]), é inquestionável que a empreiteira, a 2ª Ré, é responsável pelos danos causados a terceiros com fundamento na responsabilidade civil extracontratual, pois que, sabendo que ia proceder à demolição de um edifício confinante, cuja construção remonta há mais de 50 anos, deveria ter antecipado/ponderado as consequências da obra a realizar e adotado as medidas exigíveis pelas leges artis a fim de evitar a ocorrência de danos para terceiros, o que não logrou fazer.

Todavia, a responsabilidade do dono da obra – de natureza também extracontratual – radica na obrigação posta a seu cargo pelas obras, causadoras dos danos.

Por outras palavras: o dono da obra, como titular do direito de propriedade da coisa, é aquele que beneficia da empreitada e, portanto, deve arcar com as consequências danosas para terceiros que essa atividade tenha originado (cf., neste sentido, o ac. deste STJ de 13.04.2010, disponível in www.dgsi.pt).

Concluímos, pois, que, no caso em apreço, os 1ºs réus e a 2ª ré respondem solidariamente perante os AA. pela satisfação da obrigação de indemnizar (art. 497º, do CC).

Improcedem, pois, as suas alegações.

19. Da peticionada anulação da decisão recorrida, na parte em que se condenou a seguradora a indemnizar os autores  

Na revista por si interposta, sustenta a FF - Companhia de Seguros, S.A. que a fundamentação de facto é completamente omissa quanto à existência do contrato de seguro celebrado com a 2ª ré, bem como quanto à matéria alegada nos articulados da ação, no que respeita às cláusulas de exclusão do sinistro e ao cumprimento do dever de comunicação/informação pela seguradora.

Mais alegou que, não obstante tais omissões no plano dos factos, o acórdão recorrido, com base em factualidade que não foi sequer discutida na ação, condenou a ora recorrente a indemnizar os autores pelos danos sofridos. 

Tem, efetivamente, razão.

Sendo, assim, ao abrigo do art. 682º, nº3, do CPC, deve anular-se o acórdão recorrido, no tocante ao segmento decisório aqui impugnado, a fim de ser ampliada a matéria de facto, nos termos requeridos.


***


IV – Decisão

20. Nestes termos, acorda-se em:

a) - Confirmar o acórdão recorrido, na parte em que condenou os 1ºs réus e a 2ª ré a reparar/indemnizar os autores pelos danos sofridos (ponto 1, do dispositivo);

b) – Anular o acórdão recorrido, na parte em que condenou a seguradora a indemnizar os autores, devendo ser ampliada a matéria de facto, nos termos acima referidos.

As custas da revista interposta pelos 1ºs réus serão suportadas pelos recorrentes.

As custas da revista interposta pela recorrente/seguradora serão suportadas pela parte que decair a final.


Lisboa, 23.5.2019


Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado (Relator)

Hélder Almeida

Oliveira Abreu

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[1] Ponto aditado pela Relação, em sede de reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
[2] No acórdão recorrido, por lapso manifesto que agora se corrige, tinha-se escrito “28.10.2010”.
[3] Ponto aditado pela Relação, em sede de reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
[4] Ponto aditado pela Relação, em sede de reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
[5] Eliminado pela Relação.
[6] Eliminado pela Relação.
[7] Eliminado pela Relação.
[8] Eliminado pela Relação.
[9] Resolveu-se, assim, uma questão (à data) controvertida na doutrina e na jurisprudência, que era a de saber se o início da contagem do prazo estava ou não dependente do conhecimento da extensão integral dos danos – cf., sobre esta problemática, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 3ª edição, pág.520 e ss..
[10] Cf. Antunes Varela, ob. cit., pág. 621.
[11] Como ensinava Vaz Serra, in BMJ 106-23, a prescrição começa em regra logo que nasce a pretensão acionável, ou, nas palavras de Manuel Andrade, face ao Código Civil de 1867, é aplicável "a quaisquer direitos subjetivos, justificando-se pela negligência do titular do direito em exercitá-lo no período indicado na lei – cf. Teoria Geral, Vol. II – 446.
[12] Ou seja: um dano que não se traduza em mero agravamento quantitativo ou qualitativo de danos anteriores, iniciais.
[13] Das Obrigações em Geral, volume I, 6.ª edição, página 598.
[14] Como se escreveu no ac. do STJ de 7.7.2010, www.dgsi.pt
[15] Como vem sendo como jurisprudencialmente decidido, (veja-se, por ex. os Acórdãos do STJ de 7.7.2010 e de 25.3.2010, disponíveis em www.dgsi.pt), a expressão  «seu autor» a que se refere o nº2 do art. 1348º do CC significa o proprietário do prédio em que as obras foram feitas.
[16] Da Boa Fé no Direito Civil, Almedina, 1984, pág. 831.
[17] Ob. cit., pág. 836.
[18] Sobre a densificação do conceito, entre muitos, cf. o ac. do STJ de 17-05-2017, proferido na  revista nº 1506/11.1TBOAZ.P1.S1.