Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
059618
Nº Convencional: JSTJ00002649
Relator: FRAGOSO DE ALMEIDA
Descritores: LICENÇA DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL E INDUSTRIAL
CONCESSIONÁRIO MINEIRO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ196404070596182
Data do Acordão: 04/07/1964
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DG IªS 01-05-1964 ; BMJ 136, 189
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 1/1964
Área Temática: DIR TRIB - DIR FISC.
Legislação Nacional: DL 18713 DE 1930/07/11 ARTIGO 6 PAR1 ARTIGO 44 ARTIGO 101 ARTIGO 104 PAR2 ARTIGO 105.
DL 31884 DE 1942/02/14 ARTIGO 4 PAR2 PAR5 ARTIGO 5.
CADM40 ARTIGO 710.
CONST33 ARTIGO 70.
CPC61 ARTIGO 763 N3 ARTIGO 766 N3.
DL 42205 DE 1959/04/07.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RP PROC59618 DE 1960/11/30.
Sumário :
Os concessionarios mineiros não estão sujeitos a licença de estabelecimento comercial ou industrial por actividades especificas ou acessorias do trabalho mineiro.
Decisão Texto Integral:
Em Tribunal Pleno, acordam os do Supremo Tribunal de Justiça:

"A, Limitada", concessionaria do "B" sito na area do concelho de Castelo de Paiva, e com sede social no Porto, foi tributada pela excelentissima Camara Municipal dessa cidade, como contribuinte do imposto directo de "licença de estabelecimento comercial ou industrial" nos termos do artigo 710 do Codigo Administrativo.
E isso, por duas ordens de razões: a) Porque com aquela sede, assim centralizou na circunscrição municipal do concelho do Porto toda a sua actividade comercial; b) Porque na mesma circunscrição labora a industria de aglomerados de carvão, fabricando "briquetes".
Reclamou contenciosamente da incidencia do imposto, mas sem exito.
Recorrendo para o respectivo magistrado judicial, não foi mais feliz.
E voltando a recorrer para a Relação do Distrito, tambem não alcançou provimento ao recurso.
Um outro interpõe então do acordão desse Tribunal, para este Supremo Tribunal de Justiça, mas a funcionar em Pleno, para solucionar o conflito entre essa decisão e a da mesma Relação no seu acordão de 30 de Novembro de 1960.
Documenta, por certificados de teor, as duas decisões em oposição, e a de 1960 reportada ao seu transito em julgado.
Confina então a divergencia no seguinte:
O exercicio daquela sua lavra mineira, com cujos carvões fabrica "briquetes" em estabelecimento fora da area da respectiva concessão, sujeita-a apenas a incidencia do "imposto de minas", nos termos dos Decretos-Lei ns. 18713, de 11 de Julho de 1930, e 31884, de 14 de Fevereiro de 1942, ou ainda aquele outro imposto municipal?
O acordão recorrido adoptou a segunda orientação, enquanto o de Novembro de 1960 seguiu a primeira.
Em seu acordão preliminar de folhas 33 e 34, veio a respectiva Secção deste Supremo Tribunal a decidir em conferencia que, por verificação, afinal, dos pressupostos exigidos pelo artigo 763 n. 3 do Codigo de Processo Civil, havia que prosseguir nos ulteriores termos do recurso.
E tal decisão ate foi atingida sem qualquer previa contrariedade da recorrida.
As partes ofereceram as suas alegações:
A recorrente, pugnando pela revogação do acordão recorrido, pois que: a) O fabrico de briquetes fora da area da sua concessão, constitui, mesmo assim, acessorio da exploração mineira respectiva, pelo que todo o regime fiscal extensivo simultaneamente a uma e outra dessas actividades tem o condicionalismo marcadamente especial dos mencionados decretos-lei; b) Tão especial, que sobre as concessões mineiras, minerios e produtos do seu tratamento acessorio, não incidira nenhum imposto alem dos consignados na lei.
Ora o imposto de licença de estabelecimento comercial ou industrial, não figura nessa consignação. A aceitar-se um seu respectivo lançamento, surge verdadeira duplicação de imposto, o que a ordem juridico-fiscal não sanciona.
Por sua banda, sustenta a recorrida:
O imposto em causa, tem a amplitude que o artigo 710 do Codigo Administrativo lhe marca. E so não e devido perante isenção expressamente marcada na lei.
Ora as empresas concessionarias-mineiras so beneficiam da isenção do referido imposto, nos concelhos da area da sua exploração (artigo 4 do Decreto-Lei n. 31884).
De resto, a centralização, pela recorrente, e na cidade do Porto, de toda a sua actividade - pois tem ai a sua sede social - legitima ate, e so por si, a exigencia do imposto em discussão.
No seu douto parecer de folhas 54 e seguintes desenvolve o excelentissimo magistrado do Ministerio Publico junto do Supremo Tribunal de Justiça, conceituação fundadamente contraria ao ponto de vista da recorrida.
Com os respectivos vistos legais, chega agora o recurso a fase do seu julgamento.
E desse modo se passa então a conhecer do seu merito:
Como se disse, foi liminarmente acordada por este Supremo Tribunal, a sequencia da tramitação do presente recurso para o Pleno, porque a tanto o impunha a decidida ou julgada existencia de um conflito jurisprudencial na mesma Relação, e acerca do mesmo ponto de direito.
Mas porque tal conceituação ate obedeceu, e obedece legalmente, a sistema de natureza preliminar, e que nada agora impede uma mais ampla ou segura incidencia apreciativa da sua verdadeira realidade, e designadamente quanto a decretada oposição de julgados (Codigo de Processo Civil, artigo 766 n. 3).
A verdade, porem, e que nada legitima qualquer alteração ao julgado preliminar.
E o que dele sobressai a todas as luzes, e esta inconfundivel realidade:
Com o acordão recorrido, a Relação do Porto, situa-se em posição salientemente oposta, e sobre a mesma questão fundamental de direito, a que assumiu no seu acordão de 30 de Novembro de 1960 (folhas 2 e 25).
Aqui, decidindo que a recorrente, tributada pelo imposto de minas, não tem que satisfazer a recorrida o pagamento do imposto municipal de "licença de estabelecimento comercial ou industrial".
Alem, responsabilizando-a por tal pagamento. E tudo no dominio da mesma legislação e não passivel de recurso ordinario. Flagrante assim, o antagonismo de julgados, importa realmente uniformizar jurisprudencia sobre a questão.
E então, proferindo-se assento doutrinal.
Vejamos pois:
Com as decisões referenciadas, equacionou-se materia de impostos.
Ora sobre ela, e de verdadeira directriz, e não so ao legislador como ate mesmo ao interprete, a regra fundamental consignada no artigo 70 da Constituição Politica:
"A lei fixa os principios gerais relativos a impostos, e determinara a respectiva incidencia, taxa e isenção".
Querera dessa maneira significar-se, ou impor-se constitucionalmente o criterio de que, em tal materia, nem licito e invocar-se, sequer, o principio de legalidade a base de uma interpretação ampliativa.
De resto e bem sabido que, em direito fiscal, impera o comando do principio restritivo da influencia da norma respectiva.
Ora a recorrente, concessionaria mineira -, e ate de um "couto mineiro" (artigo 44 do Decreto n. 18713) - na area do concelho de Castelo de Paiva, encontra-se submetida, para efeitos fiscais, ao regime especial da incidencia de um imposto denominado "imposto de minas" ( citados decretos).
Não se trata, assim, de qualquer imposto.
E um imposto de natureza especial.
E tão especial, que, consoante o relatorio do Decreto n. 18713, so ha que responsabilizar as concessões mineiras por duas classes de impostos:
Um fixo, e outro proporcional.
Aquele, puramente estadual. Este, em misto de estadual; municipal e paroquial (artigos 101 e 104).
Mas, afinal, sempre imposto de minas, incompativel com a incidencia de qualquer outro.
Dita-o expressamente aquele Decreto n. 18713 no seu artigo 105, e proclama-o a materia do artigo 4, paragrafos 2 e 5, do Decreto-Lei n. 31884 ja referido - e ao adiante se vera em que regime de subordinação este ultimo diploma o tera feito.
O certo e que tal imposto não alcança tão-somente a lavra propriamente dita, e respeitante a concessionaria.
Alcança, - (e se assim podera afirmar-se) - para um seu englobamento, as actividades que, por expressa fixação ou determinação legal, se consideram acessorio da lavra.
Reza então o artigo 6 daquele primeiro decreto (com a redacção dada pelo Decreto-Lei n. 42205, de 7 de Abril de 1959 - e assim posterior ao Decreto-Lei n. 31884):
"São considerados como acessorios dos trabalhos de mineração ou mineiros as seguintes instalações ou oficinas estabelecidas pelos concessionarios para serviço das minas e sua coordenação, bem como para tratamento, transformação, manutenção e transporte das substancias delas extraidas, quer estejam situadas dentro quer fora das areas concedidas: a) .........; b) ..........; c) As instalações de lavagem e de aglomeração de carvões; d) ..........; j) Edificios destinados a escritorios.
E certo que pelo paragrafo 1 do preceito, tais escritorios, estão sujeitos a prescrição de uma determinada localização.
Mas a inobservancia desta, em nada tem que influir, como realmente não influi, na questão da incidencia fiscal respectiva.
Servira a um outro procedimento.
Ha assim um alargamento da proibição de cobrança de imposto diferente do de "minas", a "acessorio" em funcionamento para alem da area da concessão.
Ora, como ja se acentuou, os "escritorios" tambem integram ou configuram aquele acessorio.
Dai que a sua existencia, ainda mesmo que fora da area da concessão, os não desligue, para os efeitos fiscais em causa, da respectiva actividade mineira.
E ao problema não interessa que, com eles, se ostente a mais perfeita centralização da total desenvoltura economica e juridica dos concessionarios.
Ao fisco so então interessa aquela actividade, quer seja desenvolvida na sua respectiva forma especifica, quer o seja de maneira "acessoria".
E de igual forma, dela não pode desligar-se qualquer instalação de "aglomeração de carvões", pois ate a completam.
No caso vertente, e o fabrico de "briquetes" que enquadra tal aglomeração.
Quer porem a recorrida que tais escritorios e estabelecimento da recorrente, precisamente porque se situam fora daquela area, não sejam, em ultima analise, considerados "acessorios", e por isso mesmo, sem força legal a tolherem-lhe a cobrança do imposto municipal amplamente definido em todas as suas bases naquele artigo 710.
E entende-o assim, porque o regime do mencionado Decreto -
- Lei n. 31884, e expressivo na limitação dessa cobrança, que então proibe, para os concelhos onde as concessões mineiras se encontram situadas.
Para os demais, não ha proibição alguma.
E o que resulta da materia contida pelo seu artigo 4.
Quer dizer:
Com tal entendimento, o sistema legal do artigo 105 do Decreto-Lei n. 18713, deixou de ter qualquer relevancia:
Caducou, pura e simplesmente.
Ha-de porem afirmar-se para ja, que o criterio estara moldado em bases nada profundas.

Informa-lo-a, mesmo, conceituação niveladora, afinal, do sistema de uma inadmissivel ampliação em materia de direito fiscal, quando, como vimos, ele não tem protecção da nossa lei fundamental.
Não ha duvidas - e o seu sucinto relatorio o informa expressamente - de que com aquele Decreto-Lei n. 31884, se visou modificar a legislação reguladora do imposto de minas.
Tal modificação porem, não alcançou - e nem o poderia fazer, - a estrutura fundamental desse imposto:
A de que na sua especialidade, reside o expresso principio legal (citado Decreto-Lei n. 18713) de que na concretização da sua respectiva base de incidencia não podem entrar encargos fiscais diferentes daquelas duas classes de imposto fixo e proporcional.
E tanto o não alcançou, que o paragrafo 2 do referido artigo 4, la mantem em vigor a "legislação de minas".
Subsistindo assim, como realmente subsiste, tão fundamental principio, importa não o esquecer, para então nele moldar tambem a melhor esfera de influencia daquele diploma de 1942 (Decreto-Lei n. 31884).
De mais a mais quando pela reforma de 1959 (Decreto-Lei n. 42205), se equaciona em maximo relevo a existencia do "acessorio" fora da area concedida a lavra mineira.
E equaciona-se tambem para efeitos fiscais.
Ora se tal acessorio integra assim base de incidencia do imposto de minas desdobrado naquelas suas duas unicas classes, manifestamente que, não podendo, como não pode, desligar-se dela, não ha que procurar-lhe vida juridica autonoma causal então de outra idealizada incidencia fiscal inteiramente diferente da essencialidade daquela outra.
O "acessorio" concorre, no imposto de minas, a formação da base de incidencia desse especial imposto. Não pode ver-se destacado dela.
Vive a sua respectiva inerencia.
E, afinal, "imposto de minas". Ora se este não tem outras medidas quantitativa e qualitativa para alem da onerosidade daquela dupla classe de impostos, operar-se-lhe qualquer desvio ou afastamento dos seus elementos constitutivos ou integradores, ou mesmo qualquer deles, - (e no caso vertente, o acessorio), - para desse modo surgir nova base de incidencia, e, sem duvida, suscitar "ampliação" que a lei fiscal não cobre.
Proibe-o mesmo a lei fundamental portuguesa.
Ora a recorrida, tão-so porque o normativo daquele artigo 4 restringe, em medida territorial, um efeito fiscal la prevenido, utiliza-se da restrição para, no isolamento daquele principio estrutural da incidencia do imposto de minas, criar, a recorrente, mas em seu beneficio, um encargo fiscal que se não contem em tal estrutura.
Mas essa criação não pode consistir na sua propria vontade.
Tem de filiar-se sempre na vontade expressa da lei respectiva.
E esta não existe com tal projecção de efeito ou finalidade.
Quer dizer:
Da restrição, faz-se nascer, e sem base alguma, aquela ampliação.
Repete-se:
Não ha base de direito que o legitime.
E a ideia sera tão desconforme quanto e certo poder alimentar situações bem mais que dispares:
Ao imposto de minas na area da concessão, não e possivel juntar-se qualquer encargo de imposto diferente.
Mas se dele se destacar o elemento estrutural seu "acessorio" e então fora dessa area, ja seria de aceitar essa mesma onerabilidade.
Melhor:
O todo não tem que suporta-la.
Mas a parte, ja tem que aceita-la.
Ora ha-de afirmar-se que adentro ate de um melhor principio de generica acessoriedade, o conceito não tem bases de aceitação.
Não pode ser.
A recorrida porem, porque atraves de um seu criterio de interpretação literal daquele artigo 4 anteviu não poder comungar na distribuição de qualquer quantum da classe do imposto proporcional, - (artigo 104 e paragrafo 2 do Decreto-Lei n. 18713, e 5 do Decreto-Lei n. 31884) -
- idealizou talvez ressarcir-se.
So que a efectivação do ressarcimento atraves do sistema fiscal, se exigira expressa.
E o citado decreto não a pode servir.
E então, bem menos a possibilita o generico principio contido no artigo 710 do citado Codigo Administrativo, que, por isso mesmo não alcança aquela especialidade da legislação mineira.
Para a atingir, faltam-lhe, como lei geral, conhecidos pressupostos de direito.
E assim menos rigoroso o criterio levado a decisão recorrida.
Por tudo se acorda na sua revogação, formulando-se o assento seguinte:
"Os concessionarios mineiros não estão sujeitos a licença de estabelecimento comercial ou industrial por actividades especificas ou acessorias do trabalho mineiro".
Sem custas.


Lisboa, 7 de Abril de 1964

Fragoso de Almeida (Relator) - Albuquerque Rocha - Lopes Cardoso - Fernando Toscano Pessoa - Barbosa Viana -
- Gonçalves Pereira - Cura Mariano - Alberto Toscano -
- Jose Meneses - Simões de Carvalho - Lucena e Vasconcelos - João Caldeira - Torres Paulo - Tovar de Lemos.