Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5/18.3YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DE CONTENCIOSO
Relator: ALEXANDRE REIS
Descritores: ADVERTÊNCIA REGISTADA
PROCESSO DISCIPLINAR
DIREITO DE DEFESA
IN DUBIO PRO REO
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
PRESSUPOSTOS
SANÇÃO DISCIPLINAR
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
INFRAÇÃO DISCIPLINAR
ATRASO PROCESSUAL
NULIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
JUIZ
RECURSO CONTENCIOSO
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Data do Acordão: 10/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTENCIOSO
Decisão: PROVIDO
Área Temática:
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA – PROCEDIMENTO DISCIPLINAR / PENAS / ESPÉCIES DE PENAS / APLICAÇÃO DAS PENAS / INQUÉRITOS E SINDICÂNCIAS.
Doutrina:
- Eduardo Correia, Direito Criminal, Volume I, p. 35 a 39;
- Fernanda Oliveira e J. Eduardo Dias, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 4.ª Edição, p. 141;
- Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, p. 28;
- Vasconcelos Abreu, As relações com o processo penal, Almedina, 1993, p. 26 ; Poder Judicial–Independência In Dependência, Almedina, 2004, p. 151;
- Vítor Faveiro, A Infracção Disciplinar, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal.
Legislação Nacional:
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGOS 85.º, N.ºS 1, 2 E 4, 86.º, 91.º E 135.º.
LEI GERAL DO TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS (LGTFP): - ARTIGO 73.º, N.ºS. 1, 2, ALÍNEAS A) E E), 3 E 7.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 17-04-2008, PROCESSO N.º 07P1521, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 11-12-2012, PROCESSO N.º 148/11.6YFLSB;
- DE 11-12-2012, PROCESSO N.º 61/12.0YFLSB;
- DE 24-02-2015, PROCESSO N.º 50/14.0YFLSB;
- DE 22-02-2017, PROCESSO N.º 17/16.3YFLSB.


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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

- DE 11-12-2002, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-05-2010, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - A conjugação dos elementos literal, sistemático, histórico e racional que intervêm na interpretação da norma contida no art. 85.° do EM] permitem concluir que, sendo as penas disciplinares, por regra, sempre sujeitas a registo, uma pena de advertência registada não pode ser aplicada a um juiz sem a precedência de processo disciplinar, ainda que o CSM possa deliberar que a parte instrutória deste seja constituída pelo processo de inquérito, se neste se apurarem indícios de infracção e o arguido nele tiver sido ouvido.
II - Mesmo que da interpretação daquele art. 85.° obtivéssemos diferente desfecho, sempre julgaríamos, perante a complexidade das concretas particularidades do caso, que a deliberação impugnada teria violado o direito de audiência e defesa da Sra. Juíza ao impor-lhe a pena de advertência registada no âmbito do procedimento simplificado previsto no n.º 4 do preceito, após notificação da mesma para, em (apenas) cinco dias, se pronunciar se aceitaria essa pena, portanto, somente com base nos meros indícios obtidos em inquérito e sem a possibilidade do exercício do direito de audiência e de defesa do arguido garantida pela solenidade própria do processo disciplinar.
III - É certo que ao STJ, no exercício do poder de controlo da juridicidade legalmente vinculada das actuações administrativas do órgão incumbido da gestão e da disciplina relativas aos juízes, está vedado o conhecimento do mérito não vinculado (discricionário) dessas actuações, quando estejam em causa apenas critérios de mérito, conveniência e oportunidade, se o impugnante apenas suscitar a bondade desse juízo valorativo quanto ao respectivo desempenho funcional, o que, em princípio, pode suceder com o juízo genérico da imputação de atrasos processuais à carência de métodos de trabalho adequados, disciplina e doseamento do tempo disponível por parte do juiz.
IV - Todavia, no caso, a indiciada conjuntura que contextualiza o incumprimento imputado à Sra. Juíza, em que se realça a (elevada) dedicação desta à função, emerge com destacado relevo a falta de elucidação da avaliação feita pelo CSM sobre os métodos (desadequados) que a mesma teria utilizado – censuravelmente, como seria suposto – na tramitação e prolação de decisões nos processos.
V - Apenas o enriquecimento necessariamente trazido pela dialética estabelecida em virtude da defesa que fosse apresentada no âmbito do processo disciplinar que tivesse sido instaurado e pelo resultado adquirido pela prova aí produzida, bem como pela reflexão suscitada pela argumentação em tal sede materializada, poderia clarificar tal juízo e vir a ficar espelhado na enunciação dos factos que viessem a ser tidos por provados.
VI - Assim não tendo sucedido, a matéria tida por indiciada, com a falta de concretude de tal juízo nela expressa, inviabiliza a aferição que a este Tribunal caberia para asseverar se, sim ou não, a avaliação feita pejo CSM é manifestamente inaceitável, por desacerto perceptível a qualquer pessoa sem os conhecimentos desse órgão.
VII - Acresce que a patenteada iliquidez da deliberação impugnada, ao consentir diversas hipóteses plausíveis da sua ultrapassagem, quer, estritamente, quanto à avaliação feita pelo CSM, quer quanto à exigibilidade e ao grau de censurabilidade da conduta da recorrente, sempre teria de obter uma solução favorável a esta, em obediência ao princípio in dubio pro reo.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA recorre para este Supremo Tribunal de Justiça da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM) de 5/12/2017, que manteve a deliberação do Conselho Permanente de 6/06/2017, que lhe impôs a pena disciplinar de advertência registada, por infracção de execução permanente aos deveres funcionais de prossecução do interesse público e de zelo, nos termos dos artigos 82º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), 73º nº 1 e nº 2 als.a) e e), 3 e 7 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP, aprovada pela Lei 35/2014), ex vi dos arts. 32º e 131º do EMJ.

Visando a declaração de nulidade ou, no mínimo, a anulação da deliberação impugnada, a recorrente sustenta que esta: (i) padece de nulidade insuprível do procedimento, por violar o direito de audiência e defesa, ao aplicar-lhe, sem processo disciplinar, a pena de advertência sujeita a registo; (ii) do direito de audiência e defesa também decorreria que, contra o sucedido, a proposta do registo da pena tivesse sido concretizada pelo Inspector Judicial e que a recorrente tivesse sido expressa e claramente notificada para se pronunciar sobre os factos e o direito invocados no relatório do mesmo, bem como que o prazo concedido para a defesa não fosse inferior a 10 dias (por aplicação remissiva do art. 118º nº 1 do EMJ); (iii) a deliberação não contém fundamentação para a aplicação de uma dimensão lesiva (registo da pena) de maior gravidade do que a proposta pelo Sr. Inspector Judicial, tendo apenas aderido à por este formulada para aquela divergente proposta (pena com efeitos diferentes); (iv) relativamente aos pressupostos da condenação, não se verificam na deliberação os elementos objectivo e subjectivo do tipo disciplinar, pois não estão elencados factos concretos dos quais se possa concluir que os referenciados atrasos processuais se devam, conforme é genericamente referido, à carência de métodos de trabalho adequados, disciplina e doseamento do tempo disponível por parte da recorrente, apontando os factos efectivamente indiciados no sentido de que não se lhe pode assacar qualquer juízo de censura e consubstanciando as circunstâncias em que a mesma exerceu a sua prestação, na análise comparativa desta com a dos juízes dos tribunais limítrofes, vicissitudes que a impediam de actuar de forma a evitar os atrasos ocorridos; (v) a deliberação padece de contraditória motivação; (vi) a deliberação viola os princípios in dubio pro reo da culpa, da proporcionalidade e da igualdade.

O CSM respondeu, concluindo pela improcedência do recurso, e foram produzidas alegações pela recorrente e pelo CSM, mantendo os respectivos pontos de vista.

*

Cumpre apreciar e decidir as questões dos vícios de nulidade e ilegalidade, suscitadas no recurso.

Para tanto, relevam os seguintes elementos extraídos dos autos:

A) No termo do inquérito instaurado à ora recorrente, por despacho do Sr. Vice-Presidente do CSM de 3-12-2016, o Sr. Inspector Judicial elaborou relatório (em 15-06-2017) em que considerou existirem indícios suficientes dos seguintes factos:

1-Por decisão de 31.07.2006 do Exmo. Sr. Vice-Presidente do CSM, AA foi nomeada Juíza de Direito em regime de estágio e colocada no Tribunal Judicial da Comarca de ..., após o que foi nomeada Juíza de Direito e sucessivamente colocada:

- No Tribunal da Comarca de ..., como auxiliar;

- No Tribunal da Comarca de ..., como efetiva;

- No Quadro Complementar de Juízes do Distrito Judicial de ... e, por essa via, afeta à Instrução Criminal do Círculo de ... e, posteriormente, ao Tribunal da Comarca de ...;

- No 2º Juízo do Tribunal da Comarca de ..., como efetiva;

- No Juízo de Instância Criminal de ... da Comarca do ..., como efetiva;

- No Juízo Local de Competência Genérica de ... da Comarca de ..., como efetiva;

2- Do seu certificado do registo individual constam as seguintes classificações:

- “Bom”, homologada em 03.06.2009, pelo seu desempenho como Juíza de Direito no Tribunal Judicial da Comarca de ..., no período de 19.09.07 a 31.08.08;

- “Bom”, homologada em 20.05.2014, pelo seu desempenho como Juíza de Direito no Quadro Complementar de Juízes do Distrito Judicial de ... e no ...º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de ..., no período de 15.09.08 a 09.07.13;

3- Não tem antecedentes disciplinares registados.

4- A evolução estatística (oficial) dos processos do Juízo Local de Competência Genérica de ... da Comarca de ... afetos à Sra. Juíza visada, entre 01.09.2014 e 31.12.2016, decorreu nos seguintes termos (fonte: H@bilus):

Em 1/9/14 Entrados Findos Em 31/8/15
Cível245227227245
Penal84271198154
Em 1/9/15 Entrados Findos Em 31/8/16
Cível245324297285
Penal154177215110
Em 1/9/16 Entrados Findos Em 31/12/16
Cível28510398286
Penal1106348124

5- A Comarca de ... integra, para além do Juízo Local de Competência Genérica de ..., entre outros, os seguintes Juízos Locais de Competência Genérica:

- Juízo Local de Competência Genérica da ... composto por um Juiz;

- Juízo Local de Competência Genérica de ... composto por dois Juízes;

 - Juízo Local de Competência Genérica ... composto por dois Juízes;

6- A evolução estatística (oficial) dos processos dos Juízos Locais de Competência Genérica da ..., ... e ... entre 01.09.2014 e 31.12.2016 decorreu nos seguintes termos (Fonte: H@bilus):

CívelEm 1/9/14 Entrados Findos Em 31/8/15
...198278331144
...166248217197
...197221247172
...12613317386
...12910115278

PenalEm 1/9/14 Entrados Findos Em 31/8/15
...5015915554
...11916121069
...72849561
...3642416
...10318924447

CívelEm 1/9/15 Entrados Findos Em 31/8/16
...144322344125
...197227256167
...172218240150
...8617220058
...7816716283

PenalEm 1/9/15Entrados Findos Em 31/8/15
...5411811851
...6910810176
...6119216585
...160214
...4723923550

CívelEm 1/9/16 Entrados Findos Em 31/12/16
...12511390145
...1677160178
...1508162169
...58968371
...83526768

PenalEm 1/9/16 Entrados Findos Em 31/12/16
...51314337
...76503591
...85584796
...141213
...50747548

7- O Exmo. Sr. Juiz Desembargador Presidente da Comarca de ... propôs, em 02.04.15, ao CSM que, no sentido de debelar o aumento de pendências na Secção Genérica de ..., os processos cíveis relativos a ações especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias transitassem, a partir de 08.04.15, de ... para a Secção Genérica da ... para aí serem tramitados, proposta que veio ser homologada pelo CSM.

            8- A proposta referida em 7 foi renovada em 8.10.2015 e, igualmente, homologada pelo CSM.

9-Na sequência do referido em 7 e 8 desde 08.04.15 foram remetidas do Juízo Local de Competência Genérica de ... para o Juízo Local de Competência Genérica de ..., pelo menos, 92 ações especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias, tendo, dessas, terminado, com abertura da audiência de julgamento, pelo menos, 23 ações.

10- O Exmo. Sr. Juiz Desembargador Presidente da Comarca de ... propôs, em 05.05.16, ao CSM, que, apresentando a Secção Genérica de ... uma pendência que carecia de ajuda suplementar, fosse autorizada a deslocação, duas vezes por semana, à Secção de Competência Genérica de ... das duas Juízas da Secção de Competência Genérica de ... a fim de as mesmas realizarem julgamentos e proferirem as respetivas sentenças em processos criminais, proposta que veio a ser homologada pelo CSM.

11-Na sequência do referido em 10 ficou estabelecido que a partir de 01.06.16 e até 15.07.16, uma das Juízas do Juízo Local de Competência Genérica de ... garantiria a realização de todo o serviço da jurisdição criminal agendado às segundas-feiras, incluindo os processos urgentes, ao passo que a outra Juíza garantiria a realização de todo o serviço da jurisdição criminal agendado às terças-feiras, incluindo os processos urgentes.

12- A Sra. Juíza visada solicitou, em 29.04.2016, ao Exmo. Sr. Juiz Secretário do CSM a colocação de um Juiz auxiliar a tempo inteiro no Juízo Local de ..., informando que, apesar do seu esforço, a enorme pendência desse Juízo tinha provocado atrasos significativos nalguns processos.

13-A Sra. Juíza visada comunicou, em 04.05.2016, ao Sr. Juiz Desembargador da Comarca de ... a sua oposição à proposta referida em 10, argumentando, além do mais, que a colaboração proposta pelas duas Juízas do Juízo Local de ... era inadequada e inútil para o regular funcionamento do Juízo Local de ....

14- A Sra. Juíza visada informou, em 05.05.2016, o Exmo. Sr. Juízo Secretário do CSM que, na sequência da deliberação do CSM de 14.04.2016, reiterava a sua discordância face à concreta proposta de colaboração/reforço do Juízo Local de ..., discordando, nomeadamente, do facto de tal colaboração se restringir aos processos sumários e sumaríssimos, ou aos processos criminais, visto que os atrasos mais significativos e a necessidade de reforço existiam em especial na área cível, e manifestando que a solução para o problema da pendência passava pela colocação de um Juiz auxiliar a tempo inteiro ou, não sendo isso possível, por uma medida estável que incidisse sobretudo na área cível, nomeadamente com a colaboração, a incidir na área cível, a partir de setembro de 2016 dos Juízes do Juízo de Comércio de Anadia que se tinham disponibilizado para isso;

15-A Sra. Juíza visada comunicou, em 23.09.16, ao Exmo. Sr. Juiz Desembargador Presidente da Comarca de ... que se lhe afigurava indispensável a colocação de um Juiz auxiliar no Juízo Local de ... ou, assim não se entendendo, no mínimo, a distribuição de serviço com outro Juiz com uma repartição tendencialmente igualitária, não concordando, por isso, com a manutenção da forma de colaboração praticada até julho, acrescentando que, para tentar praticamente sozinha pôr cobro a tão elevada pendência processual, se encontrava numa situação de cansaço extremo, suscetível de conduzir, caso se mantivesse o estado de coisas, a um possível esgotamento físico e psicológico, que submeteria apreciação médica.  

16-O Exmo. Sr. Juiz Desembargador Presidente da Comarca de ... propôs, em 27.09.16, ao CSM que, relativamente ao Juízo Local de ..., as ações especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias ficassem sob a responsabilidade da Juíza do Juízo Local da ... e de uma das Juízas do Juízo Local de ..., cabendo à primeira os processos terminados em 2, 6 e 8 e à segunda os restantes, passando, por sua vez, a outra Juíza do Juízo Local de ... a garantir a realização de todo o serviço da jurisdição criminal agendado às terças-feiras, incluindo os processos urgentes, proposta que veio a ser homologada;

17-A Sra. Juíza visada comunicou, em 28.09.16, ao Exmo. Sr. Juiz Secretário do CSM e, em 29.09.2016, ao Exmo. Sr. Vogal do CSM, Dr. BB, a sua discordância quanto à proposta apresentada para superação do problema do Juízo Local de ..., requerendo a colocação de um Juiz auxiliar a tempo inteiro para tramitação e decisão dos processos, sendo que tal intervenção deveria incidir, no mínimo dos mínimos, em 1/3 dos processos-crime e 1/3 dos processos cíveis, sendo que, ao invés, a referida proposta traduzia-se numa colaboração de menor dimensão face àquela que tinha sido prestada em junho e julho e cujos resultados eram manifestamente exíguos, para não dizer irrelevantes.

18-No Juízo Local de Competência Genérica de ..., entre os demais processos afetos à Sra. Juíza visada, contam-se também os seguintes processos:

ProcessoEspécie
18/15.9T8ANDPapéis n/classificados (9ª Espécie)
598/13.3T2ANDAção de Processo Comum
82/09.0T2AND-HReclamação de Créditos
2250/11.5T2AVRAção de Processo Sumário
115/14.8T8ANDRecurso (Contraordenação)
176/15.2T8ANDAção de Processo Comum
79/15.0T8ANDPrestação de contas
122/14.0T8ANDAção de Processo Comum
3061/14.1TCLRSAção de Processo Comum
391/08.5TAANDExecução Comum (custas/multa/coima)
490/11.6T2ANDAção de Processo Sumário
250/15.5T8ANDAção de Processo Comum
63/16.7T8ANDAção de Processo Comum
121/14.2T8ANDAção de Processo Comum
159132/12.8YIPRTAção Declarativa - DL 108/2006
1087/16.0T8AVRDivisão de Coisa Comum
127/10.0GAVGSComum singular
85/15.5T8ANDAção de Processo Comum
126/12.8GBAND-CEmbargos de Executado
82/09.0T2ANDInventário (Herança)
126/12.8GBAND.1Exec Sentença s (Of.Just) s/ Desp Liminar

19- Esses processos foram conclusos à Sra. Juíza visada para proferir despacho/sentença nas seguintes datas:

ProcessoEspécieTipo Data
18/15.9T8ANDPapéis n/classificados (9ª Espécie)Despacho28/01/2015
598/13.3T2ANDAção de Processo ComumSentença24/02/2016
82/09.0T2AND-HReclamação de CréditosSentença08/02/2016
2250/11.5T2AVRAção de Processo SumárioSaneador - Sentença07/06/2016
115/14.8T8ANDRecurso (Contraordenação)Despacho13/05/2016
176/15.2T8ANDAção de Processo ComumDespacho Saneador07/09/2016
79/15.0T8ANDPrestação de contasDespacho 19/05/2016
122/14.0T8ANDAção de Processo ComumSentença23/06/2016
3061/14.1TCLRSAção de Processo ComumSentença23/09/2016
391/08.5TAANDExecução Comum (custas/multa/coima)Despacho15/06/2016
490/11.6T2ANDAção de Processo SumárioDespacho19/10/2016
250/15.5T8ANDAção de Processo ComumSentença21/10/2016
63/16.7T8ANDAção de Processo ComumDespacho10/11/2016
121/14.2T8ANDAção de Processo ComumDespacho 18/11/2016
159132/12.8YIPRTAção Declarativa - DL 108/2006Despacho 19/10/2016
1087/16.0T8AVRDivisão de Coisa ComumDespacho 20/10/2016
127/10.0GAVGSComum singularDespacho16/09/2016
85/15.5T8ANDAção de Processo ComumDespacho saneador02/09/2016
126/12.8GBAND-CEmbargos de Executadomarcação da audiência prévia 28/11/2016
82/09.0T2ANDInventário (Herança)Despacho25/11/2016
126/12.8GBAND.1Exec Sentença (Of.Just) s/ Desp LiminarDespacho28/11/2016

20-Esses processos apresentavam a 17.01.2017, data do envio da sua comunicação ao CSM os seguintes atrasos efetivos na prolação dos despachos/sentenças respetivas:

ProcessoEspécieTipo DataDespacho:Atraso
18/15.9T8ANDPapéis n/classificados (9ª Espécie)Despacho28/01/201501/03/2017572
598/13.3T2ANDAção Proc. ComumSentença24/02/201615/04/2017249
82/09.0T2AND-HReclama. CréditosSentença08/02/201601/03/2017265
2250/11.5T2AVRAção Proc. SumárioSaneador - Sentença07/06/201619/03/2017154
115/14.8T8ANDRecurso (Contraordenação)Despacho13/05/201606/02/2017179
176/15.2T8ANDAção de Processo ComumDespacho Saneador07/09/201602/04/2017109
79/15.0T8ANDPrestação de contasDespacho 19/05/201622/01/2017173
122/14.0T8ANDAção de Processo ComumSentença23/06/201606/03/2017118
3061/14.1TCLRSAção de Processo ComumSentença23/09/201625/04/201773
391/08.5TAANDExec custas/multa/coima)Despacho15/06/201623/01/2017146
490/11.6T2ANDAção Proc. SumárioDespacho19/10/201611/04/201767
250/15.5T8ANDAção Proc. ComumSentença21/10/201619/04/201745
63/16.7T8ANDAção Proc. ComumDespacho10/11/201602/04/201745
121/14.2T8ANDAção Proc. ComumDespacho 18/11/201619/04/201737
159132/12.8YIPRTAção DL 108/2006Despacho 19/10/201608/03/201767
1087/16.0T8AVRDivisão de Coisa ComumDespacho 20/10/201608/03/201766
127/10.0GAVGSComum singularDespacho16/09/201631/01/2017100
85/15.5T8ANDAção de Processo ComumDespacho saneador02/09/201623/01/201794
126/12.8GBAND-CEmbargos de Executadomarcação audiência prévia 28/11/201606/03/201727
82/09.0T2ANDInventário (Herança)Despacho25/11/201601/03/201730
126/12.8GBAND.1Exec Sent. (Of.Just) s/Desp LiminarDespacho28/11/201601/03/201727

21- Nesses processos (listados em 18), a Sra. Juíza proferiu, naqueles abaixo discriminados, despacho, em data posterior à 17.01.17 mas anterior a 02.02.2017, data da remessa do expediente referido em 20 para incorporação neste inquérito, com os seguintes atrasos efetivos:

ProcessoEspécieTipo DataDespacho Atraso
79/15.0T8ANDPrestação de contasDespacho [1] 19/05/201622/01/2017178
391/08.5TAANDExec. Comum (custas/multa/coima)Despacho [2]15/06/201623/01/2017152
127/10.0GAVGSComum singularDespacho [3]16/09/201631/01/2017114
85/15.5T8ANDAção Proc. ComumDespacho saneador02/09/201623/01/2017100

22- Nos demais processos (listados em 20 e não incluídos em 21), a Sra. Juíza, no decurso do presente inquérito, após a incorporação referida em 21, proferiu despacho/sentença nas datas e com os seguintes atrasos efetivos:

ProcessoEspécieTipo DataDespacho Atraso
18/15.9T8ANDPapéis n/classificados (9ª Espécie)Despacho [4]28/01/201501/03/2017 615
598/13.3T2ANDAção Proc. ComumSentença24/02/201615/04/2017 331
82/09.0T2AND-HReclama. CréditosSent. (créditos n/impugnados)08/02/201601/03/2017 308
2250/11.5T2AVRAção Proc. SumárioSaneador - Sentença07/06/201619/03/2017 215
115/14.8T8ANDRecurso (Contraordenação)Despacho [5]13/05/201606/02/2017 199
176/15.2T8ANDAção de Processo ComumDespacho Saneador07/09/201602/04/2017 184
122/14.0T8ANDAção de Processo ComumSentença23/06/201606/03/2017 166
3061/14.1TCLRSAção de Processo ComumSentença23/09/201625/04/2017 162
490/11.6T2ANDAção de Processo SumárioDespacho [6]19/10/201611/04/2017 149
250/15.5T8ANDAção de Processo ComumSentença21/10/201619/04/2017 128
63/16.7T8ANDAção de Processo ComumDespacho [7]10/11/201602/04/2017 120
121/14.2T8ANDAção de Processo ComumDespacho sobre reclama. da enunciação dos temas da prova 18/11/201619/04/2017 120
159132/12.8YIPRTAção Declarativa - DL 108/2006Despacho - marcação julgamento19/10/201608/03/2017 117
1087/16.0T8AVRDivisão de Coisa ComumDespacho - marcação conferência interessados20/10/201608/03/2017 116
126/12.8GBAND-CEmbargos de ExecutadoMarcação da audiência prévia 28/11/201606/03/2017 75
82/09.0T2ANDInventário (Herança)Despacho [8]25/11/201601/03/2017 73
126/12.8GBAND.1Exec Sentença próprios autos Despacho [9]28/11/201601/03/2017 70

23- A incapacidade da Sra. Juíza visada em proclamar atempadamente as decisões nos processos referidos em 18 - que esteve na origem das dilações indicadas - deveu-se a excesso de serviço mas também a carência de métodos de trabalho adequados.

24- Ao agir pela forma que ficou descrita em 18 a 22 a Sra. Juíza visada concretizou, de forma livre, consciente e repetida, o incumprimento dos prazos na tramitação dos processos, apesar de saber que a sua conduta era contrária aos deveres profissionais do cargo, que desobedecia à lei e que incorria em responsabilidade disciplinar.

25- A Sra. Juíza visada sabia que a demora na prolação de decisão nos processos referidos em 18, por carência de método de trabalho, disciplina e de doseamento do tempo disponível, causava perturbação ao serviço e abalava a confiança dos cidadãos quanto à oportunidade na administração da justiça pelos tribunais, causando-lhes, com isso, desprestígio, resultado com o qual se conformou.

26-A Sra. Juíza visada sabia que estava obrigada a adotar métodos de trabalho adequados, quer à natureza e ao volume de serviço sob a sua responsabilidade, quer à sua própria capacidade, que lhe permitissem responder às exigências postas pelas regras legais que disciplinam, quer a tramitação dos processos, quer as suas próprias condições de trabalho, e que devia, para tanto, usar de diligência necessária para proferir atempadamente as decisões, o que também sabia não suceder.

27-A Sra. Juíza visada relaciona-se de forma educada e cordial com os demais magistrados em funções no Palácio de Justiça de ... e com os oficiais de justiça, trata com urbanidade advogados, sujeitos e intervenientes processuais e o público em geral.

28-A Sra. Juíza visada exerce as suas funções com isenção, independência e imparcialidade.

29- A Sra. Juíza visada é zelosa, empenhada e dedicada ao exercício da judicatura.

30- A Sra. Juíza visada praticamente não goza férias, reserva os fins-de-semana para estudar os processos e proferir decisões e sentenças e sai frequentemente do tribunal muito depois das 20h. 

31- A Sra. Juíza visada regularizou todos os atrasos antes do termo do inquérito.

B) O Sr. Inspector Judicial concluiu em tal relatório pela existência de indícios suficientes de que a Sra. Juíza visada cometera uma infração disciplinar de execução permanente por violação dos deveres funcionais de prossecução do interesse público e de zelo [cfr. arts. 82º do EMJ e 73º, nºs. 1, 2, als. a) e e), 3 e 7, da LGTFP, “ex vi” dos arts. 32º e 131º do EMJ] e propondo, por isso, que a mesma fosse sancionada com a pena de advertência, independentemente de processo, e, se assim não se considerasse, que fosse instaurado processo disciplinar, do qual o inquérito constituísse a sua parte instrutória.

C) O Sr. Vice-Presidente do CSM, por despacho do de 19-05-2017, determinou que a visada fosse notificada «para em 5 (cinco) dias se pronunciar, querendo, nos termos do artº 85º nº 4 do E.M.J., se aceita a pena de “Advertência Registada”, caso o Conselho Permanente venha posteriormente a considerar que essa sanção alvitrada pelo Exmo. Inspector Judicial, é a adequada à infracção em causa nos presentes autos».

D) A visada foi notificada em 23-05-2017 desse despacho e do relatório final elaborado pelo Sr. Inspector Judicial e, em 29-05-2017, manifestou a sua oposição à decisão figurada naquele despacho por entender, além do mais, que a imposição da pena de advertência registada violaria o disposto no art. 85º do EMJ, cujo comando apenas admite, independentemente de processo, a aplicação da pena de advertência não sujeita a registo e desde que assegurada a audiência e a possibilidade de defesa do visado.

E) Por deliberação de 6-06-2017, o Conselho Permanente do CSM aplicou à visada a pena de “advertência registada” pela prática de uma infracção disciplinar de execução permanente por violação dos aludidos deveres funcionais de prossecução do interesse público e de zelo.

F) A visada apresentou reclamação, ao abrigo do art. 165º do EMJ, que o Plenário do CSM, em 5-12-2017, considerou improcedente, assim mantendo aquela deliberação do Conselho Permanente.

*

A recorrente entende que a deliberação que impugna padece de nulidade insuprível de procedimento, pois violou o seu direito de audiência e defesa, desde logo por lhe aplicar, sem processo disciplinar, a pena de advertência sujeita a registo.

Com efeito, segundo a interpretação por que pugna, de entre as penas a que os magistrados judiciais podem ser sujeitos, a única que pode ser aplicada independentemente de processo disciplinar é a de advertência, mas se esta não for sujeita a registo e depois de suficientemente acauteladas a audiência e a possibilidade de defesa do arguido, em conformidade com a ressalva contida na primeira parte do nº 2 e da previsão (cumulativa) do nº 4, ambos do art. 85º do EMJ (aprovado pela Lei 21/85 de 30/7).

Vejamos.

O citado art. 85º, depois de no nº 1 elencar a escala das penas a que os magistrados judiciais estão sujeitos – desde a de advertência (al. a) até à de demissão (al. g) –, prescreve no seu nº 2 que, «Sem prejuízo do disposto no n.º 4, as penas aplicadas são sempre registadas». Na sequência, esse nº 4 consagra a possibilidade de a pena prevista na referida al. a (de advertência) «ser aplicada independentemente de processo, desde que com audiência e possibilidade de defesa do arguido, e não ser sujeita a registo».

Importa aqui anotar que o legislador de 1985 tinha presente que o Estatuto Disciplinar dos funcionários públicos (aprovado pelo DL 24/84, de 16/1) estipulava, então, que (todas) as penas aplicadas a tais servidores fossem sempre registadas no respectivo processo individual (art. 11º nº 3), regra que, aliás, subsiste (cf. o disposto no art. 180º nº 4 da vigente Lei 35/2014, de 20/6, a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas).

Diferentemente e, certamente, visando as especificidades que o estatuto dos magistrados judiciais imporia, o legislador veio a consagrar no referido diploma de 1985 a aplicabilidade de uma pena de advertência não sujeita a registo, para o que ressalvou a regra de as penas disciplinares serem sempre registadas mediante a remissão contida no nº 2 do citado art. 85º para o seu subsequente nº 4, ou seja, o mesmo segmento da norma que aludia à possibilidade de tal pena se concretizar independentemente de processo (disciplinar).

Assim, a análise do segmento normativo levado àquele nº 4, na inserção do seu referido enquadramento sistemático, contraria a ideia – que uma imediata e desgarrada leitura do seu teor literal ainda consentiria ([10]) – de que a vontade do legislador tenha sido a de consagrar a aplicabilidade de uma pena de advertência registada apenas com base nos meros indícios obtidos em inquérito e sem a possibilidade do exercício do direito de audiência e de defesa do arguido garantida pela solenidade própria do processo disciplinar.

Acresce que, logo no ano seguinte, o legislador, ao regular o estatuto dos magistrados do Ministério Público (Lei 47/86 de 15/10), depois de consagrar o princípio do paralelismo da magistratura do Ministério Público em relação à magistratura judicial (art. 54º da versão original, a que corresponde o actual art. 75º), reproduziu, ipsis verbis, na norma referente à escala de penas disciplinares (art. 141º da versão original, a que corresponde o actual art. 166º) o teor dos nºs 1 a 4 daquele art. 85º do EMJ, exceptuando a expressão «e não ser sujeita a registo», contida na parte final desse último número, que substituiu pela fórmula «e não está sujeita a registo».

É claro que o plasmado paralelismo sempre terá de ser concebido com as adaptações impostas pelas especificidades de uma e outras das magistraturas, mormente as que se prendem com o reconhecimento, feito apenas em relação aos titulares (difusos) do poder judicial, da inexistência de subordinação hierárquica entre os membros que constituem o seu corpo único – com a qual não nada tem a ver o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores – bem como da sua independência, constitucionalmente assegurada como garantia da imparcialidade no exercício de tal poder.

Porém, só uma leitura da citada norma do EMMP (nº 4 do art. 141º) que se alheasse do respectivo enquadramento sistemático e do mencionado paralelismo poderia consentir uma interpretação de que resultasse a ideia de que as penas de advertência impostas a magistrados do Ministério Público nunca seriam registadas, podendo as que fossem aplicadas a juízes ser ou não registadas.

Realmente, ficaria sem sentido a redação conjugada dos nºs 2 e 4 de tal artigo e não é detectável qualquer eventual especificidade de uma e outras das magistraturas que pudesse justificar essa suposta diversidade de tratamento pelo legislador.

Por assim ser, a introdução “cirúrgica” pelo legislador no EMMP de 1986 da fórmula «e não está sujeita a registo» no teor literal do demais reproduzido dos aludidos nºs 1 a 4 do art. 85 do EMJ só pode ter visado esclarecer que a sua mens, também, quanto a esta última norma, era no sentido de que apenas a aplicabilidade a todos os magistrados da pena de advertência não registada é consentânea com a excepcional dispensa das garantias próprias da solenidade do processo disciplinar.

Com efeito, não se vislumbram quaisquer razões válidas para conceber que o legislador pretendeu consentir, apenas em relação aos magistrados judiciais, a aplicabilidade da pena de advertência registada independentemente de processo disciplinar.

A este propósito, lembramos a ponderação desta Secção sobre a matéria da pena de advertência e o seu não registo, no anterior acórdão de 17/4/2008 (p. 07P1521, in www.dgsi.pt), que foi assim sintetizada no respectivo sumário:

«(…) X - Ora, se domínio penal a censura encontrada para o recorrente era a da dispensa de pena, seria mais adequado encontrar no domínio disciplinar uma pena que se lhe equiparasse, pois, neste caso concreto, a advertência disciplinar move-se num terreno muito aproximado ao da reprovação penal. Mas não há no domínio disciplinar a dispensa de pena.

XI - Pode o órgão competente, porém, não aplicar qualquer sanção, mesmo após concluir sobre a existência de matéria disciplinar, por não a julgar necessária face às circunstâncias. Como pode limitar-se a aplicar uma advertência não registada, que é uma pena disciplinar equiparável à dispensa de pena. Na verdade, o significado técnico da dispensa de pena no Código Penal é a de uma censura penalmente relevante, pois há condenação, mas a que não corresponde qualquer pena, o que, no campo disciplinar, equivale à advertência não registada, onde se pode dizer que há uma condenação, mas que não fica no cadastro do Magistrado.».

Na verdade, a pena de advertência «consiste em mero reparo pela irregularidade praticada ou em repreensão destinada a prevenir o magistrado de que a acção ou omissão é de molde a causar perturbação no exercício das funções ou de nele se repercutir de forma incompatível com a dignidade que lhe é exigível» e «é aplicável a faltas leves que não devam passar sem reparo» (arts. 86º e 91º do EMJ).

É certo que a advertência é uma pena que se esgota em si e se considera efectivamente aplicada a partir do momento em que é decidida e transita, sendo meramente acessório o seu registo. Todavia, o registo da advertência, ao facultar ao órgão decisor que a respectiva condenação seja tomada em consideração em futuros processos disciplinares, avaliações de mérito ou concursos de acesso aos tribunais superiores, potencia efeitos tendencialmente gravosos no percurso profissional do juiz, o que não sucede com uma pena não registada já que qualquer posterior decisão virá a ser tomada como se a condenação naquela não existisse (cf. a deliberação do CSM de 25/5/2010, no p. 2010/1-C).

 Assim, uma vez que, como vimos, a pena de advertência pode ser aplicada em duas modalidades distintas – mediante registo ou sem este –, parece-nos, em abstracto admissível a sua aplicação sem registo nos casos em que seja praticada irregularidade ou falta levíssima, ou seja, nos casos revestidos de gravidade objectiva e/ou grau de censurabilidade que, embora não possa passar sem reparo, não deva ser posteriormente levada em consideração e que, por isso, consinta, quer uma decisão perfunctória – apenas estribada numa análise de indícios –, quer a excepcional dispensa do exercício do direito de audiência e de defesa do arguido no âmbito dum processo disciplinar, bem como a economia da instrução deste. Contudo, com registo, atendendo aos onerosos efeitos deste, tal aplicação já não é configurável sem processo disciplinar.

Em conclusão, se as penas disciplinares aplicadas são, por regra, sempre registadas, o certo é que uma pena de advertência registada não pode ser aplicada sem a precedência de processo disciplinar, ainda que o CSM possa deliberar que a parte instrutória deste seja constituída pelo processo de inquérito, se neste se apurarem indícios de infracção e o arguido nele tiver sido ouvido (cf. art. 135º do EMJ).

Sendo as penas disciplinares e os seus efeitos um mal infligido ao magistrado, esse é o sentido que melhor o garantem e defendem contra o poder punitivo e o que mais perfeitamente se harmoniza com a conjugação dos aduzidos elementos literal, sistemático, histórico e racional do art. 85º do EMJ.

Mesmo que da interpretação da norma analisada obtivéssemos diferente desfecho, sempre julgaríamos, perante as concretas particularidades do caso, que a deliberação impugnada teria violado o direito de audiência e defesa da recorrente ao impor a pena de advertência registada no âmbito do procedimento simplificado previsto no nº 4 de tal preceito, após notificação da mesma para, em (apenas) cinco dias, se pronunciar se aceitaria essa pena.

São as razões deste entendimento que agora passamos a sintetizar.

Na fundamentação das diversas questões suscitadas pela recorrente emerge como fulcral a invocação de que na deliberação impugnada os referenciados atrasos processuais são-lhe imputados apenas com base, não em factos concretos, mas no juízo genérico de que tais dilações se deveram à carência de métodos de trabalho adequados, disciplina e doseamento do tempo disponível por parte da mesma.

Na verdade, como resulta da matéria indiciada acima elencada, a infração assacada à recorrente foi-lhe subjectivamente imputada, em suma, por a mesma, conscientemente, não ter adoptado métodos de trabalho adequados, quer à natureza e ao volume de serviço sob a sua responsabilidade, quer à sua própria capacidade.

É sabido que o conhecimento claro pelo arguido dos factos que lhe são imputados, suficientemente concretizados e individualizados de modo a possibilitar uma defesa eficaz, é um pressuposto necessário do direito fundamental de audiência, também em procedimento disciplinar, embora menos exigentemente do que no âmbito do processo penal ([11]).

Com efeito, o direito disciplinar tem natureza e finalidades diversas do direito criminal e daí que naquele, contrariamente ao que sucede neste, se admita em qualquer ilícito o estabelecimento da culpabilidade do agente a título de mera negligência, bem como a existência de deveres inominados ou atípicos, para permitir à Administração atingir os fins que lhe competem e não deixar impunes condutas disciplinarmente relevantes, «com o sacrifício da igualdade e da justiça» ([12]), que a previsão de tipos legais fixos e concretos possibilitaria.

Mesmo sendo adquirida a diferenciação entre o ilícito disciplinar – que visa preservar a capacidade funcional do serviço – e o ilícito criminal – que se fundamenta na defesa dos bens jurídicos essenciais à vida em sociedade –, reconhece-se que o direito disciplinar «prevê um processo com certas garantias, mas não tantas como as do direito processual criminal» ([13]), o que não pode deixar de significar que «o rigor técnico-jurídico exigido nos processos penais não é transponível para os processos disciplinares» ([14]).

É claro, de todo o modo, que a sujeição às regras disciplinares parte do pressuposto da violação dos deveres profissionais e o estabelecimento da culpabilidade do agente (dolo ou negligência): no mínimo, que este deixe de actuar com o cuidado devido, apesar de saber que devia agir de outro modo e ter capacidade para o fazer, ou seja, que deixe de colocar as suas capacidades próprias (naturais e adquiridas) ao serviço da função em que foi investido ([15]).

Ponderando o argumentado pela recorrente, a deduzida imputação de a mesma não ter adoptado métodos de trabalho adequados pode ser entendida, prima facie, como um juízo conclusivo, genérico e carecido de concretização factual e circunstancial, que não se colhe da demais matéria arrolada como indiciada.

Mas essa constatação impõe os seguintes esclarecimentos complementares:

Em primeiro lugar, sendo certo que este Tribunal tem o poder de controlo da juridicidade legalmente vinculada das actuações administrativas do Órgão incumbido da gestão e da disciplina relativas aos juízes, está-lhe vedado o conhecimento do mérito não vinculado (discricionário) dessas actuações para o substituir por outro: como pensamos ser consensual, quando estejam em causa os critérios de mérito, conveniência e oportunidade, as valorações efectuadas pelo CSM que se insiram no plano da chamada “discricionariedade técnica”, conceito que implica uma margem de livre decisão, serão, à partida, judicialmente insindicáveis se o impugnante apenas suscitar a bondade do juízo valorativo quanto ao respectivo desempenho funcional relativamente a certos processos ([16]).

Em segundo lugar, o juízo assacado sobre a dita desadequação (de métodos) visa exprimir a materialização da violação pela recorrente do genérico dever de zelo na vertente organizativa, a qual, em abstracto, poderia coexistir com a dedicação ao desempenho do cargo, uma vez que esta, podendo até ser exacerbada, fosse não conseguida ou ineficaz naquela faceta.

E, tendo presente que, como dissemos, «o rigor técnico-jurídico exigido nos processos penais não é transponível para os processos disciplinares», não se vislumbraria na já aludida falta de concretude de tal juízo um razoável estorvo para o exercício do contraditório, enfim, para a defesa da arguida, no âmbito do processo disciplinar que viesse a ser instaurado: o enriquecimento necessariamente trazido pela dialética estabelecida em virtude da defesa que fosse apresentada e pelo resultado adquirido pela prova aí produzida, bem como pela reflexão suscitada pela argumentação em tal sede materializada, poderia clarificar tal juízo e vir a ficar espelhado na enunciação dos factos que viessem a ser tidos por provados.

Todavia, o processo não foi instaurado, pelo que a imputação feita, naquele conspecto, assentou numa análise meramente indiciária e superficial, a única que consentiria o procedimento simplificado previsto no art. 85º nº 4 do EMJ, por que se optou, para mais com a concessão à visada de apenas cinco dias para se pronunciar.

Ora, aqui chegados, relembramos a particular complexidade do caso em apreço:

Perscrutados os dados objectivos indiciariamente fornecidos pelos elementos estatísticos sobre a prestação da Sra. Juíza entre 1/9/2014 e 31/12/2016, resulta que esta tinha pendentes, no início desse período, 245 processos cíveis e 84 penais e, no termo do mesmo, 286 processos cíveis e 124 penais. Donde, realmente, a sua prestação terá alcançado uma taxa de resolução processual inferior a 100% e, por isso, aumentado a pendência dos processos, contrariamente ao por ela alegado.

Ainda assim, a produtividade global da recorrente não poderia ser reputada, objectivamente, de desastrosa, sopesando, sobretudo, o esforço traduzido no resultado obtido até ao final do inquérito e também que, no cotejo com os dados estatísticos referentes aos juízes de circunscrições limítrofes, aquela produção não se afasta, significativamente, da média por estes atingida.

Por outro lado e ainda mais relevantemente, também foi considerado indiciado, a par da referida desadequação organizativa, além do mais, que a Sra. Juíza visada é zelosa, empenhada e dedicada ao exercício da judicatura, praticamente não goza férias, reserva os fins-de-semana para estudar os processos e proferir decisões e sentenças, sai frequentemente do tribunal muito depois das 20h e regularizou todos os atrasos antes do termo do inquérito.

Portanto, não teria sido por falta de empenho e dedicação ao exercício do cargo por parte da recorrente que ocorreram os indiciados atrasos na tramitação dos processos (prolação de decisões), com variada dimensão temporal, mas situada entre 70 e 615 dias, ou seja, nalguns deles, bastante considerável, embora tais dilações não se registem num elevado número de processos, de entre a globalidade dos pendentes.

É por ser essa a conjuntura que contextualiza o imputado incumprimento que emerge com destacado relevo a falta de elucidação da avaliação feita pelo CSM sobre os métodos (desadequados) que a recorrente teria utilizado – censuravelmente, como seria suposto – no aviamento dos processos e cuja desadequação teria conduzido àquele resultado (desorganização): uma vez indiciada a (elevada) dedicação da recorrente à função, fica sem se saber se tal desadaptação terá consistido, por exemplo, na falta de priorização temporal – o que até pode ser provável – ou, quiçá, na falta de simplificação processual e de síntese na enunciação e resolução das questões, tendo deixado de conferir especial realce à argumentação original (própria) com o atafulhamento das decisões de doutrina alheia e o inerente dispêndio de tempo e energias que a busca e estudo desta implicam (cf. os critérios explicitados pelo CSM no RIJ para a avaliação do mérito dos juízes).

Ora, como imediatamente se constata, porque o processo disciplinar não foi instaurado, a matéria tida por indiciada é notoriamente insuficiente para asseverar se, sim ou não, é manifestamente inaceitável, por desacerto perceptível a qualquer pessoa sem os conhecimentos do CSM, a avaliação feita por este Órgão quanto à imputada desadequação dos métodos utilizados pela recorrente na tramitação e prolação de decisões nos processos.

Nesse contexto, a aferição que a este Tribunal caberia não seria realizável e, de qualquer modo, a iliquidez patenteada pela deliberação impugnada, ao consentir diversas hipóteses plausíveis da sua ultrapassagem, quer, estritamente, quanto à avaliação feita pelo CSM, quer quanto à exigibilidade e ao grau de censurabilidade da conduta da recorrente, sempre teria de obter uma solução favorável a esta, em obediência ao princípio in dubio pro reo ([17]).

Por conseguinte, a omissão do processo disciplinar, com a consequente falta de audiência e possibilidade de defesa da recorrente inerentes à tramitação de tal procedimento e pela mesma assegurados, acarreta, necessariamente, a nulidade insuprível da deliberação impugnada (cf. art 124º do EMJ), o que prejudica o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.

Síntese conclusiva:

1. A conjugação dos elementos literal, sistemático, histórico e racional que intervêm na interpretação da norma contida no art. 85º do EMJ permitem concluir que, sendo as penas disciplinares, por regra, sempre sujeitas a registo, uma pena de advertência registada não pode ser aplicada a um juiz sem a precedência de processo disciplinar, ainda que o CSM possa deliberar que a parte instrutória deste seja constituída pelo processo de inquérito, se neste se apurarem indícios de infracção e o arguido nele tiver sido.

2. Mesmo que da interpretação daquele artigo 85º obtivéssemos diferente desfecho, sempre julgaríamos, perante a complexidade das concretas particularidades do caso, que a deliberação impugnada teria violado o direito de audiência e defesa da Sra. Juíza ao impor-lhe a pena de advertência registada no âmbito do procedimento simplificado previsto no nº 4 do preceito, após notificação da mesma para, em (apenas) cinco dias, se pronunciar se aceitaria essa pena, portanto, somente com base nos meros indícios obtidos em inquérito e sem a possibilidade do exercício do direito de audiência e de defesa do arguido garantida pela solenidade própria do processo disciplinar.

3. É certo que ao STJ, no exercício do poder de controlo da juridicidade legalmente vinculada das actuações administrativas do Órgão incumbido da gestão e da disciplina relativas aos juízes, está vedado o conhecimento do mérito não vinculado (discricionário) dessas actuações, quando estejam em causa apenas critérios de mérito, conveniência e oportunidade, se o impugnante apenas suscitar a bondade desse juízo valorativo quanto ao respectivo desempenho funcional, o que, em princípio, pode suceder com o juízo genérico da imputação de atrasos processuais à carência de métodos de trabalho adequados, disciplina e doseamento do tempo disponível por parte do juiz.

4. Todavia, no caso, a indiciada conjuntura que contextualiza o incumprimento imputado à Sra. Juíza, em que se realça a (elevada) dedicação desta à função, emerge com destacado relevo a falta de elucidação da avaliação feita pelo CSM sobre os métodos (desadequados) que a mesma teria utilizado – censuravelmente, como seria suposto – na tramitação e prolação de decisões nos processos.

5. Apenas o enriquecimento necessariamente trazido pela dialética estabelecida em virtude da defesa que fosse apresentada no âmbito do processo disciplinar que tivesse sido instaurado e pelo resultado adquirido pela prova aí produzida, bem como pela reflexão suscitada pela argumentação em tal sede materializada, poderia clarificar tal juízo e vir a ficar espelhado na enunciação dos factos que viessem a ser tidos por provados.

6. Assim não tendo sucedido, a matéria tida por indiciada, com a falta de concretude de tal juízo nela expressa, inviabiliza a aferição que a este Tribunal caberia para asseverar se, sim ou não, a avaliação feita pelo CSM é manifestamente inaceitável, por desacerto perceptível a qualquer pessoa sem os conhecimentos desse Órgão.

7. Acresce que a patenteada iliquidez da deliberação impugnada, ao consentir diversas hipóteses plausíveis da sua ultrapassagem, quer, estritamente, quanto à avaliação feita pelo CSM, quer quanto à exigibilidade e ao grau de censurabilidade da conduta da recorrente, sempre teria de obter uma solução favorável a esta, em obediência ao princípio in dubio pro reo.

Decisão:

Pelo exposto, concedendo provimento ao recurso, declara-se a nulidade da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 5/12/2017, que manteve a deliberação do seu Conselho Permanente de 06/06/2017 de aplicar à recorrente AA a pena disciplinar de advertência registada.

Custas pelo CSM, fixando-se à causa o valor de € 30.000,01.                   

Lisboa, 25/10/2018

Alexandre Reis (Relator)

Tomé Gomes

Ferreira Pinto

Isabel São Marcos

José Raínho

Olindo Geraldes

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[1] Profere despacho a declarar a incompetência do Juízo Local de ..., ordenando a remessa dos autos ao Juízo de Família e Menores de ..., uma vez que esse processo devia seguir por apenso ao processo de inventário que tinha corrido termos nesse juízo. 

[2] No essencial com o seguinte teor: “Assim, nada a determinar por ora, uma vez que não se suscita qualquer questão que deva ser objeto de apreciação pelo juiz”.

[3] No essencial com o seguinte teor: “(…) o que se suscita é a questão do incumprimento e do total alheamento do condenado após a sua condenação, situação que se mantém há mais de 2 anos, apesar de saber que teria que colaborar na elaboração do plano de reinserção social e na sua execução, já que a prisão estava sujeita ao regime de prova. Assim, vão os autos ao Ministério Público para se pronunciar e após, notifique a defesa da promoção, para, querendo se pronunciar pela eventual revogação (…)”.   

[4] Como o seguinte teor: “Notifique a Renúncia aos próprios réus – artigo 47º do CPC. Solicite o agendamento de perícia à Polícia Cientifica da Polícia Judiciária (…). Oficie ao Banco ... SA, nos termos requeridos na alínea b), de fls. 42.“.  

[5] Decidiu da reclamação da conta no que respeita à tributação do recorrente no incidente de nulidade suscitado em audiência de julgamento. No essencial, o despacho tem o seguinte teor: “O impugnante/recorrente não interpôs recurso do referido despacho, nem sobre o recurso se pronunciou sobre qualquer nulidade. Assim, julga-se improcedente a reclamação apresentada. 

[6] Ordenou a notificação das partes para, em cumprimento do contraditório, no prazo de 10 dias, informarem e /ou requererem o que tivessem por conveniente quanto à utilidade do prosseguimento dos autos (…)”.

[7] No essencial, ordena que a agente de execução proceda à citação de um réu e esclarece que a ação pode prosseguir apenas contra a pessoa indicada pelo autor. 

[8] Com o seguinte teor: “Notifique a encarregada da venda para vir informar sobre o estado da venda do imóvel. Ref. 4997645: Tenha-se em consideração”.

[9] Com o seguinte teor: “Fls. 61: Defere-se o requerido, devendo solicitar-se às Finanças se bens em nome da herança aberta por óbito dos pais do executado, designadamente, imóveis que constem em nome da herança.”.  

[10] Manuel de Andrade (“Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis”, 28), professava a «impossibilidade de fugir à interpretação literal quando os termos da lei não toleram mais do que um certo sentido, e por muito que este pareça injusto e inadaptado às exigências da vida», nos casos em que o texto da lei só permite uma certa interpretação.

[11] Como defendeu Vítor Faveiro (in “A Infracção Disciplinar”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal), «O julgamento dos factos, feito pela autoridade administrativa, refere-se a um campo muito limitado – o campo do interesse do serviço – e segue um processo menos rigoroso do que o processo judicial».

[12] Vasconcelos Abreu, “As relações com o processo penal”, Almedina, 1993, pp. 26. A caracterização do ilícito disciplinar exige, por vezes, o uso de conceitos indeterminados na definição do tipo, de modo a abarcar uma multiplicidade de condutas censuráveis. Como refere Orlando Afonso, de «uma maneira geral os conceitos disciplinares são indeterminados, reconduzindo-se o respectivo direito a estereótipos que, exactamente por o serem, comportam uma vasta subsunção factual» (Poder Judicial–Independência In Dependência, Almedina, 2004, p. 151).

[13] Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. I, pág. 35-39.

[14] Cf. acórdãos do STA de 6/05/2010 e de 11/12/2002 (este do Pleno), in www.dgsi.pt.

[15] São, pois, elementos essenciais constitutivos de infracção disciplinar: a) uma conduta do funcionário, b) a violação de algum dos deveres gerais ou específicos, c) a censurabilidade desta por imputação ao agente a título de dolo ou de mera culpa. Para poder dizer-se que a actuação é culposa é necessário que: - o agente seja imputável; - tenha agido com dolo ou negligência; - inexistam circunstâncias que tornem não exigível outro comportamento ao agente (causas de exclusão da culpa).

[16] Ou seja, citando Fernanda Oliveira e J. Eduardo Dias (“Noções Fundamentais de Direito Administrativo”, 4ª ed., p. 141): «Não compete aos tribunais substituírem-se à Administração na avaliação da situação, mas compete-lhes anular o ato quando verificarem que a avaliação feita pela Administração é manifestamente desacertada e inaceitável, quando o erro é ostensivo e notório, percetível a uma pessoa sem os conhecimentos da Administração».

Cf., também, sumário do acórdão deste Tribunal de 24-02-2015 (p. 50/14.0YFLSB):

«V - O controlo judicial da actuação administrativa na margem de reserva da administração em que esta exerce os seus poderes discricionários terá de referir-se à verificação da ofensa, ou não, dos princípios que a condicionam e será, em princípio, um controle pela negativa (um contencioso de anulação e não de plena jurisdição), não podendo o tribunal, em regra substituir-se à administração na ponderação das valorações que se integram nessa margem. É nesta perspectiva que se deve interpretar o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos administrados consagrada no n.º 4 do art. 268.º da CRP.

VI - Não cabe ao STJ sindicar os critérios adoptados pelo CSM para aferir da produtividade e da não exigibilidade de conduta diversa de determinado magistrado. Não compete igualmente ao STJ decidir da justeza da sanção disciplinar, pois a valoração dos factos que o sustentam insere-se igualmente na discricionariedade técnica do CSM. Só em casos de violação flagrante dos princípios da proporcionalidade, igualdade e adequação é que o STJ deve intervir.

VII - Não se enquadra na esfera de competência do contencioso do STJ a apreciação de critérios quantitativos, e qualitativos, que respeitam a juízos de discricionariedade técnica, ligados ao modo específico de organização, funcionamento e gestão internos do ente recorrido, como sejam a adequação, o volume de serviço, a produtividade ou as «concretas exigências de desempenho quantitativo», que por si só consideradas, quer em termos de justiça comparativa, sendo certo que, no caso vertente, a avaliação do serviço do recorrente e a ponderação feita pela entidade recorrida no sentido de que os atrasos constatados evidenciam violação dos deveres de tempestividade no despacho e de zelo são lesivas do dever de criar no público confiança na acção da justiça e tem subjacente a ponderação de tais critérios.».

O do acórdão de 11-12-2012 (p. 61/12.0YFLSB):

«I - Não é possível ao STJ sindicar os critérios objectivos seguidos pelo CSM para aferir dos índices de produtividade satisfatória num tribunal ou dos prazos de dilação que considera aceitáveis para a prolação das decisões, como também não é viável operar uma análise comparativa entre os níveis de produtividade alcançados num tribunal por cada juiz.

II - Como o STJ vem entendendo, o juízo do CSM só pode ser sindicado caso enferme de erro manifesto ou grosseiro ou caso adopte critérios ostensivamente desajustados.»

Ou o da mesma data (11-12-2012) proferido no p. 148/11.6YFLSB:

«1. O regime definido pelo Estatuto dos Magistrados Judiciais para o recurso das deliberações do Conselho Superior da Magistratura para o Supremo Tribunal de Justiça tem que ser conjugado com o modelo de impugnação definido pelo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, do qual continua a resultar a opção legislativa por uma delimitação dos poderes dos “tribunais administrativos” que exclui da sua competência a apreciação “da conveniência ou oportunidade da (…) actuação da Administração” e apenas lhes permite julgar “do cumprimento (…) das normas e princípios jurídicos que a vinculam” (nº 1 do artigo 3º do Código).

2. Igualmente está excluída a possibilidade de substituição à Administração na prática do acto impugnado.

(…) 4. No contencioso relativo aos actos de classificação do serviço dos juízes, vale a regra de que está excluído do controlo jurisdicional o juízo valorativo que neles se contém, ressalvada, naturalmente, a hipótese de manifesto excesso ou desproporcionalidade, ou de erro grosseiro.».

[17] Cf. Acórdão deste Tribunal de 22-02-2017 (p. 17/16.3YFLSB): «O princípio político-jurídico da presunção de inocência, contido no art. 32.º, n.º 2, da CRP tem aplicação no âmbito disciplinar e significa que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. O princípio in dubio pro reo, aplica-se não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude, de exclusão da culpa e de exclusão da pena, bem como às circunstâncias atenuantes, sejam elas modificativas ou simplesmente gerais.».