Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | GABRIEL CATARINO | ||
Descritores: | ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA MEDIDA CONCRETA DA PENA PENA SUSPENSA INDEMNIZAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 06/28/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE. | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – PROVA – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO UNITÁRIA / RECURSO PERANTE AS RELAÇÕES / RECURSO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL / INDEMNIZAÇÃO DE PERDA E DANOS POR CRIME – CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A LIBERDADE E AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL / CRIMES CONTRA A HONRA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – RECURSOS / RECURSOS DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO – PROCESSO DE EXECUÇÃO. DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO. | ||
Doutrina: | -Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3.ª Edição, 520, 521 e 522; -Américo Taipa de Carvalho, Prevenção, Culpa e Pena, Um concepção preventivo-ética do direito penal, Liber Discipulorum, Coimbra Editora, 83, 86, 317 e ss. e 327; -Ana Mafalda Miranda Barbosa, Responsabilidade Civil Extracontratual, Novas Perspectivas em Matéria de Nexo de Causalidade, Princípia Editora, Cascais, 2014, 23 a 26, 33 e ss., 196; -Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Pena Privativa de Liberdade; -Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume I, 1970, 429 e 641 ; 6.ª Edição, 495, 861, 868, 870 e 871 ; 1989, 572 a 578 ; 8.ª Edição, Coimbra, 1994, 533 ; 9.ª Edição, 628 e 630; -Bernardo Feijoo Sánchez, Individualización de la pena y teoria de la pena proporcional al hecho, InDret, Barcelona, Janeiro de 2007, 6, 9; -Branquinho e Desidério Murcho, Enciclopédia de Termos Lógico-filosóficos, Gradiva, 235; -Daniel Rodrigez Horcado, Comportamiento humano y pena estatal: disuasión, cooperación y equidad, Marcial Pons, Madrid, 2016, 308; Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, 242 -Eduardo Demétrio Crespo, Prevención General e Individualização judicial da Pena, Ediciones Universidade Salamanca, 54; -Fernando Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da Responsabilidade Civil, Almedina, 1995, 53 a 57; -Fernando Reglero Campos, Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo I, Parte General, Thomson-Aranzadi, 2002 ; 2008, Cizur Menor (Navarra), 721 a 780; -Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 541, 542, 543, 548 ; -Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7.ª Edição, revista e actualizada, 1997, 409; -Günther Jakobs, Estúdios de Derecho Penal, UAM Ediciones e Civitas, 1997, El Principio de Culpabilidad, 365 a 393 ; La Pena estatal: Significado e Finalidade, Thomson e Civitas, Cuadernos Civitas, Editorial Aranzadi, Cizar Menor; Navarra, 142 e 141 ; Derecho Penal, Parte General, Fundamentos y Teoria de la Imputación, 2.ª Edición, Marcial Pons, Barcelona, 8 e 13; -Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo I, Bosch, 2ª edición, 2008, 14, 219, 220, 222, 223 e 415; -Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 3.ª Edição, 369; -Javier Boix Reig, Derecho Penal, Parte Especial, Volumen I, La protección penal de los intereses jurídicos personales, iustel, 2016, 390; -Jesús-Maria Silva Sáchez, La teoria de la Determinación de la Pena como Sistema (dogmático): un primero esbozo”, InDret, Revista para el Analisis del Derecho, Barcelona, Abril de 2007, 5 e 6 ; na esteira de Hörnle (Determinación de la Pena y Culpabilidad, Buenos Aires, 2003; -Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Noticias, 1993, 337 e ss. e 343; -Jorge Ribeiro Faria, Direito das Obrigações, Volume I, 505 e 507; -Jorge Sinde Monteiro, Responsabilidade Civil, Revista de Direito e Economia, Ano IV, n.º 2, Julho/Dezembro, 1978, 317; -José Mouraz Lopes, Os Crimes Contra a Liberdade e Autodeterminação Sexual no Código Penal, 2.ª Edição, 81; -Karl Binding, La Culpabilidad en Derecho Penal, editorial Bdef, Buenos Aires, 2009, 42; -Laura Mancini, Responsabilità Civile, La Colpa nella Responsabilità Civile, Giuffrè Editore, 2015, 25 a 55; -Manuel Carneiro Frada, Direito Civil, Responsabilidade Civil, O Método do Caso, Almedina, 2010, (Reimpressão), 100; -Manuel Costa Andrade, Merecimiento de Pena y Necessidad de Tutela Penal como Referencias de una Doctrina Teleológico-Racional del Delito, Fundamentos de un Sistema Europeo del Derecho Penal, Libro-Homenage a Claus Roxin, organizado por J.M. Siva Sanchez, sob a coordenação de B.Schunemann e J. Figueiredo Dias, J.M. Bosch Editor, Barcelona, 1995, 157 e ss.; -Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 352, 353 e 357; -Nicola Abbagnamo, Dicionário de Filosofia, Martins Fonte, S. Paulo, 2003, 185; -Paolo Tonini, Prova Penale, CEDAM, 2000, Verona, 35; -Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 2.ª Edição, 503 ; 4.ª Edição, 501; -Rui Alarcão, Direito das Obrigações, 1983, 281 e 286; -Sénio Alves, Crimes Sexuais, Notas e Comentários aos Artigos 163º a 179º do Código Penal, Ed. Almedina, 11; -Sergi Cardenal Montraveta, Eficacia Preventiva General Intimidatoria de la Pena, Revista Electrónica de Ciência Penal e Criminologia, 17-18, 2015, 3; -Simas Santos e Leal Henriques, Código Penal, 2.º Volume, 2.ª Edição, 230; Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra, 2001, 105 -Vaz Serra, BMJ n.º 84, 41 e 284 ; n.º 100, 127; RLJ, Ano 113º, 104. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 127.º, 410.º, N.ºS 2, ALÍNEA C) E 3, 412.º, 427.º, 428.º E 434.º. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, N.º 1, 71.º, N.º 1, 129.º, 171.º, N.ºS 1 E 2 E 183.º, N.º 1. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 682.º, N.º 2 E 774.º. CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, N.º 1, 494.º, 496.º, N.ºS 1 E 3, 562.º, 563.º E 566.º, N.º 1. CÓDIGO DE EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE, APROVADO PELA LEI 115/2009, DE 15 DE OUTUBRO: - ARTIGO 2.º. | ||
Legislação Comunitária: | CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA: - ARTIGO 49.º, N.º 3. | ||
Referências Internacionais: | CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM. PACTO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 05-06-1979, CJ-IV, 3, 892; - DE 16-04-1991, BMJ N.º 406, 618; - DE28-11-1994, PROCESSO N.º 87187, IN CJ STJ, ANO III, TOMO III, 74 ; BMJ N.º 450, 403; - DE 19-10-1995, PROCESSO N.º 46580, IN DR Iª SÉRIE – A, DE 28-12-2005; - DE 24-10-1996, IN CJ STJ, 2000, TOMO II, 226; - DE 01-10-1997, PROCESSO N.º 8/97; - DE 22-10-1997, PROCESSO N.º 612/97; - DE 27-11-1997, PROCESSO N.º 1127/96; - DE 04-12-1997, PROCESSO N.º 1018/97; - DE 20-01-1998, PROCESSO N.º 690/97; - DE 11-05-1998, PROCESSO N.º 98A1262, IN WWW.DGSI.PT; - DE 14-06-1998, PROCESSO N.º 725/98; - DE 28-10-1998, PROCESSO N.º 1098/98; - DE 13-10-1999, CJ STJ, 1999, TOMO III, 184; - DE 02-12-1999, PROCESSO N.º 1046/98; - DE 11-05-2000, BMJ 497, 350; - DE 15-06-2000, IN CJ STJ, 1996, TOMO III, 174; - DE 20-06-2000, PROCESSO N.º 1703/00; - DE 30-11-2000, CJ STJ, VIII, 3º, 150; - DE 21-06-2001, CJ STJ, IX, 2º, 127; - DE 15-01-2002, CJ STJ, X, 1º, 36; - DE 14-03-2002, PROCESSO N.º 3261/01; - DE 03-07-2002; - DE 19-12-2002, PROCESSO N.º 4421/02; - DE 03-04-2003, PROCESSO N.º 3174/06; - DE 01-07-2003; - DE 04-03-2004; - DE 18-03-2004, PROCESSO N.º 3566/03, IN WWW.DGSI.PT; - DE 06-10-2004; - DE 09-10-2004, PROCESSO N.º 2897/2004; - DE 20-04-2006, PROCESSO N.º 06P363; - DE 23-01-2007, PROCESSO N.º 06A4417, IN WWW.DGSI.PT; - DE 24-05-2007, PROCESSO N.º 07A1187; - DE 15-11-2007, PROCESSO N.º 07B2998, IN WWW.DGSI.PT; - DE 15-11-2007, PROCESSO N.º 07B2998, IN WWW.DGSI.PT; - DE 19-02-2009; - DE 05-11-2009, PROCESSO N.º 381-2002-S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 10-02-2010; - DE 06-05-2010, PROCESSO N.º 11/2002.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 01-07-2010, PROCESSO N.º 2164/06.OTVPRT.P1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 07-10-2010, PROCESSO N.º 457/07.9TCGMR.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 28-10-2010, PROCESSO N.º 272/06.7TBMTR.P1.S1; - DE 25-11-2010, PROCESSO N.º 896/06.2TBPVR.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 16-12-2010, PROCESSO N.º 270/06.0TBLSD.P1.S, IN WWW.DGSI.PT; - DE 11-01-2011, IN WWW.DGSI.PT; - DE 13-07-2011, PROCESSO N.º 451/05.4JABRG.G1.S1; - DE 20-10-2011, PROCESSO N.º 428/07.5TBFAF.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 15-03-2012, IN WWW.DGSI.PT; - DE 29-03-2012, PROCESSO N.º 316/07.5GBSTS.S1; - DE 17-04-2012, PROCESSO N.º 4797/07.9TVLSB.L2.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 26-04-2012, PROCESSO N.º 70/08.3ELSB.L1.S1; - DE 21-06-2012, PROCESSO N.º 778/06.8GAMAI.S1; - DE 05-07-2012, PROCESSO N.º 145/06.SPBBRG.S1; - DE 05-07-2012, PROCESSO Nº 246/11.6SAGRD.S1; - DE 12-07-2012, PROCESSO N.º 1718/02.9.JOLSB; - DE 02-09-2012, PROCESSO N.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1; - DE 15-11-2012, PROCESSO N.º 178/09.8PQPRT-A.P1.S1; - DE 29-11-2012, PROCESSO N.º 862/11.6TAPFR.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 22-01-2013, PROCESSO N.º 182/10.3TAVPV.L1.S1; - DE 14-03-2013, PROCESSO N.º 287/12.6TCLSB; - DE 30-04-2013, PROCESSO N.º 11/09.0GASTS.S1; - DE 13-05-2013, PROCESSO N.º 392/10.3PCCBR.C2.S1; - DE 15-05-2013, PROCESSO N.º 6297/06.5TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 04-07-2013, PROCESSO N.º 1243/10.4PAALM.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 26-02-2014, PROCESSO N.º 732/11.8GBSSB.L1.S1; - DE 06-03-2014, PROCESSO N.º 352/10.4PGOER.S1; - DE 10-09-2014, PROCESSO N.º 232/10.4SMPRT.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 17-09-2014, PROCESSO N.º 595/12.6TASLV.E1.S1; - DE 17-09-2014, PROCESSO N.º 67/12.9JAPDL.L1.S1; - DE 22-04-2015, PROCESSO N.º 45/13.0JASTB.L1.S1; - DE 25-11-2015, PROCESSO N.º 27/14.5.JAPTM.S1; - DE 21-01-2016, IN WWW.DGSI.PT; - DE 28-01-2016; - DE 13-04-2016; - PROCESSO N.º 07P1766, IN WWW.DGSI.PT; - PROCESSO N.º 1748/02; - ACÓRDÃO N.º 10/2005, ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, IN DR SÉRIE I-A, DE 07-12-2005. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: - ACÓRDÃO N.º 3/2006, PROCESSO N.º 904/2205, IN DR, II.ª SÉRIE, N.º 27, DE 07-02-2006. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: - DE 25-03-2014, IN WWW.DGSI.PT. | ||
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Sumário : | I - Consubstanciando-se o erro notório na apreciação da prova num desvio interpretativo de uma dada situação de facto que se apresenta à leitura lógico-racional do individuo, aqui consideradas as envolventes sociais, históricas, pessoais, económicas e/ou outras, a decisão que labore em erro notório há-de expressar esse desvio interpretativo, como evidente e detectável a uma análise perfunctória, de feição intuitivo-racional, do caso em que ele se manifesta ou patenteia. O notório torna-se, assim, numa calamidade interpretativa à luz dos princípios da razão histórica e do padrão cognoscente prevalente e socialmente instituído, isto é, das máximas de experiência comum. II - O facto em questão limita-se a inculcar uma situação factual ocorrida na sua singeleza significativa, ou seja, dito de outro modo, procede a uma descrição anódina e comum de uma situação real e concreta, isto é, não estabelece uma relação denotativa ou explicitadora/justificativa entre o comportamento do agente criminoso e o rendimento escolar da menor. Pelo que não ocorre qualquer erro notório que haja que reparar ou suprir. III - Ao arguido está imputada – e mostra-se provada – a prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de menores, consumado durante cerca de 5 meses (de Setembro de 2013 a Fevereiro de 2014), e qualificado jurídico-penalmente comos sendo de trato sucessivo. IV - O arguido é um senecto de 70 e tal anos que utilizou a sua ascendência pessoal e quase familiar para induzir a menor à prática de relações sexuais, não só vaginais como orais. Acresce que, é possível realçar uma reiteração de actos sexuais praticados na residência dos pais da menor e quando esta se encontrava sozinha, o que revela uma propensão e premeditação para a consumação desses actos a resguardo de intromissões dos pais da menor que sabia não estarem em casa à hora em que perpetrava os actos antijurídicos. V - Nada exculpa ou merma a intensidade e gravame pessoal que a conduta antijurídica do arguido comporta, no entanto a idade que vence e a ameaça de cumprimento da pena, bem como a injunção de pagamento de uma indemnização à menor, como condição de uma clemente suspensão de execução da pena, pensamos, tal como pondera o MP, uma adequada sanção para a conduta ilícita do arguido. Assim, decide-se aplicar a pena de 5 anos de prisão, suspensa por igual período, com a obrigação de pagar injunção indemnizatória, em lugar da pena de 5 anos e 6 meses de prisão aplicada pela 1.ª instância. VI - Na ponderação e valoração do que poderá ser qualificado e classificado como um dano não patrimonial relevante passível de poder ser ressarcível, haverá que inferir da factualidade provada aquela situação que reproduza ou ressume um estado que derivando de uma conduta do lesante configurem ou atinjam uma dimensão que permita separar aquelas situações que se situam ao nível das contrariedades e incómodos irrelevantes para efeitos indemnizatórios e as que se apresentam num patamar de gravidade superior e suficiente para reclamar compensação. Tal compensação deverá, então, ser significativa e não meramente simbólica. A prática deste STJ vem cada vez mais acentuando a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais. VII – Tem vindo a ser advogado em diversos arestos deste STJ que a intervenção deste alto tribunal só deverá ocorrer quando os montantes fixados se revelem em notória colisão com os critérios jurisprudenciais que vêm sendo adoptados. De facto, não se trata aqui de aplicação de critérios normativos a que a um recurso que visa tão só a reavaliação e reparação de desvios ou não adequada aplicação do Direito, pelo que, naturalmente, se não ocorrer uma dessa situações deverá ter-se por justo que o julgador se situou na margem da discricionariedade que lhe é consentida, a ponderação casuística das circunstâncias do caso deve ser mantida. VIII – Em nosso juízo, o juízo ponderativo a que o tribunal se alcandorou confina-se dentro dessa margem de discricionariedade que o caso permite e, coonestando-o, não vemos razão para procedermos à sua crítica. Mantém-se pois para indemnização atribuída pelo tribunal de 1.ª instância, no valor de 22 mil euros, dos danos não patrimoniais sofridos pela menor em virtude do comportamento ilícito e antijurídico do arguido. | ||
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Decisão Texto Integral: |
1 – RELATÓRIO Contraveio o arguido, em recurso – cfr. fls. 594 a 606 –, tendo dessumido a fundamentação no epítome conclusivo que a seguir queda transcrito. I.a). – Quadro Conclusivo. “A) No dia 3 de Novembro de 2016 foi proferido douto acórdão no qual foi o arguido condenado na pena de 5 anos e 6 meses de prisão pela autoria material de um crime de abuso sexual de menor, p. e punido nos artigos 171º, nºs 1e 2 do Código Penal. Salvo o devido respeito, que é muito, o ora Apelante não se conforma com a referida condenação, entendendo-se excessiva a pena aplicada atendendo ao circunstancialismo dado como provado, razão pela qual deve a mesma ser revogada, o mesmo se diga do quantum indemnizatório arbitrado, considerando o mesmo violador do princípio da equidade inerente ao disposto no artigo 496.º do CC. B) O presente recurso restringe-se à apreciação da matéria de direito considerando o recorrente que a pena aplicada pelo tribunal a quo é excessiva atendendo à culpa do agente e às exigências da prevenção, razão pela qual deve ser alterada. E, uma vez efetuada esta alteração, ser fixada a medida da pena em obediência ao plasmado nos artigos 71.º e 79.º do Código Penal, tendo-se em devida atenção as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do Arguido, C) A finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa "que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto ... alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada ... " (Anabela Miranda Rodrigues, «A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade", Coimbra Editora, pág. 570). D) A prevenção especial, por seu lado, é encarada como a necessidade de socialização do agente, embora no sentido, modesto mas realista, de o preparar para no futuro não cometer outros crimes. O Código Penal espelhou estas preocupações nos artigos 70º e 71º. Dá-se preferência às penas não privativas da liberdade, mas tal tem de ser feito de uma forma fundamentada, pois há que apurar criteriosamente se a pena não detentiva realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art. 70º). E) Assim e na determinação da pena, o tribunal atenderá a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena» (art. 71º, n.ºs 1 e 2, do CP). F) Pelo que atentemos agora ao caso concreto do ora recorrente, nomeadamente, o facto de ser primário, ter 74 anos de idade, bem como as suas condições pessoais e a sua situação económica, que supra se deixaram vertidas nos citados pontos nºs 35, 39 e 40 da matéria de facto dada como provada, no qual se evidencia o seu enquadramento familiar e social, concluindo a douto acórdão "Inexistem elementos que demonstrem que arguido voltou a reincidir na sua conduta, estando aparentemente inserido socialmente, não sendo negativamente conotado na sua zona de residência.” G) Pelo que, e face a esta conclusão tida pelo Tribunal a quo outra deveria ter sido a pena fixada, uma que se situasse junto dos limites mínimos da respetiva moldura abstrata, ora e reportando-nos à moldura penal abstracta aplicável ao crime, a mesma situa-se entre os três anos e 10 anos de prisão, ainda assim deverá, igualmente, ser reduzida a concreta pena única a aplicar ao Arguido, porquanto a que lhe foi fixada de 5 anos e 6 meses de prisão, é manifestamente exagerada. H) OS factos dados como provados justificam a diminuição da necessidade da pena, impondo assim a aplicação de uma pena de duração, substancialmente, mais curta do que aquela que lhe foi decretada. A determinação da pena conforme supra já se referiu é feita essencialmente atendendo à culpa do agente, o que impõe uma retribuição justa, sem esquecer a ilicitude, as exigências de prevenção geral, exigências do fim preventivo especial ligadas à reinserção social do delinquente, e demais circunstâncias que deponham a favor e contra o mesmo. I) A este respeito, e no que à concreta situação e personalidade do Arguido tange, há que devidamente atentar, entre o mais, nos factos que supra melhor se acham explanados nos pontos 35 e ss da matéria dada como provada, e para a qual, por brevidade se remete, que claramente abonam em seu favor. J) Ponderando as circunstâncias concretas da atuação do Recorrente, as suas circunstâncias de vida e personalidade, não poderá deixar de considerar-se que tanto a ilicitude como a culpa do arguido, in casu, nunca justificaria a concreta pena de prisão efetiva que lhe foi aplicada, desde logo a inserção sócio-familiar do mesmo, e, bem assim, a ausência de consequências de monta e de antecedentes criminais a este nível, bem como o - relativamente - longo lapso temporal entretanto decorrido - perto de três anos militam a favor do arguido - bem como a idade do arguido (74 anos), concorrem para reduzir as necessidades de prevenção especial. K) Pelo que apenas uma pena menos gravosa, que se situasse próxima do limite mínimo da moldura abstrata aplicável (três anos) por forma a adequar-se à efetiva culpa do seu agente, à ilicitude dos factos e as concretas necessidades de prevenção, é justa e proporcional. Ao não decidir assim, violou o douto Acórdão recorrido o disposto nos artigos 40º e 71º do C.P., impondo-se a revogação do douto Acórdão recorrido quanto à medida da pena de prisão aplicada, reduzindo-se esta, que se roga seja ora fixada próximo do limite mínimo da ante referida moldura abstrata (Três anos). L) Entendemos, por isso, que é possível fazer-se uma prognose social favorável ao arguido em termos que permitem suspender-lhe a execução da pena de prisão que lhe deverá ser aplicada, afastando-se, desse modo, o arguido do efeito estigmatizante da prisão. Como consequência do supra exposto, devem considerar-se a verificação dos pressupostos para que a pena de prisão seja suspensa na sua execução, ao juízo de prognose favorável de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição geral e especial; M) In casu, atendendo-se à personalidade do arguido, às condições da sua vida (está familiar e socialmente bem integrado) e à conduta anterior e posterior ao crime (inexistência de antecedentes criminais do arguido impunha-se a suspensão da execução da pena de prisão (cf. art.º 50º, nº 1, C.Penal), pois in casu o juízo de prognose é favorável ao arguido, não se prevendo que o arguido possa vir a cometer novos crimes, desta ou de outra natureza, se tiver pendente uma pena de prisão; N) Por outro lado, entende o recorrente ser desproporcionado e excessivo montante fixado a título de indemnização civil fixada pelo Tribunal a quo, atendendo a sua situação económica e familiar, designadamente, o arguido atualmente encontra-se reformado, com uma pensão no valor de 250,00 €, juntamente com esposa pratica uma agricultura de subsistência, bem como faz criação de aves de capoeira para consumo próprio, assim, é manifesta a existência de rendimentos que lhe permitam assim alcançar o quantum indemnizatório a que foi condenado, O) Entendendo o recorrente não ser o quantum indemnizatório equitativo, face às circunstâncias do caso e às condições económicas do lesante e das lesadas, pelo que violou o douto acórdão o disposto no artigo 496.º, n.º 4 do CC. Configurando-se a quantia de 10.000,00 € ajustável como o montante e respectivos juros legais, ajustado aos danos N.O. patrimoniais de que a assistente foi vítima e as condições sócio- económicas do arguido. P) Pelo que, e por tudo o exposto deve o referido acórdão ora recorrido ser revogado e substituído nos termos supra expostos. Q) A Douta sentença violou os princípios constitucionais de legalidade, proporcionalidade e equidade e defesa do arguido, ao aplicar uma medida de prisão superior a cinco anos, quando se encontravam reunidos todos os requisitos para a aplicação de uma pena inferior que permitisse a sua suspensão, violando-se, assim, os artigos 3º, 12º, 13º, 16º, 30º e 32º da CRP. Deve o presente recurso ser Julgado procedente, por provado, devendo ser revogada o acórdão proferido, devendo a pena aplicada situar-se nos 3 anos, suspendendo-se a mesma na sua execução. Deverá também ser o quantum indemnizatório ser fixado em 10,000,00 €.”
(…) deverá o Recurso interposto pelo arguido ser julgado improcedente, por não provado, e, consequentemente, confirmar-se o Douto Acórdão recorrido, com todos os efeitos legais, justamente porque não violou quaisquer preceitos legais, "máxime" os mencionados pelo recorrente. Caso assim não se entenda, o que não se aceita mas por mero exercício de raciocínio e dever de patrocínio se admite, e venha este Venerando Tribunal a considerar dever a pena de prisão aplicada ao arguido, ora recorrente, dever ser reduzida para medida que permita a sua suspensão e a considerar verificados os pressupostos de que tal suspensão depende, sempre a mesma deverá acautelar o interesse da menor ofendida, devendo, então, e nesse caso, a suspensão que vier a ser decretada subordinar-se ao pagamento imediato àquela da indemnização que lhe foi (ou venha a ser) atribuída, (…).” Na resposta que produziu – cfr. fls. 625 a 629 –, o Ministério Público junto da comarca, dessume a respectiva argumentação de que condensa a sequente síntese: “1- O douto acórdão condenatório deixa facilmente compreender como o Tribunal partindo da moldura penal correspondente ao tipo legal de crime em questão, determinou a medida da pena, aferida pelo grau de culpa do arguido e pelas exigências de prevenção, sem deixar de ter presente tudo quanto, para o efeito, resultou provado em benefício ou em desfavor do agente. 2- Assim, a pena fixada não vai além da culpa do arguido e mostra-se razoavelmente adequada às exigências de prevenção. Razão porque, apesar de alguma excessiva benevolência que possa traduzir, mereceu a nossa conformação. 3- Como adequada se mostra, aos factos no seu conjunto e à personalidade do recorrente. 4- Essa pena, desde logo pela sua medida - cinco anos e seis meses de prisão - não pode, por exceder o limite fixado no artigo 50º, n.º 1, do Código Penal, ser suspensa na sua execução . 5- Mas ainda que assim não fosse a personalidade do arguido, mas também a sua conduta posterior aos factos censurados nestes autos, bem como a natureza e as circunstâncias do crime aqui em apreciação, obstariam à formulação, no caso, de juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena. 6- O acórdão recorrido não interpretou deficientemente qualquer preceito legal e, designadamente, os invocados pelo recorrente. Nestes termos (…) negando-se provimento ao recurso interposto e, consequentemente, confirmando-se o acórdão condenatório proferido, far-se-á Justiça.” Neste Supremo Tribunal de Justiça, o distinto Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer que aqui se deixa transcrito. “O arguido BB nascido a ...2 interpõe recurso do acórdão condenatório proferido e depositado no ... – Secção Criminal – Inst. Central – ..., Comarca de ... em 3.11.2016 que o condenou por autoria de um crime de abuso sexual de menor p. e p. pelo arts. 171º, nºs 1 e 2 do CP, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão. O arguido BB mostra-se inconformado com a medida da pena e o montante indemnizatório a que foi condenado, essencialmente, porque considera que deverá ser atendido o grau de ilicitude do facto, o modo de execução, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados, as condições pessoais a conduta anterior e posterior (art. 71º, nºs 1 e 2 do CP), tudo conjugado com os outros factos provado – ser primário e ter 74 anos de idade. Por isso defende que a pena a aplicar poderia ser mais próxima do mínimo e/ou de molde a poder ser suspensa. O Ministério Público através da sra. Procuradora da República respondeu, defendendo a confirmação do acórdão condenatório, por não terem sido violadas quaisquer normas jurídicas. 1 - O arguido BB foi condenado na 1ª instância a 5 anos e 6 meses de prisão por autoria de um crime um de abuso sexual de criança, art. 171º, nºs 1 e 2 do CP. A menor AA nasceu em ... e dos factos provados resulta que os actos preparatórios ocorreram em Setembro e Outubro de 2013, que em Novembro e Dezembro praticou actos sexuais de relevo e que nos meses de janeiro e Fevereiro de 2014 pelo menos 4 ou 5 vezes (diz a menor AA) teve relações sexuais com ela ou numa sala ou no quarto da mãe. 1 - Questão prévia Foi dado como provado no p. 41 da matéria de facto provada que os comportamentos do arguido causaram à menor AA, instabilidade, intranquilidade e perturbação emocional. E no p. 43 que “durante os anos lectivos de 2012/2013 e 2013/20104 a menor registou perda de rendimentos escolares, tendo ficada retida, por duas vezes no 7º ano de escolaridade, o que não acontecera anteriormente. No entanto o facto de a menor ter ficado retida no 7º ano de 2012-2013, não pode resultar das circunstâncias a que o arguido a tenha submetido, pois estas só começaram a ocorrer a partir de Setembro de 2013. Isto tem de significar que outras circunstâncias estiveram na origem desse ser o primeiro desaire da menor AA na escola no ano escolar de 2012-2013. E dos documentos que a fundamentação da matéria de facto refere (fls. 440 a 442) se conclui o número de faltas da AA ainda terá maior no ano de 2012/2013. Parece-nos pois resultar um vício do nº 2 do art. 410º do CPP, devendo ficar esclarecido que o comportamento do arguido só terá tido alguma influência na instabilidade da menor de 13 anos um ano, quando a AA ficou retida novamente no ano de 2013/2014. Este vício poderá oficiosamente ser declarado de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e art. 434º do CPP. 2 - Vejamos então a medida da pena. A questão da correta medida da pena tem a ver com a problemática dos fins das penas, muito debatida na doutrina. Se por um lado a pena é uma reação prática que, no dizer de Anabela Rodrigues (In a Determinação da Medida da Pena Preventiva de Liberdade, fls. 151): “é o meio mais enérgico ao dispor do poder instituído para assegurar a convivência pacífica dos cidadãos em sociedade, mas é simultaneamente o que toca de mais perto a sua libertação, segurança e dignidade”. Por outro lado, também constitucionalmente, a pena tem por finalidade a prevenção – quer preventiva geral quer especial. Na graduação da pena deve, pois, olhar-se para as funções de prevenção geral especial das penas, não se podendo perder de vista a culpa do arguido. As penas a aplicar não deverão pois ultrapassar a satisfação das exigências da culpa sendo o limite máximo, as exigências de prevenção, no caso concreto (moldura de prevenção) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social (seguindo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça). O crime de abuso de menor é um crime de perigo abstrato porque é posta em causa a autodeterminação sexual de criança, havendo um prejuízo grave para o livre desenvolvimento da personalidade dos menores, definindo ainda a intencionalidade específica do desenvolvimento sem entraves da personalidade da criança (Comentário Conimbricense, anotado, p. 445, 559). 2.1. Resulta dos factos provados que a vítima AA tinha 13 anos de idade, pois nasceu em ... e em 2013 esse dia da semana foi 2ª feira. Tendo ao actos preliminares se iniciado em Setembro (com as aulas já começadas?), ao contrário do que é referido na fundamentação do acórdão recorrido, a menor já tina 13 anos. Portanto no caso concreto relativamente à vítima que, que tendo 13 anos e em menos de 6 meses teve de aceitar a conduta do arguido será conveniente valorizar também a fase da sua personalidade naquela idade e terá sido posta em causa. O bem jurídico protegido neste tipo de crime além da proteção da autodeterminação sexual, também pode prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade, perante a pouca idade que a vítima tinha (Comentário Conimbricense, CP, T. 1, fls. 541, Figueiredo Dias). A fundamentação do acórdão recorrido para o encontro da medida da pena que aplicada, também teve em conta na sua fundamentação, os factos provados relativamente à vítima AA, tendo sido considerado contra o arguido os pressupostos exigíveis quanto à culpa, ilicitude e circunstâncias agravantes e atenuantes, que o crime pode ter suscitado na vítima tal como a al. a) do nº 2 do art. 71º do CP prevê como fundamento. 2.2. Mas parece-nos poder atender e dar algum relevo ao curto período em que o arguido terá agido, a ausência de consequências físicas, como se extrai do Relatório da Perícia de Natureza Sexual efectuada logo em 27.02.2014 – fls. 20 e segs., bem como o mau resultado escolar não resultar directa e exclusivamente da situação criada pelo arguido, pois no ano anterior já tinha tido igual resultado. E como também o tribunal recorrido reconheceu na fundamentação “o arguido não voltou a reincidir na sua conduta” está inserido socialmente e na zona da sua residência não é conotado negativamente. Por isso segundo nos parece para o encontro da medida da pena a aplicar, além dos factos provados relativamente à vítima que poderão ser interpretados como atrás referimos, também deverão ser considerados os pressupostos exigíveis quanto à culpa, a ilicitude e as circunstâncias agravantes e atenuantes designadamente as condições pessoais e ausência de antecedentes criminais, a idade que tinha então (71 anos e meio) e à personalidade. Podendo-se ter em conta pontos exactos de realização das necessidades preventivas da comunidade e que assegurem a protecção das expectativas, quando na moldura penal além da culpa também terão de funcionar as exigências de prevenção especial em conjunto com as poucas circunstâncias favoráveis ao arguido (a idade e a ausência de antecedentes criminais), a pena de prisão pelo crime de abuso sexual de criança do art. 171º, nºs 1 e 2 do CP, segundo propomos poderá ficar situado nos 5 anos de prisão. 3 - E se for possível alterar e fixar esta medida da pena , parece-nos que tal como está estabelecido no art. 50º CP, parece-nos que também poderá ser suspensa na sua execução e o arguido também defende, atendendo-se especialmente à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior e às circunstâncias do crime, porque a ameaça da prisão realizará adequadamente e suficientemente as finalidades da punição. E até segundo nos parece ser conveniente e adequado que seja subordinada tal suspensão, ao pagamento, ainda que faseado, da indemnização que for mantida ou vier a ficar fixada em recurso. Assim parece-nos que poderá ser concedido provimento ainda que parcial do recurso do arguido BB se a pena for fixada em 5 anos de prisão suspensa na sua execução e subordinada ao pagamento da indemnização.” Repontou o arguido, com a sequente proposição. “BB, Recorrente nos presentes autos, notificado do parecer do Ministério Público, aliás, na esteira das alegações de resposta ao recurso apresentadas pela assistente/Ofendida, vem aderir ao mesmo, concordando com a suspensão da pena, sob condição de pagamento da indemnização constante da decisão que vier a ser fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.” I.b). – Questões a demandar resolução. Da síntese que quedou extractada, parece poderem sacar-se como temas a resolver no recurso: a) – Vicio de erro notório na apreciação da prova – artigo 412º do Código Processo Penal; b) – Individualização judicial da pena; c) – Indemnização da vítima pelos danos não patrimoniais gerados pela conduta ilícita do arguido. II. – FUNDAMENTAÇÃO. II.A. – DE FACTO. Para a decisão a proferir está consolidada a factualidade que a seguir se encontra extractada. 2.2. Factos não provados II.B. – DE DIREITO. II.B.1. – Vício de erro notório na apreciação da prova – artigo 412º do Código Processo Penal; No seu douto parecer, a Distinta Magistrada do Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal suscita a questão da existência de um erro na apreciação da matéria de facto consistente em o acórdão recorrido ter dado como provado que a menor registou “durante os anos lectivos de 2012/2013 e 2013/20104 a menor registou perda de rendimentos escolares, tendo ficada retida, por duas vezes no 7º ano de escolaridade, o que não acontecera anteriormente.” O erro notório consistiria em “o facto de a menor ter ficado retida no 7º ano de 2012-2013, não pode resultar das circunstâncias a que o arguido a tenha submetido, pois estas só começaram a ocorrer a partir de Setembro de 2013. Isto tem de significar que outras circunstâncias estiveram na origem desse ser o primeiro desaire da menor AA na escola, no ano escolar de 2012-2013. E dos documentos que a fundamentação da matéria de facto refere (fls. 440 a 442) se conclui o número de faltas da AA ainda terá maior no ano de 2012/2013.” Por seu turno, a contradição entre a fundamentação ou entre esta e a decisão, tanto pode ocorrer entre a fundamentação de facto, em si, como entre esta e a fundamentação de direito ou entre esta mesma fundamentação, ou, ainda, entre todas, e cada uma, destas posições antinómicas e a decisão a que se chegou. Do que se trata, no caso do último dos apontados vícios, é de detectar uma antinomia endógena à estrutura da decisão que torne conflituantes a argumentação de facto ou de direito explanada na parte fundamentadora da decisão com o veredicto que o tribunal assumiu no dispositivo decisório. No silogismo que é mister constituir-se entre as partes fundamentadora da sentença e o dispositivo, a contradição do operar lógico evidencia uma refracção no plano lógico-dedutivo que desconecta o sentido racional do julgado. As premissas enunciativas deixam de exercer o seu papel denotador da decisão para figurarem como desvirtuadoras do processo de formação lógico-racional conclusivo. Em sentido similar se pronunciou o acórdão deste Supremo Tribunal, de 1.10.2015, relatado pelo Conselheiro Souto Moura, que no essencial doutrina (sic): “Como é sobejamente sabido, o recurso para o STJ é restrito a matéria de direito, sem prejuízo de este Tribunal proceder ao conhecimento oficioso dos vícios do nº 2 do art. 410º do CPP. "Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, nºs 2 e 3, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o exame de matéria de direito", conforme nos diz o art. 434º do CPP. Como se sabe, o vício há de resultar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, mas importa repetir, mais uma vez, aquilo que tem sido a jurisprudência constante deste STJ, quanto à invocação de tais vícios, todos eles: o conhecimento de recurso em matéria de facto, interposto de decisão final do tribunal coletivo, é só da competência do Tribunal da Relação, mesmo tratando-se da mera invocação dos vícios do art. 410º do CPP. Quando o art. 434º do C.P.P. nos diz que o recurso para o STJ visa exclusivamente matéria de direito, “sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do art. 410º”, não pretende, sem mais, com esta afirmação, que o recurso interposto para o STJ possa visar sempre a invocação dos vícios previstos neste artigo. Pretende simplesmente admitir o conhecimento dos vícios mencionados, pelo STJ, oficiosamente, mesmo não se tratando de matéria de direito. Na verdade, ao pronunciar-se de direito, nos recursos que para si se interponham, o STJ tem que dispor de uma base factual escorreita, no sentido de se apresentar expurgada de eventuais insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos. Por isso conhece dos vícios aludidos por sua iniciativa. Aliás, tem mesmo de os conhecer, nos termos do acórdão para fixação de jurisprudência de 19/10/1995, do Pleno das Secções Criminais deste S.T.J. (Pº 46580-3ª, in D.R. Iª série – A, de 28/12/2005). A ter tido lugar um vício dos referidos naquele normativo, face ao teor da argumentação esgrimida pelo recorrente, tal vício só poderia ser o da al. c) do nº 2 do art. 410º do CPP. E muito embora o arguido nem sequer o tenha querido fazer valer neste recurso para o STJ, sempre poderemos referir o seguinte: O erro notório na apreciação da prova para além de, como se disse, ter que decorrer da decisão recorrida ela mesma, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, tem também que ser um erro patente, evidente, perceptível por um qualquer cidadão médio. E não configura um erro claro e patente um entendimento que possa traduzir-se numa leitura que se mostre possível, aceitável, ou razoável da prova produzida.” [[3]] Ou ainda o que ficou doutrinado no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de relatado pelo Conselheiro Nuno Gomes da Silva, (sic). “Pacificamente a jurisprudência tem definido ao longo do tempo que os vícios enunciados no nº 2 do citado art. 410º CPP são vícios que respeitam tão somente à matéria de facto dada como provada e/ou não provada e ao modo como é feita a fundamentação sobre essa matéria de facto; ao modo como é analisada toda a prova e as conclusões, deduções ou consequências que a seu respeito são extraídas e têm tradução no que se verte nos factos provados e não provados. Por isso se tem dito – para o que agora importa – de forma abundante, em configurações mais ou menos detalhadas, que «o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão ocorre quando se dá como provado e não provado determinado facto, quando ao mesmo tempo se afirma ou nega a mesma coisa, quando simultaneamente se dão como assentes factos contraditórios e ainda quando se estabelece confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto ou contradição entre a fundamentação e a decisão, quando a fundamentação justifica decisão oposta ou não justifica a decisão» [[4]]. E que «o erro notório na apreciação da prova consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto, quando a conclusão lógica, já por ofender princípios ou leis formulados cientificamente, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum das pessoas, já por se ter violado ou postergado um princípio ou regra fundamental em matéria de prova» [[5]]. Num já longínquo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1999.10.13 [[6]] mas nem por isso menos actual e pertinente quanto seu ensinamento consignou-se: «O vício do erro notório só pode verificar-se relativamente aos factos tidos como provados ou não provados e não às interpretações ou conclusões de direito com base nesses factos». Trata-se, pois de anomalias da decisão ao nível da matéria de facto que são impeditivas de bem decidir, que viciam o silogismo judiciário criando disfuncionalidades e incoerência interna na decisão [[7]]. Claro está que uma coisa é a existência de vícios na conformação da matéria de facto, aí se incluindo a enunciação dos factos e a fundamentação a seu respeito, que influa, nos termos apontados, no segmento subsequente, o da apreciação jurídica levando à sua deformação intrínseca; outra é a ocorrência de uma deficiência de julgamento que possa formar-se não obstante a consistência do decidido e a correcção das opções tomadas a respeito dos factos, ou seja, um erro de direito. Daqui decorre que os vícios a existirem afectam em primeira linha a eficácia da decisão da 1ª instância pois é aí que se faz a enumeração dos factos provados e não provados e a exposição concisa embora tão completa quanto possível dos motivos de facto com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Em princípio só se houver um diferente exame crítico da prova a que proceda a Relação, por efeito de recurso apropriado, e uma modificação da matéria de facto aí levada a cabo é que os vícios a que alude o nº 2 do art. 410º poderão ser objecto de consideração pelo STJ ou então, oficiosamente, quando apesar de a decisão da primeira instância chegar imodificada à fase que se designa por “revista alargada” seja detectado um qualquer dos sobreditos vícios, pois conhecer desses vícios é exercer o «poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto»[[8]/[9]]. De outro modo, a «relação fecha, em definitivo, como regra, o ciclo do conhecimento da matéria de facto»[[10]].” No acórdão recorrido deu-se como provado (sic): “Durante os anos lectivos 2012/2013 e 2013/2014, a menor AA registou perda de rendimento escolar, tendo ficado retida, por duas vezes, no 7.º ano de escolaridade, o que não acontecera anteriormente.” Se bem interpretamos o facto transcrito na proposição enunciativa em que se contém o facto provado, e permitindo-nos usurpar, de forma algo extrapolativa, e quiçá abusiva, o conceito de dois termos usados na lógica filosófica, diríamos que o que o facto inscreve na sua função significante é uma inclusão meramente conotativa e não denotativa [[11]]. Vale dizer que o facto em questão se limita a inculcar uma situação factual ocorrida na sua singeleza significativa, ou seja, dito de outro modo, procede a uma descrição anódina e comum de uma situação real e concreta, isto é, que a menor AA durante dois anos registou uma perda de rendimento escolar e que esse rendimento escolar não tinha acontecido em anos anteriores. O facto dado como provado não estabelece uma relação denotativa ou explicitadora/justificativa entre o comportamento do agente criminoso e o rendimento escolar da menor. Esse sentido interpretativo pode estar implícito, mas não resulta de uma interpretação. O facto não inculca a ideia de que foi o comportamento assumido pelo agente, no seu relacionamento sexual com a menor, que produziu um resultado escolar menos satisfatório, tendo limitado a inscrever no conspecto factual provado que a menor teve um rendimento escolar depreciativo e mermado durante aqueles dois períodos de actividade escolar. Decorre, desta interpretação, que ainda que rebuscada e transportada para uma definição conceptual não muito vezeira e comum na liturgia terminológica jurídica, que no sentido que lhe conferimos não ocorreu qualquer erro na enunciação factual aproveitada para a decisão de acto e donde pudesse resultar um erro notório na apreciação da prova. Ao ter-se limitada a constatar uma realidade que lhe foi indicada pela entidade escolar, o tribunal limitou-se a transpô-la, sem outra denotação significativa para a decisão de facto, ficando a constar que a menor teve um rendimento depreciado nos períodos referidos e que essa merma de rendimento foi atestado pela entidade escolar sem que daí se deva inferir uma influência negativa do comportamento ilícito do agente na menor. Isto é, o esbatimento negativo no rendimento da menor ocorreu sem que daí se deva retirar ou inferir qualquer causa formadora e propulsora decorrente do comportamento do agente. É um facto singelo e constatado pela entidade escolar, que decerto quando prestou a informação não o fez por referência ao conhecimento do agente mas pelo concreto e avaliado rendimento escolar da menor. Em decisivo, o facto comprovado inculca atribuir ou conotar, na sua singeleza, um estado verificado pela entidade escolar e não um a referenciar ou denotar um estado concernente a uma situação externa e significante. Não ocorre, em nosso juízo, qualquer erro – ou pelo menos no apontado sentido – que haja que reparar ou suprir. II.B.2. – individualização judicial da pena. Ainda que a qualificação jurídica da conduta do arguido não seja posta em causa deixa-se extractada a parte do acórdão em que se analisa jurídico-penalmente a factualidade adquirida para a decisão. “Dispõe o artigo 171.º, n.º 1 do Código Penal sob a epígrafe «Abuso sexual de crianças» que: «1 - Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticar com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos. 2 – Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos. Neste preceito, «protege-se a autodeterminação sexual, mas sob uma forma muito particular: não face a condutas que representem a extorsão de contactos sexuais por forma coactiva ou análoga, mas face a condutas de natureza sexual que, em consideração da pouca idade da vítima podem, mesmo sem coacção, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade. A lei presume que (...) a prática de actos sexuais com menor, em menor ou por menor de certa idade prejudica o desenvolvimento global do próprio menor (...) e considera este interesse (...) tão importante que coloca as condutas que o lesem ou ponham em perigo sob a ameaça de pena criminal» (vide Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, t. I, págs. 541 e 542). «Trata-se de um crime de perigo abstracto (...), na medida em que a possibilidade de um perigo concreto para o desenvolvimento livre, físico e psíquico, do menor ou o dano correspondente podem vir a não ter lugar, sem que com isto a integração pela conduta do tipo objectivo de ilícito fique afastada (...).» (idem, págs. 542 e 543). Atente-se nas perturbações fisiológicas e psicológicas de um precoce despertar sexual (seja ou não violento ou consentido), são factos e motivos suficientes para uma tutela jurídica efectuada naqueles termos (cfr. José Mouraz Lopes, in Os Crimes Contra a Liberdade e Autodeterminação Sexual no Código Penal, 2ª edição, pág. 81). O tipo objectivo do crime de abuso sexual de crianças tem, no caso em apreço, como elementos constitutivos a idade inferior a 14 anos do sujeito passivo do crime e é integrado por alguma acção que constitua acto sexual de relevo. O conceito de "acto sexual de relevo", sendo indeterminado, oferece algumas dificuldades de concretização. Sénio Alves (in Crimes Sexuais, Notas e Comentários aos Artigos 163º a 179º do Código Penal, Ed. Almedina, pág. 11) define-o como «todo o comportamento destinado à libertação e satisfação dos impulsos sexuais (ainda que não comporte o envolvimento dos órgãos genitais de qualquer dos intervenientes) que ofende, em grau elevado, o sentimento de timidez e vergonha comum à generalidade das pessoas». Simas Santos e Leal Henriques (in Cód. Penal, 2.º vol., 2.ª ed., pág. 230), entendem que integram aquele conceito «aqueles actos que constituam uma ofensa séria e grave à intimidade e liberdade do sujeito passivo e invadam, de uma maneira objectivamente significativa, aquilo que constitui a reserva pessoal, o património íntimo, que no domínio da sexualidade é apanágio de todo o ser humano». – cfr. também Acs. do STJ de 24.10.96 e de 15.06.2000, in Colectânea de Jurisprudência (STJ), respectivamente, 1996, t. 3, pág. 174 e 2000, t. 2, pág. 226. Veja-se ainda o Ac. do. S.T.J., relatado por Simas Santos (proc. n.º 07P1766, in www.dgsi.pt), de onde consta «Acto sexual é, neste domínio, essencialmente aquele que assume uma natureza, um conteúdo ou um significado directamente relacionados com a esfera da sexualidade e que contende com a liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou o pratica. Quer isto dizer que não é qualquer acto de natureza, conteúdo ou significado sexual que serve ao espírito do artigo, mas apenas aqueles actos que constituam uma ofensa séria e grave à intimidade e liberdade sexual do sujeito passivo e invadam, de uma maneira objectivamente significativa, aquilo que constitui a reserva pessoal, o património íntimo, que no domínio da sexualidade, é apanágio de todo o ser humano.» Relativamente ao elemento subjectivo do tipo em análise, em qualquer das modalidades da acção previstas no art. 171.º, para o seu preenchimento, exige-se o dolo, pelo menos sob a forma de dolo eventual, que terá de se verificar relativamente à totalidade dos elementos constitutivos do tipo objectivo (neste sentido vide Figueiredo Dias, in ob. cit., pág. 548). Revertendo à situação em apreço, relativamente ao arguido BB provaram-se práticas sexuais, na medida em que a ofendida AA praticou actos de masturbação, práticas de sexo oral (o arguido introduzia o pénis erecto na boca da AA e também o pénis erecto na vagina da menor), para além de, numa fase anterior, ter tocado no corpo desta, beijando-a na boca. E fê-lo repetidamente, de Setembro de 2013 a Fevereiro de 2014, num crescente de gravidade, começando por tocar no peito por cima da roupa, beijando-a, depois levando a menor a praticar actos de masturbação, até, em número concretamente não apurado, ter concretizado relações de cópula oral e vaginal com esta. Assim, o arguido durante o período de tempo assinalado, em datas não concretamente apuradas, sujeitou a menor AA a contactos físicos e sexuais idóneos a prejudicar o seu desenvolvimento harmonioso na sua esfera sexual, em função da sua pouca idade. Relativamente à situação em apreço, na esteira do entendimento preconizado no despacho de pronúncia, entendemos que não sendo possível autonomizar e determinar as situações concretas, não existirá entre o crime de abuso sexual previsto no art. 171.º/1 e o n.º 2 um concurso efectivo mas apenas uma relação de concurso aparente, entre um crime de abuso sexual com cópula oral e vaginal e um crime de abuso sexual resultante da prática de actos sexuais de relevo, devendo ser ponderada na pena de abuso sexual de cópula (art. 171.º/2 do Código Penal) a pluralidade de actos sexuais constitutivos do crime de abuso sexual tidos com a vítima. Nestes casos deparamo-nos com uma unidade típica de acção conducente à aplicação da norma do art.º 171.º/2 do Código Penal por força de uma relação de especialidade entre as normas. Por fim sufragamos o entendimento que vem sendo plasmado pelos Tribunais Superiores quanto ao enquadramento jurídico-penal em situações, como a dos autos, em que há uma reiteração de actos durante um período prolongado. Neste domínio, como se afirma no Ac. STJ de 29/11/2012, Pr. 862/11.6TAPFR.S1, www.dgsi.pt., “quando os crimes sexuais são actos isolados, não é difícil saber qual o seu número. Mas, quando os crimes sexuais envolvem uma repetitiva actividade prolongada no tempo, torna-se difícil e quase arbitrária qualquer contagem”. Daí que “a doutrina e a jurisprudência têm resolvido este problema, de contagem do número de crimes, que de outro modo seria quase insolúvel, falando em crimes prolongados, protelados, protraídos, exauridos ou de trato sucessivo, em que se convenciona que há só um crime – apesar de se desdobrar em várias condutas que, se isoladas, constituiriam um crime - tanto mais grave [no quadro da sua moldura penal] quanto mais repetido. Ao contrário do crime continuado [cuja inserção doutrinária também nasceu, entre outras razões, da dificuldade em contar o número de crimes individualmente cometidos ao longo de um certo período de tempo], nos crimes prolongados não há uma diminuição considerável da culpa, mas, antes em regra, um seu progressivo agravamento à medida que se reitera a conduta [ou, em caso de eventual «diminuição da culpa pelo facto», um aumento da culpa enquanto negligência na formação da personalidade ou de perigosidade censurável»]. Na verdade, não se vê que diminuição possa existir no caso, por exemplo, do abuso sexual de criança, por actos que se sucederam no tempo, em que, pelo contrário, a gravidade da ilicitude e da culpa se acentua [ou, pelo menos, se mantém estável] à medida que os actos se repetem. O que, eventualmente, se exigirá para existir um crime prolongado ou de trato sucessivo será como que uma «unidade resolutiva», realidade que se não deve confundir com «uma única resolução», pois que, «para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação» (Eduardo Correia, 1968: 201 e 202, citado no “Código Penal anotado” de P. P. Albuquerque). Para além disso, deverá haver uma homogeneidade na conduta do agente que se prolonga no tempo, em que os tipos de ilícito, individualmente considerados são os mesmos, ou, se diferentes, protegem essencialmente um bem jurídico semelhante, sendo que, no caso dos crimes contra as pessoas, a vítima tem de ser a mesma”. (neste sentido vide Acórdão da Relação de Évora de 25.3.2014, in www.dgsi.pt). Sempre que seja possível autonomizar os contextos situacionais em que as práticas ocorreram, autonomizar-se-á as mesmas, havendo tantos crimes quanto tal autonomização permita. E nesta autonomização é relevante, em nosso entender, os locais aonde os mesmos ocorreram, bem como períodos de tempo concretamente definidos, não havendo uma clara continuidade entre eles. No caso em apreço, resulta assente que a menor AA sofreu de forma reiterada, sem que fosse possível determinar o número concreto de actos sofridos, práticas sexuais traduzidas em actos de cópula oral e vaginal e actos sexuais de relevo, (manipulação do pénis do arguido pela menor e situações em que aquele apalpava o corpo da menor). Temos assim, em nosso entender, e conforme o entendimento já supra exposto, preenchidos os elementos típicos objetivo e subjetivo do crime de abuso sexual e atento o facto que algumas das práticas do arguido se traduziram em meros atos sexuais de relevo não susceptíveis de serem autonomizadas espacial e temporalmente dos actos de coito oral e vaginal, podendo traduzir-se em atos preliminares do ato de abuso sexual agravado em si mesmo, entende o tribunal que os mesmos perdem a sua autonomia incriminadora, sendo apenas valorados na determinação concreta da medida da pena a aplicar ao arguido, conforme resulta do já supra exposto. O arguido agiu voluntária, livre, consciente e deliberadamente, com o propósito conseguido de satisfazer os seus instintos libidinosos, usando para esse fim a menor AA, sabendo que a molestava nos seus sentimentos mais íntimos e que a impedia de dispor livremente do seu corpo e da sua sexualidade e que as mencionadas abordagens de cariz sexual e os referidos contactos físicos e sexuais que estabeleceu com aquela eram idóneos a prejudicar o desenvolvimento harmonioso daquela menor na sua esfera sexual, em função da sua pouca idade. Mais sabia o arguido BB que punha também em causa a livre determinação sexual da AA e que a mesmo não tinha idade para se determinar livremente para a prática de actos sexuais daquela natureza. Teve o arguido sempre plena consciência da idade da menor. E a ser assim, relativamente aos actos praticados sobre a menor AA, entende o Tribunal que o arguido deve ser condenado pela prática de um crime de abuso sexual, previsto e punido pelas disposições conjugadas do art. 171.º/1 e 2 do Código Penal.” A questão da individualização judicial da pena, ainda que não se confunda com o conceito de “determinação legal da pena”, atina com problemas da dogmática jurídico-penal como sejam o fundamento, significado [[12]], legitimação [[13]], limitação, função e fins das penas. (A legitimação da pena colhe-se no ensinamento de Günther Jakobs, na afirmação do princípio da culpabilidade que “(…) significa que a culpabilidade é um pressuposto necessário da legitimidade da pena estatal. Por seu lado, a culpabilidade é o resultado de uma imputação reprobatória, no sentido de que a defraudação que se produziu vem motivada pela vontade defeituosa de uma pessoa; mais adiante me ocuparei da relação específica que existe a respeito da vontade. Provavelmente, a formulação mais comum talvez seja: a culpabilidade é reprovabilidade, ou seja em linguagem coloquial: ter a culpa. Como fundamento da necessidade de vincular a legitimidade da pena a um acto reprovável, isto é, como razão do princípio de culpabilidade, aduz-se que só desta maneira se pode evitar a instrumentalização da pessoa ao impor a pena. Neste sentido, argumenta-se que quem impõe uma pena sem que a pessoa que vai a ser castigada mereça uma reprovação pelo cometido, ou em qualquer caso, quando merece uma reprovação menor do aquela que corresponderia à medida da pena, inclui na aquela pessoa - diversamente do que ocorre no caso da pena merecida – entre os objectos do Direito das coisas. Dito de outro modo: argumenta-se que a pena não deve reger-se exclusivamente pela utilidade pública que se espera dela, mas sim que deve manter-se dentro do marco da culpabilidade do autor. Por isso, o Tribunal Constitucional Federal deriva o princípio da culpabilidade não só dos princípios gerais do Estado de Direito material, para além, especificamente, da obrigação de respeitar a dignidade humana. Dito brevemente: a proibição de vulnerar a dignidade deve limitar a optimização da utilidade da pena. Posto isto, podemos partir da base de que uma pena inútil não pode legitimar-se de nenhum modo num Estado secularizado; a pena deve ser necessária para a manutenção da ordem social, sem esta necessidade, seria por isso um mal inútil. Esta utilidade da pena chama-se na terminologia da teoria jurídico-penal – que aqui utilizaremos – habitualmente «fins da pena». A situação que se esboçou contém o seguinte dilema: sem respeitar o principio de culpabilidade, a pena é ilegítima; mas se o princípio da culpabilidade limita consideravelmente a utilização de meios socialmente funcionais, isto é, se tem um significado e não é um conceito vazio, então existe o perigo de que a pena seja inadequada para a consecução dos seus fins e seja ilegítima por esta outra razão. Dito de outro modo: a pena que é útil para a consecução dos seus fins sociais, se não está limitada pelo principio da culpabilidade, trata como coisa a pessoa que vai a ser submetida a ela, mas a pena que se vê limitada pela culpabilidade de uma maneira mais que marginal perde a sua funcionalidade. Dito em modo de exemplo: ocorre o mesmo que com uma persona que sempre quer dizer a verdade, mas sem ferir ninguém (isto é, dizer a verdade de maneira limitada) – com frequência, não dirá nada, pelo que o seu discurso terá lacunas, e não há nenhuma garantia de que resulte sequer medianamente compreensível. Relativamente ao dilema exposto, pode manifestar-se a seguinte suspeita: se é certo que a pena aporta algo à manutenção da ordem social, isto é, se pode empregar-se utilmente, apesar de estar limitada, de acordo com o principio de culpabilidade, pela culpabilidade, e, além disso, esta limitação é de certa importância, então la culpabilidade em si mesma contém uma finalidade. Se esta suspeita resultasse ser certa, o dilema estaria resolvido. (…) Sem embargo, o conceito «fim da culpabilidade» é só uma das possíveis formulações da via de saída do dilema: é a formulação feita a partir do conceito de culpabilidade. A solução também pode construir-se desde a perspectiva da ordem social de cuja estabilização se trata. Poderia tratar-se de uma ordem na qual o principio de culpabilidade é uma condição de subsistência; nesse caso, a manutenção deste princípio seria perfeitamente funcional.” [[14]] (Tradução nossa) Ainda que com divertidas matizes e, sem curarmos de sermos exaustivos quanto às teorias, que desde o século passado se vêm debruçando sobre esta problemática, desde as teorias retributivas, radicadas na filosofia kantiana e de Hegel ou a retribuição divina que vão desde S. Tomas a Sthal, passando pelas teorias da prevenção especial, de Fuerbach, até às mais actuais, e actuantes, teorias da prevenção geral, nas suas vertentes negativa e positiva [[15]], e nesta, ainda nos diversos modelos em que se vem enformando esta corrente da dogmática jurídico-penal, que têm como epígonos Hellmuth Mayer com a denominada “força configuradora dos costumes”, Claus Roxin com a denominada “prevenção da integração” até chegar ao entendimento sociológico-jurídico-normativo de Günther Jakobs, para só falar dos mais significativos, poder-se-ia definir a pena “como uma privação ou restrição de bens jurídicos, prevista na lei, e imposta pelos órgãos jurisdicionais competentes ao autor do facto delitivo” [[16]]. Também Günther Jakobs refere que, apesar das diferenças que é possível surpreender nos distintos entendimentos quanto a esta problemática, notas comuns são passíveis de ser colimadas num conceito unitário de pena, conferindo a esta “uma função de reacção ante uma infracção de uma norma; que mediante a reacção sempre “se pone de manifesto” que há-de observar-se a norma; e que a reacção demonstrativa sempre tem lugar á custa do responsável por haver infringido a norma (por “a costa de” se entiende en este contexto la pérdida de cualquier bien)” [[17]] (tradução nossa). (As teorias da retribuição têm vindo a assumir um papel crescente na moderna teoria das penas, com o incremento na Alemanha, através de uma variante, a teoria da proporcionalidade pelo facto ou da pena proporcional ao facto, devido à “decepção e consequente desconfiança perante o sistema de prevenção especial baseado na ressocialização do delinquente constatado em distintos países como a Holanda, Suécia, Noruega e Estados Unidos conduziu a que se repristinasse o sistema neoclássico o que significava volver “a uma estrita vinculação com os princípios liberais clássicos (vinculados tradicionalmente à teoria da prevenção geral) de previsibilidade, segurança jurídica e estrita proporcionalidade que a ideologia da ressocialização tinha interdito.” [[18]] Uma das epígonas da teoria do neoproporcionalismo é Hörnle, que “estabelece uma orientação da determinação da pena à teoria do delito ou ao injusto culpável, considerando que a determinação da pena se deve fazer depender somente da gravidade do facto, quer dizer, da dimensão do desvalor do facto. O decisivo, pois, passa por identificar os factores que em casos concretos permitem realizar adequadamente o desvalor do facto delitivo. Como assinala a autora, a orientação ao sistema do delito a) facilita teoricamente a fundamentação de porquê um determinado factor de determinação da pena deve ser introduzido no catálogo dos dados a tomar em consideração, b) permite a normativização dos factores de determinação da pena e, c) para além disso, ajuda a aproveitar o grau de desenvolvimento que haja alcançado a teoria jurídica do delito.” Deficiência doutrinal é que a teoria desenvolvida exaspera de forma excessiva a produção do resultado típico ou a medida do desvalor do resultado em detrimento, por um lado, dos elementos expressivos ou comunicativos do injusto (do facto) que ela assume como ponto de partida e, por outro lado, dos elementos que tem a ver com a culpabilidade. O problema desta teoria é que praticamente identifica gravidade ou desvalor do facto com gravidade ou desvalor do resultado”) [[19]] Consignada a pena nos preditos moldes, a figura da “determinação legal da pena, ainda que para a operação de individualização judicial da pena não nos possamos alhear deste conceito, por constituir o limite que o legislador consignou como sendo aquele que protege de forma prevalente e eficaz, e num dado momento histórico, um determinado bem jurídico”, procuraremos indagar quais os critérios e justificações que deverão guiar e lastrar a determinação da medida concreta de uma pena, o que vale por dizer quais serão ou deverão ser os princípios rectores em que poderá ancorar-se uma adequada valoração da conduta de um agente infractora norma protectora de bens jurídicos. [[20]] Para Claus Roxin, op. loc.cit., pag. 185, concluindo as suas reflexões politico-criminais sobre o princípio da culpabilidade afirma que: 1º - a problemática da relação entre culpabilidade não se pode abordar depurando a culpabilidade de todos os elementos dos fins das penas, para poder contrapor os conceitos em antítese limpa. Antes bem, a culpabilidade, em tanto possa ser constatada na praxis forense, torna-se determinada no seu conteúdo por critérios preventivos; 2º - Nem tão pouco se pode incluir na culpabilidade, como se tentou recentemente invertendo as posições anteriores, todos os pontos de vista preventivos o só os preventivos gerais, fazendo desaparecer com isso o carácter antinómico de culpabilidade e prevenção; 3º - Para melhor se há-de reconhecer que conceito jurídico-penal de culpabilidade contém certamente em si alguns aspectos preventivos, mas precisamente não outros, pelo que se produzem, por isso, recíprocas limitações do poder punitivo que ocupam lugares distintos segundo se trata da fundamentação ou da determinação da pena; 4º - pelo que se refere à culpabilidade como fundamento da pena, em numerosos casos devem acrescentar-se requisitos preventivos, para desencadear uma responsabilidade jurídico-penal. Com isso, o castigo do comportamento culpável – contra o que constituía a opinião tradicional – será limitado precisamente pela necessidade preventiva, o que do ponto de vistas dogmático jurídico-penal produzirá consequências transcendentais, ainda somente vislumbradas (…); 5º - No que se refere á culpabilidade a determinação da pena, por outro lado aparece em primeiro plano o efeito limitador da culpabilidade sem prejuízo da sua congruência com as necessidades de uma prevenção integradora motivada criminalmente; já que na sua graduação limita em virtude da liberdade individual, qualquer tipo de prevenção geral intimidatória e qualquer tipo de prevenção especial dirigida a tratamento. Não obstante, também os prementes mandatos da prevenção especial limitam, ao inverso, o grau da pena, no entanto, contra o que sucede na praxis, pode-se impor no caso concreto uma pena inferior à correspondente ao limite que vem previamente dado pela magnitude da culpabilidade, quando só deste modo se possa evitar o perigo de uma maior ressocialização. Já para Winfried Hassemer, in op. loc. cit.,pag.127, “a decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o se comportamento posterior ao delito”, do mesmo passo que para Jakobs o conteúdo tradicional da culpabilidade, constitui-se numa culpabilidade fundada em si mesma, sendo preenchido pela prevenção geral, Para este autor, “a transgressão da norma constitui em maior ou menor medida uma perturbação da confiança da generalidade na validade da norma. Por isso a segurança existencial necessária no tráfico social deve restabelecer-se mediante a estabilização da norma à custa do autor. A culpabilidade esvazia-se aqui de conteúdo, o qual dependerá de factores externos”. [[21]] “A um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe («se le imputa») que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia («pone de manifesto») que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido. [[22]] Na doutrina espanhola, Jesús-Maria Silva Sánchez, na esteira de Hörnle (Determinación de la Pena y Culpabilidad, Buenos Aires, 2003) a individualização da pena pressupõe as seguintes premissas. “Em primeiro lugar, que o marco penal abstractamente previsto se configura como reposta preconstituida para um conjunto de factos que coincidem em constituir um determinado tipo de injusto penal, culpável e punível, no qual se contêm os elementos que fundamentam o merecimento e a necessidade de aquela pena-marco. Em segundo lugar, que injusto e culpabilidade (assim como punibilidade) constituem magnitudes graduáveis. Por isso, o marco penal abstracto pode ver-se como a união de um conjunto de cominações penais mais detalhadas (submarcos) que assinalariam medidas diversas de pena às distintas subclasses de realizações (subtipos), mais ou menos graves, do injusto culpável e punível expressado no tipo. E, em terceiro lugar, que, desde esta perspectiva, o acto de determinação judicial da pena se configura essencialmente como aquele em virtude do qual se constata o concreto conteúdo de injusto, culpabilidade e punibilidade de um determinado facto, traduzindo-o numa determinada medida da pena. O que reitera o já expresso de forma concisa: a única politica criminal que deve realizar o juiz é a que discorre por um curso das categorias dogmáticas. (…) No entanto, o facto de que a única politica criminal que o juiz deva realizar seja a que decorre pelo curso das categorias dogmáticas não implica deixar de atender aos critérios preventivos. Isso porque precisamente as ditas categorias dogmáticas podem e devem ser reconstruídas no conchavo (“en clave”) politico-criminal considerando as finalidades preventivas e de garantia que legitimam o recurso ao direito penal. A teoria do delito configurar-se-á assim como um sistema de regras que permitem estabelecer com a maior segurança possível o sim e o não dos tais merecimento e necessidade de pena. E a teoria da determinação da pena como teoria da concreção do conteúdo delitivo do facto implicará, por sua vez, o estabelecimento do quantum do seu merecimento e necessidade politico-criminal de pena.” (a tradução é da nossa lavra) [[23]] No ordenamento jurídico-penal português, e com as alterações introduzidas pela revisão do Código Penal em 1995, ficou consagrada uma concepção preventivo-ética da pena, quando se estatuí que “as finalidades da pena (e da medida de segurança) são exclusivamente preventivas, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite da pena”. [[24]] Para este Professor, que parece defender uma posição próxima daquela que é defendida por Eduardo Demétrio Crespo, na obra já citada, isto é, que as penas devem visar, em primeira linha a prevenção especial (positiva e negativa), devendo a prevenção geral constituir-se como limite mínimo da justificação e fundamento para a imposição de uma pena ou medida de segurança e a culpa como limite máximo atendendo ao critério da prevenção especial, “o objectivo da pena, enquanto meio de protecção dos bens jurídicos, é a prevenção especial, positiva e negativa (isto é, de recuperação social e/ou de dissuasão). Este é o critério orientador, quer do legislador quer do tribunal”. [[25]] Para este Professor “a determinação da medida da pena e a escolha da espécie de pena, quando legalmente permitida, reger-se-á pelo objectivo e critério da prevenção especial: recuperação social do infractor (prevenção especial positiva), desde que tal objectivo não seja incompatível com a necessidade mínima de dissuasão individual. Ou seja: o “fim” é a reintegração social do infractor, fim este que tem, como limite mínimo, a eventual necessidade de dissuasão do infractor da prática de futuros crimes”. No entanto, adverte o autor, que temos vindo a citar,” que este critério da prevenção especial não é absoluto, mas antes duplamente condicionado e limitado: pela culpa e pela prevenção geral”. “Condicionado pela culpa, no sentido de que nunca o limite máximo da pena pode ser superior à “medida” da culpa, por maiores que sejam as exigências preventivo – especiais” e “condicionado pela prevenção geral, no sentido de que nunca o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena detentiva) pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima”. Para o Professor Manuel Costa Andrade [[26]], o Código Penal Português assumiu um novo paradigma que comporta princípios axiomáticos devidamente estabilizados na doutrina alemã e portuguesa, através de Claus Roxin e Figueiredo Dias, e de que se planteiam como proposições fundamentais: “1º - o direito penal só deve intervir para assegurar a protecção, necessária e eficaz, dos bens jurídicos fundamentais; 2º - a ameaça, aplicação e execução da pena só pode ter como finalidade a reafirmação e estabilização contrafáctica da validade das normas, o estabelecimento da paz jurídica e da confiança nas normas assim como a ressocialização do condenado; 3º - a culpabilidade deve, em todo o caso, subsistir como pressuposto irrenunciável e como limite infranqueável da pena” (tradução nossa). Ainda que não totalmente de acordo com a proposição inscrita no ponto terceiro, por entendermos que o fim das penas deve assumir-se como factor de prevenção geral, numa perspectiva ético-social e funcional (ainda que com esta posição nos expúnhamos a ser acoimados de instrumentalizar o direito penal, retirando-lhe a dimensão ético-axiológica), deixando de lado um factor aleatório e vincadamente subjectivo como se revela ser a inferência fáctico-jurídica da culpa, não deixamos de considerar que o novo paradigma incutiu uma nova forma de enfrentar a problemática da individualização judicial das penas. Da posição que defendemos para a necessidade de imposição de uma sanção penal releva, como condição de uma imposição de uma punição, para além do desvalor objectivo-social da conduta, a necessidade de repor a confiança da sociedade na violação da norma que impõe um determinado proceder técnico-instrumental e redefinir um comportamento ético-socialmente desviado e que se apresenta como socialmente desmotivador da eficácia sancionatória do sistema jurídico-penal. A pena, porém “(...) só pode resultar justificada com base numa teoria que seja em última instãncia consequencialista, pois parece evidente que o castigo só se pratica quando se podem obter resultados do mesmo e na medida em que estes se obtenham, ainda que isso não seja em princípio incompstível com que esta prática se veja submetida a eventuais limites éticos.” [[31]] Ainda que com matizes motivadoras diversas a jurisprudência tem vindo a afirmar a necessidade de afirmar e vincar a perspectiva da prevenção especial, como nos parece depreender-se do que ficou doutrinado no recente acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 13.04.2016, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral. “(…) a propósito, escrevemos noutras decisões, em situações similares deste Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de 10 de Fevereiro de 2010) em termos dogmáticos é fundamento da individualização da pena a importância do crime para a ordem jurídica violada (conteúdo da ilicitude) e a gravidade da reprovação que deve dirigir-se ao agente do crime por ter praticado o mesmo delito (conteúdo da culpa). Não obstante, estes dois factores básicos para a individualização da pena não se desenvolvem paralelamente sem relação alguma. A culpa jurídico-penal afere-se, também, em função da ilicitude; na sua globalidade aquela encontra-se substancialmente determinada pelo conteúdo da ilicitude do crime a que se refere a culpa. Prevenção e culpa são os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena, reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite às exigências de prevenção e portanto, o limite máximo da pena. A medida da pena resultará, assim, da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada – [prevenção geral positiva ou de integração] – temperada pela necessidade de prevenção especial de socialização, constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena A ilicitude e a culpa são, assim, conceitos graduáveis entendidos como elementos materiais do delito. Isto significa, entre outras coisas, que a intensidade do dano, a forma de executar o facto a perturbação da paz jurídica contribuem para dar forma ao grau de ilicitude enquanto que a desconsideração; a situação de necessidade; a tentação as paixões que diminuem as faculdades de compreensão e controle; a juventude; os transtornos psíquicos ou erro devem ser tomados em conta para graduar a culpa. A dimensão da lesão jurídica mede-se desde logo pela magnitude e qualidade do dano causado, devendo atender-se, em sentido atenuativo ou agravativo, tanto as consequências materiais do crime como as psíquicas. Importa, ainda, considerar o grau de colocação em perigo do bem jurídico protegido quer na tentativa quer nos crimes de perigo. A medida da violação jurídica depende, também, da forma de execução do crime. A vontade, ou o empenho empregues na prática do crime são, também, um aspecto subjectivo de execução do facto que contribui para a individualização. A tenacidade e a debilidade da vontade constituem valores angulares do significado ambivalente da vontade que pode ser completamente oposto para o conteúdo da ilicitude e para a prevenção especial O conteúdo da culpa ocupa o lugar preferencial entre os elementos fácticos de individualização da pena que o Código Penal coloca como directriz da actuação do juiz. Os motivos e objectivos do agente, a atitude interna que se reflecte no facto e a medida da infracção do dever são todos eles circunstâncias que fazem aparecer a formação da vontade do agente a uma luz mais ou menos favorável e, como tal, minoram ou aumentam o grau de reprobabilidade do crime. Dentro dos motivos do facto criminoso distingue-se entre estímulos externos e os motivos internos. Em qualquer dos grupos interessa para a individualização da pena constatar o grau de força do motivo e indagar o seu valor ético. Também os objectivos perseguidos pelo agente devem ser examinadas no que respeita á sua qualidade ética. Não deve equiparar-se a atitude interna do agente com o seu carácter, mas deve entender-se como um posicionamento actual referido ao delito concreto o que corresponde á formação da vontade na execução daquele. Também a atitude interna do arguido deve ser valorada conforme as normas da ética social (v.g. posição de indiferença face ao bem jurídico protegido, escassa reprobabilidade do facto por circunstancias externas, predisposição neurótica, erro de proibição, situação passional inevitável ou transtorno mental agudo. Para a individualização da pena, tanto na perspectiva da culpa como da prevenção é essencial a personalidade do agente que, não obstante, só pode ter-se em conta para a referida individualização quando mantenha relação com o facto. Aqui, deve considerar-se em primeiro lugar as condições pessoais e económicas do agente. Sem dúvida que estas circunstâncias devem ser objecto de um tratamento cuidadoso, porque em nenhum outro sector se manifesta como aqui a individualização da pena. Assim dentro das condições pessoais jogam um papel, só determinável caso por caso, a origem e a educação, o estado familiar, a saúde física e mental, a posição profissional e social, as circunstâncias concernentes ao modo de vida e a sensibilidade do agente face á pena. Pertencem, além do mais, á personalidade do agente a medida e classe da necessidade de ressocialização do agente assim como a questão de saber se existe tal necessidade. Assim, a educação; a formação escolar; a profissão; as relações sociais; o estado de saúde; a inteligência; o posto de trabalho; os encargos económicos podem fazer com que os efeitos da pena apareçam a uma luz totalmente distinta. Em particular a escolha entre pena privativa de liberdade e multa; a duração daquela a selecção de tarefas e regras de conduta dependem das considerações acerca da forma como o processo sancionador completo, incluída a eventual execução de uma pena privativa de liberdade, se repercutirá no agente, na sua posição profissional e social, e no fortalecimento do seu carácter com vista á prevenção de futuros delitos.” [[33]] O tribunal, figurou para o caso em apreço que seriam de ponderar para a escolha e determinação da pena a impor ao arguido, as seguintes parâmetros pragmático-conceptu-ais (sic): “(…) O crime de abuso sexual previsto no art. 171.º/1 e 2 do Código Penal é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos, Uma vez fixada a moldura penal que cabe em abstracto ao caso, há que encontrar o quantum da pena que vai constar da condenação (a medida da pena em sentido estrito). Para o efeito, há que recorrer ao critério global do art.º 71.º, n.º 1 do Código Penal, nos termos do qual “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”. Culpa e prevenção são, assim, os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo de medida da pena. Afastadas que sejam as concepções retributivas dos fins das penas, a finalidade primordial agora visada há-de ser a da tutela do bem jurídico-penal que é, no caso concreto, a propriedade. Esta tutela há-de fazer-se “não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um crime já verificado, mas com um sentido prospectivo” (Figueiredo Dias, “Temas Básicos da Doutrina Penal”, Coimbra, 2001, pág. 105), tendo em vista a célebre formulação de Jakobs segundo a qual a finalidade primária da pena reside “na estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada”. Um significado que perpassa, no fundo, a ideia da prevenção geral positiva de integração. E como limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, eis que surge a culpa e o princípio indeclinável em qualquer Estado de Direito de que “não há pena sem culpa e a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa”, sendo este o seu limite absolutamente intransponível. Finalmente, ainda dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva de integração, actuarão pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que, em última análise, determinarão verdadeiramente a medida da pena. Ora, há que atender ao facto de a necessidade de tutela de bens jurídicos não ser dada “como um ponto exacto da pena, mas como uma espécie de moldura de prevenção; moldura cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do quantum de pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias” (Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, 1993, pág. 242). Comecemos pois por determinar a medida da pena do arguido, dentro das molduras penais aplicadas à sua situação. No caso em apreço é elevada a culpa e ilicitude do arguido relativamente aos factos consubstanciadores do crime de abuso sexual de menores, sendo também elevadíssimas as exigências de prevenção geral nestes casos. Com efeito, a culpa e ilicitude dos factos é muito intensa, aquilatada não só pelo modo de execução dos factos e pelo tempo em que foram praticados, de Setembro de 2013 a Fevereiro de 2014, numa altura em que a menor tinha 12-13 anos de idade, demonstrando uma indiferença incompreensível pelos mais basilares direitos de qualquer ser humano, a que acresce que o mesmo tinha relativamente a esta criança um acrescido dever de protecção e respeito que foram totalmente ignorados, na medida em que a conhecia desde há longa data, privando com o agregado familiar desde longa data. Por outro lado, há que atender às nefastas consequências que a conduta do arguido teve, tem e terá na vítima. Os efeitos a longo prazo dos abusos sexuais em crianças têm sido estudados pela psicologia, constatando tais estudos uma correlação entre tais abusos e o aumento dos níveis de depressão, sentimento de culpa e auto-punição, vergonha, desordens alimentares, ansiedade, comportamentos disruptivos, problemas sexuais e de relação com os outros verificados na idade adulta. O arguido não demonstrou arrependimento da prática dos factos, negando-os, pese embora tenha sido praticamente apanhado em flagrante, pelo irmão da vítima. No caso vertente são elevadas as exigências de prevenção geral perante o alarmante número de crimes deste tipo cometidos na nossa sociedade, sendo imperioso censurá-los de modo firme. O arguido não tem antecedentes criminais, tendo actualmente 74 anos de idade. Por isso assume menor relevo as exigências de prevenção especial. Agiu sempre com dolo directo. Por fim, a gravidade dos factos é, dentro do grau de ilicitude pressuposto pelo tipo de crime em apreço, de relevante gravidade, atenta a natureza dos actos praticados, sua pluralidade, o decurso do tempo em que foram praticados, a especial vulnerabilidade da vítima, atenta a idade e o relacionamento interpessoal que mantinha com o agressor. Inexistem elementos que demonstrem que o arguido voltou a reincidir na sua conduta, estando aparentemente inserido socialmente, não sendo negativamente conotado na sua zona de residência. Tendo presente estes elementos, entende o tribunal justo proporcional e adequado aplicar a pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão pelo crime de abuso sexual de menor, previsto e punido pelo art. 171.º/1 e 2, do Código Penal.” A culpa enquanto medida e limite inultrapassável da medida da pena surge elemento axial do seu doseamento – mais do que na determinação e escolha da pena. Na verdade, o grau de culpabilidade [[38]] e as exigências de prevenção, na medida em que a definimos supra parecem justificar a pena concreta que foi impostas a cada um dos arguidos. Já se deixou vincado supra, mas não será de mais iterá-lo, que nada exculpa ou merma a intensidade e gravame pessoal que a conduta antijurídica do arguido comporta, no entanto a idade que vence e a ameaça de cumprimento da pena, bem com ao injunção de pagamento de uma indemnização à menor, como condição de uma clemente suspensão da execução da pena pensamos, tal como pondera o Ministério Público, uma adequada sanção para a conduta ilícita do arguido. A suspensão, porém, irá acompanhada por uma injunção indemnizatória que se ditará e quantificará infra. II.B.3. – IINDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS. O recorrente pugna por uma redução do quantitativo condenatório em que foi condenado pela ofensa à liberdade, indemnidade e autonomia sexual da ofendida – cfr. artigo 70º do Código Civil (“a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa á sua personalidade física ou moral”). Para o arguido a indemnização deveria quedar-se por um quantitativo equivalente a € 10.000,00. O tribunal recorrido justificou o quantum indemnizatur atribuído à ofendida com o sequente argumentário (sic): “Como se sabe, nos termos do Art. 129º do Código Penal, “A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”, remetendo-se, assim, para as disposições gerais do Código Civil relativas a essa matéria. De facto, a responsabilidade civil extra-contratual, dita aquiliana, encontra se prevista nos Arts. 483º e ss. do Código Civil, assentando num dos três iuris praecepta de Ulpiano: alterum non laedere, não prejudicar ninguém. Na sua base está, pois, um princípio básico de direito natural, prescrevendo que quem causa um dano a outrem, deve ser obrigado a repará-lo e a repor a situação anterior (reconstituição natural) ou, quando tal não seja possível, a indemnizá-lo em função do dano causado. Em cumprimento desta directriz, o Art. 483º, n.º 1 do Código Civil, dispõe que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. A doutrina tem vindo a sistematizar os pressupostos da responsabilidade civil constantes do Código Civil, v.g., em acto ilícito e prejuízo reparável (PESSOA JORGE, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, reimpressão, Coimbra, 1995, p. 53 e ss.), ou, mais especificadamente, em facto, ilicitude, imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (neste sentido, paradigmaticamente, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral I, 8ª Edição, Coimbra, 1994, p. 533). In casu, cumpre, prima facie, apreciar se a conduta do demandado preenche todos estes pressupostos da responsabilidade civil extra contratual por factos ilícitos. Em primeiro lugar, temos um facto voluntário do demandado, um comportamento (os abusos sexuais) que resulta da sua vontade, que foi controlado e querido por este, existindo também ilicitude na sua primeira modalidade (violação de direito de outrem - Art. 483º, n.º 1 do Código Civil), desde logo porque foi violado um direito subjectivo do queixoso, o seu direito à intimidade sexual, autodeterminação sexual em face da sua menoridade. Por outro lado, claro é também que o arguido agiu dolosamente (Art. 483º, n.º 1 do Código Civil), o que fundamentou a sua condenação no crime em questão e permite imputar-lhe a lesão do bem jurídico protegido, que foi causada pela sua actuação. Cabe, pois, ao demandado, enquanto responsável civil, “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (Art. 562º do Código Civil), o que, sendo a reconstituição natural impossível, acaba por corresponder à atribuição de uma indemnização à ofendida (Art. 566º, n.º 1 do mesmo diploma legal). Vinham peticionados danos de natureza não patrimonial. Serão considerados os incómodos sofridos e o transtorno emocional da menor decorrente da actuação do arguido, merecendo ser atendidos dada a sua efectiva gravidade em termos objectivos (Art. 496º, n.º 1 do Código Civil). Quanto ao montante da indemnização por danos não patrimoniais, este será fixado pelo tribunal segundo o que entender ser equitativo e de acordo com o “grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (Art. 496º, n.º 3 do Código Civil, que remete para o Art. 494º), concedendo “ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada adequada a proporcionar-lhe alegria ou satisfação que de algum modo contrabalancem as dores, desilusões, desgostos ou outros sofrimentos que o ofensor lhe tenha provocado” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Abril de 1991, BMJ n.º 406, p. 618). In casu, é manifesto que que a menor sofreu, como consequência directa e necessária imputável à conduta ilícita e culposa do arguido, danos não patrimoniais, como já salientámos. A demandante AA veio peticionar a quantia de 50.000,00 Euros. No que respeita à indemnização deste tipo de danos importa tecer algumas considerações. Nomeadamente que “ em relação à personalidade humana, e uma vez que esta não integra propriamente o património do lesado, sucede que o acto lesivo produz "directa e principalmente danos não patrimoniais ou morais, isto é, prejuízos de interesse de ordem biológica, espiritual, ideal e moral, não patrimonial, que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados, que não exactamente indemnizados, com a obrigação pecuniária imposta ao agente” No mesmo sentido, escreveu Vaz Serra que “ a satisfação ou compensação dos danos morais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um equivalente do dano, isto é, de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão. Trata-se de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que esta, sendo ofensa moral, não é susceptível de equivalente. Com efeito, a gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, embora atendendo às particularidades de cada caso, e não à luz de factores subjectivos (como uma sensibilidade exacerbada ou requintada), e tudo segundo critérios de equidade, devendo ter-se ainda em conta a comparação com situações análogas decididas em outras decisões judiciais e que a indemnização a arbitrar tem uma natureza mista: a de compensar esses danos e a de reprovar ou castigar, no plano civilístico, a conduta do agente. Neste sentido, a lei remete a fixação do seu montante para juízos de equidade, tendo em atenção o referido no art. 494º do C.C (grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e quaisquer outras circunstâncias). Ora dos factos provados (no que ao pedido civil respeita), resultou apurado que a menor ficou fortemente abalada em virtude da conduta do arguido. Considerando que a menor foi vítima dos abusos sexuais numa fase de pré-adolescência, tal poderá traduzir-se no futuro e ao longo da sua vida em transtornos emocionais que exigirão sempre um especial acompanhamento sob pena de a mesma vir a padecer de graves distúrbios emocionais e psicológicos. Do relatório pericial que consta nos autos, a fls. 454 a 459, de caracterização psicológica, resulta que a menor apresenta indicadores de perturbação psicológica, está assente em traços de introversão e forte instabilidade emocional, com níveis excessivos de ansiedade, com sintomatologia depressiva bastante significativa (merecedora de atenção clínica), revelando-se na actualidade uma jovem reservada, pouco comunicativa, instável, ansiosa, tímida, complexada, inquieta, emotiva. Pela gravidade dos factos, por um período de cerca de 6 meses, não pode o Tribunal deixar de reflectir tais danos no montante de indemnização, tanto mais que o arguido é pessoa de condição económica confortável. Tendo em conta os critérios supra referidos, bem como os princípios legais a este respeito consagrados, de acordo com um critério de equidade e atendendo à culpa do arguido e à sua condição económica, afigura-se adequado fixar em 22.000,00 Euros a indemnização a pagar à menor AA a título de danos não patrimoniais, a que acrescerá juros de mora à taxa legal desde a presente decisão e até integral pagamento.” A obrigação de indemnizar constitui-se como um modo de reparação de prejuízos ou danos que uma acção externa à esfera individual de um sujeito provoca no ambiente existente no momento em que a acção foi desencadeada. Na génese da obrigação de indemnizar induzida, ou fundada, na produção de um evento que altere/modifique ou transforme a realidade existente na esfera (patrimonial ou imaterial) de uma pessoa [[43]] está a ideia de procurar restabelecer o bem jurídico violado no estado em que se encontrava antes da consumação do evento danoso, e, caso o restabelecimento não seja possível in natura, deverá a reparação ser realizada economicamente, na medida da diferença entre o estado anterior aquele em que o bem jurídico violado ou lesado se encontrava se não tivesse ocorrido a produção do resultado danoso – teoria da diferença (artigo 562.º e 566.º do Código Civil). A vulneração de um direito ou de uma disposição legal protectora de interesses alheios, exige um conjunto de pressupostos de que a lei faz depender a obrigação de indemnizar - cfr. Artigo 483.º do Código Civil. A doutrina, como dá nota o Professor Pessoa Jorge [[44]], não se mostra unânime quanto à elencagem dos pressupostos de que a lei faz depender a ocorrência ou a verificação da responsabilidade civil por factos ou actos ilícitos. Pensamos, no entanto, colher melhor sufrágio a solução adoptada por Antunes Varela [[45]], de que para que se mostrem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil se torna necessário: a) a ocorrência de um facto; b) que esse facto deve ser considerado ilícito; c) que o facto ilícito possa ser imputado a um determinado sujeito; d) que por virtude desse facto ilícito praticado por uma pessoa ocorra um dano, patrimonial ou não patrimonial, na esfera jurídica de outrem; e) e que exista um nexo de causalidade entre o facto e o dano. [[46]] Supõe e importa, portanto, a responsabilidade civil, a imposição de medidas reparadoras destinadas a compensar um dano, moral ou patrimonial, ocasionados pela prática por parte de alguém de um uma conduta, ilícita e culposa, susceptível de violar direitos alheios ou disposição legal destinada a proteger interesses de terceiros. A perfeição da instituto da responsabilidade pressupõe a prática de um facto humano e material – comissão por via de acção ou omissão -; que esse facto se revele e planteie como contrário à ordem jurídica; que se exponha como reprovável e censurável, no plano imputação subjectiva a um determinado sujeito; que esse facto seja imputável ao um sujeito determinado; que o resultado produzido por esse facto produza uma modificação, material-objectiva ou moral-subjectiva, na esfera jurídica do sujeito que sofre os efeitos da acção ou da omissão, e que seja possível imputar o facto ao resultado danoso ocasionado. Para que se configure o dever de indemnizar, com base na responsabilidade civil, deverá, portanto, ser possível conexionar a conduta do agente ao dano provocado por essa conduta, ou seja, deve existir um nexo de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e a conduta do agente. Em regra a responsabilidade civil e a obrigação de reparar o dano surge da conduta ilícita do agente que lhe deu causa, ou seja de uma conduta violadora de normas gerais e de direitos de outrem. [[47]] O primeiro dos pressupostos de que a lei faz derivar a obrigação de indemnizar, com base na responsabilidade civil, é a realização de um facto - acção ou conduta humana, que se traduz na modificação de um estado de coisas existente antes da acção – por alguém que está adstrito, por imposição legal ou convencional, a observar determinadas regras de comportamento, e a fazê-lo utilizando cuidados e regras técnicas e de perícia correspondentes á tarefa a realizar. Trata-se, assim, de um acto humano, comissivo ou omissivo - a comissão vem a ser a prática de um acto que se deveria efectivar, e a omissão, a não-observância de um dever de agir ou da prática de certo acto que deveria realizar-se -, de natureza voluntária e que deve, ou pode ser, objectivamente imputável, a uma determinada pessoa. Esse facto, pela sua feição ilícita, ou lícita [[48]], deve ter actuado e agido por forma a causar na esfera do lesado um prejuízo. Esta lesão de um direito de outrem ou de um interesse particular protegido por disposição legal, quando resultante da acção de um agente lesante, desencadeia a obrigação de indemnizar, a cargo do autor da lesão. O facto do agente, consubstanciado num comportamento ou numa conduta humana, deve assumir um carácter voluntário e poder ser dominável e controlável pela vontade. Revestindo o facto do agente uma atitude positiva denomina-se acção, sendo que revestindo uma atitude negativa se constitui numa omissão. Neste caso, a não prática do facto ou acto que o agente, por imposição de um dever jurídico, estava compelido a praticar, desencadeia a obrigação e indemnizar com base na responsabilidade civil. A culpa pode revestir as modalidades de dolo, ou mera culpa, ou negligência, que são, nas situações de responsabilidade civil, as mais frequentes. A par da negligência, consubstanciada na omissão de um dever de cuidado, que uma atenta consideração da situação poderia e deveria ter prevenido, ocorrem a imprudência ou imperícia, sendo que a primeira ocorrerá quando o agente age por precipitação, por falta de previdência, de atenção no cumprimento de determinado acto, e a imperícia quando o agente acredita estar apto e possuir conhecimentos suficientes pratica acto para o qual não está preparado por falta de conhecimento aptidão capacidade e competência. [[49]] A culpa (subjectiva, também designada “culpa penal”) revela-se e traduz-se numa imputação psicológica feita a uma pessoa e conleva um juízo de censura ético-jurídica dirigida a uma conduta humana portadora, ou a que se agrega, uma vontade livremente determinada e liberta de condicionalismos perturbadores da assumpção de um sentido querido e orientado da vontade individual. O juízo de culpabilidade geradora de responsabilidade civil assume uma feição objectiva, por referida a um padrão normativo eleito pela ordem jurídica, como mediador ou referência de imputação valorativa ético-normativa. A censura opera-se, para este fim, pela referência prudencial ou avisada que todo o individuo deve assumir, na gestão da sua vivência societária, onde o feixe de riscos e de situações passiveis de gerar perigos é constrangedor da assumpção de uma atitude de cautela, ponderação e razoabilidade. A previsão ou prognose de situações potenciadoras de um risco ou de factores exógenos que se perfilam como geradores de perigo devem ser cautelarmente avaliados e prefigurados, intelectivamente, de modo a que o agente assuma perante essa situação concreta um comportamento conducente a evitar a violação de direitos pessoais ou patrimoniais ou regras legais impostas para evitar a consumação de danos na esfera de outrem. [[50]] À míngua de o juiz poder, numa reconstrução/avaliação a posteriori dos actos submetidos à sua decisão, colocar-se na representação das coisas que sucederam durante o desenvolvimento do próprio comportamento “enjuiciado” na posição do agente, deverá, na avaliação do comportamento, eventualmente culposo ou violador de uma norma legal utilizar um critério comparativo abstracto, qual seja o comportamento de um “homem recto e seguro dos seus actos”, do “homem razoável e prudente”, em definitivo do “bom pai de família” (“sem que isso impeça a atenção às circunstâncias de cada caso enjuizado, que em muito casos incidem poderosamente na valoração da conduta”). [[51]] Na avaliação de um comportamento violador de regras ou comandos legais deverá ter-se como padrão aferidor um nível de diligência, prudência ou cautela que um indivíduo razoável, ponderado e prevenido colocado numa situação similar assumiria. [[52]] Para além da culpa, torna-se necessário que o facto possa/deva ser imputável ao agente e que possa/deva ser estabelecido um nexo causal, ou a relação de causalidade (adequada), entre o facto e o dano ocorrido. A relação de causalidade constitui-se, assim, como o elo de ligação entre o acto lesivo do agente e o dano ou prejuízo sofrido pela vítima. O conceito de nexo causal, ou relação de causalidade decorre de leis naturais. Apura-se pela conexão objectiva e subjectiva que é possível estabelecer entre a conduta do agente e o dano. A verificação da existência de nexo de causalidade é matéria que escapa à sindicância deste Supremo Tribunal de Justiça, [[57]/[58]] se perspectivada na sua feição naturalística. [[59]/[60]] Na verdade, se abordada no plano meramente naturalístico, o nexo de causalidade inclui matéria de direito probatório cuja sindicância escapa a este Supremo Tribunal, na afirmação do que vem disposto nos artigos 774.º e 682.º, n.º 2, ambos do Código Processo Civil. A ausência de prova quanto a este pressuposto e não a indagação de se “(…) o facto concreto apurado seja, em abstracto e em geral, apropriado para provar o dano”, como se escreveu no douto acórdão de 01-07-2003, não cabe dentro dos poderes de reapreciação deste Supremo Tribunal, pelo ao repristiná-lo neste sede importa o seu desmerecimento. Numa inovadora e aliciante perspectiva da categoria jurídica do nexo de causalidade – crismado de nexo de imputação ou nexo de ilicitude – Ana Mafalda Castanheira Neves, refere que o lesado tem de provar “a existência de uma tessitura que, uma vez desenhada, justifique a assimilação do seu âmbito de relevância pelo âmbito de relevância do sistema. Isto é, tem de provar a edificação de uma esfera de risco e a existência de um evento lesivo. O juízo acerca da pertença deste aquela esfera traduzir-se-á numa dimensão normativa da realização judicativo-decisória do direito que convocará o sentido último da pessoalidade e um ideia de risco lido à luz daquela. Pelo que, em última instância, ficamos libertos das dificuldades que tradicionalmente agrilhoam o decidente e o levam a procurar soluções que vão desde as presunções de causalidade, o alívio do ónus da prova dos caos de dolo e situações especialmente perigosas, as presunções prima facie, a regra id quo plerumque accidit, a regra res ipsa loquitur, o alívio das exigências em termos de probabilidades, o recurso a categorias como a perda de chance.” [[61]] Seja numa perspectiva de assimilação/assumpção do nexo de causalidade como imputação objectiva [[62]], defendida pela autora citada, seja numa perspectiva de nexo de causalidade assumida como dimensão normativa-positival, de causalidade adequada, [[63]/[64]] o estabelecimento do nexo de causalidade fundamentadora da responsabilidade, por banda do responsável de uma conduta que, por ser ético-axiologicamente censurável e reprovável, radica na imputação, objectiva e subjectiva, da acção viária do sujeito obrigado ao pagamento de uma indemnização. Vale dizer, que, neste caso, o nexo que tem de ser averiguado, determinado e estabelecido é entre uma conduta que está legalmente vedada ao sujeito que assume a responsabilidade de conduzir um veículo na via pública e a concreta produção de um evento lesivo, que não fora a desatenção e o sentido violador das normas de cuidado, prudência e sentido de diligência, não teria acaecido. [[65]] Numa perspectiva jurídico-processual, como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Fevereiro de 2009, relatado pelo Conselheiro Santos Bernardino, “(…) tem sido entendido pela jurisprudência que o estabelecimento do nexo de causalidade entre a conduta ilícita e o dano consubstancia matéria de facto da competência das instâncias e, portanto, insindicável pelo STJ. Como se decidiu em recente acórdão deste Tribunal, “o nexo de causalidade apenas pode ser apreciado pelo Supremo na sua vertente jurídica – a questão da adequação, ou normalidade, desse nexo –”, logo se acrescentando que “o nexo material de causalidade, como questão respeitante aos factos que ainda é, escapa à sindicância do STJ. Por isso, afirmando as instâncias a falta de prova do nexo material, nada poderá este STJ fazer para modificar tal asserção” - Ac. de 15.11.2007, desta 2.ª Secção, no Proc. 07B2998, disponível em www.dgsi.pt. Cfr. ainda os Acs. de 23.01.2007, no Proc. 06A4417, também disponível em www.dgsi.pt, e de 20.06.2000, na revista n.º 1703/00, da 6ª Secção. (…) Na verdade, não estando provado, numa perspectiva naturalística ou fáctica, o nexo de causalidade, não há sequer suporte factual para avançar para a apreciação no plano jurídico, isto é, para a apreciação da adequação causal (entre o facto e o dano). Dizendo de outro modo: não estando provada, no plano fáctico, a existência do nexo de causalidade, não pode obviamente afirmar-se, no plano jurídico, que o facto é causa adequada do dano.” Não basta que ocorra um dano, é preciso que esta lesão passe a existir a partir do acto ou acção de um agente que tenha tido a intenção de lesar um direito ou interesse, pessoal ou real/patrimonial de outrem, para que surja o dever de reparação. É imprescindível o estabelecimento da entre o acto omissivo ou comissivo do agente e o dano de tal forma que o acto do agente seja considerado como causa do dano. Para que alguém fique constituído na obrigação de indemnizar é, pois, mister que tenha preenchido o condicionalismo, objectivo e subjectivo, que se deixou apontado. A jurisprudência dominante vai no sentido de que a imputação de um facto a um agente deve conter-se num plano de objectividade e, em nosso juízo, é a que deve ser assumida e acatada, por ser a que melhor se adequa, em nosso juízo, à doutrina da imputação (objectiva) [[67]/[68]] de uma conduta a um agente. [[69]] Para os casos em que a causa de um evento danoso se apresente como único, “o problema causal consistirá, fundamentalmente, em dilucidar se a conduta ou actividade do sujeito, eventualmente, responsável teve a suficiente entidade (idoneidade) para que o resultado danoso tivesse sido provocado, assim como decidir se todos os danos que foram consequência desse facto poderiam ser-lhe imputados. (…) Quer dizer, se de um determinado facto causal se seguem consequências lesivas, que por circunstâncias extraordinárias alcançam uma intensidade desproporcionada em relação com as que normalmente derivariam de factos idênticos ou análogos.” [[70]] Para aferição do direito à indemnização pelos danos não patrimoniais convocar-se-á o que vem estatuído no artigo 496º do Código Civil, onde se preceitua que: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. 3. Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes. 4. O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.” Constitui jurisprudência firme e doutrina inconcussa [[71]] que apenas são passiveis de ressarcimento ou compensação os aleijões psicológicos e espirituais-sentimentais que pela sua relevância, pertinência e repercussão na vida do lesado se tornem, espelhem e projectem num estado de ânimo depreciativo de um viver salutar e conforme a um padrão de vida ausente de compressão e angústia intelectual. (“Os danos não patrimoniais podem consistir em sofrimento ou dor, física ou moral, provocados por ofensas à integridade física ou moral duma pessoa, podendo concretizar-se, por exemplo, em dores físicas, desgostos por perda de capacidades físicas ou intelectuais, vexames, sentimentos de vergonha ou desgosto decorrentes de má imagem perante outrem, estados de angústia, etc.. Representando os danos morais, ou não patrimoniais, sequelas de estados e inflicções no plano da subjectividade são, por isso mesmo, insusceptíveis de avaliação pecuniária, perfilando-se, outrossim, como veículo ou meio de reparação que visam proporcionar ao lesado uma compensação que lhe proporcione algumas satisfações decorrentes da utilização de uma soma pecuniária [[74]]. Relembrando, a obrigação de indemnização neste âmbito decorre do disposto no art. 496.º, nº 1 do Código Civil que estabelece que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, e o critério da sua fixação é a equidade (nº 3, do mesmo artigo, devendo ser “proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” [[75]]. Como escreveu Vaz Serra, “a satisfação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto não ser um equivalente do dano, um valor que reponha as coisas no estado anterior à lesão, tratando-se antes de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação do dano, que não é susceptível de equivalente. É, assim, razoável, que no seu cálculo, se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselhe sejam tomadas em consideração e, em especial, a situação patrimonial das partes e o grau de culpa do lesante” [[76]]. Tal compensação deverá, então, ser significativa e não meramente simbólica. A prática deste Supremo Tribunal vem cada vez mais acentuando a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais. Tem vindo a ser advogado em diversos arestos deste Supremo Tribunal que a intervenção deste alto Tribunal só deverá ocorrer quando os montantes fixados se revelem em notória colisão com os critérios jurisprudenciais que vêm sendo adoptados. Como se afirma no Acórdão deste Supremo de 7/10/10, Proc. nº 457/07.9TCGMR.G1.S1, disponível no IGFEJ, “Assentando o cálculo da indemnização destinada a compensar o lesado por danos não patrimoniais essencialmente num juízo de equidade, ao Supremo não compete a determinação exacta do valor a arbitrar, já que a aplicação da equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se move o referido juízo equitativo a formular pelas instâncias face à individualidade do caso concreto «sub juditio” [[77]]. De facto, não se trata aqui de aplicação de critérios normativos a que a um recurso que visa tão só a reavaliação e reparação de desvios ou não adequada aplicação do Direito, pelo que, naturalmente, se não ocorrer uma dessas situações deverá ter-se por justo que o julgador se situou na margem da discricionariedade que lhe é consentida, a ponderação casuística das circunstancias do caso deve ser mantida. Ainda, como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de 17/04/12, Proc. nº 4797/07.9TVLSB.L2.S1, desta Secção, disponível no IGFEJ, “(...) não podem ser postergados, como critério de valoração, os referidos valores de igualdade de tratamento e de segurança jurídica, transpondo, na medida do possível, os indicadores fornecidos pelas situações mais próximas conhecidas. É, de resto, a este nível que colhe justificação a intervenção do STJ, como Tribunal de revista, pois que como já se escreveu nos acórdãos de 28/10/2010 e de 05/11/2009 (proc. 272/06.7TBMTR.P1.S1 e 381-2009.S1), respectivamente, “quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, ao Supremo não compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar em função da ponderação das circunstâncias concretas do caso, - já que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», - mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação da individualidade do caso concreto «sub juditio»”, sendo que esse “juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos - deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade“. Tendo sido, porém, posta em crise a quantia fixada pelo tribunal de primeira (1ª) instância haverá que reponderar se a quantia que foi fixada, a título de compensação pela acção deletéria e perniciosa do arguido, se encontra dentro desse critério ou margem de discricionariedade que é consentida ao julgador dentro ou no perímetro da ponderação casuística das circunstancias do caso deve ser mantida. Em nosso juízo, o juízo ponderativo a que o tribunal se alcandorou confina-se dentro dessa margem de discricionariedade que o caso permite e, coonestando-o, não vemos razão para procedermos à sua critica. Mantém-se, pois, para indemnização atribuída pelo tribunal de primeira (1ª) dos danos não patrimoniais sofridos pela menor em virtude do comportamento ilícito e antijurídico do arguido.
III. – DECISÃO. Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em: - Conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente: a) – Condenar o arguido, pela prática do ilícito de que vinha acusado – crime de abuso sexual de menor do artigo 171º, nº 1 e 2 do Código Penal – na pena de cinco anos de prisão; b) – Pelas razões expendidas supra suspender a pena imposta pelo mesmo período de tempo (cinco (5) anos); c) – Condicionar a execução da suspensão da pena à obrigação de satisfação da indemnização fixada, no prazo máximo de um (1) ano; d) – Sem custas – artigo 513º, nº 1 do Código Processo Penal
Lisboa, 28 de Junho de 2017
------------------------------------- [8] AFJ 10/2005, DR Série I-A, de 2005.12.07. [10] Citado Acórdão de 2013.07.04. [15] “A tarefa que se deve consignar à pena é manter a vigência de certas normas indispensáveis, necessárias ou essenciais para a pervivencia da sociedade, buscando assentar as bases da confiança da população na sua validade (validez) como modelos de orientação. Não se trata de um conceito formal de validade (validez) ou vigência, mas sim de um conceito material que tem que ver com a eficácia das normas para orientar a vida social. Trata-se, pois, de entender a validade (validez) em sentido sociológico ou prático como a existência de um sistema jurídico que efectivamente orienta a vida social. O que danifica ou contraria o delito é essa situação fáctica conforme ao Direito. Enquanto que JAKOBS voltou a manter uma concepção da prevenção geral positiva dirigida a exercer a fidelidade no Direito, eu prefiro nos meus últimos trabalhos sobre a pena incidir no papel que tem a pena para ajudar a manter a confiança dos cidadãos na vigência da norma, concepção que creio que permite uma visão mais normativa da prevenção geral positiva. A pena não pretende incidir directamente em condutas futuras (nem do delinquente nem de potenciais delinquentes nem de outras pessoas), mas tão só confirmar quais são as normas que continuam vigentes. A confiança que se busca é uma situação social (confiança no sentido normativo) e não uma prestação psicológica dos cidadãos ou da população. A vida social, tal e como a concebemos, existe graças a um substrato (“trasfondo”) normativo que se assume como evidente. O delito nega a dita evidência ela pena tem que recompor esse elemento estrutural da vida cotidiana. A confiança não se deve entender, pois, num sentido formal e abstracto como a confiança da sociedade no seu sistema jurídico-penal, mas sim em sentido realista e vivo como um elemento básico das relações interpessoais e do funcionamento da vida social. Sem confiança a realidade social sofre um cambio qualitativo. Não se trata, portanto, de fomentar a confiança como fenómeno psicológico-social, já que se cada cidadão decide ou não confiar é uma questão particular, mas sim de assentar de cara no futuro as bases institucionais numa confiança racional nas normas como modelos de orientação de conduta. A pena é um instrumento de orientação da vida social e dos cidadãos, que pretende evitar a anomia. Mediante a posição exposta rechaço a visão sociopsicologicista da prevenção geral positiva, de acordo com a qual o que pretenderia a pena não seria mais do que exercitar certas disposições internas dos indivíduos a obedecer ou respeitar as normas. De acordo com este tipo de concepções a pena não reagiria simbolicamente frente à lesão da juridicidade, mas sim, ao invés, à atitude normativa d autor. Independentemente ninguém saber como influi o ordenamento jurídico-penal nessa «caixa negra» que é a mente e de que é impossível constatar a incidência ou irritação dos delitos das penas nas consciências pessoais, os cidadãos são os únicos competentes e responsáveis pela dita disposição (são eles que processam a incidência que o delito e a pena pode ter para eles). Como seres definidos juridicamente como auto-responsáveis é uma questão particular se se deixam ou não «corromper» na sua disposição normativa. É uma questão particular de cada cidadão como se deixa influir pelas normas penais, as suas infracções e pelas penas que reagem às ditas infracções. A pena não pode ter como tarefa mitigar o perigo de corrupção do delito para cidadãos responsáveis nem pode exercitar ou desenvolver fidelidades normativas. A legitimidade da pena tem que ser alheia a essa disposição individual de respeitar as normas por parte dos que não delinqúem se realmente a dita disposição é um assunto individual com que se tem que preocupar cada um num sistema de liberdades próprio de um Estado democrático. A pena só tem que manter a vigência das directrizes irrenunciáveis de conduta que regem a vida social para que o cidadão as possa continuar a ter em conta. E isso fá-lo incidindo comunicativamente na manutenção da vigência ou da eficácia da norma, mas não nos motivos pelos quais os indivíduos respeitam as normas. Os delinquentes podem ser feitos responsáveis da erosão da vigência da norma, mas não das disposições internas dos outros membros da sociedade e, por isso só se lhes pode impor a pena necessária para manter comunicativamente a dita vigência, mas não para neutralizar instrumentalmente as tendências dos outros. Creio que JAKOBS, com a sua última versão da prevenção geral positiva, não acabou de superar estes inconvenientes e, por isso, ocupou um lugar central a ideia do sofrimento. Por esta razão os aspectos comunicativos têm que ver mais com o seu conceito funcional de retribuição, enquanto que a prevenção general positiva como prevenção da erosão geral da norma só se pode conseguir, segundo JAKOBS, instrumentalmente mediante a dor que inflige a pena. Na minha opinião, não é legítimo (para além de impraticável) determinar a pena não em relação ao que o cidadão tenha feito (fez), mas sim utilizando como critério o mal ou sofrimento necessários para conseguir a fidelidade normativa dos cidadãos que actuam como espectadores do processo punitivo. A teoria da prevenção geral positiva de JAKOBS acaba incorrendo no mesmo defeito de todas as teorias preventivo-instrumentais da prevenção geral: numa sociedade de cidadãos facilmente corrompíveis a pena tenderia a ser muito superior à de uma sociedade na qual existem de forma dominante cidadãos que não se deixam corromper; desta maneira se evidencia como a pena perde a necessária proporção comunicativa com o facto. Se a função da pena é demostrar o vantajoso da obediência ao Direito, carregando o infractor com custos que demonstram que a falta de fidelidade não é um «negocio rentável», se acaba descuidando um aspecto essencial do delito: a sua lesividade social. Por isso a gravidade da pena não deve estar orientada a conseguir fidelidade normativa, mas sim a responder adequadamente à lesividade social do facto delitivo, o qual depende da gravidade desse facto para a ordem social. A pena não pode mais que restabelecer ou reparar o dano à juridicidade produzido pelo facto delitivo (a estabilização normativa é o que conleva seguridade cognitiva para os cidadãos). (…) Toda a ordem configurada mediante normas é basicamente una ordem simbólica e isso tem que ver com a função de estabilização normativa característica da pena estatal. Os partidários das teorias preventivo-instrumentais objectam de forma equivocada que uma teoria comunicativa da pena deveria dar lugar a respostas meramente simbólicas sem nenhum tipo de efeitos práticos. Sem embargo constatar a dimensão comunicativa da pena não implica negar que conceptualmente a pena seja sempre um mal (senão não se poderia falar de pena mas sim de outra coisa), mas sim negar que o dito mal tenha basicamente uma mera dimensão instrumental de atemorização (ainda que possa ter esses efeitos latentes). Não só se comunica com palavras, mas também, por exemplo, com gestos ou acções. A pena não é uma comunicação à qual se vincula um mal mas antes que o mal é o específico da comunicação penal (ainda que às vezes o mal fique em suspenso). A pena é o mal necessário para que a comunicação social ou interpessoal contra determinados factos delitivos seja possível. Determinados factos graves não permitem outro tipo de comunicação (pelo menos no contexto das sociedades que conhecemos). O autor tem que suportar todo o que seja necessário (ainda que não mais) para compensar o dano que produziu à vigência de la norma como realidade social. A necessidade do mal tem que ver com a intervenção estatal necessária para que a vida social siga sendo cotidianamente uma vida conforme ao Direito, não para que conceptualmente se saiba o que é ou não conforme ao Direito (nesse caso bastaria realmente com uma declaração). A norma não é só um símbolo abstracto que possa ser protegida sem mais com declarações abstractas, outrossim é um instrumento de configuração da vida e das relações sociais que a pena deve seguir mantendo como realidade social. O delito não só pôs em entredito a norma em sentido abstracto, mas também afectou uma determinada relação interpessoal (no caso de delitos contra bens jurídicos individuais) ou a outro âmbito de organização (no caso de delitos contra bens jurídicos colectivos) e, o que é especialmente importante, com isso afectou a liberdade geral como realidade social. O infractor não só atentou contra um conceito, mas também contra uma realidade social conforme ao Direito e desgastou (“erosionou”) ou colaborou em deteriorar (“erosionar”) as condições existentes para o desenvolvimento geral da liberdade na vida cotidiana. Não comparto com JAKOBS a ideia de que a vigência da norma só se vê afectada pela manifestação da falta de fidelidade. Na minha opinião, a disposição jurídica é um elemento do facto (por isso não faz falta impor males quando o autor cometeu o injusto apesar de uma disposição jurídica mínima), mas a execução do feito delitivo descrito numa norma penal também é um elemento importante do mesmo. Por isso tem que ser mais castigado num suposto de falta de disposição jurídica equivalente aquele que infringe uma norma mais importante para a sobrevivência (“pervivenda”) da sociedade. Desde a minha perspectiva a dimensão comunicativa do facto resulta na obra de JAKOBS demasiado unilateral ao quedar absorbida em exclusivo pela fidelidade ao Direito.” – Cfr. Bernardo Feijoo e Manuel Cancio Mellia, “ [34] Quanto ao principio da proporcionalidade salienta-se o que ficou escrito no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Outubro de 2004, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar. “O princípio da proporcionalidade dos crimes e das penas não tem, como refere o acórdão recorrido, consagração directa e expressa na Constituição, nem em instrumentos internacionais operativos sobre direitos fundamentais (v. g. a Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos), embora seja expresso no artigo 49.º, n.º 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que, todavia, constitui um documento político, sem força jurídica vinculativa, a não ser por via dos princípios fundamentais estruturantes e comummente aceites como princípios gerais de direito que formalmente assume e inscreve. O princípio da proporcionalidade, que é sobretudo proibição de excesso, e que se desdobra nos sub-princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito (ponderação razoável entre meios e fins), constitui um princípio operativo que intervém como teste ou reactivo da intensidade da intervenção das autoridades públicas sobre a esfera dos indivíduos, especialmente, mas não apenas, no que respeite a intervenções invasivas sobre direitos fundamentais; a proporcionalidade, neste sentido, é a medida razoável da concordância prática entre direitos e valores em conflito, públicos e da esfera dos indivíduos. Mas, como conceito e princípio operativo, a proporcionalidade intervém na ponderação sobre ingerências das autoridades públicas no desenvolvimento e aplicação de normas, e não na formulação e edição das próprias normas. Neste domínio, o princípio situa-se em uma outra dimensão, não já operativa, mas de vinculação do legislador, e por isso, não directamente sindicável no plano jurisdicional, sabida a liberdade de conformação do legislador na definição das grandes opções e, especialmente, na definição dos crimes e das respectivas concretizações típicas em direito penal. A proporcionalidade dos crimes e das penas significa que o legislador pode usar o direito penal como meio de tutela de valores e interesses fundamentais ou decisivamente relevantes da comunidade, definindo os comportamentos que afectem tais valores e sancionando a respectiva violação com as correspondentes sanções, adequadas à intensidade dos valores protegidos e à gravidade da respectiva violação. Na dimensão do princípio como injunção ao legislador, os critérios de proporcionalidade assumidos nas definições legislativas não são directamente sindicáveis, salvo no que puderem contender com outros princípios federadores com dimensão operativa, como pode ser, em certos limites, o princípio da dignidade da pessoa humana. Na definição dos crimes e das penas, a proporcionalidade exigirá que os limites das penas aplicáveis a determinado crime não sejam estabelecidas em feição exclusivamente utilitarista intimidatória, mas, dentro da moldura considerada adequada, respeitem o princípio da culpa como limite inultrapassável de outras imposições ou exigências. Não tem, pois, sentido a invocação que faz o recorrente; por isso, se interpreta a motivação como tendo por objecto a discussão sobre a aplicação dos critérios para a determinação da medida concreta da pena, à sombra de uma leitura pessoal do princípio da proporcionalidade. A determinação da medida da pena pressupõe, porém - e mesmo oficiosamente, à margem do modelo de impugnação do recorrente - , a integração dos factos provados na definição dos crimes que for a adequada e das consequentes molduras penais.” [57] cfr. a este propósito o douto acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 11-01-2011, in www.dgsi.pt, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas, em que se escreveu: “O juízo de causalidade numa perspectiva meramente naturalística de apuramento da relação causa-efeito, insere-se no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 729.º, n.º 1 e 722.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. 10) Assente esse nexo naturalístico, pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade, que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil. 11) O artigo 563.º do Código Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias. 12) De acordo com essa doutrina, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis. |