Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
034654
Nº Convencional: JSTJ00001689
Relator: JOSE MONTENEGRO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACÇÃO PENAL
PEDIDO CIVEL
ABSOLVIÇÃO
RECURSO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ197711090346543
Data do Acordão: 11/09/1977
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR IS 27-11-2007, PÁG. 3061 A 3064 - BMJ Nº 271 ANO 1977 PÁG. 87
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR PROC PENAL - RECURSOS.
Legislação Nacional: CE54 ARTIGO 59 ARTIGO 67.
CPP29 ARTIGO 29 ARTIGO 34 ARTIGO 148 ARTIGO 149 ARTIGO 154 ARTIGO 646 N6 ARTIGO 666 ARTIGO 668.
CP886 ARTIGO 51.
CCIV66 ARTIGO 487 N1 ARTIGO 493 N2 ARTIGO 505.
DL 605/75 DE 1975/11/03 ARTIGO 12.
DL 38672 DE 1954/05/20.
DL 40275 DE 1955/08/08.
CPC67 ARTIGO 765 N3 ARTIGO 766 N3 ARTIGO 770.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1967/07/26 IN BMJ N169 PAG190.
ACÓRDÃO STJ DE 1971/11/17 IN BMJ N211 PAG245.
ACÓRDÃO STJ DE 1974/07/17 IN BMJ N239 PAG102.
Sumário :
Absolvido definitivamente o condutor de um veiculo, da acusação criminal contra ele deduzida, por se reconhecer que não teve culpa, a materia desta não pode ser reapreciada no recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, restrito a decisão civel da acção exercida conjuntamente com a respectiva acção penal nos termos do artigo 67 do Codigo da Estrada.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em sessão plena, no Supremo Tribunal de Justiça:

No processo correccional movido no 4 Juizo Criminal da comarca de Lisboa, pelo digno magistrado do Ministerio Publico e pela assistente A, contra o reu B, por homicidio involuntario cometido no exercicio da condução de automovel, vitimando o marido da dita assistente, esta deduziu, nos termos do artigo 67 do Codigo da Estrada, pedido civel de indemnização contra o referido reu e tambem contra a Companhia de Seguros "C".
Realizado o julgamento, com intervenção do Tribunal Colectivo, foi proferido o acordão condenando o aludido B, como autor do crime previsto e punido pelo artigo 59, parte final, do citado Codigo da Estrada, e da transgressão causal referida nos ns. 1 e 2, alinea g), do artigo 7 do mesmo diploma, e condenando-o, tambem, mas juntamente com a re na acção civel e em responsabilidade solidaria, a pagar a assistente determinada indemnização.
A Relação de Lisboa, porem, decidindo os recursos interpostos desse acordão, pelos reus e pela assistente, revogou-o inteiramente, por entender que so a vitima dera causa ao acidente, com a transgressão do artigo 40, n. 3, do aludido Codigo, e absolveu o dito B da acusação criminal, absolvendo igualmente, bem como a re, Companhia de Seguros, do pedido civel.
Inconformada, a assistente recorreu da decisão relativa ao pedido civel - recurso n. 34582 -, de harmonia com o n. 6 do artigo 646 do Codigo de Processo Penal, e este Supremo Tribunal, pela Secção respectiva, entendendo que podia apreciar a materia da culpa causal do acidente visto provir da violação de disposições legais - materia essa, alias, que os litigantes discutiam primordialmente no recurso - e que o artigo 12 do Decreto-Lei n. 605/75, de 3 de Novembro, não obstava a que se condenasse em indemnização civil, com base em culpa que porventura se apurasse por parte do reu condutor do automovel, concluiu que o dito acidente foi devido a inobservancia de preceitos legais, conjuntamente cometida pelo mesmo reu e pela vitima.
Consequentemente, provendo parcialmente o recurso, revogou o acordão recorrido, na parte relativa a decisão do pedido civel, e condenou ambos os reus, solidariamente, no pagamento da indemnização de 60000 escudos a autora recorrente.
Do respectivo acordão, tirado por maioria e proferido em 9 de Junho de 1976 (ver fotocopia de folhas 3 e seguintes), recorreu para o Tribunal Pleno, o Excelentissimo Ajudante do Procurador-Geral da Republica, verificando-se que o fez ao abrigo do disposto nos artigos 668 do Codigo de Processo Penal e 770 do Codigo de Processo Civil, com fundamento em que o decidido esta em oposição com outro acordão deste Supremo Tribunal - como aquele ja transitado - sobre a mesma materia de direito, acordão esse proferido naquele mesmo dia, no recurso n. 34575.
Na verdade, neste ultimo aresto, fotocopiado a folhas
17 e seguintes, decidiu-se, em processo identico ao do acordão recorrido, instaurado tambem por homicidio involuntario, consequencia de transgressão, cometido em acidente de viação, - tendo inserta acção civel nos termos do citado artigo 67 do Codigo da Estrada, proposta contra o reu condutor do veiculo automovel interveniente no acidente, e outros responsaveis civis
-, que sendo o dito reu absolvido no processo penal
- por decisão transitada -, em virtude de se reconhecer que a culpa do acidente foi toda da vitima, não pode, em recurso da decisão, tambem absolutoria, da dita acção civel, reapreciar-se a referida materia de culpa; e, assim, tal acção tambem improcede, pois em face do citado artigo 12 do Decreto-Lei n. 605/75, so seria possivel a condenação em indemnização civil se ficasse provado "o ilicito desta natureza ou a responsabilidade fundada no risco", e isso não se verifica.
Feitas as alegações nos termos do n. 3 do artigo 765 do Codigo de Processo Civil, para mostrar a existencia da oposição de julgados, foi ela reconhecida por acordão da Secção Criminal de folhas 31 e seguintes, pelo que prosseguiu o recurso.
Sobre o seu objecto, apenas alegou o Excelentissimo magistrado recorrente, sustentando que as disposições conjugadas no artigo 12 do Decreto-Lei n. 605/75, e do n. 6 do artigo 646 do Codigo de Processo Penal levam a concluir que, nos processos penais, com acção civel de indemnização inserta nos termos do artigo
67 do Codigo da Estrada, o recurso que se interpuser, respeitante ao pedido civel, do acordão absolutorio da Relação fundado na inexistencia de culpa por parte do reu, so podera conduzir a condenação em tal pedido, se se provar ilicito civil ou a responsabilidade pelo risco, não podendo, em tal recurso, reapreciar-se a materia da culpa do reu, ja apreciada e decidida em definitivo.
Entende, portanto, que deve ser proferido assento nesse sentido, coincidente com a doutrina do acordão invocado em oposição com o agora em recurso.
Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Dado que o afirmado e resolvido pela Secção Criminal, sobre a existencia de oposição dos julgados em confronto, não impede que o Tribunal Pleno se manifeste em sentido contrario (artigo 766, n. 3, do Codigo de Processo Civil), deve verificar-se, primeiramente, se tal oposição existe na realidade.
O que atras se disse, sobre o conteudo das decisões consideradas em colisão, mostra sobejamente, que elas são inconciliaveis, por decidirem a mesma questão de direito em sentido oposto e no dominio da mesma legislação.
Assim, reafirmando a oposição das decisões, deve conhecer-se de fundo, em ordem a proferir-se o respectivo assento.
E o que vai fazer-se.
Observaremos, no entanto, desde ja, que os termos da questão posta mostram, que a solução a dar-lhe deve ser igualmente aceite no caso de o reu condutor responder por qualquer outro crime culposo (e não apenas pelo de homicidio involuntario) emergente de acidente de transito, que origine acção civel nos termos do citado artigo 67 do Codigo da Estrada.
Vejamos, seguidamente, qual deve ser a solução do problema.
Ambos os recursos decididos pelos acordãos em oposição foram interpostos em conformidade com o n. 6 do artigo 646 do Codigo de Processo Penal, que proibe, alem do mais, se recorra, em geral, dos acordãos das Relações, proferidos sobre recursos interpostos em processos correccionais, que não sejam condenatorios, ressalvando, porem, certos casos, nomeadamente, o de haver pedido civel deduzido, de montante superior a alçada da Relação, pois neste caso e admissivel o respectivo recurso, restrito a esse pedido.
No que respeita ao recurso decidido pelo acordão de que se recorre agora, pode ele ser interposto precisamente por, não obstante a Relação ter absolvido o reu da acusação-crime e do pedido civel, o montante deste ser superior a alçada desse Tribunal; e o recurso referente ao acordão invocado em oposição pode tambem, ser interposto, por a decisão da Relação ter sido condenatoria.
Ora, quanto aquele primeiro caso - o da absolvição do reu - afigurava-se como razoavel, numa reflexão imediata, que admitindo a lei o recurso, circunscrito, embora a absolvição da parte civel, deveria ele abranger, para ter completa utilidade, toda a materia que interessasse a solução a dar ao pedido civel, ante os principios aplicaveis da responsabilidade civil, sob condição de ao Tribunal superior ser permitido conhecer dessa materia em face do principio estabelecido no artigo 666 do Codigo de Processo Penal. E harmonizar-se-ia isto com o disposto no artigo 51 do Codigo Penal, uma vez que ai se estatui que a isenção da responsabilidade criminal não envolve a da responsabilidade civil, quando tenha lugar, e com o preceituado, sobre a presunção de culpa, nos artigos 487, n. 1, e 493, n. 2, do Codigo Civil, artigo este ultimo aplicavel em materia de acidentes de viação, como se tem entendido e opina o Professor Vaz Serra na Revista de Legislação e de Jurisprudencia, anos 103, pagina 512, e 104, pagina 232.
Por outro lado, sendo ja irrecorrivel a decisão absolutoria da acusação-crime, conforme resulta do citado n. 6 do artigo 646, e certo que a força do respectivo caso julgado se apresenta bastante enfraquecida, pois constitui "nas acções não penais", simples presunção legal da inexistencia dos factos que constituem a infracção ou de que o arguido a não praticou, presunção que pode ser ilidida por prova em contrario, conforme se prescreve no artigo 154 do Codigo de Processo Penal.
Assim, deste preceito seria de inferir que a materia da culpa podia ser revista pelo Supremo Tribunal, na medida em que envolvesse questão de direito e para efeitos de0 responsabilidade civil.
E não se opunham a isto, evidentemente, os principios estabelecidos nos artigos 148 e 149 daquele referido diploma, pois o obstaculo que ai se levanta, com base no caso julgado penal, respeita somente a outras acções penais e não a acções civeis.
Ora, como no caso que vimos encarando, apreciado pelo acordão recorrido, a culpa que se discutia era baseada na violação de preceitos legais - quer por parte do reu, quer por parte da vitima - parecia legitimo que se pudesse concluir, como nesse acordão se concluiu, ante os factos apurados, que ao dito reu coube uma parte dessa culpa e, por isso, se devia condenar como se fez, bem como a co-re Companhia Seguradora, em indemnização civil. Chegou-se, assim, a uma solução que se teve por legalmente fundamentada e justa e que se afigurava susceptivel de se harmonizar com o preceituado no artigo 12 do Decreto-Lei n. 605/75, de 3 de Novembro.
E certo, porem, que, num estudo mais aprofundado da questão, deve reconhecer-se que as razões atras referidas não tem a força que a primeira vista apresentam, e que, em todo o caso, outras razões ha que levam a conclusão oposta a que deixamos indicada.
Vejamos quanto aquelas.
O recurso permitido pelo citado n. 6 do artigo 646, limitado apenas ao pedido civel, no caso do acordão da Relação ser absolutorio, pode não ser completa inutilidade, mesmo não havendo possibilidade de reapreciar a materia da culpa, pois o recorrente não fica inibido de procurar mostrar, por exemplo, que ha motivo para anulação do julgamento.

Por outro lado, aceitando-se a legitimidade da invocação do citado artigo 154, em casos como o vertente, da acção civel encorporada na acção penal (pois não se ve motivo para outra orientação, apesar de a letra do preceito se prestar a dar-lhe algum apoio), e de ponderar que o argumento que o argumento atras aduzido, com base nesse artigo, não tem o valor que inculca a primeira vista.
E que a presunção ai estabelecida, da inexistencia dos factos constitutivos da infracção ou de que o arguido a não praticou, mantem-se de pe enquanto não se fizer prova em contrario, como resulta, indiscutivelmente, do proprio preceito.
Ora, esta prova, num caso como o vertente, não e possivel produzir-se, pois a reapreciação da materia da culpa que se admitiu no acordão recorrido, baseia-se somente em questão de direito, isto e, na violação da lei.
Assim, aquela presunção, limitando-se por natureza, a materia de facto, e não sendo ilidida por qualquer outra prova, deve impor-se ao Supremo Tribunal, que não podera, consequentemente, alterar o seu conteudo.
Não esquecemos que a orientação seguida no acordão recorrido, podera ter certo apoio no preceituado nos artigos 487, n. 1, e 493, n. 2, do Codigo Civil, enquanto deles se conclui que, em materia de responsabilidade civil, dada a natureza de actividade perigosa de que se trata, ha a presunção de culpa por parte do reu condutor.
Mas bem julgamos que tal presunção não pode sobrepor-se aquela outra, em casos como o vertente, em que se declarou, peremptoriamente, por decisão transitada, não existir culpa por parte do referido reu e caber ela, na totalidade, a vitima.
Finalmente, diremos ainda que, como adiante melhor se vera, o preceituado no artigo 12 do Decreto-Lei n. 605/75 não se harmoniza, na realidade, com a doutrina perfilhada pelo acordão recorrido.
Mas a par do que se vem dizendo, que mostra ja a pouca consistencia dos argumentos que poderiam dar apoio a tese do dito acordão, logo fazendo propender o espirito para a opção contraria, ha que reconhecer que existem outras razões que levam a concluir com segurança, pela exactidão da doutrina perfilhada pelo acordão que se invoca em oposição ao recorrido.
Procuremos indica-las com a brevidade possivel.
Primeiramente, não pode esquecer-se que, a aceitar-se a solução consagrada no acordão recorrido, se cria uma situação profundamente chocante, que não e de crer que a lei queira admitir.
E que, no mesmo processo, fica decidido, por um lado, que o reu, condutor do veiculo interveniente no acidente, não teve culpa alguma na eclosão deste, pois que foi devido, unicamente, a conduta da vitima:
- dai a sua absolvição da acusação-crime.
E, por outro lado, por via do recurso respeitante a parte civel, concluiu-se que esse mesmo reu foi culpado, embora parcialmente, na produção do dito acidente, não sendo este, portanto, causado apenas pela vitima: - por isso se condenam ambos os demandados da acção civel, no pagamento de determinada indemnização civil.
Temos, pois, duas decisões contraditorias, na apreciação dos mesmos factos constantes de um unico processo, embora com a modalidade de ter nele encorporada a acção civel, não sendo possivel saber onde esta a realidade objectiva do que se passou e, consequentemente, onde se encontra a verdadeira justiça.
E se tal situação fosse de aceitar, como resultado do recurso que so pode interpor-se da decisão relativa ao pedido civel, não haveria razão para negar que, logo na propria sentença da 1 instancia, se pudesse verificar, o que torna ainda mais evidente um resultado manifestamente indesejavel.
E isto, sem duvida, procura a lei evita-lo precisamente com o que se dispõe no artigo 67 do Codigo da Estrada, que regula, nos termos dos artigos 29 a 34 do Codigo de Processo Penal, com modificações, o exercicio da acção civel em conjunto com a acção penal, nos casos de acidente de viação.
Na verdade, mostra-se, claramente, do relatorio do Decreto-Lei n. 38672, de 20 de Maio de 1954, que aprovou o actual Codigo da Estrada, que aquela finalidade preocupou fortemente o legislador, pois ai se diz, na parte IV, relativa a "Responsabilidade", seu n. 4: "Conquanto os destinos imediatos da lei civil e da lei penal sejam diferentes, o certo e que ambas pertencem a mesma ordem e, dentro desta, deve-se evitar a possibilidade de criar realidades contraditorias. Por isso pareceu recomendavel permitir a intervenção voluntaria ou forçada dos civilmente responsaveis, com o que se julga contribuir, com manifesta economia processual, para maior certeza da ordem juridica, evitando, quanto possivel, que o mesmo facto seja julgado ou qualificado por certa forma para efeitos penais e por forma diversa para efeitos civis". Em esclarecimento, diga-se que a redacção do referido artigo 67 foi alterada pelo Decreto-Lei n. 40 275, de 8 de Agosto de 1955, mas a alteração introduzida não prejudica, em nada o que se vem dizendo.
Sucede, ate, que no relatorio deste ultimo diploma, seu n. 16, tambem se reconhecem expressamente "os incontestaveis beneficios da unidade de julgamento na apreciação das duas modalidades de responsabilidade emergente dos acidentes de transito...".
De resto, isso mesmo ja orientara, tambem, o legislador do Codigo de Processo Penal, ao estabelecer como regra, no citado artigo 29 que o pedido de indemnização por perdas e danos resultantes de um facto punivel, por que sejam responsaveis os seus agentes, deve fazer-se no processo em que correr a acção penal, so podendo fazer-se separadamente em acção intentada nos tribunais civis nos casos previstos no mesmo Codigo. - Veja-se, a este respeito, o Comentario ao Codigo de Processo Penal, de Luis Osorio, volume I, pagina 323.
Todavia, apesar desta preocupação em garantir o julgamento conjunto e assegurar a uniformidade das decisões respectivas, e certo que as normas processuais a ele respeitantes permitiam que, em materia de acidentes de viação, se levantassem, frequentemente, as maiores duvidas acerca do destino da acção civel, quando a acção penal fosse julgada improcedente, especialmente quando o pedido civel se fundava apenas na conduta culposa do reu, sem se invocar o ilicito simplesmente civil ou a responsabilidade pelo risco.
E, como e sabido, a orientação que veio a ser seguida, respectivamente, no Supremo Tribunal de Justiça, foi no sentido de que, em tal hipotese, devia ser julgada improcedente a acção civel, sem prejuizo, evidentemente, de se poder propor, a parte, a competente acção no Tribunal civil, baseada nos principios da simples responsabilidade civil.
Vejam-se, dentre outros, os acordãos de 26 de Julho de 1967, 17 de Novembro de 1971 e 17 de Julho de 1974, respectivamente no Boletim do Ministerio da Justiça, ns. 169, pagina 190, 211, pagina 245, e 239, pagina 102; os dois ultimos tambem na Revista de Legislação e de Jurisprudencia, anos 105, pagina 295, e 108, pagina 267, anotados, com opinião discordante, pelo Professor Vaz Serra; e o ultimo ainda na Revista dos Tribunais, ano 93, pagina 225, com anotação concordante.
E de crer que tenha sido esta situação que concorreu, especialmente, para que o legislador do Decreto-Lei n. 605/75 viesse preceituar no artigo 12 deste diploma, que "Nos casos de absolvição da acusação-crime, o juiz condenara o reu em indemnização civil, desde que fique provado o ilicito desta natureza ou a responsabilidade fundada no risco. Nestes casos, aplicar-se-a o disposto no artigo 34 e seus paragrafos do Codigo de Processo Penal, com as necessarias adaptações".
Como resulta deste preceito e se ve confirmado no relatorio do referido diploma (veja-se o seu n. 5) não se pretendeu permitir uma nova apreciação da culpa, base da acusação-crime, quando se tenha declarado, na decisão da acção penal, que o reu agiu sem culpa e esta foi toda da vitima, mas somente se quis estabelecer a obrigatoriedade de condenar em indemnização civil quando absolvido o reu naquela acção, haja ilicito civil ou responsabilidade fundada no risco.
E logo assim foi entendido esse artigo 12, sem que se admitisse qualquer duvida, como se ve do estudo publicado na citada Revista dos Tribunais, ano 93, paginas 387 e seguintes.
Deste modo, e de concluir que se tornou claro que a lei, evitando contradição de julgados e aproveitando a actividade processual despendida, pretendeu garantir que se proferisse decisão condenatoria, quanto ao pedido civel - não obstante a decisão absolutoria da acção penal -, desde que se reconheça existir ilicito civil ou responsabilidade fundada no risco.
E como não se verifica qualquer destas condições, quando esta definitivamente apurado que o acidente foi devido a culpa exclusiva da vitima, não pode, em tal caso, condenar-se em indemnização civil (artigo 505, etc, do Codigo Civil).
Assim, ve-se que a doutrina do acordão recorrido não e correcta, sendo antes legal a do acordão invocado em oposição.
Ha, porem, a observar que o recurso foi interposto, como ja se frisou, no condicionalismo especial do artigo 770 do Codigo de Processo Civil, pois o Excelentissimo magistrado do Ministerio Publico recorrente não tinha sequer legitimidade para recorrer noutras circunstancias, num caso como o vertente.
Deste modo, deve resolver-se o conflito de jurisprudencia atraves do respectivo assento, mas sem que este tenha influencia alguma na decisão recorrida que, portanto, se mantem (citado artigo 770).
Pelos expostos fundamentos, dando provimento ao recurso, sem contudo revogar o acordão recorrido, formulam o seguinte assento:
"Absolvido definitivamente o condutor de um veiculo, da acusação criminal contra ele deduzida, por se reconhecer que não teve culpa, a materia desta não pode ser reapreciada no recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, restrito a decisão civel da acção exercida conjuntamente com a respectiva acção penal nos termos do artigo 67 do Codigo da Estrada".
Sem custas.

Lisboa, 9 de Novembro de 1977

Jose Montenegro (Relator) - Eduardo Botelho de Sousa - Miguel Caeiro - Avelino da Costa Ferreira Junior - Acacio Oliveira Carvalho - Adriano Vera Jardim - João Moura
- Francisco Bruto da Costa - Rodrigues Bastos - Daniel Ferreira - Abel de Campos - Manuel Ferreira da Costa
- Costa Soares - Artur Moreira da Fonseca - Hernani de Lencastre - Anibal Aquilino Ribeiro - Alberto Alves Pinto.