Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
09S0156
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: OCUPAÇÃO EFECTIVA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
CONDENAÇÃO EM QUANTIA A LIQUIDAR EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
Nº do Documento: SJ200905070001564
Data do Acordão: 05/07/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
1. No domínio anterior ao Código do Trabalho, embora faltasse uma disposição expressa que consagrasse o dever de ocupação efectiva do trabalhador, várias normas da ordem jurídica portuguesa permitiam justificar a sua existência, como era admitido na jurisprudência e doutrina, dever esse que configurava um verdadeiro dever de prestação por parte do empregador e se traduzia na exigência de ser dada ao trabalhador a oportunidade de exercer efectivamente e sem quaisquer dificuldades ou obstáculos a actividade contratada.

2. Tendo-se provado que o empregador, desde 1992 e até à reforma do autor, não lhe deu qualquer ordem, instrução, orientação ou directiva, nem lhe atribuiu qualquer função, tarefa ou responsabilidade, mantendo-o apenas nominalmente ao serviço, configura-se uma violação culposa do dever de ocupação efectiva do trabalhador.

3. O trabalhador tem direito a ser ressarcido pelos danos não patrimoniais sofridos, afigurando-se equilibrado, no caso, fixar a indemnização de € 20.000.

4. Tendo o autor provado que a avaliação negativa do seu desempenho profissional ficou a dever-se a culpa do empregador, que violou de forma grave e continuada o dever da sua ocupação efectiva, apenas não lhe tendo sido possível determinar o exacto montante dos danos patrimoniais sofridos, nada obsta a que se profira uma condenação ilíquida, remetendo-se essa quantificação para liquidação de sentença.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 29 de Outubro de 2002, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 5.º Juízo, AA instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra CP – C... DE F... P..., E. P., pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe € 100.000, a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a citação, bem como o que viesse a ser liquidado, em execução de sentença, a título de danos patrimoniais.

Alegou, para tanto, que foi admitido a prestar trabalho subordinado para a ré, com a categoria profissional de técnico superior principal, por contrato escrito, firmado em 21 de Junho de 1971, mas com efeitos desde 1 de Abril de 1971, tendo, inicialmente, exercido funções no Serviço de Planeamento a Médio e Longo Prazo, integrado no Departamento de Organização e Planeamento, que passou, mais tarde, a denominar-se Direcção de Planeamento.

Entretanto, ascendeu na categoria de técnicos licenciados — em 1 de Julho de 1985, foi promovido ao escalão C, em 1 de Agosto de 1987, ao escalão B e, em 1 de Agosto de 1989, ao escalão A, mais tarde designado por escalão K —, detendo, em 1991, a categoria profissional de técnico licenciado do escalão K e, por nomeação do Conselho de Gerência, desempenhava o cargo de Chefe do Serviço de Estudos Estratégicos, integrado na Direcção de Planeamento.

A promoção de técnicos licenciados do escalão K ao escalão L dependia de decisão do conselho de gerência da ré e, nesse processo de promoção, o director de planeamento da ré prestou informação, em 1991, repetida nos anos seguintes, que impediu a promoção do autor, o qual reclamou dessas notações profissionais para o conselho de gerência da ré, apenas obtendo resposta quanto à reclamação da notação profissional referente ao ano de 1993, em que, por ofício de 30 de Maio de 1994, a ré reiterou a informação atribuída, relativamente ao período em causa.

Em 1992, foi ocupar um gabinete esconso, num vão de escada do edifício de Lisboa, não lhe sendo facultado computador e só por favor lhe foi permitido dispor de um extensão telefónica; a partir de então, a ré não lhe atribuiu qualquer função, tarefa ou responsabilidade, mantendo-o apenas nominalmente ao serviço, não tendo recebido qualquer ordem, instrução, orientação ou directiva e não tendo produzido qualquer trabalho, estudo, informação ou relatório, prolongando-se essa inactividade mais de nove anos, até à sua reforma, em 6 de Novembro de 2001.

Nessa data, auferia mensalmente um vencimento de € 2.222,43, acrescido de € 100,25 de diuturnidades, € 444,49 de isenção de horário de trabalho e € 109,80 de subsídio de refeição, num total de € 2.876,97.

A descrita inactividade colocou-o numa situação deprimente e vexatória, dando causa a um estado de permanente desgosto, ansiedade, frustração e revolta e privou-o da prestação normal do trabalho e da realização profissional através dele, designadamente por meio das promoções na carreira e das progressões salariais, que normalmente lhe seriam atribuídas, não voltando a ser avaliado positivamente pela hierarquia para efeito de promoção, por força da sua desocupação e inactividade.

Em consequência, «não foi promovido a escalões superiores da carreira de técnicos licenciados, ao contrário da esmagadora maioria dos seus colegas, nem ascendeu a níveis de remuneração mais elevada», mantendo, a partir de 1992 e até 2001, «o mesmo nível de retribuição, com excepção de um pequeno aumento salarial resultante apenas da antiguidade»; assim, a violação do dever de ocupação efectiva por parte da ré provocou-lhe danos patrimoniais, decorrentes da diferença entre o que lhe foi efectivamente pago desde 1992 e o que lhe deveria ter sido pago se não fosse aquela violação, cuja liquidação «não é viável nesta fase do processo, pelo que se relega para execução de sentença — mas não pode computar-se em quantia inferior a € 100.000 (cem mil euros)».

A acção, contestada pela ré, foi julgada totalmente improcedente, tendo a sentença do tribunal de primeira instância absolvido a ré do pedido.

2. Inconformado, o autor apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou parcialmente procedente o recurso, condenando a ré a pagar-lhe € 50.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a data do acórdão até integral pagamento, confirmando, no mais, a sentença recorrida, sendo contra a aludida decisão do Tribunal da Relação que a ré e o autor se insurgem, mediante recursos de revista, alinhando as seguintes conclusões:

RECURSO DA RÉ:

«1. A execução da prestação do trabalho é fundamentalmente um dever e não um direito do trabalhador, salvo situações excepcionais que não ocorrem no caso dos autos;
2. Só haverá violação desse dever se houver uma conduta da entidade patronal por má fé, abuso de direito ou ainda por um comportamento discriminatório que fosse impeditivo que o trabalhador exercesse a sua actividade, o que também não ocorre na situação dos autos;
3. Não é o facto de as instalações atribuídas ao A., à semelhança das que foram dadas aos demais técnicos por motivo da mudança da Avenida da República para o Rossio, serem “menos boas” que era impeditivo que este desempenhasse as tarefas que lhe cumpria executar;
4. Acontece que, desde os fins da década de 80, inícios de 1990 e posteriormente, nada impediu que o A. continuasse a fazer a análise crítica dos seus trabalhos relacionados com os planos ferroviários da R., o que não fez;
5. Ninguém da R. impediu o A. de ter feito ou apresentado o resultado de tais trabalhos;
6. O A. pelo estatuto profissional que tinha, a que era imanente autonomia técnica, não carecia de quaisquer ordens ou instruções para a feitura desses trabalhos e não era exigível que a R. lhe desse umas ou outras;
7. A suposta não ocupação efectiva do A., a ter existido, só ocorreu por facto exclusivamente a ele imputável;
8. Nunca o A. invocou falta de meios ou que as instalações que tinha fossem impeditivas da execução das tarefas que deveria ter executado, mas que não fez;
9. Atentas as conclusões que antecedem não houve qualquer violação do direito à ocupação efectiva do A. que, a ocorrer, sempre teria que se fundar numa conduta dolosa, ou no mínimo, culposa e discriminatória da R., que não a teve;
10. Dado que não houve essa invocada violação do direito à ocupação efectiva, improcede o pedido do A., não quantificado, para que lhe sejam pagas as diferenças entre as remunerações que recebeu e aquelas que teria recebido se aquela não tivesse ocorrido;
11. Mas tal pedido — diferenças salariais — sempre improcederá, uma vez que o A. não articulou factos, devendo fazê-lo, com o seu valor;
12. Para colmatar essa falta de articulação de factos só ao A. imputável e que levassem ao apuramento do quantum a pagar-lhe, a título de diferenças salariais, a lei veda que àquele seja dada uma segunda oportunidade;
13. O valor atribuído no acórdão ao A., a título de danos morais — 50.000,00 € — é excessivo, senão mesmo, exorbitante e não está justificado;
14. Ocorre que os danos morais pedidos se reportam a factos ocorridos a partir de 1992, o que não é compatível com a demora que houve em peticionar uma indemnização baseada naqueles;
15. Qualquer pessoa ofendida no seu estatuto e honra profissional não esperava dez anos para fazer valer o seu direito a ser indemnizado pelas ditas ofensas, podendo fazê-lo antes;
16. Face ao constante das conclusões que antecedem, o acórdão recorrido deverá ser revogado, por violar, por erro de aplicação ou de interpretação, entre outros, os artigos 58.º, n.º 1, e 59.º, n.º 1, alínea b), ambos da C.R.P., os artigos 18.º, n.º 1, e artigo 19.º, alíneas a), c) e d) do [Decreto-Lei] n.º 49.408, de 24.11.69, e ainda os artigos 483.º e 496.º, n.º 1, ambos do Código Civil e, consequentemente, confirmar-se a sentença do Tribunal da 1.ª Instância.»

O autor contra-alegou, defendendo a confirmação do acórdão recorrido, na dimensão impugnada pela ré, e salientando que as conclusões 10.ª a 12.ª da alegação do recurso de revista da ré não são de atender, já que a decisão da matéria em causa, no tribunal recorrido, não lhe foi desfavorável, nessa parte.

RECURSO DO AUTOR:

«1. A indemnização de danos não patrimoniais arbitrada pelo acórdão recorrido é escassa, na medida em que não realiza suficientemente a dupla função reparatória e punitiva que no caso concreto dos autos é exigível;
2. Tendo em atenção as características particulares do Autor e do seu trabalho ao serviço da Ré, a desocupação efectiva a que foi relegado durante quase dez anos é gravemente indigna, vexatória e humilhante;
3. A indemnização de danos morais deve, pois, ser fixada em € 100.000,00;
4. Decidindo em contrário, o acórdão recorrido violou o art. 496.º do Cód. Civil;
5. A improcedência do pedido de pagamento de diferenças salariais resultantes da falta de ocupação efectiva do Autor contraria manifestamente a lei e a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça;
6. Está assente nos autos a existência do direito a essas prestações retributivas, como o acórdão da Relação reconhece, sem que se tenha apurado o respectivo valor, por razões justificadas e não imputáveis a negligência do Autor;
7. Há, portanto, lugar a uma condenação ilíquida, remetendo-se essa quantificação para execução de sentença;
8. Decidindo em contrário, o acórdão recorrido violou o art. 661.°/2 do Cód. Proc. Civil.»

Termina pedindo que seja «alterada a condenação da Ré por danos não patrimoniais para a importância de € 100.000» e a condenação da ré a pagar-lhe «as diferenças salariais pedidas, em montante a liquidar em execução de sentença».

A ré não apresentou contra-alegação.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência de ambos os recursos de revista, parecer que, notificado às partes, não teve qualquer resposta.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

Se a ré violou o direito do autor à ocupação efectiva [conclusões 1) a 9) e 16), na parte atinente, da alegação do recurso de revista da ré];
– Qual o montante da indemnização a fixar pelos danos não patrimoniais [conclusões 13) a 15) e 16), na parte atinente, da alegação do recurso de revista da ré e 1) a 4), da alegação do recurso de revista do autor];
– Se o autor tem direito às diferenças salariais peticionadas, em montante a liquidar em execução de sentença [conclusões 5) a 8), da alegação do recurso de revista do autor].

Refira-se que as conclusões 10.ª a 12.ª da alegação do recurso de revista da ré não são de considerar, já que, nesse preciso segmento, aquela recorrente não ficou vencida (artigo 680.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção aqui aplicável, anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, nos termos do preceituado nos artigos 11.º, n.º 1, e 12.º, n.º 1, deste diploma legal).

Estando em causa a violação do dever de ocupação efectiva reportada a um período entre 1992 e 2001, portanto, em data anterior à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 (1 de Dezembro de 2003 — artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto) e atento o disposto no artigo 8.º, n.º 1, da sobredita Lei n.º 99/2003, aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, adiante designado por LCT.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto:

1) Por contrato escrito, assinado em 21 de Junho de 1971, com efeitos reportados a 1 de Abril de 1971, o A. foi admitido a prestar trabalho subordinado à R., com a categoria profissional de técnico superior principal;
2) O A. desempenhou, inicialmente, as funções no Serviço de Planeamento a Médio e Longo Prazo, integrado no Departamento de Organização e Planeamento, depois chamado Direcção de Planeamento;
3) O A. ascendeu à categoria de Técnico Licenciado e foi designadamente: em 1 de Julho de 1985, promovido ao escalão C; em 1 de Agosto de 1987, promovido ao escalão B; em 1 de Agosto de 1989, promovido ao escalão A, mais tarde designado por escalão K;
4) Em 1991, o A. detinha a categoria profissional de Técnico Licenciado do escalão K e, por nomeação do Conselho de Gerência, desempenhava o cargo de Chefe do Serviço de Estudos Estratégicos, integrado na Direcção de Planeamento da R;
5) A promoção de Técnico Licenciado do escalão K ao escalão L dependia de decisão do Conselho de Gerência da Ré;
6) No processo de promoção do escalão K ao escalão L, o Director de Planeamento da R. elaborou uma informação em que se diz: «O Eng. AA desempenhou em momentos bem determinados, um papel importante na forma como perspectivou os cenários de evolução com os quais a Caminho de Ferro viria a confrontar-se. É de assinalar a formulação de algumas ideias-força que se revelaram ajustadas à evolução em curso. Ultimamente e atentas as tarefas muito concretas que estão fixadas, em particular ao Gabinete do Plano Ferroviário Nacional e de uma forma geral à Direcção do Planeamento, não se tem conseguido obter uma participação do referido técnico com efeito operativo (com carácter instrumental) ajustada às exigências do momento»;
7) Em 6 de Novembro de 2001, o Autor passou à situação de reforma, cessando nessa data o contrato de trabalho com a Ré;
8) À data da cessação do contrato, o A. auferia mensalmente um vencimento de € 2.222,43, acrescido de € 100,25 de diuturnidades, de € 444,49 de isenção de horário de trabalho e de € 109,80 de subsídio de refeição, num total de € 2.876,97;
9) Pela deliberação do CG n.º 35/87, de 1/07/1987, o A. foi nomeado Chefe de Estudos de Estratégia, com efeitos reportados a 1/07/1987;
10) Nos termos das Bases Gerais da Regulamentação das Carreiras dos Técnicos Licenciados, Bacharéis e Assistentes Sociais [BGRCTBAS], acordada em 29/06/1987, entre a R. e os Sindicatos representativos dos trabalhadores, entre os quais o do A., este foi promovido ao escalão K antigo A, em 1/08/1989;
11) Nas BGRCTBAS, antes referidas, os escalões iam do 7 ao A2 e estavam divididos em 3 Zonas: Zona I — que ia do escalão 7 ao 2; Zona II — que englobava os escalões 1, C, B e A; Zona III — que englobava os escalões A1 e A2;
12) Por deliberação do CG da Ré, de 7/06/1990, mantiveram-se os escalões existentes apenas por letras, tendo-se criado 2 novos escalões — um intermédio e um no topo e mantendo-se as zonas;
13) A Zona I passou a englobar os escalões B ao F; a Zona II passou a englobar os escalões G ao K; a Zona III passou a englobar os escalões L ao O;
14) O A. foi promovido ao escalão K (antigo A), em 1/08/1989;
15) A partir de Junho de 1993, a Regulamentação das Carreiras dos Licenciados e Bacharéis, que vigorou desde 1/02/1993 até 31/01/1999, determinou que o desempenho profissional passasse a ser avaliado anualmente;
16) Traduzindo-se por uma das letras A — B — C, a que correspondia, respectivamente, «Mais elevada», «Média» e «Mais baixa»;
17) O CG, pela deliberação n.º 24/93, de 9/12/1993, possibilitou a rectificação das avaliações «C», «Mais baixa», prestadas nos termos do RC de 1993, desde que, em 1994, os trabalhadores obtivessem uma avaliação diferente da «C»;
18) Por força da entrada em vigor da Regulamentação das Carreiras de 1993 — ponto 3.1. — o A. foi integrado no grau de retribuição imediatamente superior, em valor ao escalão em que se encontrava [sic], a qual ocorreu para o grau a que correspondia um vencimento igual ou imediatamente superior àquele a que o trabalhador teria acesso na próxima mudança de escalão segundo os valores da tabela salarial em vigor à data da assinatura do Regulamento, ou seja, o A. ficou na zona II — Nível 4 — vencimento 331.412$00, a que correspondia o escalão «L», das antigas Bases Gerais;
19) Com efeitos a 1/02/1999, entrou em vigor Nova Regulamentação das Carreiras de Licenciados e Bacharéis;
20) Passou a haver 2 Zonas e o A. continuou na Zona II — Nível 4 — e «subiu» ao nível 191 em 1/02/1999 e ao índice 193 em 1/08/1999;
21) Com a criação da Rede F... N... – REFER, EP, através do DL 104/97, de 29/04, o Gabinete do Plano Ferroviário Nacional foi integrado nesta nova empresa;
22) Este órgão e os elementos que o compunham transitaram para a REFER, EP;
23) Na transferência, o A. foi um dos elementos que se manteve na CP;
24) A promoção referida em 5) da matéria assente era precedida de notação profissional da chefia hierárquica do trabalhador;
25) Foi a informação referida em 6) da matéria assente que impediu a promoção do A. em 1991; e foi repetida nos anos seguintes, impedindo a promoção do A.;
26) O A. reclamou da notação profissional referente ao ano de 1993 para o Conselho de Gerência da R. que teve a resposta constante do ofício, datado de 30 de Maio de 1994, junto por cópia a fls. 26 dos autos;
27) Em 1992, o A. foi ocupar um gabinete na cave, de menores dimensões, situado num vão de escada do edifício sede, em Lisboa;
28) A partir de 1992, a R. não atribuiu ao Autor qualquer função, tarefa ou responsabilidade;
29) Mantendo-o apenas nominalmente ao serviço, no cargo de Chefe de Serviço de Estudos Estratégicos da Direcção de Planeamento;
30) Desde então, o A. não chefiou serviço algum, nem teve qualquer trabalhador como seu subordinado;
31) A partir de 1992, o A. não recebeu qualquer ordem, instrução, orientação ou directiva e não produziu qualquer trabalho, estudo, informação ou relatório;
32) A desocupação e a inactividade do A., deram causa a um estado permanente de desgosto, ansiedade, frustração e revolta;
33) O Autor é um técnico de altíssima craveira intelectual;
34) Manifestada na intensa produção de estudos e trabalhos sobre a problemática dos caminhos-de-ferro, e de mérito largamente reconhecido na comunidade nacional e internacional;
35) Tendo participado em congressos nacionais e internacionais, com artigos publicados em revistas da especialidade;
36) O que era do conhecimento da R.;
37) A evolução da carreira profissional do A. foi a que consta do artigo da contestação que aqui se dá por reproduzida;
38) Em 1993 e em 1994, o Autor foi notado com a avaliação C — desempenho inferior ao normal;
39) Sendo a avaliação de 25/01/1994, «Mais baixa», referente ao ano de 1993 e a de 21/07/1995, «desempenho inferior ao normal», referente ao ano de 1995, uma e outra correspondente à letra C;
40) Desde os fins da década de 80, inícios de 1990 e posteriormente, nada impediu o A. de continuar a análise crítica dos seus trabalhos relacionados com os planos ferroviários da Ré;
41) O que o A. não fez e ninguém da R. o impediu de o ter feito e apresentado;
42) Aquando da mudança da Direcção de Planeamento da Avenida ... para o R..., havia vários Técnicos, incluindo o autor que ficaram com instalações «menos boas»;
43) De acordo com as disponibilidades do edifício e que pressupunham a ocupação de Gabinetes na cave;
44) Em 21/08/1998, a R. propôs ao A. incentivos para que este passasse à situação de reforma, o que este não aceitou.

Este é o acervo factual disponível para resolver as questões suscitadas.

2. O acórdão recorrido entendeu que a factualidade apurada evidencia que a ré violou culposa e gravemente o dever de dar ocupação efectiva ao autor.

A ré discorda, alegando que «não é o facto de as instalações atribuídas ao A., à semelhança das que foram dadas aos demais técnicos por motivo da mudança da Avenida da ... para o R..., serem “menos boas” que era impeditivo que este desempenhasse as tarefas que lhe cumpria executar» e que, desde os fins da década de 80, inícios de 1990 e posteriormente, nada, nem ninguém, o impediu de continuar a análise crítica dos trabalhos relacionados com os planos ferroviários da ré, o que não fez, sendo que o autor «pelo estatuto profissional que tinha, a que era imanente autonomia técnica, não carecia de quaisquer ordens ou instruções para a feitura desses trabalhos e não era exigível que a R. lhe desse umas ou outras», pelo que a suposta «não ocupação efectiva do A., a ter existido, só ocorreu por facto exclusivamente a ele imputável», não se verificando «qualquer violação do direito à ocupação efectiva do A. que, a ocorrer, sempre teria que se fundar numa conduta dolosa, ou no mínimo, culposa e discriminatória da R., que não a teve».

2.1. A Lei Fundamental prevê, no n.º 1 do artigo 58.º, que todos têm direito ao trabalho, e na alínea b) do n.º 1 do artigo 59.º, que todos os trabalhadores têm direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal.

Por sua vez, a LCT determinava no artigo 19.º, sob a epígrafe «Deveres da entidade patronal», que a entidade patronal devia proporcionar aos trabalhadores boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral [alínea c)] e contribuir para a elevação do seu nível de produtividade [alínea d)], sendo certo que, o artigo 21.º, com o título «Garantias do trabalhador», proibia à entidade patronal opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exercesse os seus direitos [alínea a) do n.º 1], e o artigo 22.º, epigrafado «Prestação pelo trabalhador de serviços não compreendidos no objecto do contrato», conferia ao trabalhador o direito de exercer a actividade correspondente à categoria para que foi contratado.

Outros afloramentos normativos do dever de ocupação efectiva extraíam-se do estatuído no n.º 1 do artigo 18.º («Princípio da mútua colaboração»), n.º 1 do artigo 42.º («Formação profissional dos trabalhadores») e no artigo 43.º («Selecção dos trabalhadores»), todos da LCT.

A fundamentação do dever de ocupação efectiva poderia, ainda, assentar no princípio geral da boa fé, concretizado no n.º 2 do artigo 762.º do Código Civil, de acordo com o qual, «[n]o cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé».

Tudo para concluir que, no domínio anterior ao Código do Trabalho de 2003, embora faltasse uma norma expressa que consagrasse o dever de ocupação efectiva do trabalhador, as aludidas disposições permitiam justificar a sua existência, como era admitido na jurisprudência e doutrina, dever esse que configurava um verdadeiro dever de prestação por parte do empregador e se traduzia na exigência de ser dada ao trabalhador a oportunidade de exercer efectivamente e sem quaisquer dificuldades ou obstáculos a actividade contratada (cf., por todos, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 12 de Janeiro de 2006, Revista n.º 35/2005, da 4.ª Secção, em que se recenseia outra jurisprudência de interesse).

2.2. Confirmada a existência de um dever legal de ocupação efectiva, a sua violação poderá fazer incorrer o empregador na obrigação de indemnizar, mormente os danos não patrimoniais causados ao trabalhador, sendo que, tal como se extrai do artigo 483.º do Código Civil, são elementos constitutivos da responsabilidade civil o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

A este propósito, o acórdão recorrido explicitou a seguinte fundamentação:

« O A. foi admitido ao serviço da R. em 1971 e, em 1991, tinha a categoria profissional de Técnico Licenciado do escalão K e, por nomeação do Conselho de Gerência, desempenhava o cargo de Chefe do Serviço de Estudos Estratégicos, integrado na Direcção de Planeamento da R., desde 1/07/1987.
Era um técnico de altíssima craveira intelectual, manifestada na intensa produção de estudos e trabalhos sobre a problemática dos caminhos de ferro, e de mérito largamente reconhecido na comunidade nacional e internacional, tendo participado em congressos nacionais e internacionais, com artigos publicados em revistas da especialidade.
Por determinação da R., o A. deixou de desempenhar as suas funções nas instalações sitas na Avenida da República, em 1992, e foi ocupar um gabinete de menores dimensões, situado num vão de escada, na cave do edifício sede, no Rossio. A partir dessa data e até ao dia em que se reformou, em 6/11/200[1], a R. nunca mais lhe deu qualquer ordem, instrução, orientação ou directiva, nem lhe atribuiu qualquer função, tarefa ou responsabilidade, mantendo-o apenas nominalmente ao serviço no cargo de Chefe de Serviço de Estudos Estratégicos da Direcção de Planeamento, sem chefiar serviço algum e sem qualquer trabalhador como seu subordinado.
Essa desocupação e inactividade causaram ao A. um estado permanente de desgosto, ansiedade, frustração e revolta.
[…]
Em vez de respeitar, motivar, incentivar este quadro de altíssima craveira intelectual, e de lhe proporcionar todas as condições materiais e organizativas por forma a que (o mesmo) pudesse continuar a desempenhar, em pleno, as suas funções, desenvolver as suas capacidades e qualidades profissionais e a empresa pudesse retirar o máximo proveito desse trabalho, bem como do prestígio de que o mesmo gozava na comunidade nacional e internacional, a apelada decidiu colocá-lo, em 1992, num gabinete de mais pequenas dimensões, num vão de escada da cave do edifício sede, no Rossio, e desde essa data até ao dia em que se reformou, em 6/11/2001, nunca mais lhe deu qualquer ordem, instrução, orientação ou directiva e nunca mais lhe atribuiu qualquer função, tarefa ou responsabilidade, mantendo-o apenas nominalmente ao serviço no cargo de Chefe de Serviço de Estudos Estratégicos da Direcção de Planeamento, sem chefiar serviço algum e sem qualquer trabalhador como seu subordinado.
Os autos demonstram que a apelada não se conduziu por um critério baseado na boa fé, no respeito, na mútua colaboração, na promoção da dignidade humana e do prestígio do apelante ou nos interesses da empresa; antes revelam um processo deliberado de marginalização e de exclusão do A., motivado por razões que nunca foram objectivadas nesta acção.
Como podia o apelante, nestas circunstâncias, continuar a desempenhar as suas funções, se a apelada o “emprateleirou” e o esqueceu, a partir de 1992?
A atitude assumida pela R. é altamente humilhante e vexatória para um quadro com as características atrás referidas, com prestígio e mérito largamente reconhecidos na comunidade nacional e internacional, na área dos caminhos-de-ferro. Além de constituir um atentado à sua dignidade, à sua reputação profissional, à consideração e à estima social de que gozava no seio dessa comunidade, junto dos colegas, e dos trabalhadores que tinham sido seus subordinados (transmitindo a ideia de que ele era tão inútil que a empresa preferia pagar-lhe para nada fazer), a apelada ostracizou-o durante cerca [de] dez anos (e mais tempo seria se o apelante, entretanto, não se reformasse), não lhe proporcionando condições, tanto do ponto de vista físico, como moral, para que continuasse a afirmar-se e a realizar-se na empresa onde trabalhava, há mais de 20 anos, causando-lhe um estado permanente de desgosto, de ansiedade, de frustração e de revolta.
Como o apelante exercia uma profissão eminentemente técnica que exigia formação e contacto permanente com o trabalho, a sua desocupação e marginalização, durante um período tão longo, além de impedir a sua realização pessoal e profissional, acarretou-lhe, manifestamente, grande desvalorização.
A conduta da apelada além de ilícita é muito grave, o grau de culpa é intenso e os danos não patrimoniais provocados por essa conduta também são graves.
O apelante tem, assim, direito a ser ressarcido pelos danos não patrimoniais graves que tal conduta lhe causou (arts. 483.º e 496.º, n.º 1, do Cód. Civil).»

Tudo ponderado, subscreve-se o juízo decisório transcrito, o qual respeita as normas legais ao caso aplicáveis, mormente o disposto nos artigos 58.º, n.º 1, e 59.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, 18.º, n.º 1, e 19.º, alíneas a), c) e d), da LCT e 483.º e 496.º, n.º 1, do Código Civil, normas que a ré aponta como pretensamente violadas.

Nesta conformidade, improcedem as conclusões 1) a 9) e 16), na parte atinente, da alegação do recurso de revista da ré.

3. O acórdão recorrido, tendo em conta a culpa revelada pela ré, a gravidade do acto e dos danos produzidos, a reputação profissional do ofendido e a situação económica da ré, fixou, em € 50.000, a importância a pagar pela ré ao autor, a título de reparação pelos danos não patrimoniais sofridos.

A ré propugna que «[o] valor atribuído no acórdão ao A., a título de danos morais — 50.000,00 € — é excessivo, senão mesmo, exorbitante e não está justificado», sendo que «os danos morais pedidos se reportam a factos ocorridos a partir de 1992, o que não é compatível com a demora que houve em peticionar uma indemnização baseada naqueles» e que «[q]ualquer pessoa ofendida no seu estatuto e honra profissional não esperava dez anos para fazer valer o seu direito a ser indemnizado pelas ditas ofensas, podendo fazê-lo antes».

Por seu lado, o autor aduz que «[a] indemnização de danos não patrimoniais arbitrada pelo acórdão recorrido é escassa, na medida em que não realiza suficientemente a dupla função reparatória e punitiva que no caso concreto dos autos é exigível», devendo ser fixada em € 100.000.

No que agora releva, o artigo 496.º do Código Civil prevê que, «[n]a fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito» (n.º 1), estatuindo no seu n.º 3 que a indemnização por danos não patrimoniais será fixada equitativamente, devendo o tribunal atender, em qualquer caso, às circunstâncias referidas no artigo 494.º do mesmo Código, o qual determina, por seu turno, que na fixação do montante da indemnização se deve ter em conta «o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso».

Com interesse para a apreciação desta questão demonstrou-se que, «[a] partir de 1992, a R. não atribuiu ao Autor qualquer função, tarefa ou responsabilidade», «[m]antendo-o apenas nominalmente ao serviço, no cargo de Chefe de Serviço de Estudos Estratégicos da Direcção de Planeamento», sendo que, a partir dessa data, «o A. não chefiou serviço algum, nem teve qualquer trabalhador como seu subordinado» e «não recebeu qualquer ordem, instrução, orientação ou directiva e não produziu qualquer trabalho, estudo, informação ou relatório», inactividade que provocou no autor, que «é um técnico de altíssima craveira intelectual», «um estado permanente de desgosto, ansiedade, frustração e revolta» [factos provados 28) a 33)].

E também se provou que, «[d]esde os fins da década de 80, inícios de 1990 e posteriormente, nada impediu o A. de continuar a análise crítica dos seus trabalhos relacionados com os planos ferroviários da Ré», o que «o A. não fez e ninguém da R. o impediu de o ter feito e apresentado», e que, «[e]m 21/08/1998, a R. propôs ao A. incentivos para que este passasse à situação de reforma, o que este não aceitou» [factos provados 40), 41) e 44)].

Perante a factualidade tida por assente, o grau de culpa da ré é elevado, pois manteve o autor em situação de falta de ocupação efectiva durante um longo período de tempo (nove anos) e a conduta ilícita e culposa da ré foi decisiva no desencadear daquele estado mórbido («um estado permanente de desgosto, ansiedade, frustração e revolta»), achando-se, assim, provada a correspondente vinculação causal.

Mas importa ponderar, igualmente, que se provou que «nada impediu o A. de continuar a análise crítica dos seus trabalhos relacionados com os planos ferroviários da Ré» e que «ninguém da R. o impediu de o ter feito e apresentado», sendo certo que, em 21 de Agosto de 1998, «a R. propôs ao A. incentivos para que este passasse à situação de reforma, o que este não aceitou».

Em decorrência do relatado, considerando os parâmetros normalmente aceites pela jurisprudência e as demais circunstâncias do caso, afigura-se equilibrado fixar a quantia de € 20.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Deste modo, procedem as conclusões 13) a 15) e 16), na parte atinente, da alegação do recurso de revista da ré e improcedem as conclusões 1) a 4), da alegação do recurso de revista do autor.

4. Resta decidir a questão das diferenças salariais peticionadas pelo autor, que se referem às diferenças entre as retribuições que auferiu e aquelas que auferiria se não tivesse sido preterido nas promoções, durante o período de desocupação.

O autor sustenta que «[e]stá assente nos autos a existência do direito a essas prestações retributivas, como o acórdão da Relação reconhece, sem que se tenha apurado o respectivo valor, por razões justificadas e não imputáveis a negligência do Autor», donde haverá fundamento para «uma condenação ilíquida, remetendo-se essa quantificação para execução de sentença».

Neste particular, o acórdão recorrido teceu as considerações seguintes:

« Ora, se a R. actuou de forma culposa e se o desempenho negativo do A. lhe é imputável, a mesma deve ser responsabilizada pelos prejuízos (patrimoniais e não patrimoniais) que essa sua conduta lhe causou, designadamente, pelas promoções que não obteve e pelas diferenças salariais que não auferiu, naquele período, por causa do referido desempenho. Caso contrário, estar-se-ia a beneficiar o infractor.
É certo que, em 1991, antes de se iniciar a violação do dever de ocupação efectiva, o apelante também obteve notação profissional negativa e por causa dessa notação, não foi promovido ao escalão L, nesse ano (cfr. n.º 25 da matéria de facto provada). Essa notação, contudo, não legitima a conduta assumida pela R. em 1992 e nos anos subsequentes, nem permite concluir que as avaliações de desempenho do apelante continuariam negativas, mesmo que a apelada não tivesse violado, nesses anos, o dever de ocupação efectiva e as demais obrigações legais e contratuais que atrás referimos.
A apelada devia, assim, ser responsabilizada pelos prejuízos resultantes dessas não promoções, e ser condenada a pagar ao apelante as diferenças entre as remunerações que auferiu e aquelas que normalmente auferiria se não tivesse sido preterido nas promoções aos escalões superiores, durante o período em que esteve desocupado (de 1992 a 6 de Novembro de 2001).
O apelante, porém, não alegou nem provou os salários que efectivamente auferiu e aqueles que normalmente teria auferido, se tivesse sido regularmente promovido, naquele período.
À primeira vista, poderia pensar-se que não se tendo conseguido apurar na acção declarativa os montantes desses salários, a liquidação do crédito respeitante às diferenças salariais reclamadas, poderia relegar-se para incidente de liquidação de sentença.
Este entendimento, porém, não é correcto, já que os elementos de facto em falta, já tinham ocorrido e já eram conhecidos no momento da propositura da acção, só não surgindo na decisão que fixou a matéria de facto provada por aquele não ter alegado nem provado um dos elementos de facto constitutivos do direito que pretendia fazer valer nesta acção.
Só nos casos em que, no momento da formulação do pedido ou da prolação da sentença, não haja elementos para fixar o objecto ou a quantidade do pedido, pode aplicar-se a norma do n.º 2 do art. 661º do CPC, ou seja, relegar-se para ulterior liquidação o apuramento do crédito. A remissão para ulterior liquidação não pode fazer-se em razão da falta de alegação e prova de factos, mas tão somente por inexistência de factos provados, por estes não serem conhecidos ou por estarem em evolução no momento em que foi instaurada a acção ou na data em que foi proferida a decisão que dirimiu a matéria de facto controvertida.
Repare-se que o referido preceito refere como fundamento para o non liquet quantitativo, apenas a “falta de elementos”, e não a falta de prova de elementos, pelo que só deve relegar-se o apuramento do crédito ou do quantitativo da condenação para liquidação de sentença, quando estivermos perante uma falta de elementos de facto a provar e não quando estivermos perante o fracasso da prova produzida sobre esses factos ou perante um caso em que, pura e simplesmente, não foram alegados alguns dos fundamentos de factos constitutivos desse direito.
De modo algum se poderá considerar que a ratio legis do art. 661.º, n.º 2, do CPC permite defender teleologicamente uma repetição da realização da instância probatória quanto a factos já produzidos e conhecidos à data da propositura da acção. O incidente de liquidação de sentença não admite a renovação da prova que não se logrou produzir naquela sede. E muito menos admite que se aleguem factos que já tinham ocorrido e que já eram conhecidos no momento da propositura da acção.
Não é legítimo, por isso, o recurso a tal figura quando o quantum se não determinou devido ao fracasso da prova, ou por não terem sido alegados e provados algum ou alguns dos fundamentos do direito invocado.
Consentir-se o apuramento do crédito em incidente de liquidação de sentença, nessas situações, quando todos os elementos de facto constitutivos do direito já se tinham verificado e eram conhecidos do autor, no momento da propositura da acção, seria o mesmo que conceder-lhe uma segunda oportunidade para alegar e provar os factos que não alegou nem provou na fase declarativa da acção, com total desrespeito pelos princípios gerais da repartição dos ónus da alegação e da prova, bem como das regras que estabelecem as diferentes fases processuais e os objectivos de cada uma dessas fases.
Se o apelante não alegou nem provou, na acção declarativa, todos os elementos de facto constitutivos do direito invocado sibi imputet, não permitindo a lei, nesta situação, que se lhe conceda uma segunda oportunidade para suprir essa falta.»

A questão prende-se essencialmente com o âmbito de aplicação do n.º 2 do artigo 661.º do Código de Processo Civil, norma que, procurando definir os limites da condenação, dispõe que «[s]e não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida».

A delimitação do âmbito da possibilidade de condenação no que vier a ser liquidado em execução de sentença não tem sido ajuizada de modo uniforme pela jurisprudência, designadamente deste Supremo Tribunal.

Segundo uma das perspectivas, o n.º 2 do artigo 661.º citado só permite remeter para liquidação de sentença, quando não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, mas entendida esta falta de elementos, não como fracasso da prova na acção declarativa sobre esse objecto ou quantidade, mas antes como consequência de ainda não se conhecerem com exactidão todas as consequências do facto no momento da propositura da acção declarativa.

Nesta perspectiva, a carência de elementos não se refere à inexistência de prova dos factos já produzidos e que foram submetidos a prova, mas sim à inexistência de factos provados, na medida em que estes factos não eram ainda conhecidos ou estavam em evolução no momento da propositura da acção ou no momento da decisão quanto à matéria de facto (cf., neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Janeiro de 1995, disponível em www.dgsi.pt, n.º convencional JSTJ00026462, de 13 de Janeiro de 2000, Revista n.º 44/99 da 2.ª Secção, de 24 de Fevereiro de 2000, Revista n.º 27/2000 da 2.ª Secção, de 6 de Julho de 2005, Revista n.º 1169/2005 da 4.ª Secção).

Porém, como se afirma no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 2 de Fevereiro de 2006, proferido no Processo n.º 3225/05 (Revista), da 4.ª secção, «[e]sta é uma interpretação restritiva, que reconduz o âmbito de aplicação do preceito aos casos em que o autor tenha deduzido um pedido genérico, nos termos previstos no artigo 471.º do CPC, ou tenha formulado um pedido específico, mas não tenha sido possível, no momento da decisão, fixar o objecto ou a quantidade da condenação por se desconhecerem todas ou algumas das consequências do facto ilícito, por estas ainda se não terem produzido ou por se não terem produzido todos os factos influentes na determinação do quantitativo de uma dívida».

E prossegue o mesmo acórdão, «[a] questão não é, no entanto, pacífica e ainda no recente acórdão de 28 de Setembro de 2005 (Processo n.º 578/05), tendo embora presente a referida argumentação, acabou por concluir-se que a condenação em liquidação de sentença poderá ocorrer mesmo quando o autor, tendo formulado um pedido líquido, não tenha logrado provar, no processo declarativo, o exacto montante do que lhe é devido (no mesmo sentido, também o acórdão de 7 de Dezembro de 2005, Processo n.º 2850/05)».

Efectivamente, na sua actual composição, a Secção Social deste Supremo Tribunal tem considerado, em termos uniformes, que o facto do autor, na acção declarativa, pedir a condenação do réu em determinado montante líquido e não ter logrado provar o exacto montante do invocado crédito, não obsta à condenação do réu em quantia a apurar em liquidação de sentença (neste sentido, os mencionados Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Setembro de 2005, de 7 de Dezembro de 2005 e de 2 de Fevereiro de 2006, todos da 4.ª Secção).

No caso vertente, demonstrou-se que «[e]m 1991, o A. detinha a categoria profissional de Técnico Licenciado do escalão K e, por nomeação do Conselho de Gerência, desempenhava o cargo de Chefe do Serviço de Estudos Estratégicos, integrado na Direcção de Planeamento da R», que «[a] promoção de Técnico Licenciado do escalão K ao escalão L dependia de decisão do Conselho de Gerência da Ré» e que, em 6 de Novembro de 2001, data da cessação do contrato, o autor «auferia, mensalmente, um vencimento de € 2.222,43, acrescido de € 100,25 de diuturnidades, de € 444,49 de isenção de horário de trabalho e de € 109,80 de subsídio de refeição, num total de € 2.876,97» [factos provados 4), 5), 7) e 8)].

Mais se apurou que «[a] promoção referida em 5) da matéria assente era precedida de notação profissional da chefia hierárquica do trabalhador» e que foi «a informação referida em 6) da matéria assente que impediu a promoção do A. em 1991[,] e foi repetida nos anos seguintes, impedindo a promoção do A.», sendo que, «[a] partir de 1992, a R. não atribuiu ao Autor qualquer função, tarefa ou responsabilidade», «[m]antendo-o apenas nominalmente ao serviço, no cargo de Chefe de Serviço de Estudos Estratégicos da Direcção de Planeamento», e, desde então, «o A. não chefiou serviço algum, nem teve qualquer trabalhador como seu subordinado» e «não recebeu qualquer ordem, instrução, orientação ou directiva e não produziu qualquer trabalho, estudo, informação ou relatório» [factos provados 24), 25) e 28) a 31)].

Além disso, «[e]m 1993 e em 1994, o Autor foi notado com a avaliação C — desempenho inferior ao normal», sendo «a avaliação de 25/01/1994, «Mais baixa», referente ao ano de 1993 e a de 21/07/1995, «desempenho inferior ao normal», referente ao ano de 1995, uma e outra correspondente à letra C» [factos provados 38) e 39)].

Neste contexto, o autor logrou provar que a avaliação negativa do respectivo desempenho profissional ficou a dever-se a culpa da entidade empregadora, que violou de forma grave e continuada o dever de ocupação efectiva do trabalhador.

Donde, tal como se reconheceu no acórdão recorrido, o autor tem o direito de ser indemnizado pelos prejuízos decorrentes das promoções que não obteve e das diferenças salariais que não auferiu, por causa do sobredito desempenho profissional negativo, imputável à ré, devendo esta ser condenada a pagar-lhe «as diferenças entre as remunerações que auferiu e aquelas que normalmente auferiria se não tivesse sido preterido nas promoções aos escalões superiores, durante o período em que esteve desocupado (de 1992 a 6 de Novembro de 2001)».

Apenas não foi possível determinar qual o montante dos danos patrimoniais sofridos, não parecendo curial que, tendo o autor provado que a avaliação negativa do seu desempenho profissional ficou a dever-se a culpa da entidade empregadora, que violou de forma grave e continuada o dever de ocupação efectiva, apesar disso, a acção devesse ser julgada improcedente, no apontado segmento, apenas porque não se provou o exacto montante que se encontra, a esse título, em dívida.

Conforme se ponderou no citado Acórdão deste Supremo Tribunal, de 2 de Fevereiro de 2006, «[é] certo que numa interpretação lata do artigo 661.º, n.º 2, como preconiza o citado acórdão de 28 de Setembro de 2005, acaba por se conceder uma nova oportunidade de prova ao demandante. No entanto, nas circunstâncias do caso, essa segunda oportunidade de prova não incide sobre a existência da situação de violação do direito laboral que constitui o fundamento do pedido, mas apenas sobre a quantidade da condenação a proferir.»
Concretamente, no que respeita a uma pretensa violação do caso julgado, mormente do disposto no artigo 497.º do Código de Processo Civil, não se vislumbra que o entendimento sufragado possa gerar uma tal ofensa.

Na verdade, o fenómeno jurídico-processual do caso julgado, conforme decorre do estipulado nos artigos 497.º, 498.º, 671.º, 673.º e 675.º do Código de Processo Civil, pressupõe a existência de uma decisão que resolveu uma questão que se entronca na relação material controvertida ou que versa sobre a relação processual, e visa evitar que essa mesma questão venha a ser validamente definida, mais tarde, em termos diferentes, pelo mesmo ou por outro tribunal.

Ora, os limites objectivos do caso julgado são traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida no correspondente conteúdo da decisão judicial em causa; por outro lado, há que distinguir entre a demonstração do direito invocado e a prova do respectivo objecto ou quantidade.

No caso em apreciação, ao declarar-se a existência de um crédito fundado nas diferenças entre as remunerações que o autor auferiu e aquelas que normalmente auferiria se não tivesse sido preterido nas promoções aos escalões superiores, durante o período em que esteve desocupado, condenando-se no pagamento da quantia que venha a ser apurada em liquidação de sentença, não se cria, com a respectiva decisão, caso julgado impeditivo de posterior pronúncia judicial quanto à exacta quantidade do já demonstrado crédito.

Portanto, nada parece obstar que, em face da insuficiência de elementos para determinar o montante em dívida, se profira uma condenação ilíquida, com remissão do apuramento quantitativo da atinente responsabilidade para liquidação de sentença.

Em conformidade, procedem as conclusões 5) a 8), da alegação do recurso de revista do autor.

III

Pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Conceder, parcialmente, a revista trazida pela ré, reduzindo para € 20.000 a indemnização por danos não patrimoniais atribuída ao autor e, em consequência, revogar o acórdão recorrido, nesta parte;
b) Conceder, parcialmente, a revista trazida pelo autor, condenando-se a ré a pagar-lhe as diferenças entre as remunerações que auferiu e aquelas que normalmente auferiria se não tivesse sido preterido nas promoções aos escalões superiores, durante o período compreendido entre 1992 e 6 de Novembro de 2001, conforme o que se apurar em liquidação de sentença, e, em consequência, revogar o acórdão recorrido, nesta parte;
c) No mais, manter o acórdão recorrido.

Custas, nas instâncias e em ambos os recursos de revista, a cargo do autor e da ré, na proporção do respectivo decaimento, sendo suportadas, provisoriamente, em partes iguais, no que respeita à condenação em liquidação de sentença.

Lisboa, 7 de Maio de 2009

Pinto Hespanhol
Vasques Dinis
Bravo Serra