Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
437/18.9T8CTB.C1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
SEGURO DE GRUPO
SEGURO DE VIDA
EXCLUSÃO DE CLÁUSULA
INVALIDEZ
JUROS DE MORA
BANCO
CONTRATO DE MÚTUO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I – Tendo sido declarada nula e assim excluída do contrato de seguro a cláusula deste que definia a situação de “Invalidez Absoluta e Definitiva”, e importando caracterizar tal situação no âmbito do caso em análise, deverá entender-se que a mesma se mostra conformada face a um quadro factual em que o autor sofre de insuficiência renal crónica, em que carece de tratamento por hemodiálise três vezes por semana, durante cerca de quatro horas e meia por sessão, se apresenta numa condição física débil que inspira cuidados de saúde constantes. Fruto de tal doença, deixou também de exercer a sua actividade profissional de vendedor (tendo ficado incapacitado de o fazer) e, decorrente da doença, viu-se obrigado a sair da sociedade de que era sócio-gerente, passando para a situação de pensionista, sendo que por via de tais alterações viu os seus rendimentos serem reduzidos em cerca de 42%.

II – Tendo sido peticionados juros moratórios por parte dos AA., relativamente a parte do pedido em que o beneficiário é o Banco, nada obsta a que os mesmos sejam concedidos, não se verificando uma situação de enriquecimento sem causa.

Decisão Texto Integral:
Relator[[1]]: Juiz Conselheiro Sousa Pinto

Adjuntas:

Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Beleza

Juíza Conselheira Fátima Gomes


                                                   

I. Relatório


AA e mulher, BB, instauraram acção declarativa contra NOVO BANCO, S.A., e T-VIDA, Companhia de Seguros de Vida, S.A., actualmente Generali Seguros, S.A., e GNB, Companhia de Seguros de Vida, S.A., actualmente Gamalife – Companhia de Seguros de Vida, S.A., tendo pedido que seja:

1. Declarada a nulidade e exclusão da cláusula constante no nº 2 do artigo 1º das Condições Especiais da apólice dos contratos de seguro subscritos pelos AA., titulados pelas apólices n.ºs ...23, ...24 e ...87, por abusiva e violadora do princípio da boa-fé e dos deveres de informação e comunicação.

E, consequentemente, ser/serem,

2. Condenadas a 2ª Ré e a 3ª Ré no reconhecimento da invalidez total e definitiva do A. marido, desde 11 de Julho de 2017;

3. Condenada a 2ª Ré a indemnizar os AA nos termos contratuais, entregando, nomeadamente, à 1ª Ré o capital em dívida, referente aos contratos de mútuos identificados em 4º e 6º, ou seja, a quantia de 63.826,63 €, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde 01.08.2017 e até integral pagamento;

4. Condenada a 3ª Ré a indemnizar os AA nos termos contratuais entregando, nomeadamente, à 1ª Ré o capital em dívida referente ao contrato de mútuo identificado em 25º, ou seja, a quantia de 36.020,03 €, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde 1.8.2017 e até integral pagamento;

5. Condenada a 1ª Ré a reembolsar os AA das prestações que foram obrigados a depositar nesse Banco, desde Agosto de 2017, em cumprimento dos contratos de mútuo, no montante total de 3.924,99 €, bem como, das que lhes possam vir a ser exigidas, até efectivo e integral pagamento do capital em dívida e respetivos juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde 1.8.2017 e até absoluto pagamento;

6. Condenadas a 2ª e 3ª Rés a reembolsar os AA. dos valores debitados desde Agosto de 2017, na conta titulada pelo A. marido na mutuante 1ª Ré, a título de prémios de seguro, da quantia de 637,03 €, bem como das que lhe possam vir a ser exigidas até efectivo e integral pagamento das quantias peticionadas, acrescida de juros.

Para tanto, em súmula apertada, os autores invocam a existência de três contratos de mútuos celebrados com o 1º réu, a que se encontram associados os conexos contratos de seguro, ora celebrados com a 2ª ré (no caso dos primeiros dois), ora com a 3ª ré (no caso do terceiro) que garantem o pagamento dos valores em dívida conexos com os mútuos, em caso de morte e de invalidez absoluta e definitiva.

Reclamam os pagamentos dos capitais devidos posto que, basicamente, em 11.07.2017, foi atestado que o autor marido é portador da deficiência “insuficiência renal grave crónica com hemodiálise”, conforme consta do atestado médico de incapacidade multiuso, que lhe confere uma incapacidade permanente global de 70%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, sendo que, em resultado disso, está incapaz de exercer qualquer actividade remunerada, tendo passado consequentemente já à condição de pensionista, auferindo apenas a conexa pensão. Reputam de nulas, por abusivas, as cláusulas que definem nos contratos de seguro ajuizados a condição de “invalidez absoluta e definitiva”. Que, de resto, se devem ter por excluídas por não comunicadas (ao abrigo do regime das cláusulas contratuais gerais). Está basicamente em causa uma cláusula que define o estado de invalidez absoluta e definitiva, quando, em consequência de doença ou acidente, o segurado:

i) fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada;

ii) fique na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar quaisquer actos elementares da vida corrente; e,

iii) apresente um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.

O réu Novo Banco, S.A., contestou, dizendo, em síntese, que não corresponde à verdade que o banco mutuante tenha exigido aos AA que a contratação dos respectivos contratos de seguro do ramo vida fossem celebrados com as 2ª e 3ª RR.

Os AA tinham toda a liberdade para contratar o seguro do ramo vida com qualquer seguradora válida que operasse em Portugal. Sublinha que não existe fundamento legal para que o R. seja condenado a restituir as prestações pagas pelos mutuários após a ocorrência do sinistro. Mais alegou que o banco mutuante informou os AA das cláusulas referentes aos contratos de seguro que regulavam os requisitos para accionamento dos contratos de seguro em caso de invalidez absoluta e definitiva, por consequência de doença.

As 2ª e 3ª rés contestaram, invocando a prescrição dos direitos dos autores na medida em que a doença que determinou a incapacidade do autor foi, como alegam, detectada em 2012. Sublinham igualmente que o estado do autor não preenche a sobredita definição de invalidez absoluta e definitiva. Finalmente, que os autores foram informados da abrangência de cada cobertura e os seus requisitos.

Os autores responderam, dizendo que o facto de o primeiro diagnóstico feito ao A. marido ter ocorrido no ano de 2012, não significa que desde essa altura este seja portador de uma qualquer incapacidade, pelo que não ocorre a referida prescrição.

Na primeira instância, após a fase de julgamento, veio a ser proferida sentença que declarou a nulidade das cláusulas a que se referem os pontos 56) e 57), dos factos provados, por abusivas e violadoras do princípio da boa-fé e exclusão das mesmas por violação dos deveres de informação e comunicação, e julgou improcedente o demais peticionado, absolvendo as RR. dos demais pedidos.


Os AA recorreram de tal sentença, tendo apresentado as respectivas alegações.

O Novo Banco contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

As seguradoras Generali e Gamalife também contra-alegaram, igualmente pugnando pela confirmação da sentença.


Foi proferido acórdão no Tribunal da Relação de Coimbra, onde, na sua parte dispositiva, se decidiu nos seguintes termos:

«Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, assim se revogando parcialmente a decisão recorrida, e, em consequência, além do sentenciado, condena-se:

a) a 2ª e a 3ª RR no reconhecimento da invalidez total e definitiva do A. marido, desde 11 de Julho de 2017;

b) a 2ª R. a indemnizar os AA nos termos contratuais, entregando, à 1ª R. o capital em dívida, referente aos contratos de mútuos identificados, ou seja, a quantia de 63.826,63 €;

c) a 3ª R. a indemnizar os AA nos termos contratuais entregando, nomeadamente, à 1ª R. o capital em dívida, referente ao contrato de mútuo identificado, ou seja, a quantia de 36.020,03 €;

d) a 1ª Ré a reembolsar os AA das prestações que foram obrigados a depositar nesse Banco, desde Agosto de 2017 a Fevereiro de 2018, em cumprimento dos contratos de mútuo, no montante total de 3.924,99 €, bem como, das que lhes possam vir a ser exigidas, até efectivo e integral pagamento do capital em dívida e respectivos juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde 15.03.2018 e até integral pagamento;

e) a 2ª e 3ª Rés a reembolsar os AA. dos valores debitados desde Agosto de 2017 até Fevereiro de 2018, a título de prémios de seguro, da quantia de 637,03 €, bem como das que lhe possam vir a ser exigidas até efectivo e integral pagamento das quantias peticionadas, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde 13.3.2018 e até integral pagamento.

Custas da acção a cargo dos AA e das RR na proporção, face ao vencimento/sucumbência.»


Inconformados com tal decisão vieram, por sua vez, as Rés GENERALI SEGUROS, S.A. e NOVO BANCO, S.A., recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações.

São as seguintes as conclusões do recurso de revista apresentado pela seguradora:

«I. Para concretização do conceito de invalidez absoluta e definitiva será necessário avaliar, por um lado, a finalidade e interesse do contrato de seguro celebrado e, por outro, a abrangência do conceito para um declaratário normal.

II. Não poderá deixar de se considerar que tal conceito apenas se encontra preenchido quanto nos encontramos perante uma incapacidade para o exercício de toda e qualquer profissão, e não apenas ao exercício da actividade até então desempenhada.

III. O ónus da prova do preenchimento dos pressupostos de verificação do risco de invalidez absoluta e definitiva pertencia, como não podia deixar de ser, ao Autor, na medida em que os mesmos são constitutivos do direito invocado pelo mesmo.

IV. Dos factos provados não resulta que o Autor/Recorrido se encontre incapaz para o exercício de toda e qualquer profissão, ou que o mesmo não seja passível de reconversão profissional numa ocupação compatível com o seu estado de saúde actual.

V. Os factos dados como provados e não provados não permitem concluir, por si só – e pelo contrário, quanto a nós – pela incapacidade do Autor para o exercício de qualquer actividade remunerada. Se assim fosse, nem sequer faria sentido constar do elenco dos factos provados que “o autor está incapaz para o exercício da sua profissão habitual” ou que “o autor apenas poderá desempenhar actividades/profissões que não envolvam esforços físicos e compatíveis com o seu estado de saúde.”

VI. O Autor nada alegou quanto às suas habilitações profissionais, nem mesmo logrou provar que os seus rendimentos decorrentes do trabalho sejam, actualmente, inferiores aos que auferia antes da situação de incapacidade – vide factos dados como não provados.

VII. A realização de três sessões de hemodiálise semanais – em horários pós laboral, recorde-se – e o facto de o estado de saúde do Autor inspirar cuidados de saúde constantes, não são suficientes para, sem mais, se poder concluir ou afirmar a sua incapacidade absoluta e definitiva para o exercício de qualquer actividade.

VIII. O tribunal recorrido, ao decidir como decidiu, violou o disposto nos artigos 9º, 236º e 342º do CC, e ainda os artigos 10º a 12 e 13º, nº 3 do DL 445/86, de 25 de outubro, impondo-se a substituição da decisão proferida por uma outra que, considerando não preenchido, no caso concreto, o conceito de invalidez absoluta e permanente, absolva a recorrente dos pedidos formulados quanto à mesma.

TERMOS EM QUE o presente recurso deverá ser julgado procedente nos exactos termos supra concluídos, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se a mesma por outra que absolva a recorrente dos pedidos formulados contra a mesma, com o que se fará JUSTIÇA !»


O Banco recorrente, por sua vez, apresentou as seguintes conclusões do seu recurso de revista:

«A) O presente recurso tem por objecto o douto Acórdão proferido no dia 10.01.2023, referência Citius ...32, o qual, em suma, julga procedente o Recurso de Apelação interposto pelos Autores/ora Recorridos, revogando, assim, parcialmente a sentença recorrida e, em consequência, além do sentenciado nessa sentença, condena, ainda, os RR. nos pedidos deduzidos pelos AA. na sua petição inicial (quando, em sede de 1ª instância, tinha sido decidida a absolvição dos RR. dos pedidos), condenando, por isso, o Recorrente, 1º R., a reembolsar os AA. das prestações que foram obrigados a depositar no Banco, desde Agosto de 2017 a Fevereiro de 2018, em cumprimento dos contratos de mútuo, no montante total de 3.924,99 €, bem como, das que lhes possam vir a ser exigidas, até efectivo e integral pagamento do capital em dívida e respectivos juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde 15.03.2018 e até integral pagamento;

B) Para efeitos de apuramento do Valor da Sucumbência do ora Recorrente, tendo presente a condenação do mesmo, como acima vertida, informa o ora Recorrente que o valor a reembolsar perfaz, à data de 03.02.2023, a quantia total de € 20.783,69 (vinte mil setecentos e oitenta e três euros e sessenta e nove cêntimos), a qual corresponde à soma das prestações pagas e depositadas pelos AA. no Novo Banco, S.A., desde 01.08.2017 até 03.02.2023, no âmbito dos 3 (três) contratos de mútuo em causa nos autos, tudo conforme Declarações emitidas pelo ora Recorrente, referentes a cada um dos 3 contratos, e juntas sob os Docs. 1 a 3 no requerimento de interposição do presente Recurso (aqui anexos), acrescendo sempre o valor das prestações que ainda possam vir a ser depositadas pelos AA. até efectivo e integral pagamento da capital em dívida e respectivos juros moratórios vincendos até integral pagamento;

C) O douto Acórdão recorrido padece de fundamento legal, tendo, ao não atender à falta de prova, por parte dos Recorridos, de elementos essenciais para preenchimento do conceito de Invalidez Absoluta Definitiva, violando o disposto no art. 342º do C.C. quanto ao ónus da prova, violando, sequentemente, o disposto no art. 236º do C.C.;

D) Para o caso de assim não se entender, violou também, por erro de interpretação, o disposto no art. 265º do C.P.C., ao não atender aos juros moratórios peticionados pelos Recorridos, vencidos e vincendos, à taxa legal desde 01.08.2017, nos pedidos formulados em 3. e 4., com o mero argumento de não ter sido o aqui Recorrente a peticioná-los, acrescendo, ainda, que, em caso de sentença condenatória, os juros moratórios são devidos independentemente de qualquer interpelação;

E) Tendo sido declaradas nulas as cláusulas a que se referem os pontos 56) e 57) dos factos provados por abusivas e violadoras do princípio da boa-fé, bem como, a exclusão das mesmas por violação dos deveres de informação e comunicação, foi procurada, quer pelo Tribunal de 1ª Instância, quer pelo Tribunal “a quo” a densificação do conceito de Invalidez Absoluta Definitiva, seguindo, para tanto, a integração e interpretação da declaração negocial, a qual, à luz do art. 236º do Código Civil (C.C.) deve valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento de declarante, tudo ao abrigo do disposto nos arts. 236º a 239º, todos do C.C., conjugado com o disposto nos arts. 7º, 10º e 11º do Decreto-Lei nº 446/85, de 15 de Outubro;

F) Sem prejuízo das duas vertentes jurisprudências existentes, quer o Tribunal de 1ª Instância, quer o Tribunal “a quo” declararam acolher uma terceira vertente, esta mais mitigada, que, em suma, leva à adopção de uma concepção que atende na sua globabilidade ao tipo de doença em causa, às limitações dela decorrentes para a pessoa em concreto, considerando as suas qualificações profissionais, a sua anterior profissão, as reais e efectivas possibilidades de reconversão, e outros factos essenciais, para, no fundo, se perceber se aquela concreta doença de que padece o segurado, com aquelas concretas limitações, face às suas concretas qualificações e capacidades remanescentes, induz irremediavelmente à uma perda sensível das suas reais capacidades de ganho e de gerar rendimento, no fundo até para fazer face ao serviço das dívidas que contraiu e que segurou;

G) Citando, quer o Tribunal de 1ª Instância, quer o Tribunal da Relação de Coimbra, o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.02.2010 em que é relator RICARDO COSTA, disponível para consulta em www.dgsi.pt;

H) Convergindo ambas as Instâncias, até esta fase, na sua fundamentação, seguindo sempre o mesmo trilho;

I) Porém, eis que o Acórdão aqui em crise, após elencar os factos apurados, bifurca, sem mais, para a seguinte conclusão “Ora se está provado que o A. apenas poderá desempenhar actividades remuneradas/profissões que não envolvam esforços físicos e compatíveis com o seu estado de saúde, a verdade é que todo o quadro acabado de descrever inculca, para um declaratário normal, a interpretação e conclusão que o A. está numa situação de invalidez absoluta e definitiva.”;

J) Afirmando, ainda, que “não se afigurando possível, num juízo de prognose, que se possa afirmar que o A. tem possibilidades de fazer uma real reconversão profissional ou o exercício de uma actividade alternativa à que tinha e possa gerar rendimentos compatíveis com os que tinha anteriormente.”;

K) Com tais conclusões, o Tribunal “a quo” faz tábua rasa da obrigação que impelia sobre os Recorrentes de demonstração dos factos essenciais integradores do conceito que aqui se discute, a saber, a Invalidez Absoluta Definitiva e que não lograram provar, não cumprindo, pois, os Recorridos com o ónus da prova que lhes competia;

L) Não obstante ter ficado bem salientado e exposto em sede da sentença proferida em 1ª Instância esse falta de cumprimento por parte dos Recorridos do ónus da prova que lhe competia e que, por isso, conduziu à absolvição dos RR., incluindo o Réu aqui Recorrente;

M) O próprio Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27.02.2010, em que é Relator RICARDO COSTA, citado por ambas as instâncias, também é firme quanto à necessidade de demonstração dos factos integradores do conceito de invalidez absoluta e definitiva e inerente dever de cumprimento do ónus da prova pelo segurado e consequência em caso de não cumprimento, tudo nos termos do art. 342º do C. Civil;

N) Elencando este mesmo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27.02.2010, diversos outros Acórdãos nos quais é bem explanada (como não podia deixar de o ser) a evidência de competir ao Autor o ónus da prova do facto constitutivo do seu direito, tudo por respeito ao disposto no art. 342º do C.C., e cujo incumprimento levou às improcedências das pretensões do Autor;

O) O Acórdão recorrido, sem qualquer justificação para tal, ignorou o facto de os Recorridos não terem logrado provar factos constitutivos do seu direito, ao arrepio do que foi decidido em sede de 1ª Instância, violando, assim, o Tribunal “a quo” o disposto no art. 342º do C. Civil e, consequentemente, o disposto no art. 236º do C. Civil;

P) Como consta do Acórdão aqui em crise, toda a factualidade dada como provada em sede de 1ª Instância se mostra definitivamente fixada, pelo que menos se entende, salvo o devido respeito, o trilho final seguido no Acórdão aqui em causa, que veio dar por preenchido o conceito de Incapacidade Absoluta e Definitiva sem que, no entanto, os Recorridos tenham, como consta da matéria de facto, demonstrado ou logrado provar que o Recorrido marido estivesse incapaz para toda e qualquer profissão (alegou, mas não provou) ou que em alternativa, tratando-se de uma incapacidade relativa, estando apenas incapaz para o exercício da sua profissão habitual, não está capaz do exercício de qualquer outra profissão que lhe consinta rendimentos similares aos anteriormente percepcionados;

Q) Não tendo os Recorridos logrado essa prova, que lhes competia, face ao disposto no art. 342º do C.C., forçosamente deveria, tal como foi decidido em sede de 1ª Instância, ter sido decidido que não se poderia dar como verificado o conceito de Invalidez Absoluta e Definitiva aqui discutido;

R) Motivos pelos quais, mal andou, salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” na sua decisão, uma vez que deveria ter julgado como improcedente a Apelação dos Recorridos, mantendo o decidido em sede de 1ª instância por este não merecer censura, com a manutenção da absolvição dos RR., incluindo o aqui Recorrente, dos pedidos formulados pelos Recorridos/autores;

S) Para o caso de assim não se entender, o que apenas por mero dever de patrocínio se concede, acresce, ainda, que mal andou o Acórdão de que se recorre na sua parte final quando, no que aos pedidos formulados pelos ora Recorridos em 3. e 4., no que se reporta aos respectivos juros moratórios vencidos e vincendos, entendeu não os contemplar porque “o Novo Banco não só os não peticionou, como a serem devidos isso só ocorrerá depois do trânsito em julgado da presente decisão que ordena a referida entrega e mesmo assim só após interpelação do Novo Banco, S.A. às 2ª e 3ª RR.”;

T) Sendo o ora Recorrente, 1º R. nos autos génese dos presentes, não se entende como poderia este também peticionar esses mesmos juros, quer pela posição processual que ocupa, já que, face ao disposto no art. 265º, nº 2 C.P.C., uma eventual alteração do pedido apenas compete ao Autor (que não era o aqui Recorrente) e, face ao disposto no art. 266º do C.P.C., o Réu, em reconvenção, apenas pode dirigir um pedido … ao Autor;

U) E, ainda, se é verdade que a mora de um devedor se constitui, em último caso, quando o devedor seja interpelado para cumprir, também não é menos verdade que a mora se verifica quando o devedor é notificado da sentença condenatória, sem necessidade de qualquer interpelação;

V) Veja-se, aliás, nesse sentido, a título explicativo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22.06.2004, processo nº 3345/2004-7, Relator PIMENTEL MARCOS, disponível para consulta em Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (dgsi.pt);

W) Sempre serão devidos juros pelos 2ª e 3ª RR., nos termos peticionados pelos Autores/Recorridos, na eventualidade (o que não se concede) de o Tribunal “ad quem” não revogar o Acórdão em crise face aos argumentos antes vertidos quanto à violação pelo Tribunal “a quo” das regras do ónus da prova contidas no art. 342º do C. Civil.

Nestes termos, por todo o antes exposto, deverá o douto Acordão ser revogado e substituído por outro que mantenha o decidido em sede de 1ª instância, absolvendo, assim, o aqui Recorrente do pedido contra si formulado pelos Recorridos.

TERMOS EM QUE:

Deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o douto Acórdão de que ora se recorre por incorrecta interpretação e violação do disposto nos arts. 342º e 236º, ambos do C.C., sendo substituído por outro que mantenha o decidido em sede de 1ª Instância, por não merecer censura, absolvendo, assim, o ora Recorrente do pedido formulado pelos Recorridos, o que, por este meio, se requer,

Assim se fazendo a costumada justiça!»


O recorrido/Autor, apresentou contra-alegações quanto a cada um dos recursos interpostos pelas Rés, defendendo em ambos o infundado do neles vertido e sustentando a bondade do decidido no acórdão recorrido.


II. Da admissibilidade do recurso

Os requerimentos de interposição dos recursos mostram-se tempestivos (artigos 638.º e 139.º do CPC), foram apresentados por quem tem legitimidade para o efeito (artigo 631.º do CPC), encontrado-se as partes devidamente patrocinadas (artigo 40.º do CPC).

Tais requerimentos estão devidamente instruídos com alegações e conclusões (artigos 639º do CPC).

O acórdão impugnado é, pela sua natureza, pelo seu conteúdo, pelo valor da causa e da respectiva sucumbência, recorrível (artigos 629.º e 671.º do CPC).

 Mostra-se, em função do disposto nos artigos 675.º e 676.º do CPC, correctamente fixado o seu modo de subida (nos próprios autos) e o seu efeito (meramente devolutivo).

Pelo que se deixa exposto, os recursos merecem conhecimento.


III. Do objecto dos recursos

Sendo o objecto dos recursos delimitado pelas conclusões das Recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), a questão fundamental a decidir, em ambas as Revistas, prende-se com a caracterização do que se possa entender por “Invalidez Absoluta e Definitiva” e saber se o Autor logrou demonstrar padecer da mesma.

Subsidiariamente, sustenta ainda o Réu Novo Banco, S.A., que a decisão sobre a parcial não condenação em juros de mora se revela inadequada.


IV. Fundamentação


1. De facto

Nas instâncias resultou apurada a seguinte matéria de facto:

Factos provados:

1) Na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º 1416/da freguesia ..., mostra-se descrito o seguinte:

Prédio Urbano, sito na Estrada ..., composto por edifício de rés-do-chão, 1.º andar e logradouro, que confina do Norte com Servidão Particular, do Sul com CC, do Nascente com Estrada Municipal e do Poente com DD, inscrito na matriz da União de Freguesias ... e ... sob o artigo 2103 que teve origem no artigo 2192 da extinta freguesia ...) (vide doc.1 e 2 – juntos com a pi, patenteados nos autos a fls.25 a fls.27-v, do p. físico)).

2) Sendo que sobre tal descrição pende, entre outras, a inscrição da respectiva aquisição, POR COMPRA, em favor do autor AA, casado com BB no regime de comunhão de adquiridos, por compra a EE e mulher FF. 2103 (vide doc.1 e 2).

3) Por escritura pública intitulada de compra e venda, celebrada no dia 28/01/2005, na Agência do Banco Espírito Santo, S.A., na cidade ..., intervindo na qualidade de primeiros outorgantes EE e mulher FF, e na qualidade de segundo outorgante AA, as partes declararam entre si, entre o mais que consta do teor da conexa escritura patenteada nos autos a fls.28 a fls.30, do p.f. – doc. 3 junto com a pi, cujo conteúdo se dá por reproduzido, pelos primeiros outorgantes foi dito:

“Que pelo preço de NOVENTA MIL EUROS, que já receberam, vendem ao SEGUNDO OUTORGANTE, livre de quaisquer ónus ou encargos, o seguinte:

– PRÉDIO URBANO constituído por edifício de rés-do-chão, primeiro andar, sótão e logradouro, sito na Estrada ..., naquela freguesia ..., inscrito na matriz respectiva sob o artigo 2192, (…), descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número mil quatrocentos e dezasseis, da mesma freguesia ... (…)”.

Pelo segundo outorgante foi dito:

Que aceita esta venda nos termos exarados, que o prédio adquirido se destina exclusivamente a sua habitação própria e permanente”.

4) Por escritura pública intitulada de MÚTUO COM HIPOTECA, celebrada no dia 28/01/2005, na Agência do Banco Espírito Santo, S.A., na cidade ..., intervindo na qualidade de primeiros outorgantes AA e mulher BB, e na qualidade de segundo GG (na qualidade de procurador do “BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A.”), as partes declararam entre si, entre o mais que consta da conexa escritura patenteada nos autos a fls.30-v a fls.34-v, do p. físico, o seguinte:

“PELOS PRIMEIROS OUTORGANTES FOI DITO:

Que são donos e legítimos possuidores do seguinte imóvel, por eles adquirido hoje, por escritura lavrada imediatamente anterior à presente:

– PRÉDIO URBANO constituído por edifício de rés-do-chão, primeiro andar, sótão e logradouro, sito na Estrada ..., naquela freguesia ..., inscrito na matriz respectiva sob o artigo 2192, (…), descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número mil quatrocentos e dezasseis, da mesma freguesia ... (…)”.

Que por esta mesma escritura, eles PRIMEIROS OUTROGANTES se confessam devedores ao “BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A.” (…), da importância de NOVENTA MIL EUROS, que neste acto recebem do mesmo Banco, por empréstimo que este lhes concede ao abrigo das normas para o regime geral do crédito à habitação.”.

“Que o referido empréstimo de NOVENTA MIL EUROS será liquidado em TRINTA anos, em TREZENTAS E SESSENTA prestações mensais constantes sucessivas de capital e juros, vencendo-se a primeira no dia dez de Fevereiro de dois mil e cinco (…).”

Que, em garantia do bom pagamento da importância mutuada, (…), eles primeiros outorgantes, por esta mesma escritura constituem HIPOTECA a favor do “BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A., sobre o prédio atrás identificado (…)”

“Que os referidos empréstimos e hipoteca se regulam pelos termos constantes do documento complementar, (…), anexo a esta escritura”.

“PELO SEGUNDO OUTORGANTE FOI DITO:

“Que aceita, para o Banco que representa, a confissão de dívida e a hipoteca, nos termos exarados.”

5) Por escritura pública intitulada de MÚTUO COM HIPOTECA, celebrada no dia 28/01/2005, na Agência do Banco Espírito Santo, S.A., na cidade ..., intervindo na qualidade de primeiros outorgantes AA e mulher BB, na qualidade de segundo GG (na qualidade de procurador do “BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A.”), as partes declararam entre si, entre o mais que consta da conexa escritura patenteada nos autos a fls.35 a fls.39, do p. físico, o seguinte:

“PELOS PRIMEIROS OUTORGANTES FOI DITO:

Que são donos e legítimos possuidores do seguinte imóvel, por eles adquirido hoje, por escritura lavrada imediatamente anterior à presente:

– PRÉDIO URBANO constituído por edifício de rés-do-chão, primeiro andar, sótão e logradouro, sito na Estrada ..., naquela freguesia ..., inscrito na matriz respectiva sob o artigo 2192, (…), descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número mil quatrocentos e dezasseis, da mesma freguesia ... (…)”.

Que por esta mesma escritura, eles PRIMEIROS OUTROGANTES se confessam devedores ao “BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A.” (…), da importância de DEZ MIL EUROS, a liquidar em TRINTA anos, em TREZENTAS E SESSENTA prestações mensais constantes sucessivas de capital e juros, vencendo-se a primeira no dia dez de Fevereiro de dois mil e cinco (…).”

“Que o referido empréstimo se destina a fazer face a compromissos financeiros assumidos anteriormente pelos primeiros outorgantes e a aquisição de equipamento para a sua residência.”

Que, em garantia do bom pagamento da importância mutuada, (…), eles primeiros outorgantes, por esta mesma escritura constituem HIPOTECA a favor do “BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A.”, sobre o prédio atrás identificado (…)”

“Que os referidos empréstimos e hipoteca se regulam pelos termos constantes do documento complementar, (…), anexo a esta escritura”.

“PELO SEGUNDO OUTORGANTE FOI DITO:

“Que aceita, para o Banco que representa, a confissão de dívida e a hipoteca, nos termos exarados.”

6) As hipotecas foram registadas provisoriamente a favor do Banco Espírito Santo, S.A., pelas apresentações três e quatros, de 10 de dezembro de 2004, e averbadas definitivamente em 31 de Janeiro de 2005, conforme descrito na Conservatória do Registo Predial ..., nos termos da sobredita descrição predial (doc. n.º 2).

7) Os referidos acordos de “mútuo e hipoteca” encontram-se regulados pelos termos contantes dos respectivos documentos complementares, que instruem e estão anexos às ditas escrituras, nos termos declarados nestas.

8) Nos termos da cláusula 5.ª do documento complementar anexo à escritura de mútuo com hipoteca a que se alude em 4) dos factos provados, “O(s) mutuário(s) obriga(m)-se a manter (seguro(s) de vida pelo prazo e montante do empréstimo, para garantir, em caso de morte ou invalidez, a liquidação do montante em dívida de capital e juros” – cf. doc. n.º 4.

9) Igualmente, nos termos da cláusula 4.ª do documento complementar anexo à escritura de mútuo com hipoteca a que se alude em 5), “O(s) mutuário(s) obriga(m)-se a manter (seguro(s) de vida pelo prazo e montante do empréstimo, para garantir, em caso de morte ou invalidez, a liquidação do montante em dívida de capital e juros vencidos” – cf. doc. n.º 5.

10) Nesse contexto, por intermediário da 1.ª Ré (actualmente NOVO BANCO, S.A.), os AA. receberam dois documentos da 2.ª Ré - T-VIDA, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A..

11) Um referente às condições gerais e especiais do “contrato do seguro de vida”, prévia e antecipadamente elaboradas.

12) Outro com o boletim para adesão a seguro do ramo vida da 2.ª Ré.

13) Na sequência, os AA. aderiram a dois seguros do ramo VIDA da 2.ª Ré, um para cada mútuo (a que se alude em 4) e 5)), pelo prazo de trinta anos (duração dos mútuos celebrados), e pelo valor do mútuo concedido.

14) As apólices dos seguros encontram-se em poder da 1.ª Ré.

15) Por documento intitulado de “TÍTULO DE MÚTUO COM HIPOTECA”, celebrado a 09 de Setembro de 2010, na Conservatória do Registo Predial ..., intervindo como primeiro outorgante o “BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A.”, e como segundos AA e mulher BB, os AA. declararam ter recebido a quantia de € 42.600,00 (quarenta e dois mil e seiscentos euros), do primeiro outorgante, a liquidar em trinta anos, em trezentas e sessenta prestações mensais constantes sucessivas de capital e juros, com taxa de juro anual de 10,5%, nos termos do qual, os autores/segundos outorgantes, constituíram a favor do Banco, hipoteca sobre o imóvel (supra identificado em 1)), para garantia, entre o mais, do capital mutuado e juros (nos termos do documento junto aos autos a fls.108 a fls.116, do p. físico). Foi declarado nos termos do conexo documento que “Tal empréstimo reger-se-á pelas cláusulas constantes do presente título, bem como pelas cláusulas constantes de um documento complementar (anexo I), que arquivo e que integra o presente título” (patenteado nos autos a fls.110 a fls.116, cujo conteúdo se dá por reproduzido).

16) A conexa hipoteca sobre o dito prédio foi registada a favor do “BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A.”, pela apresentação 1168 de 09/09/2010 (vide a conexa sobredita descrição predial).

17) No contexto do acordo a que se alude em 15), foi outorgado um seguro vida que se encontra titulado por uma apólice (vide designação infra).

18) Nos termos das cláusulas 6.ª e 5.ª do documento complementar das escrituras dos contratos de mútuo com hipoteca a que se alude em 4) e 5), “O(s) mutuário(s) é(são) obrigado(s) a mostrar que tem(têm) em dia o pagamento dos prémios dos seguros. Em caso de atraso por parte do(s) mutuário(s) no cumprimento dessas obrigações, poderá o Banco alterar ou anular os seguros e efectuar os correspondentes pagamentos, debitando os respectivos custos na conta de depósito à ordem dos mutuário(s) aberta no Banco.” – cf. docs.n.ºs 4 e 5). Idem quanto ao mútuo a que se alude em 15), nos termos da cláusula décima terceira do documento complementar patenteado nos autos a fls.110 a fls.116 do p. físico, cujo teor se dá por reproduzido.

19) Os AA. asseguram o pagamento dos prémios de seguro do ramo VIDA.

20) – Os AA. despendem em prémios, mensalmente, uma quantia variável, cobrada por débito direto, na conta identificada infra – nos pontos 23) e 24) da factualidade dada como provada, em quatro movimentos (cf. doc.n.º 2):

- “Cobrança Sdd Gnb – Companhia De Adc. ...62”;

- “Cobrança Sdd Gnb – Companhia De Se Adc ...48”;

- “Cobrança Sdd T-Vida, Companhia D Adc 53...98”;

- “Cobrança Sdd T-Vida, Companhia D Adc 53...68”.

21) Em 08/09/2017, o autor procedeu à entrega, em agência da 1.ª Ré – Agência da .../... – do formulário “Participação de Sinistro Acidente/Doença – Crédito Habitação”, documento junto como n.º 18, patenteado nos autos a fls.70 e seg., e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

22) Após tomada de posição da 2ª e 3ª rés, declinando que a condição ao autor se integre nas coberturas acordadas, foi neste contexto que o A. enviou resposta, por carta escrita com A/R, datada de 30/01/2018, às cartas enviadas pelas 2.ª e 3.ª Rés (patenteadas nos autos a fls.54-v e a fls.55), reiterando pela activação dos seguros (cf. doc. n.º 20 – patenteado nos autos a fls.72 a fls.72-v, cujo conteúdo se dá como reproduzido).

                                                       *

Factos controvertidos que se consideram provados:

a) Da Petição inicial:

23) Ao “mútuo” a que se alude em 4), foi atribuído o n.º ...10 e as denominações de “BHP – AQUISIÇÃO C/ HIPO” e “CRÉDITO HIPOTECÁRIO AQUIS HPP E6”, conforme documentos denominados “Posição Integrada” e extracto integrado, referente à conta ...00, titulada pelo A. marido na 1.ª Ré, juntos como docs. n.ºs 6 e 7, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

24) Ao “Mútuo” a que se alude em 5) foi atribuído o n.º ...11 e as denominações de “MULTIOPCOES C/ HIPO” e “CRÉDITO HIPOTECÁRIO MOC/HIPO E6”, conforme documentos denominados “Posição Integrada” e extracto integrado, referente à conta ...00, titulada pelo A. marido na 1.ª Ré, juntos como docs. n.º 6 e 7, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

25) Dispõe-se no ponto 11 da “Ficha de informação de crédito à habitação” disponibilizada pela 1.ª Ré, antes da celebração dos mútuos a que se alude em 4) e 5), denominado “Condições e Benefícios concedidos no Crédito à Habitação”:

“Seguros de Vida – É obrigatória a realização de seguro de vida a favor dos titulares do empréstimo. No qual conste como Beneficiário Privilegiado o Banco Mutuante.

(…) É exigida a cobertura da morte por doença ou acidente assim como a Invalidez Absoluta e Definitiva por Doença ou Total e Permanente por acidente. O montante do Seguro não pode ser inferior ao montante do empréstimo concedido.” – cf. doc. n.º 8.

26) No contexto a que se alude em 4) e 5), quanto aos seguros de vida associados ao conexos mútuos, regiam e vigoravam as condições gerais e especiais patenteadas nos autos a fls.366 a fls.369.

27) Como condição indispensável à outorga/concessão dos mútuos a que se alude em 4) e 5), a 1ª ré impôs a obrigatoriedade da adesão a seguro de vida por parte dos titulares do empréstimo, no qual constasse como “Beneficiário Privilegiado o Banco Mutuante”, que cobrisse o risco de morte ou invalidez dos mutuários, conquanto não necessariamente junto da 2ª ré (a adesão (realização) a (de) seguro de vida poderia ser feito junto de qualquer outra companhia de seguros).

28) Se não o fizessem, o mútuo não lhes seria concedido.

29) Os AA. preencheram os respetivos boletins de adesão.

30) Ao “mútuo” a que se alude em 4), dos factos provados, encontra-se associado o “contrato de seguro” titulado pela apólice n.º ...23 – cf. doc. 10.

31) Ao “mútuo” a que se alude em 5), dos factos provados, encontra-se associado o “contrato de seguro” titulado pela apólice n.º ...24 – cf. doc. 10.

32) Ao “Mútuo” a que se alude em 15) foi atribuído o n.º ...09 e as denominações “REESTRUTURAÇÃO” e “CRÉDITO HIPOTECÁRIO MULTI EU6 HIP”, conforme documento denominado “Posição Integrada” e extrato integrado referente à conta ...00, titulada pelo A. na 1.ª Ré, juntos como docs. n.º 6 e 7, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

33) Como condição indispensável à outorga/concessão do mútuo a que se alude em 15), a 1ª ré impôs a obrigatoriedade da adesão a seguro de vida (realização de seguro de vida) por parte dos titulares do empréstimo, no qual constasse como “Beneficiário Privilegiado o Banco Mutuante”, que cobrisse o risco de morte ou invalidez dos mutuários, conquanto não necessariamente junto da 3ª ré (a realização de seguro de vida (ou adesão a) poderia ser feita junto de qualquer outra companhia de seguros).

34) Assim, a celebração do mútuo a que se alude em 15), foi, igualmente, acompanhado de adesão a “contrato de seguro do ramo VIDA”, desta vez, da 3.ª Ré, com o preenchimento de boletim de adesão disponibilizado pela 1.ª Ré.

35) No presente (com referência a Fevereiro de 2018), os AA. são devedores junto da 1.ª Ré, no valor de € 99.846,66 (noventa e nove mil oitocentos e quarenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), a título de capital (não comtemplando juros, impostos e outros encargos) repartido da seguinte forma (cf. doc. n.º 6):

- contrato n.º ...10, € 57.443,87 (cinquenta e sete mil, quatrocentos e quarenta euros e oitenta e sete cêntimos);

– contrato n.º ...11, € 6.382,76 (seis mil, trezentos e oitenta e dois euros e setenta e seis cêntimos);

- contrato n.º ...09, € 36.020,03 (trinta e seis mil e vinte euros e três cêntimos).

36) Mensalmente, os AA. despendem, em prestações, o montante de € 558,44 (quinhentos e cinquenta e oito euros e quarenta e quatro cêntimos), repartido da seguinte forma (cf. doc. n.º 6):

- contrato n.º ...10, € 287,06 (duzentos e oitenta e sete euros e seis cêntimos);

- contrato n.º ...11, € 35,16 (trinta e cinco euros e dezasseis cêntimos);

- contrato n.º ...09, € 236,22 (duzentos e trinta e seis euros e vinte e dois cêntimos).

37) No que tange aos “mútuos” a que se alude em 4) e 5), nos termos descritos nos respectivos documentos complementares anexos aos referidos “mútuos”, e, bem assim, nas condições gerais e especiais dos seguros de vida associados aos referidos mútuos celebrados com a 1.ª Ré, a 2.ª, enquanto seguradora, garante, em caso de morte ou de invalidez (absoluta e definitiva – em consequência de acidente ou doença) dos mutuários/segurados, ora AA., a liquidação à mutuante/beneficiária privilegiada, in casu, a 1.ª Ré, do montante em dívida do capital e dos juros.

38) No que tange ao “mútuo” a que se alude em 15), nos termos descritos no documento complementar anexo ao mútuo em apreço, e, bem assim, nas condições gerais e especiais dos seguros de vida associados ao mútuo celebrados com a 1.ª Ré, a 3.ª Ré, enquanto seguradora, garante, em caso de morte ou de invalidez (absoluta e definitiva – em consequência de acidente ou doença) dos mutuários/segurados, ora AA., a liquidação à mutuante/beneficiária privilegiada, in casu, a 1.ª Ré, do montante em dívida do capital e dos juros.

39) Em 11/07/2017, foi atestado que o A. marido é portador da deficiência “insuficiência renal grave crónica com hemodiálise”, conforme consta do Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, datado de 11/07/2017, junto como doc. n.º 12, patenteado nos autos a fls.55-v, do p. físico e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

40) Mercê daquela insuficiência, foi atribuída ao A. (e o autor padece de) uma “incapacidade permanente global” de 70% (setenta por cento), de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, sendo que na base daquele atestado multiusos está um relatório médico e deliberação (patenteados nos autos a fls.289 a fls.291-v) – que concluiu que o autor se encontrava numa situação de incapacidade permanente relativamente à sua profissão.

Mercê ainda daquela insuficiência renal crónica com necessidade de hemodiálise, o autor apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica valorizável em 60,00 pontos, avaliado de acordo com a tabela nacional de incapacidades em direito civil.

41) Até então, o A. era sócio-gerente na sociedade comercial J..., Lda., NIPC ..., conforme doc. n.º 13 e 14.

42) Auferia a retribuição mensal líquida de € 534,00 (quinhentos e trinta e quatro euros) – cf. doc. n.º 13.

43) Fruto da insuficiência renal crónica com necessidade de hemodiálise de que veio a padecer e padece, o A. deixou de ter condições físicas e anímicas para exercer o cargo de sócio-gerente, tendo procedido à renúncia à gerência e à cessão das quotas que detinha naquela sociedade, identificada em cf. doc. n.º 14).

44) Foi-lhe deferida pensão de invalidez, com data de início em 30/08/2017, passando da situação de trabalhador para a de pensionista, nos termos do documento emitido pelo Instituto da Segurança Social, IP – Centro Nacional de Pensões, datado de 13/10/2017, junto como doc. n.º 15, patenteado nos autos a fls.68, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

45) O valor da pensão de invalidez é de € 311,47 (trezentos e onze euros e quarenta e sete cêntimos) – cf. docs. n.ºs 16 e 17.

46) Nesse circunstancialismo, o A. procurou proceder à participação de sinistro por doença, relativamente aos mútuos a que se alude em 4), 5) e 15), a fim de ativar os inerentes seguros, referenciados, entre outros, nos pontos 13) e 17).

47) Para tanto, no âmbito do plasmado em 21, O A. providenciou pelo preenchimento do campo 5, referente a “informação do médico assistente”, deslocando-se ao Centro de Saúde ..., tendo o seu Médico Assistente preenchido aquele campo, com a indicação de que o primeiro diagnóstico havia ocorrido no ano de 2012, atestando que o A. é portador da deficiência “insuficiência renal grave crónica com hemodiálise”.

Sem prejuízo, no ano de 2012, o autor não estava acometido de “insuficiência renal grave crónica com hemodiálise”, antes com alterações na função renal (sem hemodiálise ou incapacidade para o seu trabalho) que acabou por evoluir com o tempo para aquela “insuficiência renal grave crónica”, com necessidade de hemodiálise.

48) Na sequência da sobredita participação por sinistro, as 2ª e 3ª rés declinaram que o referido em 39) e 40) (neste ponto quanto ao parecer da Junta Médica apenas), se enquadrasse nas coberturas dos seguros a que se alude em 13) e 17), observando que “o seguro em causa prevê o pagamento do Capital em caso de Morte ou Invalidez Absoluta e Definitiva do Segurado”, concluindo que a “Invalidez da qual o segurado é portador não se enquadra no previsto nas Condições Especiais dos Seguros Complementares do Seguro”, isto porque consideram que “Qualquer segurado é considerado em estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando, por consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e, simultaneamente, na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida corrente e apresentar um grau de incapacidade igual ou superior a 85% de acordo com a “Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais” oficialmente em vigor no momento do reconhecimento da invalidez.”.

49) Para além do consignado em 39) e 40), mercê da apontada insuficiência renal crónica com necessidade de hemodiálise, o autor está incapaz para o exercício da sua profissão habitual.

O autor apenas poderá desempenhar actividades remuneradas/profissões que não envolvam esforços físicos e compatíveis com o seu estado de saúde.

50) O autor aderiu aos seguros do ramo VIDA, com o preenchimento dos boletins de adesão, cujos impressos foram antecipadamente elaborados, não tendo tido qualquer intervenção na elaboração das cláusulas.

51) Despendeu, desde Agosto de 2017 até ao momento (a Fevereiro de 2018), em prestações mensais, a quantia de € 3.924,99 (três mil novecentos e vinte e quatro euros e noventa e nove cêntimos), repartida nos seguintes termos:

- Agosto de 2017: € 573,06 (300,78 + 35,31 + 236,97) – cf. extrato integrado n.º 08/2017 (doc. n.º 22);

- Setembro 2017: € 559,19 (287,06 + 35,16 + 236,97) – cf. extrato integrado n.º 09/2017 (doc. n.º 23);

- Outubro 2017: € 558,49 (287,06 + 35,16 + 236,27) – cf. extrato integrado n.º 10/2017 (doc. n.º 24);

- Novembro 2017: € 558,90 (287,06 + 35,16 + 236,68) – cf. extrato integrado n.º 11/2017 (doc. n.º 25);

- Dezembro 2017: € 558,46 (287,06 + 35,16 + 236,24) – cf. extrato integrado n.º 12/2017 (doc. n.º 26);

- Janeiro 2018: € 558,45 (287,06 + 35,16 + 236,23) – cf. extrato integrado n.º 01/2018 (doc. n.º 27);

- Fevereiro 2018: € € 558,44 (287,06 + 35,16 + 236,22) – cf. extrato integrado n.º 02/2018 (doc. n.º 27);

52) Em prémios de seguro, desembolsou, até ao presente (de Agosto de 2017 a Fevereiro de 2018), a quantia de € 637,07 (seiscentos e trinta e sete euros e sete cêntimos), repartida nos seguintes termos:

- Agosto 2017: € 89,83 (8,48 + 25,88 + 5,55 + 49,92) – cf. extrato integrado 08/2017 (doc. n.º 22);

- Setembro 2017: € 90,22 (8,48 + 26,06 + 5,57 + 50,11) – cf. extrato integrado 09/2017 (doc. n.º 23);

- Outubro 2017: € 90,61 (8,48 + 26,23 + 50,31 + 5,59) – cf. extrato integrado 10/2017 (doc. n.º 24);

- Novembro 2017: € 90,98 (8,48 + 26,40 + 50,49 + 5,61) – cf. extrato integrado 11/2017 (doc. n.º 25);

- Dezembro 2017: € 91,37 (8,48 + 26,58 + 50,68 + 5,63) – cf. extrato integrado 12/2017 (doc. n.º 26);

- Janeiro 2017: € 91,74 (8,48 + 26,75 + 50,86 + 5,65) – cf. extrato integrado 01/2018 (doc. n.º 27);

- Fevereiro 2018: € € 92,32 (8,69 + 26,93 + 51,03 + 5,67) – cf. extrato integrado n.º 02/2018 (doc. n.º 27);

53) Fruto da incapacidade de que padece, o A. necessita de, semanalmente, realizar sessões de diálise.

54) O A. realiza sessões de diálise três vezes por semana (2.ª, 4.ª e 6.ª), das 18h00 às 22h30 – cf. doc. n.º 28.

55) Mercê da sobredita referida insuficiência renal crónica com a implicada necessidade de realização de hemodiálise, que lhe confere a incapacidade plasmada no ponto 40), dos factos provados, e dos tratamentos a que se encontra sujeito, a condição física do A. é, no presente, débil e inspira cuidados de saúde constantes.

[[2]]56) No que tange aos “mútuos” a que se alude em 4) e 5), que, como supra se deu como provado, no contexto a que se alude em 4) e 5), quanto aos seguros de vida associados ao conexos mútuos, regiam e vigoravam as condições gerais e especiais patenteadas nos autos a fls.366 a fls.369, naquele contexto, estabelecia-se no ponto 8. Das condições especiais do seguro em causa:

8. SEGURO COMPLEMENTAR DE INVALIDEZ ABSOLUTA E DEFINITIVA

8.1. Garantias

Se um segurado/Pessoa Segura vier a invalidar-se absolutamente e definitivamente em consequência de doença ou acidente, ficará garantido por este seguro complementar o pagamento antecipado do capital do Seguro Principal que consta das Condições Particulares Certificado Individual.

(…)

8.2. Definição de Invalidez Absoluta e Definitiva (IAD)

O Segurado/Pessoa Segura é considerado em estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando, em consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e, simultaneamente, na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida corrente e/ou apresentar um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a “Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais” oficialmente em vigor no momento do reconhecimento de invalidez.

Entende-se por acto elementar da vida corrente:

- Lavar-se: (…).

Alimentar-se: (…).

Vestir-se: (…).

Deslocar-se no local de residência habitual.

                                                       *

Aos termos do sobredito seguro/clausulado/apólice ...01, por força de uma alteração ajustada entre a T-Vida, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. (entretanto incorporada na Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., após alterada para Seguradoras Unidas, S.A., e depois para Generali Seguros, S.A.), e o BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. (actualmente Novo Banco, S.A.), com data de outorga de 28 de Dezembro de 2006, mas com menção em epígrafe de “ALTERAÇÃO A PARTIR DE 01 de Janeiro de 2006”, e com menção no corpo do documento/acta, patenteado nos autos a fls.140-v, cujo conteúdo se dá por reproduzido, que “Faz parte integrante desta Apólice, a partir de Agosto de 2006”, alterou-se, em outras, o “artigo 8.2 das Condições Especiais dos Seguros Complementares do Seguro de Vida Grupo Contributivo”.

Assim, por força da alteração introduzida à apólice ...01, passou-se a dispor no referido ponto:

8.2. Definição de Invalidez Absoluta e Definitiva (IAD)

O Segurado/Pessoa Segura é considerado em estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando, em consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e, simultaneamente, na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida corrente e desde apresente um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a “Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais” oficialmente em vigor no momento do reconhecimento de invalidez.

(….)»

[[3]]57) No que tange ao “mútuo” a que se alude em 15), no dia 14.06.2010, os Autores, na qualidade de Segurados, aderiram a um contrato de seguro de vida que tem como Tomador de Seguro e Beneficiário o então denominado Banco Espírito Santo e como Seguradora a Ré GNB Vida, sendo que quanto ao seguro de vida associado ao conexo mútuo, regiam e vigoravam as condições da apólice n.º60501 “SEGURO DE VIDA GRUPO TEMPORÁRIO CONTRIBUTIVO”, da “BES VIDA” (isto é, BES Vida - Companhia de Seguros S.A., que depois alterou a sua denominação social para GNB – Companhia de Seguros de Vida, S.A., e para, actualmente, Gamalife – Companhia de Seguros de Vida, S.A., patenteadas nos autos a fls.148 a fls.157, cujo conteúdo se dá por reproduzido, mormente as respectivas condições particulares patenteadas a fls.148-v a fls.152-v; bem como as condições gerais e especiais patenteadas nos autos a fls.153 a fls.157, sendo naquele contexto, estabelecia-se no ponto 8. Das condições especiais do seguro em causa:

8. SEGURO COMPLEMENTAR DE INVALIDEZ ABSOLUTA E DEFINITIVA

8.1. Garantias

Se um segurado/Pessoa Segura vier a invalidar-se absolutamente e definitivamente em consequência de doença ou acidente, ficará garantido por este seguro complementar o pagamento antecipado do capital do Seguro Principal que consta das Condições Particulares Certificado Individual.

(…)

8.2. Definição de Invalidez Absoluta e Definitiva (IAD)

O Segurado/Pessoa Segura é considerado em estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando, em consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e, simultaneamente, na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida corrente e desde que apresente um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a “Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais” oficialmente em vigor no momento do reconhecimento de invalidez.

Entende-se por acto elementar da vida corrente:

- Lavar-se: (…).

Alimentar-se: (…).

Vestir-se: (…).

Deslocar-se no local de residência habitual.

(…).”

                                           *

b) da Contestação do Novo Banco, S.A.:

58) Consta do formulário de adesão ao seguro de vida a que aderiram os autores no ano de 2010 (a que se alude, entre outros, no ponto 17), dos factos provados) que os AA. declaram expressamente “terem-lhes sido prestadas todas as informações relevantes para a subscrição do presente contrato, nomeadamente, as suas principais características e âmbito das garantias bem como os esclarecimentos exigíveis nos termos previstos no artigo 18º e 185º do DL 72/2008, de 19 de Abril.”

59) E, ainda, “terem tomado conhecimento e recebido a segunda via da Proposta de Subscrição e as Condições Contratuais e a informação sobre o Mediador de seguros prevista no Art.º 32 do Decreto-Lei n.º 144/2006 de 31 de Julho.”


c) da Contestação das SEGURADORAS UNIDAS, S.A. e GNB – COMPANHIA DE SEGUROS VIDA, S.A.:

60) Em 2012, o autor não estava acometido de “insuficiência renal grave crónica com hemodiálise”, antes com alterações na função renal (sem hemodiálise ou incapacidade para o seu trabalho) que acabou por evoluir com o tempo para aquela “insuficiência renal grave crónica”, com necessidade de hemodiálise.

                                                       *

Factos não provados:

a) Da petição inicial

(…)

40.º - No presente, não exerce qualquer atividade remunerada.

41.º- Não aufere rendimentos do trabalho.

Conexamente, a matéria do artigo 83.º (Possui, no presente, um rendimento mensal inferior ao que possuía antes de ser declarado incapaz e auferir pensão de invalidez, na qualidade de pensionista).

73.º - Quando o A. celebrou os contratos de seguro, conexionados aos contratos de mútuo, fê-lo, efectivamente, convencido de que os mesmos poderiam, e deveriam, ser accionados quando falecesse ou padecesse de uma incapacidade absoluta e definitiva que o impossibilitasse de exercer uma actividade remunerada, e solver, sem dificuldade, aos compromissos assumidos.

Na verdade,

74.º - Se assim não fosse, nunca o A. teria celebrado os contratos de mútuo bancário com a 1.ª Ré. Realmente.

 

2. De direito

Como se referiu supra, é objecto da presente revista a caracterização do que se possa entender por “Invalidez Absoluta e Definitiva” (IAD), dada a declaração de nulidade das cláusulas do contrato de seguro referidas nos pontos 56 e 57 dos factos dados por provados e consequente exclusão das mesmas, atenta a decisão proferida pela 1.ª instância (já transitada).

Com efeito, as Rés não recorreram da sentença, não tendo assim impugnado tal decisão que determinou a anulação das indicadas cláusulas. Por tal via a Relação, e bem, deu como assente que tais pontos se encontravam excluídos, tendo, nessa conformidade, apreciado o recurso na vertente da conformação do que se deveria entender por Invalidez Absoluta e Definitiva.

Desta forma, no âmbito da apreciação da presente Revista «é de considerar definitiva a exclusão de tais pontos da referida cláusula (qualificados na sentença como “não escritos”), restando integrar nos segmentos remanescentes os factos que se apuraram.»[[4]].

Será pois nessa sede que recairá a nossa apreciação.

Na eventualidade de se vir a concluir que tal invalidez se regista e que, como tal, as Rés devem ser condenadas nos montantes de capital pedidos, haverá então que apreciar a questão suscitada no recurso do Réu Novo Banco, S.A., atinente à matéria dos juros de mora.

Vejamos.

No acórdão recorrido, assumindo-se ser de entender a Invalidez Absoluta e Definitiva, numa perspectiva conceptual não muito rígida, mas também não demasiado alargada, disse-se que se perfilhava uma “terceira via”, intermédia, nos seguintes termos:

«(…).

Uma terceira, digamos intermédia, mais maleável e flexível, adaptável à casuística própria de cada concreta situação, em que se atenda, nomeadamente, ao tipo de doença em causa, as limitações dela decorrentes para a pessoa em concreto, as suas qualificações profissionais, a sua anterior profissão, as reais e efectivas possibilidades de reconversão, incluindo o seu salário prévio à patologia em causa e as reais e concretas possibilidade de atingir, por via da reconversão, se viável, um salário equiparado, próximo ou afastado, para se perceber se aquela doença, aquelas concretas limitações, face às suas concretas qualificações e capacidades remanescentes, provoca irremediavelmente uma perda sensível das suas reais capacidades de ganho e de gerar rendimento, para fazer face ao serviço da dívida que contraiu e que segurou – neste sentido vão os Acds. do STJ de 29.4.2010, Proc.5477/06.8TVLSB e de 27.2.2020, Proc.125/13.2TVPRT, disponíveis no mesmo site.

É esta última a orientação que preferimos e que subscrevemos.

Há que verificar agora os factos apurados. Sabemos que: em 11.7.2017, foi atestado que o A. marido é portador da deficiência “insuficiência renal grave crónica com hemodiálise”, conforme consta do Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, da mesma data; mercê daquela insuficiência, foi atribuída ao A. (e o autor padece de) uma “incapacidade permanente global” de 70%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, sendo que na base daquele atestado multiusos está um relatório médico e deliberação que concluiu que o autor se encontrava numa situação de incapacidade permanente relativamente à sua profissão; mercê ainda daquela insuficiência renal crónica com necessidade de hemodiálise, o autor apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica valorizável em 60 pontos, avaliado de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil; que o A. está incapaz para o exercício da sua profissão habitual de sócio-gerente na J..., e onde tinha tarefas inerentes a vendedor (vide o doc. da Seg. Social de fls. 289 v.), e onde auferia a retribuição mensal líquida de 534 €; fruto da insuficiência renal crónica com necessidade de hemodiálise de que veio a padecer e padece, o A. deixou de ter condições físicas e anímicas para exercer o cargo de sócio-gerente, tendo procedido à renúncia à gerência e à cessão das quotas que detinha naquela sociedade, tendo-lhe sido deferida pensão de invalidez, com data de início em 30.8.2017, passando da situação de trabalhador para a de pensionista, nos termos do documento emitido pela Seg. Social, datado de 13.10.2017, sendo o valor da pensão de invalidez de 311,47 €; fruto da incapacidade de que padece, o A. necessita de, semanalmente, realizar sessões de diálise, realizando-as 3 vezes por semana (2ª, 4ª e 6ª), das 18h às 22h30; mercê da sobredita referida insuficiência renal crónica com a implicada necessidade de realização de hemodiálise, que lhe confere a incapacidade atrás referida, e dos tratamentos a que se encontra sujeito, a condição física do A. é, no presente, débil e inspira cuidados de saúde constantes.

Ora se está provado que o A. apenas poderá desempenhar actividades remuneradas/profissões que não envolvam esforços físicos e compatíveis com o seu estado de saúde, a verdade é que todo o quadro acabado de descrever inculca, para um declaratário normal, a interpretação e conclusão que o A. está numa situação de invalidez absoluta e definitiva.

Não se afigurando possível, num juízo de prognose, que se possa afirmar que o A. tem possibilidades de fazer uma real reconversão profissional ou o exercício de uma actividade alternativa à que tinha e que possa gerar rendimentos compatíveis com os que tinha anteriormente. Trata-se de pessoa com 51 anos de idade, portadora de insuficiência renal grave e crónica com hemodiálise, com uma incapacidade permanente global de 70%, incapaz permanentemente para a sua profissão, que auferia a retribuição mensal líquida de 534 €, tendo deixado de ter condições físicas e anímicas para exercer o cargo de sócio-gerente, tendo-lhe sido deferido pensão de invalidez, desde 8.2017, no valor de 311,47 €, sendo que fruto da incapacidade de que padece, o A. necessita de, semanalmente, realizar sessões de diálise, realizando-as 3 vezes por semana (aos dias úteis de 2ª, 4ª e 6ª), e mercê da sobredita insuficiência renal crónica com a implicada necessidade de realização de hemodiálise, que lhe confere a incapacidade atrás referida, e dos tratamentos a que se encontra sujeito, apresenta condição física que é no presente, débil e inspira cuidados de saúde constantes.

Razão pela qual se tem por verificado o alegado conceito/cobertura de IAD.

(…).»

A fundamental discordância das recorrentes face ao decidido no acórdão recorrido assenta na circunstância de entenderem que a matéria factual apurada não se revelava suficiente para que se concluísse, como se concluiu, que o A. era detentor de Invalidez Absoluta Definitiva, tendo os Exmos. Senhores Juízes Desembargadores retirado conclusões que iam/foram para além do que se mostrava comprovado, sendo certo que era sobre o A. que recaía/recai o ónus de provar tal factualidade.

Adiantamos desde já que se nos afigura que não assiste razão às recorrentes, pois que a factualidade dada por provada é suficientemente reveladora e enformadora da existência de uma situação passível de ser classificada como de Invalidez Absoluta e Definitiva por parte do Autor, como demonstraremos infra.

Atentemos em que se poderá traduzir tal conceito, já que será com base nele que depois poderemos enformar a factualidade apurada.

No acórdão citado nas decisões recorridas e pelas próprias recorrentes referenciado [[5]], e que merece a nossa concordância, é dito:  

«(…).

Não existindo uma definição legal, o percurso definidor desse conceito de invalidade permanente tem que considerar as condicionantes aludidas, assumindo natural destaque o interesse (e finalidade racional) do contrato de seguro e o contexto de coligação imposta com os contratos de financiamento[[6]]. Logo, a nosso ver, não pode deixar de assentar, na sua base, numa deficiência física e/ou intelectual que, não obstante os cuidados, os tratamentos e os acompanhamentos, clínicos e reabilitadores, realizados depois do sinistro, subsiste a título definitivo em sede anatómica-funcional e/ou psicossensorial[[7]]. Depois, implica esse trilho precisar que esse estado deficitário, independentemente do seu nível ou grau ou percentagem de incapacidade (desde que não seja residual ou insignificante), teve consequência (enquanto impacto decisivo) na alteração ou modificação do estado de vida, pessoal e profissional, anterior ao sinistro. Para esse juízo sobre o reflexo do sinistro, há que ter em conta, numa ponderação múltipla e não individualmente exclusiva, nomeadamente, a actividade anteriormente desenvolvida como fonte de rendimentos, a idade e o tempo restante de vida activa profissional, a perda de independência psico-motora, o tipo de doença ou restrição de saúde, as habilitações e capacidades literárias e profissionais da pessoa segura e a possibilidade de reconversão para actividade compatível com essas habilitações e capacidades com igual ou aproximada medida de rendimentos, sempre com enquadramento na situação remuneratória concreta (e projecção na “capacidade de ganho”[[8]]) do segurado após a estabilização das sequelas do sinistro[[9]].

É relevante a invalidez, por isso, que, em concreto, se traduz em restrições que, atendendo aos esforços, capacidades e qualificações específicas da profissão exercida, inviabilizam sem mais a manutenção da profissão ou outra com rendimentos equiparáveis, mesmo que sem necessária articulação com os constrangimentos que frustrem a conservação das tarefas da vida diária com a autonomia apresentadas no momento pré-sinistro. De facto, nela se encontram os requisitos da permanência ou definitividade na afectação da capacidade de ganho que cumprem o interesse do contrato de seguro. Já não será assim, por exemplo, quando o sinistro provoca uma incapacidade elevada para o trabalho mas a subsequente reconversão profissional para outras tarefas na mesma entidade patronal não conduz a alteração remuneratória[[10]]

(…).»   

Tendo por base estes pressupostos, entendemos que os factos descritos no acórdão recorrido, que aqui reproduzimos, são de molde a configurar uma real situação de Invalidez Absoluta e Definitiva (apenas se transcrevem os que se revelam mais impressivos):

- Como condição indispensável à outorga/concessão dos mútuos, a Ré, Banco Espírito Santo, S.A., impôs a obrigatoriedade da adesão a seguro de vida por parte dos titulares do empréstimo, no qual constasse como “Beneficiário Privilegiado o Banco Mutuante”, que cobrisse o risco de morte ou invalidez dos mutuários (pontos 27 e 33 dos factos provados);

- Em 11.7.2017, foi atestado que o A. marido é portador da deficiência “insuficiência renal grave crónica com hemodiálise”, conforme consta do Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, da mesma data (ponto 39 dos factos provados);

- Mercê daquela insuficiência, foi atribuída ao A. (e o autor padece de) uma “incapacidade permanente global” de 70%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, sendo que na base daquele atestado multiusos está um relatório médico e deliberação que concluiu que o autor se encontrava numa situação de incapacidade permanente relativamente à sua profissão (ponto 40 dos factos provados);

- Mercê ainda daquela insuficiência renal crónica com necessidade de hemodiálise, o autor apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica valorizável em 60 pontos, avaliado de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil (ponto 40 dos factos provados);

- Até então o A. era sócio-gerente de uma sociedade comercial de produtos alimentares, auferindo uma retribuição mensal líquida de 534,00€ (pontos 41 e 42 dos factos provados);

- Fruto da Insuficiência renal crónica com necessidade de hemodiálise o A. deixou de ter condições físicas e anímicas para exercer o cargo de sócio-gerente, da sociedade de que era sócio, onde tinha tarefas inerentes a vendedor, tendo procedido à renúncia à gerência e à cessão das quotas que detinha naquela sociedade (Ponto 43 dos factos provados e doc. da Seg. Social de fls. 289 v.);

- Foi-lhe deferida pensão de invalidez, com data de início em 30.8.2017, passando da situação de trabalhador para a de pensionista, sendo o valor da pensão de invalidez de 311,47 € (pontos 44 e 45 dos factos provados);

- O A. está incapaz para o exercício da sua profissão habitual, apenas podendo desempenhar actividades remuneradas/profissões que não envolvam esforços físicos e sejam compatíveis com o seu estado de saúde (ponto 49 dos factos provados);

- Fruto da incapacidade de que padece, o A. necessita de, semanalmente, realizar sessões de diálise, realizando-as 3 vezes por semana (2ª, 4ª e 6ª), das 18h às 22h30 (pontos 53 e 54 dos factos provados);

- Mercê da sobredita referida insuficiência renal crónica com a implicada necessidade de realização de hemodiálise, que lhe confere a incapacidade atrás referida, e dos tratamentos a que se encontra sujeito, a condição física do A. é, no presente, débil e inspira cuidados de saúde constantes (ponto 55 dos factos provados).


Esteve bem o Tribunal da Relação ao ter considerado que este conjunto de factos é manifestamente suficiente para sustentar a situação de “Invalidez Absoluta e Definitiva” do A.. Esta, tem de ser apreciada casuisticamente, o que vale por dizer que uma outra pessoa com a mesma tipologia de doença (insuficiência renal crónica, dependente de hemodiálise) poderia reagir à mesma de forma diferente, manifestando uma menor debilidade e uma resposta à doença mais reativa, levando a que não viesse a ser classificada como detentora de invalidez absoluta e definitiva. No caso, porém, com os factos apurados, a conclusão a retirar dos mesmos aponta no sentido perfilhado pela Relação.

Com efeito, deparamo-nos perante alguém que fruto da sua insuficiência renal crónica, em que carece de tratamento por hemodiálise três vezes por semana, durante cerca de quatro horas e meia por sessão, se apresenta numa condição física débil que inspira cuidados de saúde constantes. Fruto de tal doença, deixou também de exercer a sua actividade profissional de vendedor (tendo ficado incapacitado de o fazer) e, decorrente da doença, viu-se obrigado a sair da sociedade de que era sócio-gerente, passando para a situação de pensionista, sendo que por via de tais alterações viu os seus rendimentos serem reduzidos em cerca de 42%.

De outro lado, apenas se apurou que a doença de que padece apenas lhe permitiria desempenhar actividades remuneradas/profissões que não envolvessem esforços físicos e fossem compatíveis com o seu estado de saúde, e com a sua idade (51 anos), sendo que as Rés não avançaram com qualquer indicação de quais actividades ou profissões poderiam ser essas, não sendo tal matéria enformadora do direito do A., pelo que não lhe incumbiria a ele a sua alegação e prova. Como foi referido no já apontado acórdão deste Supremo de 10-02-2022, caberia «também à Seguradora contrapor aos factos que a A. alegou outros que revelassem uma efectiva possibilidade de se efectuar a referida reconversão, sem afectar seriamente o seu equilíbrio físico e psicológico.»

Certo é que o conjunto de factualidade apurada permite a leitura/interpretação que foi feita pela Relação, no sentido de a mesma enformar o conceito de “Invalidez Absoluta e Definitiva”, pois que este não pode ser visto como um conceito apenas aplicável a situações em que o inválido esteja absolutamente dependente de terceiros. Como se diz no antes citado acórdão deste STJ de 10-02-2022, «(…) neste e na generalidade dos casos semelhantes, sempre se poderia concluir que qualquer sinistrado estaria apto a exercer alguma actividade, a não ser em casos muito limitados que se caracterizassem pela incapacidade absoluta decorrente de uma situação de paraplegia ou de outra sequela altamente incapacitante da mobilidade ou da utilização dos sentidos.»  

Anote-se ainda que este nosso entendimento foi também recentemente perfilhado, em caso não muito distinto do presente, em que o grau de incapacidade permanente da sinistrada era até inferior (67,5%) ao que o aqui A. detém (70%), como se poderá ver no Ac. deste Supremo de 28-02-2023[[11]], em que foi relator Tibério Silva e também subscrito pelo aqui relator, como 2.º adjunto.

Entendemos assim que, quanto a esta questão, será de manter o acórdão da Relação, improcedendo as Revistas quanto à mesma.


Aqui chegados, vejamos agora a questão referente aos juros, suscitada na Revista do Banco.


Os pedidos formulados pelos AA. na sua petição inicial, são os que se enunciam na parte inicial do relatório do presente acórdão, transcrevendo-se, de novo, os que relevam para a apreciação da presente questão:

«Ser/serem,

(…).

3. Condenada a 2ª Ré a indemnizar os AA nos termos contratuais, entregando, nomeadamente, à 1ª Ré o capital em dívida, referente aos contratos de mútuos identificados em 4º e 6º, ou seja, a quantia de 63.826,63 €, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde 01.08.2017 e até integral pagamento;

4. Condenada a 3ª Ré a indemnizar os AA nos termos contratuais entregando, nomeadamente, à 1ª Ré o capital em dívida referente ao contrato de mútuo identificado em 25º, ou seja, a quantia de 36.020,03 €, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde 01.08.2017 e até integral pagamento;

(…).»


A Relação, no que concerne a esta matéria apreciou-a da seguinte forma:

«(…).

4. No respeitante à ultima questão recursiva, considerando a resposta acabada de dar ao ponto 3, vejamos as suas implicações financeiras.

Quanto ao pedido formulado em 3., considerando o facto provado 35), a 2ª R. tem de indemnizar os AA nos termos contratuais, entregando ao 1º R. o capital em dívida, referente aos contratos de mútuos atrás identificados, ou seja, a quantia de 63.826,63 €.

Quanto ao pedido formulado em 4. considerando o facto provado 35) a 3ª R. tem de indemnizar os AA nos termos contratuais entregando, ao 1º R. o capital em dívida referente ao contrato de mútuo atrás identificado, ou seja, a quantia de 36.020,03 €.

Nestes 2 pedidos, vêm reclamados juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde 01.08.2017. Contudo, não se vê como, pois o Novo Banco não só os não peticionou, como a serem devidos isso só ocorrerá depois do trânsito em julgado da presente decisão que ordena a referida entrega e mesmo assim só após interpelação do Novo Banco às 2º e 3ª RR (arts. 805º, nº 1, e 806º, nº 1 e 2, do CC).

Referente ao pedido formulado em 5., atento o facto provado 51), a 1ª R. tem de reembolsar os AA das prestações que foram obrigados depositar nesse Banco, desde Agosto de 2017 até Fevereiro de 2018, em cumprimento dos contratos de mútuo, no montante total de 3.924,99 €, bem como, das que lhes possam vir a ser exigidas, até efectivo e integral pagamento do capital em dívida.

Respeitante ao pedido formulado em 6., atento o facto provado 52), as 2ª e 3ª RR têm de reembolsar os AA dos valores debitados desde Agosto de 2017 até Fevereiro de 2018, a título de prémios de seguro, da quantia de 637,03 €, bem como das que lhe possam vir a ser exigidas até efetivo e integral pagamento das quantias peticionadas.

Também aqui, nestes 2 pedidos, vêm pedidos juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde 01.08.2017. Porém, o devedor só fica constituído em mora, depois da interpelação judicial ou extrajudicial. Não se demonstrando esta última mas apenas aquela só são devidos os peticionados juros desde a data da citação para a acção, o que ocorreu, em 15.3.2018 (vide fls. 102), relativamente à 1ª R., e em 13.03.2018 (vide fls.100/101) relativamente às 2ª e 3ª RR (arts. 805º, nº 1, e 806º, nº 1 e 2, do CC).»

 

Decorrente de tal entendimento, a decisão recorrida, no que concerne aos indicados pedidos 3. e 4., não condenou as 2.ª e 3.ª Rés no pagamento de juros moratórios.  

Sustenta o recorrente Banco que tais juros moratórios sempre lhe serão devidos, pelas razões que indica nas sua conclusões de recurso nas alíneas S), T) e U):

«S) Para o caso de assim não se entender, o que apenas por mero dever de patrocínio se concede, acresce, ainda, que mal andou o Acórdão de que se recorre na sua parte final quando, no que aos pedidos formulados pelos ora Recorridos em 3. e 4., no que se reporta aos respectivos juros moratórios vencidos e vincendos, entendeu não os contemplar porque “o Novo Banco não só os não peticionou, como a serem devidos isso só ocorrerá depois do trânsito em julgado da presente decisão que ordena a referida entrega e mesmo assim só após interpelação do Novo Banco, S.A. às 2ª e 3ª RR.”;

T) Sendo o ora Recorrente, 1º R. nos autos génese dos presentes, não se entende como poderia este também peticionar esses mesmos juros, quer pela posição processual que ocupa, já que, face ao disposto no art. 265º, nº 2 C.P.C., uma eventual alteração do pedido apenas compete ao Autor (que não era o aqui Recorrente) e, face ao disposto no art. 266º do C.P.C., o Réu, em reconvenção, apenas pode dirigir um pedido … ao Autor;

U) E, ainda, se é verdade que a mora de um devedor se constitui, em último caso, quando o devedor seja interpelado para cumprir, também não é menos verdade que a mora se verifica quando o devedor é notificado da sentença condenatória, sem necessidade de qualquer interpelação».

 Importa pois saber se os juros peticionados pelos AA. sob os pontos 3. e 4. da sua petição inicial são devidos, como pretende o recorrente, ou se, pelo contrário, o não são, como foi sustentado no acórdão recorrido.

Afigura-se-nos inexistirem razões para que não se condenem as 2.ª e 3.ª Rés, no pagamento dos juros moratórios pedidos.

Em primeiro lugar, porquanto o argumento de que os mesmos não foram pedidos pelo Réu Banco, não colhe, pois que o pedido de entrega do capital devido pelos AA. ao Banco, pelas seguradoras, também por ele não foi pedido e, não foi por tal razão que não foi determinada a condenação daquelas a efectuá-lo, sendo admissível tal pedido a favor de terceiro;

Em segundo lugar, porque não está em causa nenhuma situação de enriquecimento sem causa por parte do Banco, pois que os juros moratórios em causa só serão devidos desde a data da citação das 2.ª e 3.ª Rés (13-03-2018), de harmonia com o estipulado com o art.º 805.º, n.º 1 do CC, momento que se terá de considerar como sendo aquele em que foram interpelados judicialmente para tal cumprimento, sendo que, por sua vez, o banco, foi igualmente condenado a reembolsar os AA. nos quantitativos que entretanto estes lhe tenham realizado, os quais, por seu turno, deverão ser igualmente acrescidos do pagamento de juros moratórios desde 01-08-2017 (tenha-se presente o pedido constante sob o n.º 5) [[12]], não advindo assim, para o 1.º Réu, qualquer ganho injustificado.

Concluímos assim, que nesta questão assiste razão ao Recorrente Banco, pelo que no que concerne à sua Revista, a mesma será parcialmente procedente.


Sumário a que alude o n.º 7 do art.º 663.º do CPC

I – Tendo sido declarada nula e assim excluída do contrato de seguro a cláusula deste que definia a situação de “Invalidez Absoluta e Definitiva”, e importando caracterizar tal situação no âmbito do caso em análise, deverá entender-se que a mesma se mostra conformada face a um quadro factual em que o autor sofre de insuficiência renal crónica, em que carece de tratamento por hemodiálise três vezes por semana, durante cerca de quatro horas e meia por sessão, se apresenta numa condição física débil que inspira cuidados de saúde constantes. Fruto de tal doença, deixou também de exercer a sua actividade profissional de vendedor (tendo ficado incapacitado de o fazer) e, decorrente da doença, viu-se obrigado a sair da sociedade de que era sócio-gerente, passando para a situação de pensionista, sendo que por via de tais alterações viu os seus rendimentos serem reduzidos em cerca de 42%.

II – Tendo sido peticionados juros moratórios por parte dos AA., relativamente a parte do pedido em que o beneficiário é o Banco, nada obsta a que os mesmos sejam concedidos, não se verificando uma situação de enriquecimento sem causa.


V. Decisão

Pelo exposto, acorda-se:

a) em negar provimento à revista interposta pela seguradora GENERALI SEGUROS, S.A.;

b) em julgar parcialmente procedente a revista interposta pela recorrente Novo Banco, S.A., na parte em que não condenou as seguradoras nos juros moratórios peticionados pelos autores, quanto aos pedidos formulados sob os pontos 3. e 4. da petição inicial, pelo que quanto a tais pedidos, condenam-se as seguradoras, 2.ª e 3.ª rés, no pagamento de tais juros civis, nos moldes aí peticionados.

c) em manter, no mais, a decisão recorrida.  

Custas da responsabilidade da Ré GENERALI SEGUROS, S.A., quanto à revista por si interposta e na proporção de 4/5 pelo Novo Banco, S.A., e de 1/5 pelos AA., quanto à Revista interposta por este banco.  


Lisboa, 11-05-2023


José Maria Sousa Pinto (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Fátima Gomes

______

[1] O relator adopta a escrita anterior ao A.O..
[2] As cláusulas contratuais constantes deste ponto foram declaradas nulas pela sentença da 1.ª instância e, assim, excluídas do contrato.
[3] As cláusulas contratuais constantes deste ponto foram declaradas nulas pela sentença da 1.ª instância e, assim, excluídas do contrato.

[4] Ac. STJ de10-02-2022, Revista 1681/18.4T8VFR.P1.S1, em que foi Relator, Abrantes Geraldes, disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2022:1681.18.4T8VFR.P1.S1.1A/
[5] Acórdão do STJ de 27/02/2020, Processo 125/13.2TVPRT.P1.S2, em que foi Relator: Ricardo Costa, disponível em www.dssi.pt
[6] ARNALDO COSTA OLIVEIRA, “Seguro de vida associado ao crédito à habitação: a ‘acordadíssima’ jurisprudência relativa à cobertura de invalidez, seguida de ponto de situação do quadro regulatório aplicável”, RDES n.os 1-3, 2015, págs. 198-199.
[7] Seguimos a inspiração, para a “incapacidade permanente”, do conceito de FERNANDO OLIVEIRA SÁ, Clínica médico-legal da reparação do dano corporal em direito civil, APADAC/IMIC, Coimbra, 1992, págs. 90-91, 137 e ss (com desenvolvimento quanto ao parâmetro de avaliação do dano corporal e suas vertentes na reparação civil).
[8] FERNANDO OLIVEIRA SÁ, Clínica médico-legal… cit., pág. 94.
[9] No Preâmbulo do DL 352/2007, de 23 de Outubro, que aprova a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais e a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, refere-se que “no direito laboral, por exemplo, está em causa a avaliação da incapacidade de trabalho resultante de acidente de trabalho ou doença profissional que determina perda da capacidade de ganho, enquanto que no âmbito do direito civil, e face ao princípio da reparação integral do dano nele vigente, se deve valorizar percentualmente a incapacidade permanente em geral, isto é, a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia, assinalando depois e suplementarmente o seu reflexo em termos da actividade profissional específica do examinando” (sublinhado nosso).
A este propósito, essa distinção em face da “incapacidade de trabalho” foi clarificada pelo Ac. do STJ de 10/12/2019, cit. a nt. 5, o que também esclarece o nosso critério. Em relação à “medida da incapacidade permanente geral fixada, ou (…) o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica” em confronto com essa “incapacidade para o trabalho”, “aquele representa o parâmetro de dano que corresponde à afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, constitutiva de um défice que pode ter eventual repercussão nas actividades da vida diária e na actividade profissional, mas que é independente desta, sendo avaliado em relação à capacidade integral do indivíduo. E daí que um défice, ainda que fixado em menor percentagem daquele que, face ao acervo factual provado, foi fixado ao autor, possa ter como consequência uma incapacidade total para o trabalho habitual; ao passo que um fixado em maior percentagem pode não ter nessa actividade qualquer repercussão em termos de impedir o seu desempenho, ainda que com esforços acrescidos – tudo dependendo, afinal, das limitações de que a pessoa afectada tenha ficado a padecer e, bem assim, das tarefas e esforços que aquela actividade demande”.
[10] Como se decidiu no Ac. do STJ de 10/1/2017, processo n.º 3135/12.3TBVIS.C1.S1, Rel. JOÃO CAMILO, com Sumário (realce para o ponto II.: “Tendo-se provado que o mutuário segurado sofreu um acidente vascular cerebral em que ficou com uma taxa de incapacidade permanente para o trabalho de 80%, mas apurando-se que o mesmo exercia a data do sinistro as funções de gerente bancário e após o mesmo sinistro passou a desempenhar outras funções bancárias menos complexas e de menor responsabilidade e  afastado do contacto com o público, mas que, por isso, não sofreu alteração do seu nível remuneratório, não se encontra preenchida a referida cláusula contratual do seguro.”) disponível in Boletim Anual 2017. Secções Cíveis (https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/civel2017.pdf ).
[11] Proc. 747/16.0T8VLG.P1.S1
[12] 5. Condenada a 1ª Ré a reembolsar os AA das prestações que foram obrigados a depositar nesse Banco, desde Agosto de 2017, em cumprimento dos contratos de mútuo, no montante total de 3.924,99 €, bem como, das que lhes possam vir a ser exigidas, até efectivo e integral pagamento do capital em dívida e respetivos juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde 01.08.2017 e até absoluto pagamento;