Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1144/19.0T9PTM.E1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: CONCEIÇÃO GOMES
Descritores: RECLAMAÇÃO
ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
QUESTÃO RELEVANTE
Data do Acordão: 03/24/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: INDEFERIDA A ARGUIÇÃO DE NULIDADE
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - A nulidade por omissão de pronúncia ocorre quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (art. 379º, nº1, do CPP, aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, por força do art. 425º, nº4, do mesmo compêndio normativo).

II - Constando do acórdão explicitado de uma forma clara e inteligível os fundamentos pelos quais, face à matéria de facto dada como provada, não se verificam os pressupostos de ordem substantiva previstos no art. 50º do CP, concluindo que no caso, não é possível formular um juízo de prognose favorável ao arguido, no sentido de que o mesmo não voltará a praticar atividade de tráfico, mas ao invés existe uma forte probabilidade de o arguido continuar a praticar o crime, e que a suspensão da execução pena visa essencialmente prevenir a reincidência e há-de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, tal desiderato não se mostra acautelado, quer pelas das fortes exigências de prevenção geral neste tipo de crime, quer pelas exigências de prevenção especial, não se verifica omissão de pronúncia.

III - Conforme jurisprudência uniforme deste STJ, o que importa é que o tribunal conheça as questões objeto do recurso, não lhe incumbindo apreciar e rebater todos os argumentos e fundamentos ou razões em que os sujeitos processuais se apoiam para sustentar a sua pretensão.

IV - No caso subjudice, é manifesto que não se verifica a nulidade de omissão de pronúncia invocada pelo arguido, motivo pelo qual terá que ser indeferido o requerimento de arguição de nulidade.

Decisão Texto Integral:



Acordam na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça


1. RELATÓRIO

1.1. AA, devidamente identificado nos autos, notificado do acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça em 17 de janeiro de 2021 que concedeu provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e condenou o arguido AA, pela prática, na forma consumada, em autoria material, de um crime de Tráfico de Menor Gravidade, previsto e punido pelos artigos 21°, n° 1 e 25º, al. a) do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro com referência às Tabelas I-A e I-B ao mesmo anexas, na pena de 3 (três) anos de prisão efetiva, veio arguir a nulidade do mesmo, invocando as disposições conjugadas dos artigos 374.º, nº 2, 379.º nº 1, al. c) aplicável ex vi artigo 425.º, nº 4 todos do Código de Processo Penal, nos seguintes termos:

«I – INTRODUÇÃO – Objecto da reclamação

1. A presente reclamação tem por objecto o segmento do acórdão aqui em apreço, que conheceu e julgou procedente o recurso interposto pelo M.P. da decisão proferida pela 1ª Instância, e condenou o arguido, aqui requerente, pela prática, na forma consumada, em autoria material, de um crime de Tráfico de Menor Gravidade p. e p. pelo artigo 25.º do D.L. nº 15/93, de 22 de janeiro, numa pena de prisão de 3 anos de prisão efectiva.

2. Tal decisão é NULA por se mostrar inquinada dos vícios a seguir enunciados:

I – CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO

3. Resultou provados nos autos que o arguido “Viveu e trabalhou durante cerca de 3 anos em ......... no sector da ........., onde conheceu a mãe da sua filha mais velha, mas em 2016 optou por procurar emprego na região ........., fixando-se no concelho de .......... Trabalhou em ......... na hotelaria e como ......... numa ......... antes de, em 2019, ter conseguido o actual emprego no ..........” Ponto 39.

4. Ora, «in casu» na fundamentação, a decisão refere que “O dolo do arguido foi directo e intenso e o motivo da prática do crime foi o lucro, revelando-se uma actividade que se traduzia em obter dinheiro de forma fácil, sendo certo que tinha rendimentos próprios e não precisava de transacionar produto estupefaciente para assegurar a sua subsistência e da sua família (…) – sublinhado nosso,

5. Para de seguida, e na sequencia da sua motivação, afirmar a decisão «sub judice» que “Atenta a postura que o arguido assume perante os factos, à ausência de atividade laboral regular e significativa, à natureza e gravidade do ilícito e as circunstâncias em que é cometido, temos “razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes”.

6. Fica-se, assim, sem saber qual é o fundamento do acórdão «sub judice» para a revogação da decisão da 1ª instância.

7. Se é pelo facto do arguido ter rendimentos próprios para assegurar a sua subsistência traficando pela ganância do lucro? ou se trafica porque não tem actividade laboral regular e significativa?

8. Ora, a douta decisão em apreço não indica qual dos fundamentos sufraga.

9. Certo é que ambos terão consequências diferentes e relevantes para a boa decisão da causa, sobretudo ao nível da culpa que constitui o limite da pena nos termos do disposto no artigo 40.º do C.P.. «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».

10. Ademais esta fundamentação está também em contradição com a matéria provada nos autos.

11. Esta patente contradição da fundamentação resulta do texto da própria decisão e é insanável, ferindo-a, consequentemente do vicio de nulidade previsto no artigo 410.º, nº 2, al. b) do CPP, que aqui se argui para os devidos e legais efeitos.

Doutro passo,

II – DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA

12. “O art. 50.º do CP consagra um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização das finalidades da punição, logo que se verifiquem os necessários pressupostos – cf. Figueiredo Dias, DPP, págs. 344-345. Para este efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão, e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição – pág. 343.” [Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/10/2007, proc. JSTJ00007P3288, www.dgsi.pt].

13. Nesse conspecto, a decisão sub judice desconsiderou totalmente as seguintes circunstâncias:

a) Que este é o primeiro confronto do arguido com sistema de justiça,

b) Que o arguido nunca esteve privado da sua liberdade, mantendo-se em liberdade até á presente data,

c) Que os factos dados como provados nos autos remontam a Maio e Julho de 2019, ou seja, há quase 2 (dois) anos,

d) Que o crime em causa (tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25.º do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro), não integra o conceito de criminalidade altamente organizada (definido na al. m) do artigo 1.º C.P.P., por força do artigo 51.º daquele diploma legal.

e) Que o arguido não dispõe de mais nenhuma instância de recurso.

14. Estas circunstâncias não foram devidamente ponderadas, como se impunha, na douta decisão «sub judice» sobretudo tratando-se, como é o caso, de uma decisão proferida ex novo em sede de última instância de recurso.

15. Com efeito, por apelo à inerente compressão de um direito fundamental do arguido que esta decisão comporta, a saber, o direito ao recurso como parte integrante do direito de defesa, consagrado no artigo 32.º da CRP, impunha-se maior rigor na apreciação da factualidade em tempo dada como provada, mormente que se fizesse uma ponderação e apreciação de todas as circunstâncias acima referidas, como exige, aliás, o artigo 71.º do Código Penal.

16. O que a douta decisão sub judice não fez de todo.

17. Impunha-se ainda para uma correcta formulação do juízo de prognose favorável ou desfavorável, que aquando da prolação da decisão sub judice este Tribunal tivesse em seu poder informação actualizada sobre a situação sócio-familiar e laboral do arguido, assim como registo criminal.

18. Pois decorre dos autos que este é o primeiro confronto do arguido com o sistema judiciário penal, e o impacto que teve no seu espírito não pode, nem deve ser desconsiderado, o que, por via dessa omissão, sucede na douta decisão «sub judice» não obstante esse Alto Tribunal estar ciente de que o arguido não dispõe de mais nenhuma instância de recurso.

19. Também se impunha que esse tribunal, face ao supra referido circunstancialismo ponderasse na possibilidade de aplicar ao arguido a pena suspensa subordinando-a a deveres – cfr. artigo 51.º do CP – regras de conduta – artigo 52.º do CP – ou regime de prova nos termos do artigo 53.º do Código Penal.

20. O que não fez de todo, incorrendo salvo melhor opinião, em omissão de pronúncia nos termos do disposto na al. c) do nº 1 do artigo 379.º do CPP, aplicável ex vi nº 4 do artigo 425.º do mesmo diploma legal, sendo, por conseguinte, NULA.

21. Ademais, a decisão aqui em apreço também não se pronunciou sobre a resposta apresentada pelo arguido, no uso do seu direito ao contraditório, ao recurso do MP.

22. Com efeito, a decisão em apreço não emitiu qualquer pronúncia sobre essa resposta que se entende relevante para a boa decisão da causa, sendo assim evidente que não deu cumprimento ao que a lei adjectiva penal impõe em matéria de fundamentação da sentença, o que também a faz incorrer em nulidade, conforme estabelece a al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, nulidade que é de conhecimento oficioso – n.º 2 daquele artigo.

23. Se, assim doutamente se não entender, vai desde já invocada a inconstitucionalidade material do normativo que a douta decisão extrai do artigo 50.º, nºs 1 e 2 do Código Penal, quando interpretados no sentido de que o tribunal de recurso pode aplicar uma pena de prisão efectiva inferior a 5 (cinco) anos, sem previamente ponderar da possibilidade de aplicação de uma suspensão da execução da pena subordinada a regime de prova e/ou regras de conduta, por violação dos direitos e garantias de defesa constitucionalmente consagrados no artigo 32.º da CRP, mormente do direito a um processo justo e equitativo plasmado no artigo 20.º, nº 4 da CRP.

III – NULIDADE DA DECISÃO POR VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIO DA NECESSIDADE, ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE – VIOLAÇÃO DA PROIBIÇÃO DO EXCESSO

24. A douta decisão «sub judice» também incorre em violação do princípio da adequação e da proporcionalidade da pena.

25. A lei penal proclamou a necessidade, proporcionalidade e adequação como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental, e o artigo 40.º, consagra que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é a «protecção dos bens jurídicos e a integração do agente na sociedade».

26. Segundo Figueiredo Dias (Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, in Temas Básicos da Doutrina Penal, pág. 65, Coimbra Editora, 2001) o legislador de 1995 assumiu, precipitando no art. 40.º do CP, os princípios ínsitos no artigo 18.º, n.º 2, da CRP (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso).

27. Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição Anotada, pág. 392 e ss.) sob o prisma do princípio da proporcionalidade importa distinguir os requisitos da idoneidade, necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Estas três exigências são requisitos intrínsecos de toda a medida processual restritiva de direitos fundamentais e exigíveis, tanto no momento da sua previsão pelo legislador, como na sua aplicação prática. O respeito pelo princípio da idoneidade exige que as limitações dos direitos fundamentais antecipadas pela lei estejam adaptadas aos fins legítimos a que se dirigem e que as mesmas sejam adequadas à prossecução das finalidades em função da sua adequação quantitativa e qualitativa e de seu espaço de aplicação subjectivo. Significa o exposto que o juízo sobre a idoneidade não se esgota na comprovação da aptidão abstracta de uma medida determinada para conseguir determinado objectivo, nem na adequação objectiva da mesma, tendo em consideração as circunstâncias concretas, mas também requer o respeito pelo princípio da idoneidade a forma concreta e ajustada como é aplicada a medida para que não se persiga uma finalidade diferente da antecipada pela lei.

Pela aplicação do princípio da necessidade a entidade vocacionada para aplicar a medida conformada pelo mesmo princípio deve eleger, entre aquelas medidas que são igualmente aptas para o objectivo pretendido que aquela é menos prejudicial para os direitos dos cidadãos.

Por último, o uso do princípio da proporcionalidade em sentido estrito implica que se verifique se o sacrifício dos direitos individuais sujeitos à sua aplicação consagra uma relação razoável ou proporcional com a importância do objectivo que se pretende atingir.”

28. Como observou Beccaria (Dos Delitos e das Penas, tradução de José Faria e Costa, edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 1998, págs. 116 «Tudo o que é demais é, portanto, supérfluo, e por isso, tirânico.»

29. Por seu turno é jurisprudência pacifica desse Supremo Tribunal de Justiça que “A suspensão da execução da pena insere-se num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos.”

30. Revertendo ao caso dos autos constata-se que o arguido é primário, que se encontra social, familiar e laboralmente inserido, que o crime pelo qual vem condenado não se insere na categoria da criminalidade altamente organizada, pelo que a aplicação de uma pena de prisão efectiva, mostra-se manifestamente excessiva, desproporcional e desnecessária, quer às necessidades de prevenção geral, e em particular às de prevenção especial.

31. Fazendo assim inquinar a douta decisão de nulidade por violação dos aludidos princípios orientadores das decisões penais, mormente do direito a um processo justo e equitativo, e por violação do disposto no artigo 40.º, nºs 1 e 2 do Código Penal e 18.º da Constituição da Republica Portuguesa, na vertente da violação da proibição do excesso.

TERMOS EM QUE

Requer-se a V. Exas. que admitam e julguem procedente a presente reclamação, declarando nulo o douto acórdão com fundamento nas invocadas nulidades, com as legais consequências, como é de Direito e inteira Justiça».

1.2. A Exmª Procuradora-Geral Adjunta respondeu à arguição de nulidade do acórdão, formulada pelo arguido, nos seguintes termos:

«1 - O arguido AA notificado do acórdão, proferido por este Supremo Tribunal a 17/02/2021, nos presentes autos de recurso, vem arguir a nulidade do acórdão “nos termos do disposto nos artigos 374.º, nº 2, 379.º nº 1, al. c) aplicável ex vi artigo 425.º, nº 4 todos do Código de Processo Penal” e requerer que seja declarada a nulidade do mesmo.

Subsidiariamente, invoca “a inconstitucionalidade material do normativo que a douta decisão extrai do artigo 50.º, nºs 1 e 2 do Código Penal, quando interpretados no sentido de que o tribunal de recurso pode aplicar uma pena de prisão efectiva inferior a 5 (cinco) anos, sem previamente ponderar da possibilidade de aplicação de uma suspensão da execução da pena subordinada a regime de prova e/ou regras de conduta, por violação dos direitos e garantias de defesa constitucionalmente consagrados no artigo 32.º da CRP”.

2 - O arguido e ora requerente começa por suscitar o vício previsto no art. 410º nº 2, al. b), do CPP, afirmando que é patente no acórdão a contradição insanável entre a fundamentação e entre esta e a matéria de facto dada como provada, no que respeita à ponderação das circunstâncias relevantes para a decisão sobre a suspensão da execução da pena.

Depois, invoca o vício de omissão de pronúncia, previsto na al. c), do nº 1, do art. 379º, do CPP, que se consubstanciaria na não ponderação de todas as circunstâncias decisivas para a formulação do juízo de prognose favorável ou desfavorável sobre o arguido e que igualmente não ponderou e não se pronunciou sobre a possibilidade de aplicar ao arguido a suspensão da execução da pena subordinando-a a deveres ou regras de conduta.

Alega, ainda, que o acórdão também se não pronunciou sobre a sua resposta ao recurso do Ministério Público e que entende ser relevante para a boa decisão da causa.

Argumenta, também, que a pena de prisão efectiva, se mostra “manifestamente excessiva, desproporcional e desnecessária, quer às necessidades de prevenção geral, e em particular às de prevenção especial”, daqui resultando a nulidade da decisão, por violação daqueles princípios orientadores das decisões penais, “mormente do direito a um processo justo e equitativo, e por violação do disposto no artigo 40.º, nºs 1 e 2 do Código Penal e 18.º da Constituição da Republica Portuguesa, na vertente da violação da proibição do excesso”.

3 - Não vislumbramos, porém, qualquer omissão de pronúncia, obscuridade, ambiguidade ou outro vício que justifique a invocada arguição de nulidades.

Na verdade, como decorre de uma simples leitura do segmento do acórdão que decidiu o recurso interposto pelo Ministério Público, este Supremo Tribunal pronunciou-se sobre todas as questões colocadas e fê-lo de forma clara, esclarecedora e aprofundada, indicando os motivos pelos quais, face à matéria de facto dada como provada, considerava que se não se verificavam os pressupostos de ordem substantiva previstos no art. 50, do Código Penal, necessários à formulação, quanto ao agora requerente, de um juízo de prognose favorável que pudesse sustentar a aplicação da pena de substituição de suspensão de execução da pena.

Consignou, em concordância com a apreciação efectuada no acórdão de 1ª instância, que as exigências de prevenção geral são elevadas. E acrescentou que, por outro lado, se “é certo que o arguido, nascido a ... de ........ de 1993 contava à data dos factos, 25 anos de idade, não tem antecedentes criminais, revela hábitos de trabalho e está inserido familiarmente”, tal “não o impediu de entrar no mundo do tráfico de estupefacientes, obtendo um lucro fácil, como se afirma no acórdão recorrido.”

Realça, também, que “o arguido não confessou, não se autocensurou, nem contribui de modo nenhum para que pudesse identificar-se e deter os fornecedores ou outros traficantes da mesma linha de tráfico”.

Em conformidade, concluiu “que no caso, não é possível formular um juízo de prognose favorável ao arguido, no sentido de que o mesmo não voltará a praticar atividade de tráfico, mas ao invés existe uma forte probabilidade de o arguido continuar a praticar o crime de tráfico de estupefacientes” e que “uma vez que a suspensão da execução pena visa essencialmente prevenir a reincidência e há-de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, no caso subjudice tal desiderato não se mostra acautelado, quer pelas das fortes exigências de prevenção geral neste tipo de crime, quer pelas exigências de prevenção especial, atentas as circunstâncias constantes dos factos dados como provados no acórdão recorrido, o arguido AA não pode beneficiar da suspensão da execução da pena”.

4 - No acórdão foram analisadas todas as questões objecto do recurso e tendo-se concluído não estarem verificados os pressupostos subjacentes à suspensão da execução da pena de prisão, pelo que não faria qualquer sentido ponderar a possibilidade de subordinar aquela suspensão a quaisquer deveres ou regras de conduta.

O Tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões, de facto e de direito, relevantes para uma justa decisão, mas não sobre todos e cada um dos argumentos aduzidos pelos recorrentes. [1]

O que o requerente pretende é uma nova pronúncia sobre questões específicas já tratadas e decididas no acórdão que agora põe em crise, nomeadamente quanto à decisão sobre a matéria de facto, quando invoca o vício previsto no art. 410, nº 2, al. b), do CPP e quanto à decisão relativa à determinação da pena.

O acórdão também não violou qualquer princípio constitucional, designadamente os enunciados pelo requerente e não interpretou o art. 50, do Código Penal na formulação que indica.

5 - Afigura-se-nos, em conformidade com o exposto, que o acórdão em causa não padece de qualquer nulidade e não violou o disposto no art. 379, nº 1, al. c), do CPP, pelo que o requerimento em apreço deve, sem mais, ser indeferido».


***


2. O DIREITO.

2.1. O arguido AA vem arguir a nulidade do acórdão proferido em 17 de janeiro de 2021, por este Supremo Tribunal, nos termos do disposto nos artigos 374.º, nº 2, 379.º nº 1, al. c) aplicável ex vi artigo 425.º, nº 4 todos do Código de Processo Penal.

 Subsidiariamente, invoca “a inconstitucionalidade material do normativo que a douta decisão extrai do artigo 50.º, nºs 1 e 2 do Código Penal, quando interpretados no sentido de que o tribunal de recurso pode aplicar uma pena de prisão efetiva inferior a 5 (cinco) anos, sem previamente ponderar da possibilidade de aplicação de uma suspensão da execução da pena subordinada a regime de prova e/ou regras de conduta, por violação dos direitos e garantias de defesa constitucionalmente consagrados no artigo 32.º da CRP”.

Alega que o acórdão reclamado enferma do vício de omissão de pronúncia, previsto na al. c), do nº 1, do art. 379, do CPP, que se consubstanciaria na não ponderação de todas as circunstâncias decisivas para a formulação do juízo de prognose favorável ou desfavorável sobre o arguido e que igualmente não ponderou e não se pronunciou sobre a possibilidade de aplicar ao arguido a suspensão da execução da pena subordinando-a a deveres ou regras de conduta.

Alega, ainda, que o acórdão também se não pronunciou sobre a sua resposta ao recurso do Ministério Público e que entende ser relevante para a boa decisão da causa.

2.2. Vejamos se lhe assiste razão:

De harmonia com o disposto no art. 379º, nº1, do CPP, aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, por força do art. 425º, nº4, do mesmo compêndio normativo, «É nula a sentença: (...)

«c) Quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.»

Tal normativo prevê a nulidade da sentença ou do acórdão proferido em recurso, por omissão ou excesso de pronúncia.

Conforme resulta do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 17 de janeiro de 2021, foram analisadas todas as questões suscitadas nas conclusões formuladas, na respetiva motivação, pelo recorrente, ou seja, pelo Ministério Público, que definem o objeto o âmbito do recurso.

Do acórdão consta bem explicitado de uma forma clara e inteligível os fundamentos pelos quais, face à matéria de facto dada como provada, não se verificam os pressupostos de ordem substantiva previstos no art. 50º do Código Penal, concluindo “que no caso, não é possível formular um juízo de prognose favorável ao arguido, no sentido de que o mesmo não voltará a praticar atividade de tráfico, mas ao invés existe uma forte probabilidade de o arguido continuar a praticar o crime de tráfico de estupefacientes” e queuma vez que a suspensão da execução pena visa essencialmente prevenir a reincidência e há-de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, no caso subjudice tal desiderato não se mostra acautelado, quer pelas das fortes exigências de prevenção geral neste tipo de crime, quer pelas exigências de prevenção especial, atentas as circunstâncias constantes dos factos dados como provados no acórdão recorrido, o arguido AA não pode beneficiar da suspensão da execução da pena”.

Tal como bem salienta a Exmª Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal na Resposta à arguição de nulidade, constitui jurisprudência uniforme deste Tribunal, que «o Tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões, de facto e de direito, relevantes para uma justa decisão, mas não sobre todos e cada um dos argumentos aduzidos pelos recorrentes».

Ou seja, o que importa é que o tribunal conheça as questões objeto do recurso, não lhe incumbindo apreciar e rebater todos os argumentos e fundamentos ou razões em que os sujeitos processuais se apoiam para sustentar a sua pretensão.[2]

No fundo, o recorrente discordando do acórdão, pretende que este Tribunal se pronuncie de novo sobre a matéria constante do acórdão designadamente quando invoca o vício previsto no art. 410º, no 2, al. b), do CPP e quanto à decisão relativa à determinação da pena, mas essa é outra questão que não cabe aqui abordá-la.

Relativamente à invocada inconstitucionalidade do art. 50º, do Código Penal, já não cabe aqui conhecer, uma vez que não foi anteriormente arguida pelo recorrente.

Como supra se referiu a nulidade por omissão de pronúncia ocorre quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (art. 379º, nº1, do CPP, aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, por força do art. 425º, nº4, do mesmo compêndio normativo).

No caso subjudice, é manifesto que não se verifica a nulidade de omissão de pronúncia invocada pelo arguido, motivo pelo qual terá que ser indeferido o requerimento do arguido.


***


3. DECISÃO.

Termos em que, acordam os juízes que compõem a 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em indeferir o requerimento de arguição de nulidade do acórdão em referência.

Custas pelo requerente fixando-se a taxa de justiça em 3UC.

Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do CPP).


***


Lisboa, 24 de março de 2021


Maria da Conceição Simão Gomes (relatora)

Nuno Gonçalves

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[1] É uniforme a jurisprudência neste sentido. Cfr.,v.g., acórdãos do STJ de 2/03/2006 – proc. 461/06-5; e de 5/05/2011, in www.dgsi.pt. [2] Vide, AC do STJ de 05MAI11, processo nº178-E/2000.P1.S1, relator Gregório da Silva Jesus, citado pela Exma PGA.