Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A3304
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FARIA ANTUNES
Descritores: CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO
INDEMNIZAÇAO DE CLIENTELA
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
PACTO ATRIBUTIVO DE JURISDIÇÃO
REGULAMENTO (CE) 44/2001
Nº do Documento: SJ200611140033041
Data do Acordão: 11/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : I - Tendo as partes inserido no contrato de distribuição comercial uma cláusula em que "elegem o tribunal de Milão como único competente para dirimir qualquer disputa emergente da interpretação ou aplicação deste contrato, com expressa renúncia a qualquer outro" deverá concluir-se que pretenderam submeter ao Tribunal de Milão, não apenas as questões atinentes à "dinâmica do contrato" durante a vigência deste, mas também os litígios nascidos após a cessação do contrato mas com ele relacionados.

II - Assim, essa cláusula é aplicável na acção em que é deduzido pedido de indemnização de clientela, fundado na falta de pré-aviso da denúncia do contrato, na clientela e na obrigação de não concorrência após a cessação do contrato.

III - Não encerrando o art. 38.º do DL n.º 178/86, de 03-07 (que regulamenta o contrato de agência ou representação comercial) qualquer norma de competência judiciária, não é aplicável o art. 67.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, do Conselho, de 22-12-2000.

IV - A determinação do tribunal internacionalmente competente para dirimir o litígio faz-se com recurso ao disposto no art. 23.º, n.º 1, al. a), do sobredito Regulamento, do qual resulta ser exclusiva a competência internacional do Tribunal de Milão, para conhecer da presente demanda, por ser aplicável o pacto de jurisdição vazado na cláusula contratual referida em I. *

* Sumário elaborado pelo Relator.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Na acção ordinária que contra ela moveu Empresa-A – versando um contrato de exclusivo da distribuição de bebidas em Portugal, firmado em Itália, de produtos fabricados e entregues neste país, e donde consta cláusula de foro reservando para o tribunal de instância de Milão conhecer dos feitos ancorados em litígio emergente daquela troca de vontades entre as partes, que do mesmo modo se regeria pela Lei Italiana, por escolha dos contratantes – recorreu a ré Empresa-B para a Relação de Lisboa do despacho saneador que julgou improcedente a excepção de incompetência internacional dos Tribunais Portugueses.
Tendo a Relação de Lisboa considerado o Tribunal Judicial da Comarca de Rio Maior internacionalmente incompetente, e absolvido a ré da instância, recorre agora a autora de agravo, concluindo:
1º- Subordinando as partes a um pacto de aforamento os litígios que ocorressem enquanto o contrato estivesse aberto, ou seja os decorrentes da sua interpretação ou execução, quiseram subtrair ao pacto de atribuição de competência as questões externas à dinâmica do mesmo;
2º- As obrigações que servem de base ao pedido principal escapam à execução do contrato;
3º- Sendo as obrigações que servem de fundamento ao pedido obrigações pecuniárias, cujo lugar de cumprimento pode ser o domicilio do credor, é inaplicável ao caso o pacto de atribuição de competência ao tribunal de Milão;
4º- Relevando o artigo 38º do DL 178/86, de 31/04, também no plano da competência internacional, e não apenas ao nível do direito de conflitos;
5º- Consagrando esse artigo o principio do "melhor tratamento" em favor do distribuidor comercial, só será aplicável legislação diversa da portuguesa se a mesma se revelar mais vantajosa para o agente, havendo que provar que a jurisdição estrangeira, apurada em termos gerais, irá aplicar um direito que obedece àquele requisito;
6º- Tal matéria é assim de exclusiva competência dos tribunais portugueses;
7º- Não se provando que o direito italiano irá aplicar o principio "do melhor tratamento", e não se considerando, nos termos do artº 67º do Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000, prejudicada a aplicação daquela disposição nacional, será nulo o pacto de atribuição de jurisdição ao Tribunal de Milão;
8º- O acórdão recorrido ao decidir pela incompetência do Tribunal de Rio Maior violou os artºs 774º do CC, 65º, nº 1, als. b) e d) do CPC, 38º do DL nº 178/86, de 3/7 e 99º, nº 3 do CPC,
Devendo ser revogado, substituindo-se por outro que considere internacionalmente competente o Tribunal Judicial da Comarca de Rio Maior.
Contra-alegou a ré, pugnando pela manutenção do decidido.
Com os vistos legais, cabe decidir.
Vem dado como provado o seguinte:
A A. instaurou acção declarativa alegando que mantinha com a R. um contrato de distribuição exclusiva de determinados produtos, contrato a que esta pôs termo de forma unilateral e por via dessa denúncia do contrato de concessão comercial reclamou, ela A., uma indemnização de clientela;
Determina a cláusula XVI do contrato celebrado entre a A. e a R. que o tribunal de Milão é o único competente para conhecer dos litígios decorrentes da interpretação ou execução desse contrato.
No saneador considerou-se competente o Tribunal de Rio Maior com fundamento em que as obrigações que servem de base ao pedido principal escapam á execução do contrato e em que as obrigações pecuniárias, face à lei portuguesa, têm o lugar de cumprimento no domicílio do credor (artº 774º CC), recaindo portanto a competência no tribunal de Rio Maior, onde a A. tem sede segundo a Convenção de Haia - DL 101/79, 18/9, artºs 5º, 6º e 8º.
Citou o ac. STJ, de 99.01.26, defendendo que ao artº 5º do Regulamento (CE) 44/2001, do Conselho, deve ser dada a interpretação que foi consignada ao artº 5º da Convenção de Bruxelas, por ele substituída: as competências [aí] referidas são electivas, ou optativas ou facultativas, pelo que o A. sempre poderá optar por propor a acção no tribunal do domicílio do R., a não ser que esteja em causa matéria onde isso é vedado, como sucede com as matérias exclusivas referidas no art. 16º... mas, tendo em conta que o regime regra é o do domicilio do R. (artº 2) há que atender às derrogações a esse regime e, uma delas, é a que vem enunciada no dito art. 5º ... o requerido com domicílio no território de um Estado Contratante pode ser demandado num outro Estado contratante. Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida.
Por seu turno, a Relação expendeu que: A extrapolação interpretativa conferindo o mesmo sentido do art. 5º da Convenção de Bruxelas ao art. 5º do Regulamento (CE) 44/2001 do Conselho não é válida, porquanto os Regulamentos CE têm aplicação imediata nas jurisdições nacionais e o Regulamento em causa excepciona no art. 23º, nº 1, a) as convenções de foro e lei aplicável; acresce que os diplomas comunitários jogam num plano distinto e não correlacionável com o plano do direito dos tratados, onde se inseria a Convenção de Bruxelas; aqui não se trata da aplicação nem sequer da Convenção de Haia mas da aplicação segundo o direito comunitário do Regulamento em causa; apenas poderia proceder o argumento de a extinção do contrato por denúncia ter colocado o problema indemnizatório fora do campo para que foi reservada pelas partes a intervenção do Tribunal Italiano; contudo a revogação do contrato resulta da própria economia do negócio celebrado entre A. e R. (autorizada segundo o tempo do pré-aviso, por simples declaração do industrial, mas ressalvado o valor da clientela efectivamente gerada), pelo que a indemnização decorrente da denúncia ancora ainda na regulamentação contratual, ou pelo menos, no ambiente do negócio; foi, por isso convocada à intencionalidade da cláusula comissória, enquanto se deve distinguir, por um lado, a ficção jurídica da retroactividade da denúncia, e por outro a concretude da indemnização pedida; decorre da vida do contrato, é um efeito, esse da clientela, que justamente por ser indemnizável não é destruído ab initio, podendo mesmo ser chamado à colação o disposto no artº 292º do CC ou a sua doutrina fundadora; não podendo ser aceite que as obrigações de fundamento do pedido principal sejam obrigações que escapam à execução do contrato, sendo por isso mesmo, que, nos termos do artº 23º, nº 1, a) do Regulamento (CE) 44/2001, do Conselho, de 22/12, é competente o Tribunal de Milão, segundo o que decorre da cláusula XVI do contrato celebrado entre A. e R .
Vejamos.
Alega a autora/agravante que a extinção (por denúncia) do contrato firmado com a ré (que lhe concedeu a distribuição do “PRODUTO” em exclusivo), colocou o presente litígio fora do âmbito de aplicação da XVI cláusula contratual. Na perspectiva da autora, o conhecimento da acção indemnizatória instaurada contra a ré está fora da jurisdição do referido tribunal transalpino.
Falece-lhe porém razão.
A cláusula é do seguinte teor (tradução de fls. 159 a 166):
«LEI APLICÁVEL
Este Contrato, feito em Itália, rege-se pelas leis da Itália, incluindo em todas as matérias não especificamente previstas no mesmo. Mais ainda, as partes acordam que apenas o texto escrito em língua italiana é válido.
As partes elegem o tribunal de Milão como único competente para dirimir qualquer disputa emergente da interpretação ou aplicação deste Contrato, com expressa renúncia a qualquer outro».
Em reforço dessa cláusula transcrita, declaram as partes no final do contrato de distribuição em exclusivo (fls. 166) que acordaram mutuamente com a derrogação da jurisdição das Autoridades do Território e a eleição do tribunal de Milão.
Com as expressões constantes da cláusula XVI não pretenderam submeter ao Tribunal de Milão apenas as questões atinentes à “dinâmica do contrato” durante a vigência deste, mas também os litígios nascidos após a cessação do contrato mas com ele ainda relacionados. Doutro modo, bastaria uma das partes denunciar o contrato – no qual havia acordado o foro internacional competente para resolver qualquer disputa emergente da sua interpretação e aplicação – para se libertar do foro que livre e conscientemente havia clausulado.
A autora impetrou o ressarcimento, pela ré, com a quantia global de € 1.448.223,27 (sendo os pedidos parcelares de € 126.446,89 pela falta de pré-aviso da denúncia do contrato, € 478,797,12, pela clientela, e € 842.979,26 pela obrigação de não concorrência após a cessação do contrato) Os pedidos parcelares emergem ou resultam do contrato de distribuição comercial em exclusivo, consubstanciando efeitos produzidos em momento posterior à cessação do contrato, mas que não deixam de ser consequência directa ou indirecta do contrato denunciado, que é a fonte da qual tais pedidos brotam, sendo nítida a conexão entre tais pedidos indemnizatórios e o contrato denunciado, não tendo o litígio como causa factos exclusivamente posteriores à cessação do contrato.
Ao invés do sustentado na 1ª conclusão recursória, as partes não subordinaram ao pacto de aforamento apenas os litígios que ocorressem «enquanto o contrato estivesse aberto». Com efeito, e desde logo, ficou acordado na cláusula XII do contrato (a fls. 164) que, findo este, a autora teria de devolver à ré todos os documentos escritos, catálogos, papéis publicitários e todos e quaisquer outros papéis relacionados com a ré e entregues à autora, bem como os seus stoks de produtos, ao preço de custo à autora, calculado através do método FIFO, aí tendo também focado consignado que em caso de rescisão antecipada por incumprimento do estipulado no contrato ou das metas de vendas indicadas no Plano de Markting não haveria lugar a pagamento de compensações à autora, «quer porque o Contrato assim o estipula, independentemente das disposições em vigor, quer porque essa questão já foi levada em linha de conta aquando da estipulação dos termos e condições e das compensações aí previstas».
Por vontade livremente expressa, qualquer questão surgida depois da denúncia contratual, respeitante às matérias vertidas na cláusula XII, teria de ser dirimida no Tribunal de Milão.
E note-se que as partes não só escolheram o foro (em benefício de ambas elas, que não exclusivamente duma só…) para julgar os litígios que surgissem, como escolheram também a lei aplicável (a italiana), e isto mesmo para as matérias não especificamente previstas no contrato (clausula XVI, a fls. 165).
Até em face do princípio geral da boa fé (artºs 227º, nº 1 e 762º, nº 2 do Cód. Civil) se impõe que a denúncia unilateral, pela ré, do contrato em referência, não prejudique a escolha consensual do foro exclusivo no interesse de ambas as partes.
Acresce que a recorrente não tem razão ao invocar o disposto no artº 38º do DL 178/86, de 3/7 (que regulamenta o contrato de agência ou representação comercial), segundo o qual, aos contratos regulados por esse diploma que se desenvolvam exclusiva ou preponderantemente em território nacional só será aplicável legislação diversa da portuguesa, no que respeita ao regime de cessação, se a mesma se revelar mais vantajosa para o agente.
Esse preceito legal resolve o problema da determinação do direito substantivo aplicável pelos tribunais, mas a questão da determinação da competência internacional coloca-se a montante, precede a questão da fixação da lei aplicável, a qual se situa a jusante, pelo que carece de idoneidade para suprir os efeitos do pacto de jurisdição livre e voluntariamente estabelecido entre as partes.
Não encerrando o artº 38º do DL 178/86 qualquer norma de competência judiciária, não é aplicável o artº 67º do Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000, a que a agravante se arrima, que prescreve que tal regulamento não prejudica a aplicação das disposições que, em matérias específicas, regulam a competência judiciária, o reconhecimento e a execução das decisões, contidas nos actos comunitários ou nas leis nacionais harmonizadas nos termos desses actos.
A determinação do tribunal internacionalmente competente para dirimir o litígio faz-se com recurso ao disposto no artº 23º, nº 1, a) do sobredito Regulamento, que dispõe:
1. Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva, a menos que as partes convencionem em contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:
a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita… (sublinhado nosso).
É pois exclusiva a competência internacional do Tribunal de Milão, para conhecer da presente demanda, por ser aplicável o pacto de jurisdição vazado na cláusula XVI do contrato de distribuição em exclusivo.
A Relação interpretou bem o contrato de distribuição em regime de exclusividade e não violou as normas legais indicadas no conclusório da minuta do agravo.
Termos em que acordam em negar provimento ao agravo, condenando a agravante nas custas.

Lisboa, 14 de Novembro de 2006

Faria Antunes (Relator)

Sebastião Póvoas

Moreira Alves