Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
23/14.2GCCNT.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA SUSPENSA
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 06/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – PROVA – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO UNITÁRIA / RECURSO PERANTE AS RELAÇÕES / RECURSO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL / INDEMNIZAÇÃO DE PERDA E DANOS POR CRIME – CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A LIBERDADE E AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL / CRIMES CONTRA A HONRA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – RECURSOS / RECURSOS DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO – PROCESSO DE EXECUÇÃO.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Doutrina:
-Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3.ª Edição, 520, 521 e 522;
-Américo Taipa de Carvalho, Prevenção, Culpa e Pena, Um concepção preventivo-ética do direito penal, Liber Discipulorum, Coimbra Editora, 83, 86, 317 e ss. e 327;
-Ana Mafalda Miranda Barbosa, Responsabilidade Civil Extracontratual, Novas Perspectivas em Matéria de Nexo de Causalidade, Princípia Editora, Cascais, 2014, 23 a 26, 33 e ss., 196;
-Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Pena Privativa de Liberdade;
-Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume I, 1970, 429 e 641 ; 6.ª Edição, 495, 861, 868, 870 e 871 ; 1989, 572 a 578 ; 8.ª Edição, Coimbra, 1994, 533 ; 9.ª Edição, 628 e 630;
-Bernardo Feijoo Sánchez, Individualización de la pena y teoria de la pena proporcional al hecho, InDret, Barcelona, Janeiro de 2007, 6, 9;
-Branquinho e Desidério Murcho, Enciclopédia de Termos Lógico-filosóficos, Gradiva, 235;
-Daniel Rodrigez Horcado, Comportamiento humano y pena estatal: disuasión, cooperación y equidad, Marcial Pons, Madrid, 2016, 308;
Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, 242
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-Fernando Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da Responsabilidade Civil, Almedina, 1995, 53 a 57;
-Fernando Reglero Campos, Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo I, Parte General, Thomson-Aranzadi, 2002 ; 2008, Cizur Menor (Navarra), 721 a 780;
-Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 541, 542, 543, 548 ;
-Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7.ª Edição, revista e actualizada, 1997, 409;
-Günther Jakobs, Estúdios de Derecho Penal, UAM Ediciones e Civitas, 1997, El Principio de Culpabilidad, 365 a 393 ; La Pena estatal: Significado e Finalidade, Thomson e Civitas, Cuadernos Civitas, Editorial Aranzadi, Cizar Menor; Navarra, 142 e 141 ; Derecho Penal, Parte General, Fundamentos y Teoria de la Imputación, 2.ª Edición, Marcial Pons, Barcelona, 8 e 13;
-Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo I, Bosch, 2ª edición, 2008, 14, 219, 220, 222, 223 e 415;
-Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 3.ª Edição, 369;
-Javier Boix Reig, Derecho Penal, Parte Especial, Volumen I, La protección penal de los intereses jurídicos personales, iustel, 2016, 390;
-Jesús-Maria Silva Sáchez, La teoria de la Determinación de la Pena como Sistema (dogmático): un primero esbozo”, InDret, Revista para el Analisis del Derecho, Barcelona, Abril de 2007, 5 e 6 ; na esteira de Hörnle (Determinación de la Pena y Culpabilidad, Buenos Aires, 2003;
-Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Noticias, 1993, 337 e ss. e 343;
-Jorge Ribeiro Faria, Direito das Obrigações, Volume I, 505 e 507;
-Jorge Sinde Monteiro, Responsabilidade Civil, Revista de Direito e Economia, Ano IV, n.º 2, Julho/Dezembro, 1978, 317;
-José Mouraz Lopes, Os Crimes Contra a Liberdade e Autodeterminação Sexual no Código Penal, 2.ª Edição, 81;
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-Laura Mancini, Responsabilità Civile, La Colpa nella Responsabilità Civile, Giuffrè Editore, 2015, 25 a 55;
-Manuel Carneiro Frada, Direito Civil, Responsabilidade Civil, O Método do Caso, Almedina, 2010, (Reimpressão), 100;
-Manuel Costa Andrade, Merecimiento de Pena y Necessidad de Tutela Penal como Referencias de una Doctrina Teleológico-Racional del Delito, Fundamentos de un Sistema Europeo del Derecho Penal, Libro-Homenage a Claus Roxin, organizado por J.M. Siva Sanchez, sob a coordenação de B.Schunemann e J. Figueiredo Dias, J.M. Bosch Editor, Barcelona, 1995, 157 e ss.;
-Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 352, 353 e 357;
-Nicola Abbagnamo, Dicionário de Filosofia, Martins Fonte, S. Paulo, 2003, 185;
-Paolo Tonini, Prova Penale, CEDAM, 2000, Verona, 35;
-Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 2.ª Edição, 503 ; 4.ª Edição, 501;
-Rui Alarcão, Direito das Obrigações, 1983, 281 e 286;
-Sénio Alves, Crimes Sexuais, Notas e Comentários aos Artigos 163º a 179º do Código Penal, Ed. Almedina, 11;
-Sergi Cardenal Montraveta, Eficacia Preventiva General Intimidatoria de la Pena, Revista Electrónica de Ciência Penal e Criminologia, 17-18, 2015, 3;
-Simas Santos e Leal Henriques, Código Penal, 2.º Volume, 2.ª Edição, 230;
Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra, 2001, 105
-Vaz Serra, BMJ n.º 84, 41 e 284 ; n.º 100, 127; RLJ, Ano 113º, 104.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 127.º, 410.º, N.ºS 2, ALÍNEA C) E 3, 412.º, 427.º, 428.º E 434.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, N.º 1, 71.º, N.º 1, 129.º, 171.º, N.ºS 1 E 2 E 183.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 682.º, N.º 2 E 774.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, N.º 1, 494.º, 496.º, N.ºS 1 E 3, 562.º, 563.º E 566.º, N.º 1.
CÓDIGO DE EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE, APROVADO PELA LEI 115/2009, DE 15 DE OUTUBRO: - ARTIGO 2.º.
Legislação Comunitária:
CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA: - ARTIGO 49.º, N.º 3.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM.
PACTO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 05-06-1979, CJ-IV, 3, 892;
- DE 16-04-1991, BMJ N.º 406, 618;
- DE28-11-1994, PROCESSO N.º 87187, IN CJ STJ, ANO III, TOMO III, 74 ; BMJ N.º 450, 403;
- DE 19-10-1995, PROCESSO N.º 46580, IN DR Iª SÉRIE – A, DE 28-12-2005;
- DE 24-10-1996, IN CJ STJ, 2000, TOMO II, 226;
- DE 01-10-1997, PROCESSO N.º 8/97;
- DE 22-10-1997, PROCESSO N.º 612/97;
- DE 27-11-1997, PROCESSO N.º 1127/96;
- DE 04-12-1997, PROCESSO N.º 1018/97;
- DE 20-01-1998, PROCESSO N.º 690/97;
- DE 11-05-1998, PROCESSO N.º 98A1262, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-06-1998, PROCESSO N.º 725/98;
- DE 28-10-1998, PROCESSO N.º 1098/98;
- DE 13-10-1999, CJ STJ, 1999, TOMO III, 184;
- DE 02-12-1999, PROCESSO N.º 1046/98;
- DE 11-05-2000, BMJ 497, 350;
- DE 15-06-2000, IN CJ STJ, 1996, TOMO III, 174;
- DE 20-06-2000, PROCESSO N.º 1703/00;
- DE 30-11-2000, CJ STJ, VIII, 3º, 150;
- DE 21-06-2001, CJ STJ, IX, 2º, 127;
- DE 15-01-2002, CJ STJ, X, 1º, 36;
- DE 14-03-2002, PROCESSO N.º 3261/01;
- DE 03-07-2002;
- DE 19-12-2002, PROCESSO N.º 4421/02;
- DE 03-04-2003, PROCESSO N.º 3174/06;
- DE 01-07-2003;
- DE 04-03-2004;
- DE 18-03-2004, PROCESSO N.º 3566/03, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-10-2004;
- DE 09-10-2004, PROCESSO N.º 2897/2004;
- DE 20-04-2006, PROCESSO N.º 06P363;
- DE 23-01-2007, PROCESSO N.º 06A4417, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 24-05-2007, PROCESSO N.º 07A1187;
- DE 15-11-2007, PROCESSO N.º 07B2998, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 15-11-2007, PROCESSO N.º 07B2998, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 19-02-2009;
- DE 05-11-2009, PROCESSO N.º 381-2002-S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 10-02-2010;
- DE 06-05-2010, PROCESSO N.º 11/2002.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 01-07-2010, PROCESSO N.º 2164/06.OTVPRT.P1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-10-2010, PROCESSO N.º 457/07.9TCGMR.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 28-10-2010, PROCESSO N.º 272/06.7TBMTR.P1.S1;
- DE 25-11-2010, PROCESSO N.º 896/06.2TBPVR.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 16-12-2010, PROCESSO N.º 270/06.0TBLSD.P1.S, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 11-01-2011, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 13-07-2011, PROCESSO N.º 451/05.4JABRG.G1.S1;
- DE 20-10-2011, PROCESSO N.º 428/07.5TBFAF.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 15-03-2012, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 29-03-2012, PROCESSO N.º 316/07.5GBSTS.S1;
- DE 17-04-2012, PROCESSO N.º 4797/07.9TVLSB.L2.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 26-04-2012, PROCESSO N.º 70/08.3ELSB.L1.S1;
- DE 21-06-2012, PROCESSO N.º 778/06.8GAMAI.S1;
- DE 05-07-2012, PROCESSO N.º 145/06.SPBBRG.S1;
- DE 05-07-2012, PROCESSO Nº 246/11.6SAGRD.S1;
- DE 12-07-2012, PROCESSO N.º 1718/02.9.JOLSB;
- DE 02-09-2012, PROCESSO N.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1;
- DE 15-11-2012, PROCESSO N.º 178/09.8PQPRT-A.P1.S1;
- DE 29-11-2012, PROCESSO N.º 862/11.6TAPFR.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-01-2013, PROCESSO N.º 182/10.3TAVPV.L1.S1;
- DE 14-03-2013, PROCESSO N.º 287/12.6TCLSB;
- DE 30-04-2013, PROCESSO N.º 11/09.0GASTS.S1;
- DE 13-05-2013, PROCESSO N.º 392/10.3PCCBR.C2.S1;
- DE 15-05-2013, PROCESSO N.º 6297/06.5TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 04-07-2013, PROCESSO N.º 1243/10.4PAALM.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 26-02-2014, PROCESSO N.º 732/11.8GBSSB.L1.S1;
- DE 06-03-2014, PROCESSO N.º 352/10.4PGOER.S1;
- DE 10-09-2014, PROCESSO N.º 232/10.4SMPRT.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 17-09-2014, PROCESSO N.º 595/12.6TASLV.E1.S1;
- DE 17-09-2014, PROCESSO N.º 67/12.9JAPDL.L1.S1;
- DE 22-04-2015, PROCESSO N.º 45/13.0JASTB.L1.S1;
- DE 25-11-2015, PROCESSO N.º 27/14.5.JAPTM.S1;
- DE 21-01-2016, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 28-01-2016;
- DE 13-04-2016;
- PROCESSO N.º 07P1766, IN WWW.DGSI.PT;
- PROCESSO N.º 1748/02;
- ACÓRDÃO N.º 10/2005, ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, IN DR SÉRIE I-A, DE 07-12-2005.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:


- ACÓRDÃO N.º 3/2006, PROCESSO N.º 904/2205, IN DR, II.ª SÉRIE, N.º 27, DE 07-02-2006.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:


- DE 25-03-2014, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - Consubstanciando-se o erro notório na apreciação da prova num desvio interpretativo de uma dada situação de facto que se apresenta à leitura lógico-racional do individuo, aqui consideradas as envolventes sociais, históricas, pessoais, económicas e/ou outras, a decisão que labore em erro notório há-de expressar esse desvio interpretativo, como evidente e detectável a uma análise perfunctória, de feição intuitivo-racional, do caso em que ele se manifesta ou patenteia. O notório torna-se, assim, numa calamidade interpretativa à luz dos princípios da razão histórica e do padrão cognoscente prevalente e socialmente instituído, isto é, das máximas de experiência comum.
II - O facto em questão limita-se a inculcar uma situação factual ocorrida na sua singeleza significativa, ou seja, dito de outro modo, procede a uma descrição anódina e comum de uma situação real e concreta, isto é, não estabelece uma relação denotativa ou explicitadora/justificativa entre o comportamento do agente criminoso e o rendimento escolar da menor. Pelo que não ocorre qualquer erro notório que haja que reparar ou suprir.
III - Ao arguido está imputada – e mostra-se provada – a prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de menores, consumado durante cerca de 5 meses (de Setembro de 2013 a Fevereiro de 2014), e qualificado jurídico-penalmente comos sendo de trato sucessivo.
IV - O arguido é um senecto de 70 e tal anos que utilizou a sua ascendência pessoal e quase familiar para induzir a menor à prática de relações sexuais, não só vaginais como orais. Acresce que, é possível realçar uma reiteração de actos sexuais praticados na residência dos pais da menor e quando esta se encontrava sozinha, o que revela uma propensão e premeditação para a consumação desses actos a resguardo de intromissões dos pais da menor que sabia não estarem em casa à hora em que perpetrava os actos antijurídicos.
V - Nada exculpa ou merma a intensidade e gravame pessoal que a conduta antijurídica do arguido comporta, no entanto a idade que vence e a ameaça de cumprimento da pena, bem como a injunção de pagamento de uma indemnização à menor, como condição de uma clemente suspensão de execução da pena, pensamos, tal como pondera o MP, uma adequada sanção para a conduta ilícita do arguido. Assim, decide-se aplicar a pena de 5 anos de prisão, suspensa por igual período, com a obrigação de pagar injunção indemnizatória, em lugar da pena de 5 anos e 6 meses de prisão aplicada pela 1.ª instância.
VI - Na ponderação e valoração do que poderá ser qualificado e classificado como um dano não patrimonial relevante passível de poder ser ressarcível, haverá que inferir da factualidade provada aquela situação que reproduza ou ressume um estado que derivando de uma conduta do lesante configurem ou atinjam uma dimensão que permita separar aquelas situações que se situam ao nível das contrariedades e incómodos irrelevantes para efeitos indemnizatórios e as que se apresentam num patamar de gravidade superior e suficiente para reclamar compensação. Tal compensação deverá, então, ser significativa e não meramente simbólica. A prática deste STJ vem cada vez mais acentuando a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais.
VII – Tem vindo a ser advogado em diversos arestos deste STJ que a intervenção deste alto tribunal só deverá ocorrer quando os montantes fixados se revelem em notória colisão com os critérios jurisprudenciais que vêm sendo adoptados. De facto, não se trata aqui de aplicação de critérios normativos a que a um recurso que visa tão só a reavaliação e reparação de desvios ou não adequada aplicação do Direito, pelo que, naturalmente, se não ocorrer uma dessa situações deverá ter-se por justo que o julgador se situou na margem da discricionariedade que lhe é consentida, a ponderação casuística das circunstâncias do caso deve ser mantida.
VIII – Em nosso juízo, o juízo ponderativo a que o tribunal se alcandorou confina-se dentro dessa margem de discricionariedade que o caso permite e, coonestando-o, não vemos razão para procedermos à sua crítica. Mantém-se pois para indemnização atribuída pelo tribunal de 1.ª instância, no valor de 22 mil euros, dos danos não patrimoniais sofridos pela menor em virtude do comportamento ilícito e antijurídico do arguido.

Decisão Texto Integral:

1 – RELATÓRIO
Pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, foi o arguido condenado – cfr. sentença de fls. 590 –, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; bem com no pagamento de uma indemnização a demandante AA da quantia de € 22.000,00 (vinte e dois mil euros) a título de danos não patrimoniais sofridos, acrescido de juros de mora à taxa legal a contar desde a presente decisão e integral pagamento.

Contraveio o arguido, em recurso – cfr. fls. 594 a 606 –, tendo dessumido a fundamentação no epítome conclusivo que a seguir queda transcrito.

I.a). – Quadro Conclusivo.

A) No dia 3 de Novembro de 2016 foi proferido douto acórdão no qual foi o arguido condenado na pena de 5 anos e 6 meses de prisão pela autoria material de um crime de abuso sexual de menor, p. e punido nos artigos 171º, nºs 1e 2 do Código Penal. Salvo o devido respeito, que é muito, o ora Apelante não se conforma com a referida condenação, entendendo-se excessiva a pena aplicada atendendo ao circunstancialismo dado como provado, razão pela qual deve a mesma ser revogada, o mesmo se diga do quantum indemnizatório arbitrado, considerando o mesmo violador do princípio da equidade inerente ao disposto no artigo 496.º do CC.

B) O presente recurso restringe-se à apreciação da matéria de direito considerando o recorrente que a pena aplicada pelo tribunal a quo é excessiva atendendo à culpa do agente e às exigências da prevenção, razão pela qual deve ser alterada. E, uma vez efetuada esta alteração, ser fixada a medida da pena em obediência ao plasmado nos artigos 71.º e 79.º do Código Penal, tendo-se em devida atenção as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do Arguido,

C) A finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa "que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto ... alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada ... " (Anabela Miranda Rodrigues, «A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade", Coimbra Editora, pág. 570).

D) A prevenção especial, por seu lado, é encarada como a necessidade de socialização do agente, embora no sentido, modesto mas realista, de o preparar para no futuro não cometer outros crimes. O Código Penal espelhou estas preocupações nos artigos 70º e 71º. Dá-se preferência às penas não privativas da liberdade, mas tal tem de ser feito de uma forma fundamentada, pois há que apurar criteriosamente se a pena não detentiva realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art. 70º).

E) Assim e na determinação da pena, o tribunal atenderá a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena» (art. 71º, n.ºs 1 e 2, do CP).

F) Pelo que atentemos agora ao caso concreto do ora recorrente, nomeadamente, o facto de ser primário, ter 74 anos de idade, bem como as suas condições pessoais e a sua situação económica, que supra se deixaram vertidas nos citados pontos nºs 35, 39 e 40 da matéria de facto dada como provada, no qual se evidencia o seu enquadramento familiar e social, concluindo a douto acórdão "Inexistem elementos que demonstrem que arguido voltou a reincidir na sua conduta, estando aparentemente inserido socialmente, não  sendo negativamente conotado na sua zona de residência.”

G) Pelo que, e face a esta conclusão tida pelo Tribunal a quo outra deveria ter sido a pena fixada, uma que se situasse junto dos limites mínimos da respetiva moldura abstrata, ora e reportando-nos à moldura penal abstracta aplicável ao crime, a mesma situa-se entre os três anos e 10 anos de prisão, ainda assim deverá, igualmente, ser reduzida a concreta pena única a aplicar ao Arguido, porquanto a que lhe foi fixada de 5 anos e 6 meses de prisão, é manifestamente exagerada.

H) OS factos dados como provados justificam a diminuição da necessidade da pena, impondo assim a aplicação de uma pena de duração, substancialmente, mais curta do que aquela que lhe foi decretada. A determinação da pena conforme supra já se referiu é feita essencialmente atendendo à culpa do agente, o que impõe uma retribuição justa, sem esquecer a ilicitude, as exigências de prevenção geral, exigências do fim preventivo especial ligadas à reinserção social do delinquente, e demais circunstâncias que deponham a favor e contra o mesmo.

I) A este respeito, e no que à concreta situação e personalidade do Arguido tange, há que devidamente atentar, entre o mais, nos factos que supra melhor se acham explanados nos pontos 35 e ss da matéria dada como provada, e para a qual, por brevidade se remete, que claramente abonam em seu favor.

J) Ponderando as circunstâncias concretas da atuação do Recorrente, as suas circunstâncias de vida e personalidade, não poderá deixar de considerar-se que tanto a ilicitude como a culpa do arguido, in casu, nunca justificaria a concreta pena de prisão efetiva que lhe foi aplicada, desde logo a inserção sócio-familiar do mesmo, e, bem assim, a ausência de consequências de monta e de antecedentes criminais a este nível, bem como o - relativamente - longo lapso temporal entretanto decorrido - perto de três anos militam a favor do arguido - bem como a idade do arguido (74 anos), concorrem para reduzir as necessidades de prevenção especial.

K) Pelo que apenas uma pena menos gravosa, que se situasse próxima do limite mínimo da moldura abstrata aplicável (três anos) por forma a adequar-se à efetiva culpa do seu agente, à ilicitude dos factos e as concretas necessidades de prevenção, é justa e proporcional. Ao não decidir assim, violou o douto Acórdão recorrido o disposto nos artigos 40º e 71º do C.P., impondo-se a revogação do douto Acórdão recorrido quanto à medida da pena de prisão aplicada, reduzindo-se esta, que se roga seja ora fixada próximo do limite mínimo da ante referida moldura abstrata (Três anos).

L) Entendemos, por isso, que é possível fazer-se uma prognose social favorável ao arguido em termos que permitem suspender-lhe a execução da pena de prisão que lhe deverá ser aplicada, afastando-se, desse modo, o arguido do efeito estigmatizante da prisão. Como consequência do supra exposto, devem considerar-se a verificação dos pressupostos para que a pena de prisão seja suspensa na sua execução, ao juízo de prognose favorável de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição geral e especial;

M) In casu, atendendo-se à personalidade do arguido, às condições da sua vida (está familiar e socialmente bem integrado) e à conduta anterior e posterior ao crime (inexistência de antecedentes criminais do arguido impunha-se a suspensão da execução da pena de prisão (cf. art.º 50º, nº 1, C.Penal), pois in casu o juízo de prognose é favorável ao arguido, não se prevendo que o arguido possa vir a cometer novos crimes, desta ou de outra natureza, se tiver pendente uma pena de prisão;

N) Por outro lado, entende o recorrente ser desproporcionado e excessivo montante fixado a título de indemnização civil fixada pelo Tribunal a quo, atendendo a sua situação económica e familiar, designadamente, o arguido atualmente encontra-se reformado, com uma pensão no valor de 250,00 €, juntamente com esposa pratica uma agricultura de subsistência, bem como faz criação de aves de capoeira para consumo próprio, assim, é manifesta a existência de rendimentos que lhe permitam assim alcançar o quantum indemnizatório a que foi condenado,

O) Entendendo o recorrente não ser o quantum indemnizatório equitativo, face às circunstâncias do caso e às condições económicas do lesante e das lesadas, pelo que violou o douto acórdão o disposto no artigo 496.º, n.º 4 do CC. Configurando-se a quantia de 10.000,00 € ajustável como o montante e respectivos juros legais, ajustado aos danos N.O. patrimoniais de que a assistente foi vítima e as condições sócio- económicas do arguido.

P) Pelo que, e por tudo o exposto deve o referido acórdão ora recorrido ser revogado e substituído nos termos supra expostos.

Q) A Douta sentença violou os princípios constitucionais de legalidade, proporcionalidade e equidade e defesa do arguido, ao aplicar uma medida de prisão superior a cinco anos, quando se encontravam reunidos todos os requisitos para a aplicação de uma pena inferior que permitisse a sua suspensão, violando-se, assim, os artigos 3º, 12º, 13º, 16º, 30º e 32º da CRP.

Deve o presente recurso ser Julgado procedente, por provado, devendo ser revogada o acórdão proferido, devendo a pena aplicada situar-se nos 3 anos, suspendendo-se a mesma na sua execução.

Deverá também ser o quantum indemnizatório ser fixado em 10,000,00 €.”
Contramina a assistente/demandante rematando a resposta – cfr. fls. 611 a 623 – com a síntese conclusiva que a seguir queda extractada. 
1. O teor do Mui Douto Acórdão recorrido contém em si adequada, necessária, bastante e cabal fundamentação de facto e de direito que sustenta, por si, a manutenção do douto Acórdão recorrido e a improcedência do recurso interposto pelo arguido.
2. Recurso, este, que, notoriamente, não tem por escopo senão fazer retardar do trânsito em julgado da decisão em crise e, por essa via, retardar o cumprimento da pena de prisão e o pagamento da indemnização a que o arguido foi condenado.
3. Face ao que se revelará até despicienda a apresentação da presente resposta à motivação e alegações do recurso interposto pelo arguido, o que apenas por dever de patrocínio e manifestação de interesse na manutenção da condenação em causa se fará!
4. Contrariamente ao alegado pelo recorrente, para determinação da medida concreta da pena, o Venerando Tribunal a quo levou em conta, atendeu, considerou e ponderou todos os critérios legalmente previstos para o efeito, designadamente os consignados no artigo 40.º, 71.º e 79.º, sendo notório que não incorreu em qualquer violação nem de tais normas nem dos princípios constitucionais de legalidade, proporcionalidade e equidade e defesa do arguido consignados nos artigos 3.º, 12.º, 13.º, 16.º, 30.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa.
5. O arguido, ora recorrente, foi condenado pela prática de um crime de abuso sexual de menor previsto e punido pelas disposições conjugadas do artigo 171.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal, punido com uma pena de prisão de três a dez anos.
6. Ficou provado e foi tido em conta que o arguido, ora recorrente, para além dos indignos e repugnantes factos contidos nos pontos 3 a 25, ”agiu livre, consciente e deliberadamente, com o propósito conseguido de satisfazer os seus instintos libidinosos, usando para esse fim a menor Mariana, sabendo que a molestava nos seus sentimentos mais íntimos e que a impedia de dispor livremente do seu corpo e da sua sexualidade e que as mencionadas abordagens de cariz sexual e os referidos contactos físicos e sexuais que estabeleceu com aquela eram idóneos a prejudicar o desenvolvimento harmonioso daquela menor na sua esfera sexual, em função da sua pouca idade”, agindo com dolo directo;
7. E que “sabia o arguido BB que punha também em causa a livre determinação sexual da AA e que a mesma não tinha idade para se determinar livremente para a prática de actos sexuais daquela natureza. Teve o arguido sempre plena consciência da idade da menor”.
8. O Tribunal a quo considerou e classificou de “elevada” e “muito intensa” quer a culpa do arguido, ora recorrente, quer a ilicitude dos factos por si praticados (contra o que o arguido não se insurge no âmbito do recurso por si interposto),
9. O que aquilatou pela natureza dos atos praticados, pela sua pluralidade, pelo respetivo modo de execução, pelo período de tempo durante o qual foram levados a cabo pelo arguido, conforme factos dados como provados nos pontos 1 a 29 da matéria de facto dada como provada.
10. Como melhor consta do douto Acórdão recorrido, o arguido, ora recorrente, na execução dos factos por si praticados, demonstrou “uma total indiferença incompreensível pelos mais basilares direitos que qualquer ser humano”.
11. Deu-se ainda como provado que o arguido, ora recorrente, conhecia a menor desde há longa data, mantendo uma relação de proximidade com a mesma e seu agregado familiar com quem há longos anos privava, e sempre teve plena consciência da idade da menor à data da prática dos factos.
12. Conforme se demonstrou e ficou provado a menor AA apelidava o arguido, ora recorrente de tio BB.
13. Considerou, por isso, o Venerando Tribunal a quo que atentos os factos dados como provados sob os pontos 1 a 4  da matéria de facto dada como provada, o arguido “tinha relativamente a  esta criança um acrescido dever de protecção e respeito que foram” por si “ totalmente ignorados”, agindo com dolo direto;
14. Como melhor consta do douto Acórdão recorrido “O arguido não demonstrou arrependimento da prática dos factos, negando-os, pese embora tenha sido praticamente apanhado em flagrante, pelo irmão da vítima”.
15. No que respeita às necessidades de prevenção, douta e sabiamente considerou serem “elevadas as exigências de prevenção geral perante o alarmante número de crimes deste tipo cometidos na nossa sociedade, sendo imperioso censura-los de modo firme”.
16. Com tudo isto o arguido se conformou pois nenhuma destas matérias é colocada em crise no Recurso interposto pelo arguido.
17. Por outro lado e no que respeita à conduta anterior e posterior do arguido, às condições pessoais do agente e à sua situação económica (Cfr. Al. d) do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal) foi feito constar e tido em conta a circunstância de o arguido não ter antecedentes criminais e ter actualmente 74 anos de idade, bem como o facto de inexistirem elementos que demonstrem que o arguido voltou a reincidir na sua conduta estando aparentemente inserido socialmente, não sendo negativamente conotado na sua zona de residência”. 
18. Não podia, naturalmente, o Venerando Tribunal recorrido, como não fez, deixar de, para o mesmo efeito – determinação da medida concreta da pena – considerar a gravidade das “nefastas consequências que a conduta no arguido teve e terá na vítima”, tal como a prática dos factos com dolo direto, que se teve por intenso, tal como a gravidade da ilicitude dos atos pelo mesmo praticado e a gravidade das consequências sofridas pela vítima (tudo com o que o arguido, ora recorrente, se conforma).
19.  Ainda assim, o Venerando Tribunal recorrido aproximou-se mais do limite mínimo  que do limite máximo da moldura penal abstrata para o crime que o arguido cometeu.
20. O que bem denota que para determinação da medida concreta da pena levou sobejamente em conta as circunstâncias pessoais do arguido, bem como a sua conduta anterior e posterior aos factos e a que este alude no seu recurso.
21. A pena de prisão efectiva fixada em 5 anos e 6 meses a que o arguido, ora recorrente, foi condenado, manifesta-se notoriamente proporcional e adequada às circunstâncias concretas da prática do crime que cometeu bem como respeitadora de todos os critérios a que o Tribunal se encontrava vinculado para o efeito.
22. Não se vislumbra, pois, muito menos pelo teor da motivação e alegações do recurso interposto pelo arguido o alcance da alegada violação dos artigos 40 e 71.º do Código Penal, nem dos artigos 3.º, 12.º, 13.º, 16.º, 30.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa.
23. Como se disse, vem ainda o recurso interposto do montante indemnizatório que foi arbitrado pelo tribunal recorrido e que fixou em 22.000,00 € a título de danos não patrimoniais sofridos pela menor em consequência da conduta criminosa do arguido.
24. Considera o arguido que tal quantia se revela desproporcionada e excessiva, defendendo a sua redução para 10.000,00€.
25. No que respeita aos danos não patrimoniais, dispõe o n.º 1 do ARTIGO 496.º do Código Civil que “ Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” dispondo o seu n.º 4 que “ O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º…”;
26. Circunstâncias, essas, que se traduzem no grau de culpabilidade do agente, na sua situação económica bem como na situação económica do lesado;
27. Como consabido é, o montante indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais destina-se a compensar a vítima pelo mal causado pelo agressor,
28. Mal esse que se traduziu, no caso concreto, em danos de elevada gravidade melhor descritos no Douto Acórdão recorrido e que aqui se dão por reproduzidos para os devidos e legais efeitos, que se repercutiram na vida da menor, não só durante a vivência dos factos e atos a que foi sujeita, como no período de tempo subsequente aos mesmos, mas que se repercutirão ainda no futuro, ao longo da vida da menor, como melhor se explanou no douto Acórdão recorrido e que necessária e incontornavelmente exigirão “sempre um especial acompanhamento sob pena de a mesma vir a padecer de graves distúrbios emocionais e psicológicos”.
29. Sendo árdua a tarefa de concretizar e determinar em quantia certa a compensação à menor do mal que lhe foi causado pelo agressor, ora recorrente, é notório que o montante de 10.000 € que o recorrente considera justa e adequada se revelaria de carácter meramente simbólico, contra o que vasta e sabia jurisprudência se tem debatido e manifestado.
30. Sendo certo e igualmente notório que o montante que a tal título foi fixado, ou seja 22.000 €, de todo se não manifesta numa desmerecida vantagem para vítima menor.
31. O dito montante de 22.000,00 €, a revelar-se desajustado ou desproporcionado sempre seria por defeito e nunca por excesso, não merecendo, portanto, qualquer redução.

32. A douta decisão recorrida, não incorre, pois, em qualquer violação das normas a que alude o arguido no seu recurso, não se verificando os fundamentos de recurso invocados pelo Recorrente.

(…)

deverá o Recurso interposto pelo arguido ser julgado improcedente, por não provado, e, consequentemente, confirmar-se o Douto Acórdão recorrido, com todos os efeitos legais, justamente porque não violou quaisquer preceitos legais, "máxime" os mencionados pelo recorrente.

Caso assim não se entenda, o que não se aceita mas por mero exercício de raciocínio e dever de patrocínio se admite, e venha este Venerando Tribunal a considerar dever a pena de prisão aplicada ao arguido, ora recorrente, dever ser reduzida para medida que permita a sua suspensão e a considerar verificados os pressupostos de que tal suspensão depende, sempre a mesma deverá acautelar o interesse da menor ofendida, devendo, então, e nesse caso, a suspensão que vier a ser decretada subordinar-se ao pagamento imediato àquela da indemnização que lhe foi (ou venha a ser) atribuída, (…).”

Na resposta que produziu – cfr. fls. 625 a 629 –, o Ministério Público junto da comarca, dessume a respectiva argumentação de que condensa a sequente síntese:

1- O douto acórdão condenatório deixa facilmente compreender como o Tribunal partindo da moldura penal correspondente ao tipo legal de crime em questão, determinou a medida da pena, aferida pelo grau de culpa do arguido e pelas exigências de prevenção, sem deixar de ter presente tudo quanto, para o efeito, resultou provado em benefício ou em desfavor do agente.

2- Assim, a pena fixada não vai além da culpa do arguido e mostra-se razoavelmente adequada às exigências de prevenção. Razão porque, apesar de alguma excessiva benevolência que possa traduzir, mereceu a nossa conformação.

3- Como adequada se mostra, aos factos no seu conjunto e à personalidade do recorrente.

4- Essa pena, desde logo pela sua medida - cinco anos e seis meses de prisão - não pode, por exceder o limite fixado no artigo 50º, n.º 1, do Código Penal, ser suspensa na sua execução .

5- Mas ainda que assim não fosse a personalidade do arguido, mas também a sua conduta posterior aos factos censurados nestes autos, bem como a natureza e as circunstâncias do crime aqui em apreciação, obstariam à formulação, no caso, de juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena.

6- O acórdão recorrido não interpretou deficientemente qualquer preceito legal e, designadamente, os invocados pelo recorrente.

Nestes termos (…) negando-se provimento ao recurso interposto e, consequentemente, confirmando-se o acórdão condenatório proferido, far-se-á Justiça.”

Neste Supremo Tribunal de Justiça, o distinto Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer que aqui se deixa transcrito.

O arguido BB nascido a ...2 interpõe recurso do acórdão condenatório proferido e depositado no ... – Secção Criminal – Inst. Central – ..., Comarca de ... em 3.11.2016 que o condenou por autoria de um crime de abuso sexual de menor p. e p. pelo arts. 171º, nºs 1 e 2 do CP, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

O arguido BB mostra-se inconformado com a medida da pena e o montante indemnizatório a que foi condenado, essencialmente, porque considera que deverá ser atendido o grau de ilicitude do facto, o modo de execução, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados, as condições pessoais a conduta anterior e posterior (art. 71º, nºs 1 e 2 do CP), tudo conjugado com os outros factos provado – ser primário e ter 74 anos de idade.

Por isso defende que a pena a aplicar poderia ser mais próxima do mínimo e/ou de molde a poder ser suspensa.

O Ministério Público através da sra. Procuradora da República respondeu, defendendo a confirmação do acórdão condenatório, por não terem sido violadas quaisquer normas jurídicas.

1 - O arguido BB foi condenado na 1ª instância a 5 anos e 6 meses de prisão por autoria de um crime um de abuso sexual de criança, art. 171º, nºs 1 e 2 do CP.

A menor AA nasceu em ... e dos factos provados resulta que os actos preparatórios ocorreram em Setembro e Outubro de 2013, que em Novembro e Dezembro praticou actos sexuais de relevo e que nos meses de janeiro e Fevereiro de 2014 pelo menos 4 ou 5 vezes (diz a menor AA) teve relações sexuais com ela ou numa sala ou no quarto da mãe.

1 - Questão prévia

Foi dado como provado no p. 41 da matéria de facto provada que os comportamentos do arguido causaram à menor AA, instabilidade, intranquilidade e perturbação emocional.

E no p. 43 que “durante os anos lectivos de 2012/2013 e 2013/20104 a menor registou perda de rendimentos escolares, tendo ficada retida, por duas vezes no 7º ano de escolaridade, o que não acontecera anteriormente.

No entanto o facto de a menor ter ficado retida no 7º ano de 2012-2013, não pode resultar das circunstâncias a que o arguido a tenha submetido, pois estas só começaram a ocorrer a partir de Setembro de 2013.

Isto tem de significar que outras circunstâncias estiveram na origem desse ser o primeiro desaire da menor AA na escola no ano escolar de 2012-2013.

E dos documentos que a fundamentação da matéria de facto refere (fls. 440 a 442) se conclui o número de faltas da AA ainda terá maior no ano de 2012/2013.

Parece-nos pois resultar um vício do nº 2 do art. 410º do CPP, devendo ficar esclarecido que o comportamento do arguido só terá tido alguma influência na instabilidade da menor de 13 anos um ano, quando a AA ficou retida novamente no ano de 2013/2014.

Este vício poderá oficiosamente ser declarado de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e art. 434º do CPP.

2 - Vejamos então a medida da pena.

A questão da correta medida da pena tem a ver com a problemática dos fins das penas, muito debatida na doutrina.

Se por um lado a pena é uma reação prática que, no dizer de Anabela Rodrigues (In a Determinação da Medida da Pena Preventiva de Liberdade, fls. 151): “é o meio mais enérgico ao dispor do poder instituído para assegurar a convivência pacífica dos cidadãos em sociedade, mas é simultaneamente o que toca de mais perto a sua libertação, segurança e dignidade”.

Por outro lado, também constitucionalmente, a pena tem por finalidade a prevenção – quer preventiva geral quer especial.

Na graduação da pena deve, pois, olhar-se para as funções de prevenção geral especial das penas, não se podendo perder de vista a culpa do arguido.

As penas a aplicar não deverão pois ultrapassar a satisfação das exigências da culpa sendo o limite máximo, as exigências de prevenção, no caso concreto (moldura de prevenção) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social (seguindo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça).

O crime de abuso de menor é um crime de perigo abstrato porque é posta em causa a autodeterminação sexual de criança, havendo um prejuízo grave para o livre desenvolvimento da personalidade dos menores, definindo ainda a intencionalidade específica do desenvolvimento sem entraves da personalidade da criança (Comentário Conimbricense, anotado, p. 445, 559).

2.1. Resulta dos factos provados que a vítima AA tinha 13 anos de idade, pois nasceu em ... e em 2013 esse dia da semana foi 2ª feira.

Tendo ao actos preliminares se iniciado em Setembro (com as aulas já começadas?), ao contrário do que é referido na fundamentação do acórdão recorrido, a menor já tina 13 anos.

Portanto no caso concreto relativamente à vítima que, que tendo 13 anos e em menos de 6 meses teve de aceitar a conduta do arguido será conveniente valorizar também a fase da sua personalidade naquela idade e terá sido posta em causa.

O bem jurídico protegido neste tipo de crime além da proteção da autodeterminação sexual, também pode prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade, perante a pouca idade que a vítima tinha (Comentário Conimbricense, CP, T. 1, fls. 541, Figueiredo Dias).

A fundamentação do acórdão recorrido para o encontro da medida da pena que aplicada, também teve em conta na sua fundamentação, os factos provados relativamente à vítima AA, tendo sido considerado contra o arguido os pressupostos exigíveis quanto à culpa, ilicitude e circunstâncias agravantes e atenuantes, que o crime pode ter suscitado na vítima tal como a al. a) do nº 2 do art. 71º do CP prevê como fundamento.

2.2. Mas parece-nos poder atender e dar algum relevo ao curto período em que o arguido terá agido, a ausência de consequências físicas, como se extrai do Relatório da Perícia de Natureza Sexual efectuada logo em 27.02.2014 – fls. 20 e segs., bem como o mau resultado escolar não resultar directa e exclusivamente da situação criada pelo arguido, pois no ano anterior já tinha tido igual resultado.

E como também o tribunal recorrido reconheceu na fundamentação “o arguido não voltou a reincidir na sua conduta” está inserido socialmente e na zona da sua residência não é conotado negativamente.

Por isso segundo nos parece para o encontro da medida da pena a aplicar, além dos factos provados relativamente à vítima que poderão ser interpretados como atrás referimos, também deverão ser considerados os pressupostos exigíveis quanto à culpa, a ilicitude e as circunstâncias agravantes e atenuantes designadamente as condições pessoais e ausência de antecedentes criminais, a idade que tinha então (71 anos e meio) e à personalidade.

Podendo-se ter em conta pontos exactos de realização das necessidades preventivas da comunidade e que assegurem a protecção das expectativas, quando na moldura penal além da culpa também terão de funcionar as exigências de prevenção especial em conjunto com as poucas circunstâncias favoráveis ao arguido (a idade e a ausência de antecedentes criminais), a pena de prisão pelo crime de abuso sexual de criança do art. 171º, nºs 1 e 2 do CP, segundo propomos poderá ficar situado nos 5 anos de prisão. 

3 - E se for possível alterar e fixar esta medida da pena , parece-nos que tal como está estabelecido no art. 50º CP, parece-nos que também poderá ser suspensa na sua execução e o arguido também defende, atendendo-se especialmente à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior e às circunstâncias do crime, porque a ameaça da prisão realizará adequadamente e suficientemente as finalidades da punição.

E até segundo nos parece ser conveniente e adequado que seja subordinada tal suspensão, ao pagamento, ainda que faseado, da indemnização que for mantida ou vier a ficar fixada em recurso.

Assim parece-nos que poderá ser concedido provimento ainda que parcial do recurso do arguido BB se a pena for fixada em 5 anos de prisão suspensa na sua execução e subordinada ao pagamento da indemnização.”

Repontou o arguido, com a sequente proposição.

 “BB, Recorrente nos presentes autos, notificado do parecer do Ministério Público, aliás, na esteira das alegações de resposta ao recurso apresentadas pela assistente/Ofendida, vem aderir ao mesmo, concordando com a suspensão da pena, sob condição de pagamento da indemnização constante da decisão que vier a ser fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.”

I.b). – Questões a demandar resolução.

Da síntese que quedou extractada, parece poderem sacar-se como temas a resolver no recurso:

a) – Vicio de erro notório na apreciação da prova – artigo 412º do Código  Processo Penal;

b) – Individualização judicial da pena;

c) – Indemnização da vítima pelos danos não patrimoniais gerados pela conduta ilícita do arguido.

II. – FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – DE FACTO.

Para a decisão a proferir está consolidada a factualidade que a seguir se encontra extractada.
1. AA nasceu em ... e é filha de ... e de ...
2. O arguido BB nasceu em ....
3. Desde longa data, o arguido BB é amigo da mãe de AA e frequentava de forma regular a casa onde elas residiam, sita na Rua ..., ali se deslocando todas as semanas.
4. AA apelidava o arguido de tio ....
5. A partir de início de Setembro de 2013, desde dia não concretamente apurado, que o arguido começou a oferecer chocolates e quantias em dinheiro, entre dois e cinco euros, a AA, quando se encontrava com ela na mencionada residência.
6. Nessa altura, durante os meses de Setembro e Outubro de 2013, às quartas-feiras, na sala da mencionada residência, sempre que AA se encontrava sozinha, entre as 17:30h e as 18:30h, o arguido começou a dizer-lhe que estava bonita e a acariciar-lhe as mamas, por cima da roupa.
7. Acto contínuo, o arguido dava um beijo na boca de AA. 
8. Até que, nos meses de Novembro e Dezembro de 2013, na sala da mencionada habitação, às quartas-feiras, sempre que AA se encontrava sozinha, entre as 17:30h e as 18:30h, o arguido retirava o pénis para fora das calças e começava por fazer movimentos oscilatórios, ascendentes e descendentes com as mãos no pénis.
9. De seguida, pedia a AA que lhe fizesse os mencionados movimentos ascendentes e descendentes no seu pénis, o que esta fez.
10. No início do mês de Janeiro de 2014, na quarta-feira, ao fim da tarde, entre as 17:30h e as 18:30h, numa das deslocações a casa de AA, o arguido BB, aproveitando o facto de se encontrar sozinho com ela, pediu-lhe para tirar as calças e as cuecas e para se deitar na cama, o que ela fez, deitando-se na cama da sua mãe.
11. De imediato, sem retirar a roupa, o arguido BB tirou o pénis para fora das calças e colocou-lhe um preservativo.
12. Acto contínuo, o arguido BB introduziu o pénis na vagina de AA.
13. Nas semanas seguintes, todas as quartas-feiras, no mesmo horário, o arguido BB frequentou a casa de AA, quando a mãe desta não se encontrava em casa.
14. Aí chegado, o arguido BB pedia a AA que metesse o pénis na boca e o chupasse em movimentos ascendentes e descendentes, o que esta fazia.
15. Após algum tempo, não concretamente apurado, o arguido BB retirava o pénis da boca de AA.
16. Outras vezes, nesse período, após AA lhe ter chupado o pénis erecto, o arguido BB retirava-o da boca, colocava-lhe um preservativo e introduzia-o na vagina dela.
17. Acto contínuo, o arguido BB iniciava movimentos de vaivém com o pénis no interior da vagina de AA.
18. No dia 21 de Fevereiro de 2014, cerca das 17:30h, já depois das aulas, AA ficou com o arguido na sua residência.
19. Poucos minutos antes das 18:00h, o arguido BB disse a AA que queria ter sexo com ela, enquanto a encaminhava para o quarto da mãe dela.
20. Já no quarto, o arguido BB pediu a AA para se despir, o que esta fez, enquanto o arguido baixava as calças e as cuecas.
21. Após o que BB, irmão de AA, começou a chamar por ela do exterior da residência.
22. De imediato, AA veste-se e dirige-se à porta para a abrir enquanto BB entra na habitação pela janela da cozinha.
23. Acto contínuo, CC quando entra no quarto de sua mãe, depara-se com o arguido BB em pé, junto à cama, nervoso, a colocar a camisa por dentro das calças.
24. De seguida, CC perguntou ao arguido BB o que é ele estava ali a fazer, tendo este respondido que estava a arranjar a luz que não funcionava, ao que aquele carregou no botão e acendeu a luz.
25. O arguido BB repetiu o comportamento descrito durante o mencionado período entre Setembro de 2013 e 21 de Fevereiro de 2014, pelo menos uma vez por semana, contando sempre com o silêncio de AA, a quem pedia para não contar nada, a qual, com vergonha, não contava a ninguém o sucedido.
26. O arguido BB agiu voluntária, livre, consciente e deliberadamente, com o propósito conseguido de satisfazer os seus instintos libidinosos, usando para esse fim AA, sabendo que molestava AA nos seus sentimentos mais íntimos e que a impedia de dispor livremente do seu corpo e da sua sexualidade e que as mencionadas abordagens de cariz sexual e os referidos contactos físicos e sexuais que estabeleceu com aquela, eram idóneos a prejudicar o desenvolvimento harmonioso daquela menor na sua esfera sexual, em função da sua pouca idade.
27. Mais sabia o arguido BB que punha também em causa a livre determinação sexual de AA e que a mesma não tinha idade para se determinar livremente para a prática de actos sexuais daquela natureza.
28. Teve o arguido BB sempre plena consciência da idade de AA, estando ciente da idade daquela, na data da prática dos factos.
29. O arguido sabia que as suas condutas supra descritas eram proibidas e punidas pela lei penal.
1. BB é o filho do meio de um conjunto de 7 filhos de um casal de condição socio-económica humilde.
2. Os progenitores, ambos falecidos, trabalhavam na agricultura e face às dificuldades vivenciadas a maioria dos filhos não concluiu o Ensino Básico, apoiando desde cedo os pais nas actividades agrícolas desenvolvidas.
3. Foi já na idade adulta que o arguido veio a concluir o 1º ciclo do ensino básico.
4. Casou com 22 anos de idade e autonomizou-se do sistema familiar de origem. O casal teve 1 filha, actualmente com 47 anos com vida pessoal e familiar organizada.
5. O arguido sempre exerceu actividade profissional na área da agricultura, dedicando-se juntamente com a esposa à venda de produtos hortícolas, tendo o casal conseguido alcançar uma situação financeira confortável.
6. Actualmente encontra-se reformado, com uma pensão no valor de €250, de acordo com o referido.
7. Juntamente com a esposa pratica uma agricultura de subsistência, bem como faz criação de aves de capoeira para consumo próprio.
8. Residem em casa própria, tipo moradia, inserida em contexto rural, que oferece boas condições.
9. A nível social os indicadores sobre o arguido são neutros, mas a sua imagem está associada à frequência de bailes e estabelecimentos de diversão, associação essa que parece surgir interpretada de forma menos positiva.
10. BB salienta que a presente situação não teve qualquer impacto familiar, sentindo-se apoiado pela esposa.
11. Do presente processo refere que apenas os amigos mais íntimos têm conhecimento.
12. Nega o seu envolvimento nos factos em apreciação e assume uma postura de vitimização.
13. Ao que parece terá conhecido a mãe da menor, vítima no presente processo, num baile e a partir dessa altura salienta que passou a manter atitudes de suporte junto deste agregado mas não clarificou a natureza.
14. Assume-se como protector da família, colaborando ao nível económico na satisfação das necessidades básicas da mesma, pelo que sente a queixa apresentada quase como uma traição e lesiva da sua imagem.
15. O arguido não tem quaisquer antecedentes criminais.
16. Os comportamentos do arguido causaram à menor AA instabilidade, intranquilidade e perturbação emocional.
17. A menor recebeu apoio psicológico, apresentando dificuldade em abordar os comportamentos sobre si perpetrados pelo arguido, sentindo-se envergonhada.
18. Durante os anos lectivos 2012/2013 e 2013/2014, a menor AA registou perda de rendimento escolar, tendo ficado retida, por duas vezes, no 7.º ano de escolaridade, o que não acontecera anteriormente.
9. O arguido ajudava o agregado familiar da menor AA, designadamente através de géneros alimentícios que transportava para a habitação.

2.2. Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa, designadamente os que se elencam infra, bem como todos aqueles que sejam contraditórios com a matéria que se consignou no ponto 2.1.:
1. O arguido só parava de pedir para a AA lhe fazer movimentos ascendentes e descendentes no seu pénis quando ejaculava.
2. Após, o arguido limpava o pénis com um lenço de pano que trazia consigo, dizendo a AA que era assim que os novos faziam.
3. O arguido após introduzir o pénis na vagina da AA ejaculou no seu interior.
4. Após o que o arguido BB retirou o pénis da vagina e disse a AApara se ir lavar.
5. Após a AA chupar o pénis do arguido este ejaculava, limpando o pénis num lenço de pano que trazia consigo.
6. O arguido após ter relações vaginais com a AA dizia-lhe que era assim que os novos faziam.
7. No dia 21 de Fevereiro de 2014, cerca das 17:30h, já depois das aulas, AA dirigia-se a pé em direcção a sua casa, quando encontrou o arguido BB a tripular uma viatura, de marca Peugeot cinzento, de matrícula não concretamente apurada, junto à paragem do autocarro, sita na ..., concelho de ...z, que lhe ofereceu boleia.
8. No dia 21 de Fevereiro de 2014, quando apareceu CC o arguido já estava com o preservativo na mão para o colocar no seu pénis.
9. Em consequência dos actos praticados pelo arguido, a menor AA apresenta o seu hímen complacente.
10. O arguido manteve relacionamento marital com a mãe da menor AA.
11. O arguido considerava a AA como uma filha.
12. O arguido sofria de disfunção sexual e não tinha capacidade de erecção que lhe permitisse a penetração vaginal.”

II.B. – DE DIREITO.

II.B.1. – Vício de erro notório na apreciação da prova – artigo 412º do Código  Processo Penal;

No seu douto parecer, a Distinta Magistrada do Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal suscita a questão da existência de um erro na apreciação da matéria de facto consistente em o acórdão recorrido ter dado como provado que a menor registou “durante os anos lectivos de 2012/2013 e 2013/20104 a menor registou perda de rendimentos escolares, tendo ficada retida, por duas vezes no 7º ano de escolaridade, o que não acontecera anteriormente.

O erro notório consistiria em “o facto de a menor ter ficado retida no 7º ano de 2012-2013, não pode resultar das circunstâncias a que o arguido a tenha submetido, pois estas só começaram a ocorrer a partir de Setembro de 2013.

Isto tem de significar que outras circunstâncias estiveram na origem desse ser o primeiro desaire da menor AA na escola, no ano escolar de 2012-2013.

E dos documentos que a fundamentação da matéria de facto refere (fls. 440 a 442) se conclui o número de faltas da AA ainda terá maior no ano de 2012/2013.
No enquadramento jurídico-processual que é feito dos vícios do artigo 410º, nº2 do CPP, estes assumem-se como erros de julgamento a relevar da contextualização interna da decisão, ou seja da própria estrutura da decisão, congraçada com as regras ou máximas da experiência comum, entendidas estas como o regular, normal e adquirido vivenciar do homem, histórico – socialmente situado. [[1]]
Consubstanciando-se o erro num desvio interpretativo de uma dada situação de facto que se apresenta à leitura lógico – racional do individuo, aqui consideradas as envolventes sociais, históricas, pessoais, económicas e/ou outras, a decisão que labore em erro notório há-de expressar esse desvio interpretativo, como evidente e detectável a uma análise perfunctória, de feição intuitivo – racional, do caso em que ele se manifesta ou patenteia. O erro notório torna-se, assim, numa calamidade interpretativa à luz dos princípios da razão histórica e do padrão cognoscente prevalente e socialmente instituído, i. é, das máximas da experiência comum. Quanto ao que há-de ser entendido como máxima de experiência, seja-nos permitida uma citação do autor italiano Paolo Tonini, in “Prova Penale”, CEDAM, 2000, Verona, p. 35, “La mssima di esperianza é una regola di comportamento che esprime quello che avviene nella maggior parte dei casi (id quod plerumque accidit); piú precisamente, essa é una regola che è ricavabile da casi simili”. Ainda segundo este autor, e tendo presnte a doutrina da Corte di Cassazionea diferença entre (tra) máxima de experiência e mera conjectura reside no facto que no primeiro caso o dado é já dado (stato), ou ainda assim vem submetido a verificação empírica e portanto (quindi) a máxima pode ser formulada sobre a provisão (scorta) do id quod plerumque accidit, enquanto que (mentre) no segundo caso tal verificação não está adquirida, nem o poderá ser, e por isso queda afiançada a um cálculo de possibilidade, do passo que (sicchè) a máxima permanece insusceptível de verificação empírica e portanto de demonstração” (tradução nossa).  
Já a insuficiência da matéria de facto para a decisão se reconduz a uma ausência de materialidade substancial, isto é, uma omissão factual contextualizada que inviabiliza e impede que o tribunal possa validamente operar uma adequada e correcta subsunção à previsão ilícito – material contida no preceito incriminatório da facticidade adquirida para o teor decisório. O tribunal podia e devia ter apurado factos que lhe permitissem obter uma factualidade consistente donde fosse possível extrair um veredicto de direito ajustado ao caso.

Por seu turno, a contradição entre a fundamentação ou entre esta e a decisão, tanto pode ocorrer entre a fundamentação de facto, em si, como entre esta e a fundamentação de direito ou entre esta mesma fundamentação, ou, ainda, entre todas, e cada uma, destas posições antinómicas e a decisão a que se chegou.

Do que se trata, no caso do último dos apontados vícios, é de detectar uma antinomia endógena à estrutura da decisão que torne conflituantes a argumentação de facto ou de direito explanada na parte fundamentadora da decisão com o veredicto que o tribunal assumiu no dispositivo decisório. No silogismo que é mister constituir-se entre as partes fundamentadora da sentença e o dispositivo, a contradição do operar lógico evidencia uma refracção no plano lógico-dedutivo que desconecta o sentido racional do julgado. As premissas enunciativas deixam de exercer o seu papel denotador da decisão para figurarem como desvirtuadoras do processo de formação lógico-racional conclusivo.
Mais recentemente e a propósito do especifico erro notório na apreciação da prova escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de 21 de Janeiro de 2016, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro, que (sic): “Este STJ, de maneira uniforme,  sistemática,  tem afirmado -com a resistência dos  recorrentes -,mantendo-se, sem transigência, na obediência ao primado daquele conhecimento, que o recurso que lhe é dirigido, devendo  fundar-se na  violação de lei, e não no incorrecto julgamento e fixação da   matéria de facto, como recorrente faz, apesar de reconhecer  e declarar  no proémio da motivação, que o âmbito do poder cognitivo  não abrange aquela reponderação. 
Significa-se, pois, que ao recorrente, assiste,  unicamente  a faculdade de sugerir ao STJ uma reponderação da matéria de facto, para se furtar e contornar a proibição legal. 
Incontestável é que o STJ pode e deve sindicar   a matéria de facto assente  se  ela   estiver inquinada de vícios que comprometam a justa decisão da causa, caso da ocorrência das anomalias previstas no art.º 410.º n.º 2, do CPP, por ser inaceitável que se consentisse na manutenção de uma decisão de direito repousando sobe uma premissa factual deficiente, contraditória nos seus termos ou sempre que,    critérios de normalidade, as regras da experiência, aquilo que é de corrente verificação, autorizam a conclusão, a uma análise sem esforço, de que o tribunal incorreu em evidente erro, impondo a fixação de novos factos,  ou sempre que pelo recurso aos meios de prova produzidos se imponha acolhimento de diverso  acervo factual, mas quando este STJ assim procede, oficiosamente, de resto,  não deixa de  se manter na reserva de conhecimento, ligada à matéria de direito, por a remoção das anomalias constatadas ser imprescindível a uma boa decisão de direito ancorada numa boa decisão de facto, como  deve, capaz de convencer os seus destinatários e a sociedade em geral, funcionando como instrumento legitimador dos tribunais, garantindo que a decisão não procede do arbítrio do julgador, mas de um acto fundamentado, lógico e racional.   
Para além de o arguido não isolar o segmento decisório inquinado de erro notório na apreciação da prova –art.º 410.º n.º 2 c), do CPC-, que havia de ressaltar do texto da decisão recorrida por si ou conjugada com as regras da experiência, sem recurso a outros elementos estranhos àquela, o que se não descortina,  antes  as conclusões do recurso manifestam a sua discordância, por falta de  elementos de prova suficientes para que  se tivessem como provados os factos sob os n.º  3, 4, 5, 6, 9, 10,11,12,13,14, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24, 25, 28, em valoração que faz dos factos, à luz da sua convicção própria, no interesse do arguido, que não tem que  sequer   identificar-se com a do Tribunal, por  forma  a enunciar  o   assertivo  erro de julgamento  na apreciação das provas, proclamado pelo arguido, não se identificando  a divergência  com o erro notório na apreciação da prova.
O erro notório na apreciação da prova não deve confundir-se com a insuficiência da prova para a decisão   da matéria de facto, que cabe no âmbito da livre apreciação da prova –Ac. deste STJ, de 3.4.2003, P.º n.º 3174/06. 
Este STJ, na sua função de tribunal de revista, não reexamina, como regra, a  acerto da matéria de facto fixada   pelas instâncias, encerrando  a Relação o ciclo de tal  conhecimento em moldes definitivos, nos termos dos art.ºs 427.º e 428.º, do CPP     não sindicando  o acerto dos factos provados, deixando o acervo respectivo intocado, inalterado, por  não dispor de imediação com o conjunto das provas, uma relação de proximidade  ao longo da sua produção, maioritariamente em forma oral,  no decorrer da audiência, como é característico e pressuposto na apreciação livre das provas, ao abrigo do art.º 127.º, do CPP. [[2]]

Em sentido similar se pronunciou o acórdão deste Supremo Tribunal, de 1.10.2015, relatado pelo Conselheiro Souto Moura, que no essencial doutrina (sic): “Como é sobejamente sabido, o recurso para o STJ é restrito a matéria de direito, sem prejuízo de este Tribunal proceder ao conhecimento oficioso dos vícios do nº 2 do art. 410º do CPP. "Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, nºs 2 e 3, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o exame de matéria de direito", conforme nos diz o art. 434º do CPP.

Como se sabe, o vício há de resultar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, mas importa repetir, mais uma vez, aquilo que tem sido a jurisprudência constante deste STJ, quanto à invocação de tais vícios, todos eles: o conhecimento de recurso em matéria de facto, interposto de decisão final do tribunal coletivo, é só da competência do Tribunal da Relação, mesmo tratando-se da mera invocação dos vícios do art. 410º do CPP. 

Quando o art. 434º do C.P.P. nos diz que o recurso para o STJ visa exclusivamente matéria de direito, “sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do art. 410º”, não pretende, sem mais, com esta afirmação, que o recurso interposto para o STJ possa visar sempre a invocação dos vícios previstos neste artigo. Pretende simplesmente admitir o conhecimento dos vícios mencionados, pelo STJ, oficiosamente, mesmo não se tratando de matéria de direito.  

Na verdade, ao pronunciar-se de direito, nos recursos que para si se interponham, o STJ tem que dispor de uma base factual escorreita, no sentido de se apresentar expurgada de eventuais insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos. Por isso conhece dos vícios aludidos por sua iniciativa. Aliás, tem mesmo de os conhecer, nos termos do acórdão para fixação de jurisprudência de 19/10/1995, do Pleno das Secções Criminais deste S.T.J. (Pº 46580-3ª, in D.R. Iª série – A, de 28/12/2005).

A ter tido lugar um vício dos referidos naquele normativo, face ao teor da argumentação esgrimida pelo recorrente, tal vício só poderia ser o da al. c) do nº 2 do art. 410º do CPP. E muito embora o arguido nem sequer o tenha querido fazer valer neste recurso para o STJ, sempre poderemos referir o seguinte:

O erro notório na apreciação da prova para além de, como se disse, ter que decorrer da decisão recorrida ela mesma, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, tem também que ser um erro patente, evidente, perceptível por um qualquer cidadão médio. E não configura um erro claro e patente um entendimento que possa traduzir-se numa leitura que se mostre possível, aceitável, ou razoável da prova produzida.” [[3]]    

Ou ainda o que ficou doutrinado no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de  relatado pelo Conselheiro Nuno Gomes da Silva, (sic). “Pacificamente a jurisprudência tem definido ao longo do tempo que os vícios enunciados no nº 2 do citado art. 410º CPP são vícios que respeitam tão somente à matéria de facto dada como provada e/ou não provada e ao modo como é feita a fundamentação sobre essa matéria de facto; ao modo como é analisada toda a prova e as conclusões, deduções ou consequências que a seu respeito são extraídas e têm tradução no que se verte nos factos provados e não provados.

 Por isso se tem dito – para o que agora importa – de forma abundante, em configurações mais ou menos detalhadas, que «o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão ocorre quando se dá como provado e não provado determinado facto, quando ao mesmo tempo se afirma ou nega a mesma coisa, quando simultaneamente se dão como assentes factos contraditórios e ainda quando se estabelece confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto ou contradição entre a fundamentação e a decisão, quando a fundamentação justifica decisão oposta ou não justifica a decisão» [[4]]. E que «o erro notório na apreciação da prova consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto, quando a conclusão lógica, já por ofender princípios ou leis formulados cientificamente, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum das pessoas, já por se ter violado ou postergado um princípio ou regra fundamental em matéria de prova» [[5]].

Num já longínquo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1999.10.13 [[6]] mas nem por isso menos actual e pertinente quanto seu ensinamento consignou-se: «O vício do erro notório só pode verificar-se relativamente aos factos tidos como provados ou não provados e não às interpretações ou conclusões de direito com base nesses factos».

Trata-se, pois de anomalias da decisão ao nível da matéria de facto que são impeditivas de bem decidir, que viciam o silogismo judiciário criando disfuncionalidades e incoerência interna na decisão [[7]].

Claro está que uma coisa é a existência de vícios na conformação da matéria de facto, aí se incluindo a enunciação dos factos e a fundamentação a seu respeito, que influa, nos termos apontados, no segmento subsequente, o da apreciação jurídica levando à sua deformação intrínseca; outra é a ocorrência de uma deficiência de julgamento que possa formar-se não obstante a consistência do decidido e a correcção das opções tomadas a respeito dos factos, ou seja, um erro de direito.

Daqui decorre que os vícios a existirem afectam em primeira linha a eficácia da decisão da 1ª instância pois é aí que se faz a enumeração dos factos provados e não provados e a exposição concisa embora tão completa quanto possível dos motivos de facto com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Em princípio só se houver um diferente exame crítico da prova a que proceda a Relação, por efeito de recurso apropriado, e uma modificação da matéria de facto aí levada a cabo é que os vícios a que alude o nº 2 do art. 410º poderão ser objecto de consideração pelo STJ ou então, oficiosamente, quando apesar de a decisão da primeira instância chegar imodificada à fase que se designa por “revista alargada” seja detectado um qualquer dos sobreditos vícios, pois conhecer desses vícios é exercer o «poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto»[[8]/[9]]. De outro modo, a «relação fecha, em definitivo, como regra, o ciclo do conhecimento da matéria de facto»[[10]].”

No acórdão recorrido deu-se como provado (sic): “Durante os anos lectivos 2012/2013 e 2013/2014, a menor AA registou perda de rendimento escolar, tendo ficado retida, por duas vezes, no 7.º ano de escolaridade, o que não acontecera anteriormente.”

Se bem interpretamos o facto transcrito na proposição enunciativa em que se contém o facto provado, e permitindo-nos usurpar, de forma algo extrapolativa, e quiçá abusiva, o conceito de dois termos usados na lógica filosófica, diríamos que o que o facto inscreve na sua função significante é uma inclusão meramente conotativa e não denotativa [[11]]. Vale dizer que o facto em questão se limita a inculcar uma situação factual ocorrida na sua singeleza significativa, ou seja, dito de outro modo, procede a uma descrição anódina e comum de uma situação real e concreta, isto é, que a menor AA durante dois anos registou uma perda de rendimento escolar e que esse rendimento escolar não tinha acontecido em anos anteriores. O facto dado como provado não estabelece uma relação denotativa ou explicitadora/justificativa entre o comportamento do agente criminoso e o rendimento escolar da menor. Esse sentido interpretativo pode estar implícito, mas não resulta de uma interpretação. O facto não inculca a ideia de que foi o comportamento assumido pelo agente, no seu relacionamento sexual com a menor, que produziu um resultado escolar menos satisfatório, tendo limitado a inscrever no conspecto factual provado que a menor teve um rendimento escolar depreciativo e mermado durante aqueles dois períodos de actividade escolar.  

Decorre, desta interpretação, que ainda que rebuscada e transportada para uma definição conceptual não muito vezeira e comum na liturgia terminológica jurídica, que no sentido que lhe conferimos não ocorreu qualquer erro na enunciação factual aproveitada para a decisão de acto e donde pudesse resultar um erro notório na apreciação da prova. Ao ter-se limitada a constatar uma realidade que lhe foi indicada pela entidade escolar, o tribunal limitou-se a transpô-la, sem outra denotação significativa para a decisão de facto, ficando a constar que a menor teve um rendimento depreciado nos períodos referidos e que essa merma de rendimento foi atestado pela entidade escolar sem que daí se deva inferir uma influência negativa do comportamento ilícito do agente na menor. Isto é, o esbatimento negativo no rendimento da menor ocorreu sem que daí se deva retirar ou inferir qualquer causa formadora e propulsora decorrente do comportamento do agente. É um facto singelo e constatado pela entidade escolar, que decerto quando prestou a informação não o fez por referência ao conhecimento do agente mas pelo concreto e avaliado rendimento escolar da menor.

Em decisivo, o facto comprovado inculca atribuir ou conotar, na sua singeleza, um estado verificado pela entidade escolar e não um a referenciar ou denotar um estado concernente a uma situação externa e significante.

Não ocorre, em nosso juízo, qualquer erro – ou pelo menos no apontado sentido – que haja que reparar ou suprir.      

II.B.2. – individualização judicial da pena.

Ainda que a qualificação jurídica da conduta do arguido não seja posta em causa deixa-se extractada a parte do acórdão em que se analisa jurídico-penalmente a factualidade adquirida para a decisão.

Dispõe o artigo 171.º, n.º 1 do Código Penal sob a epígrafe «Abuso sexual de crianças» que: «1 - Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticar com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos.

2 – Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.

Neste preceito, «protege-se a autodeterminação sexual, mas sob uma forma muito particular: não face a condutas que representem a extorsão de contactos sexuais por forma coactiva ou análoga, mas face a condutas de natureza sexual que, em consideração da pouca idade da vítima podem, mesmo sem coacção, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade. A lei presume que (...) a prática de actos sexuais com menor, em menor ou por menor de certa idade prejudica o desenvolvimento global do próprio menor (...) e considera este interesse (...) tão importante que coloca as condutas que o lesem ou ponham em perigo sob a ameaça de pena criminal» (vide Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, t. I, págs. 541 e 542).

«Trata-se de um crime de perigo abstracto (...), na medida em que a possibilidade de um perigo concreto para o desenvolvimento livre, físico e psíquico, do menor ou o dano correspondente podem vir a não ter lugar, sem que com isto a integração pela conduta do tipo objectivo de ilícito fique afastada (...).» (idem, págs. 542 e 543).

Atente-se nas perturbações fisiológicas e psicológicas de um precoce despertar sexual (seja ou não violento ou consentido), são factos e motivos suficientes para uma tutela jurídica efectuada naqueles termos (cfr. José Mouraz Lopes, in Os Crimes Contra a Liberdade e Autodeterminação Sexual no Código Penal, 2ª edição, pág. 81).

O tipo objectivo do crime de abuso sexual de crianças tem, no caso em apreço, como elementos constitutivos a idade inferior a 14 anos do sujeito passivo do crime e é integrado por alguma acção que constitua acto sexual de relevo.

O conceito de "acto sexual de relevo", sendo indeterminado, oferece algumas dificuldades de concretização.

Sénio Alves (in Crimes Sexuais, Notas e Comentários aos Artigos 163º a 179º do Código Penal, Ed. Almedina, pág. 11) define-o como «todo o comportamento destinado à libertação e satisfação dos impulsos sexuais (ainda que não comporte o envolvimento dos órgãos genitais de qualquer dos intervenientes) que ofende, em grau elevado, o sentimento de timidez e vergonha comum à generalidade das pessoas». Simas Santos e Leal Henriques (in Cód. Penal, 2.º vol., 2.ª ed., pág. 230), entendem que integram aquele conceito «aqueles actos que constituam uma ofensa séria e grave à intimidade e liberdade do sujeito passivo e invadam, de uma maneira objectivamente significativa, aquilo que constitui a reserva pessoal, o património íntimo, que no domínio da sexualidade é apanágio de todo o ser humano». – cfr. também Acs. do STJ de 24.10.96 e de 15.06.2000, in Colectânea de Jurisprudência (STJ), respectivamente, 1996, t. 3, pág. 174 e 2000, t. 2, pág. 226. Veja-se ainda o Ac. do. S.T.J., relatado por Simas Santos (proc. n.º 07P1766, in www.dgsi.pt), de onde consta «Acto sexual é, neste domínio, essencialmente aquele que assume uma natureza, um conteúdo ou um significado directamente relacionados com a esfera da sexualidade e que contende com a liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou o pratica. Quer isto dizer que não é qualquer acto de natureza, conteúdo ou significado sexual que serve ao espírito do artigo, mas apenas aqueles actos que constituam uma ofensa séria e grave à intimidade e liberdade sexual do sujeito passivo e invadam, de uma maneira objectivamente significativa, aquilo que constitui a reserva pessoal, o património íntimo, que no domínio da sexualidade, é apanágio de todo o ser humano.»

Relativamente ao elemento subjectivo do tipo em análise, em qualquer das modalidades da acção previstas no art. 171.º, para o seu preenchimento, exige-se o dolo, pelo menos sob a forma de dolo eventual, que terá de se verificar relativamente à totalidade dos elementos constitutivos do tipo objectivo (neste sentido vide Figueiredo Dias, in ob. cit., pág. 548).

Revertendo à situação em apreço, relativamente ao arguido BB provaram-se práticas sexuais, na medida em que a ofendida AA praticou actos de masturbação, práticas de sexo oral (o arguido introduzia o pénis erecto na boca da AA e também o pénis erecto na vagina da menor), para além de, numa fase anterior, ter tocado no corpo desta, beijando-a na boca. E fê-lo repetidamente, de Setembro de 2013 a Fevereiro de 2014, num crescente de gravidade, começando por tocar no peito por cima da roupa, beijando-a, depois levando a menor a praticar actos de masturbação, até, em número concretamente não apurado, ter concretizado relações de cópula oral e vaginal com esta.

Assim, o arguido durante o período de tempo assinalado, em datas não concretamente apuradas, sujeitou a menor AA a contactos físicos e sexuais idóneos a prejudicar o seu desenvolvimento harmonioso na sua esfera sexual, em função da sua pouca idade.

Relativamente à situação em apreço, na esteira do entendimento preconizado no despacho de pronúncia, entendemos que não sendo possível autonomizar e determinar as situações concretas, não existirá entre o crime de abuso sexual previsto no art. 171.º/1 e o n.º 2 um concurso efectivo mas apenas uma relação de concurso aparente, entre um crime de abuso sexual com cópula oral e vaginal e um crime de abuso sexual resultante da prática de actos sexuais de relevo, devendo ser ponderada na pena de abuso sexual de cópula (art. 171.º/2 do Código Penal) a pluralidade de actos sexuais constitutivos do crime de abuso sexual tidos com a vítima. Nestes casos deparamo-nos com uma unidade típica de acção conducente à aplicação da norma do art.º 171.º/2 do Código Penal por força de uma relação de especialidade entre as normas.

Por fim sufragamos o entendimento que vem sendo plasmado pelos Tribunais Superiores quanto ao enquadramento jurídico-penal em situações, como a dos autos, em que há uma reiteração de actos durante um período prolongado.

Neste domínio, como se afirma no Ac. STJ de 29/11/2012, Pr. 862/11.6TAPFR.S1, www.dgsi.pt., “quando os crimes sexuais são actos isolados, não é difícil saber qual o seu número. Mas, quando os crimes sexuais envolvem uma repetitiva actividade prolongada no tempo, torna-se difícil e quase arbitrária qualquer contagem”. Daí que “a doutrina e a jurisprudência têm resolvido este problema, de contagem do número de crimes, que de outro modo seria quase insolúvel, falando em crimes prolongados, protelados, protraídos, exauridos ou de trato sucessivo, em que se convenciona que há só um crime – apesar de se desdobrar em várias condutas que, se isoladas, constituiriam um crime - tanto mais grave [no quadro da sua moldura penal] quanto mais repetido. Ao contrário do crime continuado [cuja inserção doutrinária também nasceu, entre outras razões, da dificuldade em contar o número de crimes individualmente cometidos ao longo de um certo período de tempo], nos crimes prolongados não há uma diminuição considerável da culpa, mas, antes em regra, um seu progressivo agravamento à medida que se reitera a conduta [ou, em caso de eventual «diminuição da culpa pelo facto», um aumento da culpa enquanto negligência na formação da personalidade ou de perigosidade censurável»]. Na verdade, não se vê que diminuição possa existir no caso, por exemplo, do abuso sexual de criança, por actos que se sucederam no tempo, em que, pelo contrário, a gravidade da ilicitude e da culpa se acentua [ou, pelo menos, se mantém estável] à medida que os actos se repetem. O que, eventualmente, se exigirá para existir um crime prolongado ou de trato sucessivo será como que uma «unidade resolutiva», realidade que se não deve confundir com «uma única resolução», pois que, «para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação» (Eduardo Correia, 1968: 201 e 202, citado no “Código Penal anotado” de P. P. Albuquerque). Para além disso, deverá haver uma homogeneidade na conduta do agente que se prolonga no tempo, em que os tipos de ilícito, individualmente considerados são os mesmos, ou, se diferentes, protegem essencialmente um bem jurídico semelhante, sendo que, no caso dos crimes contra as pessoas, a vítima tem de ser a mesma”. (neste sentido vide Acórdão da Relação de Évora de 25.3.2014, in www.dgsi.pt).

Sempre que seja possível autonomizar os contextos situacionais em que as práticas ocorreram, autonomizar-se-á as mesmas, havendo tantos crimes quanto tal autonomização permita. E nesta autonomização é relevante, em nosso entender, os locais aonde os mesmos ocorreram, bem como períodos de tempo concretamente definidos, não havendo uma clara continuidade entre eles.

No caso em apreço, resulta assente que a menor AA sofreu de forma reiterada, sem que fosse possível determinar o número concreto de actos  sofridos,    práticas sexuais traduzidas em actos de cópula oral e vaginal e actos sexuais de relevo, (manipulação do pénis do arguido pela menor e situações em que aquele apalpava o corpo da menor).

Temos assim, em nosso entender, e conforme o entendimento já supra exposto, preenchidos os elementos típicos objetivo e subjetivo do crime de abuso sexual e atento o facto que algumas das práticas do arguido se traduziram em meros atos sexuais de relevo não susceptíveis de serem autonomizadas espacial e temporalmente dos actos de coito oral e vaginal, podendo traduzir-se em atos preliminares do ato de abuso sexual agravado em si mesmo, entende o tribunal que os mesmos perdem a sua autonomia incriminadora, sendo apenas valorados na determinação concreta da medida da pena a aplicar ao arguido, conforme resulta do já supra exposto.

O arguido agiu voluntária, livre, consciente e deliberadamente, com o propósito conseguido de satisfazer os seus instintos libidinosos, usando para esse fim a menor AA, sabendo que a molestava nos seus sentimentos mais íntimos e que a impedia de dispor livremente do seu corpo e da sua sexualidade e que as mencionadas abordagens de cariz sexual e os referidos contactos físicos e sexuais que estabeleceu com aquela eram idóneos a prejudicar o desenvolvimento harmonioso daquela menor na sua esfera sexual, em função da sua pouca idade. Mais sabia o arguido BB que punha também em causa a livre determinação sexual da AA e que a mesmo não tinha idade para se determinar livremente para a prática de actos sexuais daquela natureza. Teve o arguido sempre plena consciência da idade da menor.

E a ser assim, relativamente aos actos praticados sobre a menor AA, entende o Tribunal que o arguido deve ser condenado pela prática de um crime de abuso sexual, previsto e punido pelas disposições conjugadas do art. 171.º/1 e 2 do Código Penal.”

A questão da individualização judicial da pena, ainda que não se confunda com o conceito de “determinação legal da pena”, atina com problemas da dogmática jurídico-penal como sejam o fundamento, significado [[12]], legitimação [[13]], limitação, função e fins das penas.

(A legitimação da pena colhe-se no ensinamento de Günther Jakobs, na afirmação do princípio da culpabilidade que “(…) significa que a culpabilidade é um pressuposto necessário da legitimidade da pena estatal. Por seu lado, a culpabilidade é o resultado de uma imputação reprobatória, no sentido de que a defraudação que se produziu vem motivada pela vontade defeituosa de uma pessoa; mais adiante me ocuparei da relação específica que existe a respeito da vontade. Provavelmente, a formulação mais comum talvez seja: a culpabilidade é reprovabilidade, ou seja em linguagem coloquial: ter a culpa.

Como fundamento da necessidade de vincular a legitimidade da pena a um acto reprovável, isto é, como razão do princípio de culpabilidade, aduz-se que só desta maneira se pode evitar a instrumentalização da pessoa ao impor a pena. Neste sentido, argumenta-se que quem impõe uma pena sem que a pessoa que vai a ser castigada mereça uma reprovação pelo cometido, ou em qualquer caso, quando merece uma reprovação menor do aquela que corresponderia à medida da pena, inclui na aquela pessoa  - diversamente do que ocorre no caso da pena merecida – entre os objectos do Direito das coisas. Dito de outro modo: argumenta-se que a pena não deve reger-se exclusivamente pela utilidade pública que se espera dela, mas sim que deve manter-se dentro do marco da culpabilidade do autor. Por isso, o Tribunal Constitucional Federal deriva o princípio da culpabilidade não só dos princípios gerais do Estado de Direito material, para além, especificamente, da obrigação de respeitar a dignidade humana. Dito brevemente: a proibição de vulnerar a dignidade deve limitar a optimização da utilidade da pena.

Posto isto, podemos partir da base de que uma pena inútil não pode legitimar-se de nenhum modo num Estado secularizado; a pena deve ser necessária para a manutenção da ordem social, sem esta necessidade, seria por isso um mal inútil. Esta utilidade da pena chama-se na terminologia da teoria jurídico-penal – que aqui utilizaremos – habitualmente «fins da pena».

A situação que se esboçou contém o seguinte dilema: sem respeitar o principio de culpabilidade, a pena é ilegítima; mas se o princípio da culpabilidade limita consideravelmente a utilização de meios socialmente funcionais, isto é, se tem um significado e não é um conceito vazio, então existe o perigo de que a pena seja inadequada para a consecução dos seus fins e seja ilegítima por esta outra razão. Dito de outro modo: a pena que é útil para a consecução dos seus fins sociais, se não está limitada pelo principio da culpabilidade, trata como coisa a pessoa que vai a ser submetida a ela, mas a pena que se vê limitada pela culpabilidade de uma maneira mais que marginal perde a sua funcionalidade. Dito em modo de exemplo: ocorre o mesmo que com uma persona que sempre quer dizer a verdade, mas sem ferir ninguém (isto é, dizer a verdade de maneira limitada) – com frequência, não dirá nada, pelo que o seu discurso terá lacunas, e não há nenhuma garantia de que resulte sequer medianamente compreensível.

Relativamente ao dilema exposto, pode manifestar-se a seguinte suspeita: se é certo que a pena aporta algo à manutenção da ordem social, isto é, se pode empregar-se utilmente, apesar de estar limitada, de acordo com o principio de culpabilidade, pela culpabilidade, e, além disso, esta limitação é de certa importância, então la culpabilidade em si mesma contém uma finalidade. Se esta suspeita resultasse ser certa, o dilema estaria resolvido.

(…) Sem embargo, o conceito «fim da culpabilidade» é só uma das possíveis formulações da via de saída do dilema: é a formulação feita a partir do conceito de culpabilidade. A solução também pode construir-se desde a perspectiva da ordem social de cuja estabilização se trata. Poderia tratar-se de uma ordem na qual o principio de culpabilidade é uma condição de subsistência; nesse caso, a manutenção deste princípio seria perfeitamente funcional.” [[14]] (Tradução nossa)

Ainda que com divertidas matizes e, sem curarmos de sermos exaustivos quanto às teorias, que desde o século passado se vêm debruçando sobre esta problemática, desde as teorias retributivas, radicadas na filosofia kantiana e de Hegel ou a retribuição divina que vão desde S. Tomas a Sthal, passando pelas teorias da prevenção especial, de Fuerbach, até às mais actuais, e actuantes, teorias da prevenção geral, nas suas vertentes negativa e positiva [[15]], e nesta, ainda nos diversos modelos em que se vem enformando esta corrente da dogmática jurídico-penal, que têm como epígonos Hellmuth Mayer com a denominada “força configuradora dos costumes”, Claus Roxin com a denominada “prevenção da integração” até chegar ao entendimento  sociológico-jurídico-normativo de Günther Jakobs, para só falar dos mais significativos, poder-se-ia definir a pena “como uma privação ou restrição de bens jurídicos, prevista na lei, e imposta pelos órgãos jurisdicionais competentes ao autor do facto delitivo” [[16]]. Também Günther Jakobs refere que, apesar das diferenças que é possível surpreender nos distintos entendimentos quanto a esta problemática, notas comuns são passíveis de ser colimadas num conceito unitário de pena, conferindo a esta “uma função de reacção ante uma infracção de uma norma; que mediante a reacção sempre “se pone de manifesto” que há-de observar-se a norma; e que a reacção demonstrativa sempre tem lugar á custa do responsável por haver infringido a norma (por “a costa de” se entiende en este contexto la pérdida de cualquier bien)” [[17]] (tradução nossa). (As teorias da retribuição têm vindo a assumir um papel crescente na moderna teoria das penas, com o incremento na Alemanha, através de uma variante, a teoria da proporcionalidade pelo facto ou da pena proporcional ao facto, devido à “decepção e consequente desconfiança perante o sistema de prevenção especial baseado na ressocialização do delinquente constatado em distintos países como a Holanda, Suécia, Noruega e Estados Unidos conduziu a que se repristinasse o sistema neoclássico o que significava volver “a uma estrita vinculação com os princípios liberais clássicos (vinculados tradicionalmente à teoria da prevenção geral) de previsibilidade, segurança jurídica e estrita proporcionalidade que a ideologia da ressocialização tinha interdito.” [[18]]

Uma das epígonas da teoria do neoproporcionalismo é Hörnle, que “estabelece uma orientação da determinação da pena à teoria do delito ou ao injusto culpável, considerando que a determinação da pena se deve fazer depender somente da gravidade do facto, quer dizer, da dimensão do desvalor do facto. O decisivo, pois, passa por identificar os factores que em casos concretos permitem realizar adequadamente o desvalor do facto delitivo. Como assinala a autora, a orientação ao sistema do delito a) facilita teoricamente a fundamentação de porquê um determinado factor de determinação da pena deve ser introduzido no catálogo dos dados a tomar em consideração, b) permite a normativização dos factores de determinação da pena e, c) para além disso, ajuda a aproveitar o grau de desenvolvimento que haja alcançado a teoria jurídica do delito.”  

Deficiência doutrinal é que a teoria desenvolvida exaspera de forma excessiva a produção do resultado típico ou a medida do desvalor do resultado em detrimento, por um lado, dos elementos expressivos ou comunicativos do injusto (do facto) que ela assume como ponto de partida e, por outro lado, dos elementos que tem a ver com a culpabilidade. O problema desta teoria é que praticamente identifica gravidade ou desvalor do facto com gravidade ou desvalor do resultado”) [[19]]

Consignada a pena nos preditos moldes, a figura da “determinação legal da pena, ainda que para a operação de individualização judicial da pena não nos possamos alhear deste conceito, por constituir o limite que o legislador consignou como sendo aquele que protege de forma prevalente e eficaz, e num dado momento histórico, um determinado bem jurídico”, procuraremos indagar quais os critérios e justificações que deverão guiar e lastrar a determinação da medida concreta de uma pena, o que vale por dizer quais serão ou deverão ser os princípios rectores em que poderá ancorar-se uma adequada valoração da conduta de um agente infractora norma protectora de bens jurídicos. [[20]]

Para Claus Roxin, op. loc.cit., pag. 185, concluindo as suas reflexões politico-criminais sobre o princípio da culpabilidade afirma que: 1º - a problemática da relação entre culpabilidade não se pode abordar depurando a culpabilidade de todos os elementos dos fins das penas, para poder contrapor os conceitos em antítese limpa. Antes bem, a culpabilidade, em tanto possa ser constatada na praxis forense, torna-se determinada no seu conteúdo por critérios preventivos; 2º - Nem tão pouco se pode incluir na culpabilidade, como se tentou recentemente invertendo as posições anteriores, todos os pontos de vista preventivos o só os preventivos gerais, fazendo desaparecer com isso o carácter antinómico de culpabilidade e prevenção; 3º - Para melhor se há-de reconhecer que conceito jurídico-penal de culpabilidade contém certamente em si alguns aspectos preventivos, mas precisamente não outros, pelo que se produzem, por isso, recíprocas limitações do poder punitivo que ocupam lugares distintos segundo se trata da fundamentação ou da determinação da pena; 4º - pelo que se refere à culpabilidade como fundamento da pena, em numerosos casos devem acrescentar-se requisitos preventivos, para desencadear uma responsabilidade jurídico-penal. Com isso, o castigo do comportamento culpável – contra o que constituía a opinião tradicional – será limitado precisamente pela necessidade preventiva, o que do ponto de vistas dogmático jurídico-penal produzirá consequências transcendentais, ainda somente vislumbradas (…); 5º - No que se refere á culpabilidade a determinação da pena, por outro lado aparece em primeiro plano o efeito limitador da culpabilidade sem prejuízo da sua congruência com as necessidades de uma prevenção integradora motivada criminalmente; já que na sua graduação limita em virtude da liberdade individual, qualquer tipo de prevenção geral intimidatória e qualquer tipo de prevenção especial dirigida a tratamento. Não obstante, também os prementes mandatos da prevenção especial limitam, ao inverso, o grau da pena, no entanto, contra o que sucede na praxis, pode-se impor no caso concreto uma pena inferior à correspondente ao limite que vem previamente dado pela magnitude da culpabilidade, quando só deste modo se possa evitar o perigo de uma maior ressocialização.

Já para Winfried Hassemer, in op. loc. cit.,pag.127, “a decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o se comportamento posterior ao delito”, do mesmo passo que para Jakobs o conteúdo tradicional da culpabilidade, constitui-se numa culpabilidade fundada em si mesma, sendo preenchido pela prevenção geral, Para este autor, “a transgressão da norma constitui em maior ou menor medida uma perturbação da confiança da generalidade na validade da norma. Por isso a segurança existencial necessária no tráfico social deve restabelecer-se mediante a estabilização da norma à custa do autor. A culpabilidade esvazia-se aqui de conteúdo, o qual dependerá de factores externos”. [[21]] “A um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe («se le imputa») que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia («pone de manifesto») que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido. [[22]]

Na doutrina espanhola, Jesús-Maria Silva Sánchez, na esteira de Hörnle (Determinación de la Pena y Culpabilidad, Buenos Aires, 2003) a individualização da pena pressupõe as seguintes premissas.

Em primeiro lugar, que o marco penal abstractamente previsto se configura como reposta preconstituida para um conjunto de factos que coincidem em constituir um determinado tipo de injusto penal,  culpável e punível, no qual se contêm os elementos que fundamentam o merecimento e a necessidade de aquela pena-marco. Em segundo lugar, que injusto e culpabilidade (assim como punibilidade) constituem magnitudes graduáveis. Por isso, o marco penal abstracto pode ver-se como a união de um conjunto de cominações penais mais detalhadas (submarcos) que assinalariam medidas diversas de pena às distintas subclasses de realizações (subtipos), mais ou menos graves, do injusto culpável e punível expressado no tipo. E, em terceiro lugar, que, desde esta perspectiva, o acto de determinação judicial da pena se configura essencialmente como aquele em virtude do qual se constata o concreto conteúdo de injusto, culpabilidade e punibilidade de um determinado facto, traduzindo-o numa determinada medida da pena. O que reitera o já expresso de forma concisa: a única politica criminal que deve realizar o juiz é a que discorre por um curso das categorias dogmáticas. (…) No entanto, o facto de que a única politica criminal que o juiz deva realizar seja a que decorre pelo curso das categorias dogmáticas não implica deixar de atender aos critérios preventivos. Isso porque precisamente as ditas categorias dogmáticas podem e devem ser reconstruídas no conchavo (“en clave”) politico-criminal considerando as finalidades preventivas e de garantia que legitimam o recurso ao direito penal. A teoria do delito configurar-se-á assim como um sistema de regras que permitem estabelecer com a maior segurança possível o sim e o não dos tais merecimento e necessidade de pena. E a teoria da determinação da pena como teoria da concreção do conteúdo delitivo do facto implicará, por sua vez, o estabelecimento do quantum do seu merecimento e necessidade politico-criminal de pena.” (a tradução é da nossa lavra) [[23]]         

No ordenamento jurídico-penal português, e com as alterações introduzidas pela revisão do Código Penal em 1995, ficou consagrada uma concepção preventivo-ética da pena, quando se estatuí que “as finalidades da pena (e da medida de segurança) são exclusivamente preventivas, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite da pena”. [[24]]

Para este Professor, que parece defender uma posição próxima daquela que é defendida por Eduardo Demétrio Crespo, na obra já citada, isto é, que as penas devem visar, em primeira linha a prevenção especial (positiva e negativa), devendo a prevenção geral constituir-se como limite mínimo da justificação e fundamento para a imposição de uma pena ou medida de segurança e a culpa como limite máximo atendendo ao critério da prevenção especial, “o objectivo da pena, enquanto meio de protecção dos bens jurídicos, é a prevenção especial, positiva e negativa (isto é, de recuperação social e/ou de dissuasão). Este é o critério orientador, quer do legislador quer do tribunal”. [[25]] Para este Professor “a determinação da medida da pena e a escolha da espécie de pena, quando legalmente permitida, reger-se-á pelo objectivo e critério da prevenção especial: recuperação social do infractor (prevenção especial positiva), desde que tal objectivo não seja incompatível com a necessidade mínima de dissuasão individual. Ou seja: o “fim” é a reintegração social do infractor, fim este que tem, como limite mínimo, a eventual necessidade de dissuasão do infractor da prática de futuros crimes”. No entanto, adverte o autor, que temos vindo a citar,” que este critério da prevenção especial não é absoluto, mas antes duplamente condicionado e limitado: pela culpa e pela prevenção geral”. “Condicionado pela culpa, no sentido de que nunca o limite máximo da pena pode ser superior à “medida” da culpa, por maiores que sejam as exigências preventivo – especiais” e “condicionado pela prevenção geral, no sentido de que nunca o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena detentiva) pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima”.

Para o Professor Manuel Costa Andrade [[26]], o Código Penal Português assumiu um novo paradigma que comporta princípios axiomáticos devidamente estabilizados na doutrina alemã e portuguesa, através de Claus Roxin e Figueiredo Dias, e de que se planteiam como proposições fundamentais: “1º - o direito penal só deve intervir para assegurar a protecção, necessária e eficaz, dos bens jurídicos fundamentais; 2º - a ameaça, aplicação e execução da pena só pode ter como finalidade a reafirmação e estabilização contrafáctica da validade das normas, o estabelecimento da paz jurídica e da confiança nas normas assim como a ressocialização do condenado; 3º - a culpabilidade deve, em todo o caso, subsistir como pressuposto irrenunciável e como limite infranqueável da pena” (tradução nossa).

Ainda que não totalmente de acordo com a proposição inscrita no ponto terceiro, por entendermos que o fim das penas deve assumir-se como factor de prevenção geral, numa perspectiva ético-social e funcional (ainda que com esta posição nos expúnhamos a ser acoimados de instrumentalizar o direito penal, retirando-lhe a dimensão ético-axiológica), deixando de lado um factor aleatório e vincadamente subjectivo como se revela ser a inferência fáctico-jurídica da culpa, não deixamos de considerar que o novo paradigma incutiu uma nova forma de enfrentar a problemática da individualização judicial das penas.

Da posição que defendemos para a necessidade de imposição de uma sanção penal releva, como condição de uma imposição de uma punição, para além do desvalor objectivo-social da conduta, a necessidade de repor a confiança da sociedade na violação da norma que impõe um determinado proceder técnico-instrumental e redefinir um comportamento ético-socialmente desviado e que se apresenta como socialmente desmotivador da eficácia sancionatória do sistema jurídico-penal.
«A pena é sempre reacção ante a infracção de uma norma. Mediante a reacção “siempre se pone de manifesto” que há-de observar-se a norma. E a reacção demonstrativa sempre tem lugar á custa do responsável por haver infringido a norma »[[27]] […] «a missão da pena é a manutenção da norma como modelo de orientação para os contactos sociais. O conteúdo da pena é uma réplica, que tem lugar à custa do infractor, frente ao questionamento da norma». [[28]]
Ainda que assim, no plano teorético , o facto é que regime vigente consagrou, a partir da revisão de 1995, uma concepção preventivo-ética da pena ou um sistema de prevenção geral positiva ou de integração. «A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a integração do agente na sociedade» e no nº 2 estabelece que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa». 
A legitimidade ético-jurídica da pena está na necessidade de prevenção de futuros crimes [[29]], que se poderá traduzir numa dupla vertente ou exigência, por um lado a posição do agente infractor, e por outro na defesa da própria comunidade. Mediante a prevenção geral positiva ou de integração a pena interpela a sociedade e cada dos seus membros para a relevância social e individual do respectivo bem jurídico tutelado penalmente, «a pena serve função positiva de interiorização ou aprofundamento dessa interiorização dos bens jurídico-penais», realizando uma outra dimensão, ou objectivo qual seja o da pacificação social ou «por outras palavras, [o] restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade da efectiva tutela penal estatal dos bens jurídicos fundamentais à vida colectiva e individual» [[30]]. 

A pena, porém “(...) só pode resultar justificada com base numa teoria que seja em última instãncia consequencialista, pois parece evidente que o castigo só se pratica quando se podem obter resultados do mesmo e na medida em que estes se obtenham, ainda que isso não seja em princípio incompstível com que esta prática se veja submetida a eventuais limites éticos.” [[31]]
Para Günther Jakobs, a “culpabilidade material é a falta de fidelidade defronte a normas legitimas. As nomas não adquirem legitimidade porque os sujeitos se vinculam indivual-mente a elas, mas sim quando se atribui a uma pessoa que pretende cumprir um papel de que forma parte relativamente à norma, especialmenteo papel de cidadão, livre na configuração do seu comportamento. O sinalagma dessa liberdade é a obrigação de manter a fidelidade ao ordenamento jurídico.” [[32]]     

Ainda que com matizes motivadoras diversas a jurisprudência tem vindo a afirmar a necessidade de afirmar e vincar a perspectiva da prevenção especial, como nos parece depreender-se do que ficou doutrinado no recente acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 13.04.2016, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral.

“(…) a propósito, escrevemos noutras decisões, em situações similares deste Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de 10 de Fevereiro de 2010) em termos dogmáticos é fundamento da individualização da pena a importância do crime para a ordem jurídica violada (conteúdo da ilicitude) e a gravidade da reprovação que deve dirigir-se ao agente do crime por ter praticado o mesmo delito (conteúdo da culpa). Não obstante, estes dois factores básicos para a individualização da pena não se desenvolvem paralelamente sem relação alguma. A culpa jurídico-penal afere-se, também, em função da ilicitude; na sua globalidade aquela encontra-se substancialmente determinada pelo conteúdo da ilicitude do crime a que se refere a culpa. 

Prevenção e culpa são os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena, reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite às exigências de prevenção e portanto, o limite máximo da pena. A medida da pena resultará, assim, da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada – [prevenção geral positiva ou de integração] – temperada pela necessidade de prevenção especial de socialização, constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena

A ilicitude e a culpa são, assim, conceitos graduáveis entendidos como elementos materiais do delito. Isto significa, entre outras coisas, que a intensidade do dano, a forma de executar o facto a perturbação da paz jurídica contribuem para dar forma ao grau de ilicitude enquanto que a desconsideração; a situação de necessidade; a tentação as paixões que diminuem as faculdades de compreensão e controle; a juventude; os transtornos psíquicos ou erro devem ser tomados em conta para graduar a culpa. 

A dimensão da lesão jurídica mede-se desde logo pela magnitude e qualidade do dano causado, devendo atender-se, em sentido atenuativo ou agravativo, tanto as consequências materiais do crime como as psíquicas. Importa, ainda, considerar o grau de colocação em perigo do bem jurídico protegido quer na tentativa quer nos crimes de perigo.  

A medida da violação jurídica depende, também, da forma de execução do crime. A vontade, ou o empenho empregues na prática do crime são, também, um aspecto subjectivo de execução do facto que contribui para a individualização. A tenacidade e a debilidade da vontade constituem valores angulares do significado ambivalente da vontade que pode ser completamente oposto para o conteúdo da ilicitude e para a prevenção especial 

O conteúdo da culpa ocupa o lugar preferencial entre os elementos fácticos de individualização da pena que o Código Penal coloca como directriz da actuação do juiz. Os motivos e objectivos do agente, a atitude interna que se reflecte no facto e a medida da infracção do dever são todos eles circunstâncias que fazem aparecer a formação da vontade do agente a uma luz mais ou menos favorável e, como tal, minoram ou aumentam o grau de reprobabilidade do crime. 

Dentro dos motivos do facto criminoso distingue-se entre estímulos externos e os motivos internos. Em qualquer dos grupos interessa para a individualização da pena constatar o grau de força do motivo e indagar o seu valor ético. Também os objectivos perseguidos pelo agente devem ser examinadas no que respeita á sua qualidade ética. 

Não deve equiparar-se a atitude interna do agente com o seu carácter, mas deve entender-se como um posicionamento actual referido ao delito concreto o que corresponde á formação da vontade na execução daquele. Também a atitude interna do arguido deve ser valorada conforme as normas da ética social (v.g. posição de indiferença face ao bem jurídico protegido, escassa reprobabilidade do facto por circunstancias externas, predisposição neurótica, erro de proibição, situação passional inevitável ou transtorno mental agudo. 

Para a individualização da pena, tanto na perspectiva da culpa como da prevenção é essencial a personalidade do agente que, não obstante, só pode ter-se em conta para a referida individualização quando mantenha relação com o facto. Aqui, deve considerar-se em primeiro lugar as condições pessoais e económicas do agente. Sem dúvida que estas circunstâncias devem ser objecto de um tratamento cuidadoso, porque em nenhum outro sector se manifesta como aqui a individualização da pena. Assim dentro das condições pessoais jogam um papel, só determinável caso por caso, a origem e a educação, o estado familiar, a saúde física e mental, a posição profissional e social, as circunstâncias concernentes ao modo de vida e a sensibilidade do agente face á pena. 

Pertencem, além do mais, á personalidade do agente a medida e classe da necessidade de ressocialização do agente assim como a questão de saber se existe tal necessidade. Assim, a educação; a formação escolar; a profissão; as relações sociais; o estado de saúde; a inteligência; o posto de trabalho; os encargos económicos podem fazer com que os efeitos da pena apareçam a uma luz totalmente distinta. Em particular a escolha entre pena privativa de liberdade e multa; a duração daquela a selecção de tarefas e regras de conduta dependem das considerações acerca da forma como o processo sancionador completo, incluída a eventual execução de uma pena privativa de liberdade, se repercutirá no agente, na sua posição profissional e social, e no fortalecimento do seu carácter com vista á prevenção de futuros delitos.” [[33]]
Qualquer pena deve exprimir uma equação de equilíbrio e proporcionalidade [[34]] entre a culpabilidade que ressuma da actuação ilícita e adversa a uma conduta social arrimada a valores (prevalentes) da sociedade.
Na determinação e valoração da conduta antijurídica do autor, e ainda no ensinamento inerido no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Abril de 2015, relatado pelo Conselheiro Sousa Fonte, vinca-se que: “Como ensina Figueiredo Dias , no que vem sendo seguido, sem divergências, pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (Cfr., dos mais recentes, os Acórdãos de 29.03.2012, Pº nº 316/07.5GBSTS.S1-3ª; de 26.04.2012, Pº nº 70/08.3ELSB.L1.S1-5ª; de 21.06.2012, Pº nº 778/06.8GAMAI.S1-5ª; de 05.07.2012, Pºs nºs 246/11.6SAGRD.S1 e 145/06.SPBBRG.S1; de 15.11.2012, Pº Nº 178/09.8PQPRT-A.P1.S1,de 14.03.2013, Pº nº 287/12.6TCLSB, de 30.04.2013, Pº nº 11/09.0GASTS.S1, de 13.05.2013, Pº nº 392/10.3PCCBR.C2.S1, de 06.03.2014, Pº nº 352/10.4PGOER.S1 e de 10.09.2014, Pº nº 232/10.4SMPRT.P1.S1, todos da 3ª Secção), o conjunto dos factos praticados indica-nos a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique; por sua vez, na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, só no primeiro caso se justificando atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. Relevo especial na operação terá ainda o juízo sobre o efeito previsível da pena no comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
Ensina o mesmo Autor que os factores que intervieram na determinação de cada uma das penas parcelares não devem, por regra, ser de novo valorados na medida da pena conjunta, sob pena de violação do princípio da proibição da dupla valoração, salvo, naturalmente, quando esse factor seja referido, não a um dos crimes singulares, mas ao conjunto deles, porque, então, «não haverá razão para invocar a proibição da dupla valoração».             
Ora, nos termos do artº 40º, nº 1, do CPenal, a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 
À culpa está reservado o papel de limite intransponível da medida da pena. Com efeito, como aí se diz, a pena em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa.
Por sua vez, dispõe o nº 1 do artº 71º que a determinação da medida concreta da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. E o número seguinte manda atender, para o efeito, a todas as circunstâncias – que enumera de forma exemplificativa nas suas diversas alíneas – que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele: os “factores de medida da pena”, como lhes chama Figueiredo Dias, os quais hão-de relevar naturalmente para efeitos da culpa e/ou da prevenção.
Em síntese, continuando a seguir os ensinamentos do Mestre de quem a doutrina daqueles preceitos legais é tributária, «(1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; (2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; (3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; (4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais», sendo estas que vão determinar, em última instância, a medida da pena.
A medida da pena é, assim, à luz do direito vigente, função da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, traduzida na tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da validade da norma violada, a determinar em consonância com as circunstâncias do caso concreto, em face do modo de execução do crime, da motivação do agente, das consequências da sua conduta, etc.
Por outro lado, do mesmo modo que o Estado usa do seu ius puniendi, também tem o dever de oferecer ao condenado o mínimo de condições para prevenir a reincidência, como desde logo impõe o artº 2º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei 115/2009, de 15 de Outubro, nisso se traduzindo essencialmente as razões de prevenção especial (de socialização). Como nota Taipa de Carvalho[4], «a função da ressocialização não significa uma espécie de “lavagem ao cérebro”, … mas, sim e apenas, uma tentativa de interpelação e consequente auto-adesão do delinquente à indispensabilidade social dos valores essenciais (…) para a possibilitação da realização pessoal de todos e cada um dos membros da sociedade. Em síntese, significa uma prevenção da reincidência».
Não pode, no entanto, escamotear-se, dentro das razões de prevenção especial, a função de dissuasão ou intimidação do delinquente (prevenção especial negativa) que, segundo o mesmo Autor, em nada é incompatível com a função de ressocialização, porque se trata, não de intimidar por intimidar, mas antes de uma dissuasão, através do sofrimento inerente à pena, «humanamente necessária para reforçar no delinquente o sentimento de necessidade de se auto-ressocializar, ou seja de não reincidir» (cfr., entre outros, os Acórdãos de 26.02 e de 10.09.2014, Pºs nºs 732/11.8GBSSB.L1.S1 e 232/10.4SMPRT.P1.S1, por nós subscritos).”[[35]
Ao arguido está imputada – e mostra-se provada – a prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de menores, consumado durante um período de cerca de cinco(5) meses (de Setembro de 2013 a Fevereiro de 2014), e qualificado jurídico-penalmente como sendo de trato sucessivo. [[36]
O crime de abuso sexual de menores configura-se, em termos da normalidade social e pessoal prevalente, como uma intromissão violenta e indelével na personalidade de um sujeito cuja aptidão e representação ideal e subjectiva do núcleo referente, a sexualidade, se projecta de forma nebulosa e incipiente. A lei – certamente cogente das deduções experienciais e psicofisiológicas prevalentes na sociedade para que legisla – estabeleceu um limite (14 anos) até ao qual a prática de actos relevantes com pessoa que não haja atingido determinada idade, se constituem, absolutamente proibidos. (Outras legislações, por exemplo a espanhola – artigo 183º/1 do Código Penal estabelece que: “El que realizare actos de carácter sexual con un menor de deiciséis años, será castigado como responsable de abuso sexual a un menor com la pena de prisión de dos a seis años” – consideram que a idade referencial para que um menor compreenda e percepcione o efectivo e real sentido e alcance de uma acto sexual é de dezasseis (16) anos. Até à reforma Código Penal espanhol de 2015 a idade de referência era de treze (13) anos.)
Procurando conferir uma representação conceptual ao interesse sociopolítico relevante, tem-se entendido, na doutrina estrangeira, que pese embora se possa entender que com este suposto de ilícito típico se pretende proteger a indemnidade sexual, na dupla vertente de protecção da formação da personalidade e sexualidade do menor, “entendiendo que se protegen ambos intereses jurídicos en estos delitos, realmente se está hablando de lo mismo, de idéntico interés jurídico, pues la tutela del menor de trece años en estos casos l es precisamente com interés del Estado en preservarle de toda a conducta sexual, precisamente pro su minoria de edad, en orden a la protección del desarrollo de su personalidad en el ámbito sexual. Lo mismo es ahora predicable de los menores de dieciséis años a efectos penales.”      
Realmente doutrinam este autores que o legislador assumiu a orientação doutrinal de que nestes casos, de sancionamento de condutas praticadas em menores de determinada idade – já se viu que em Espanha até 2015, e desde pelo 2010, era de 13 anos, passando desde este marco temporal para 16 anos –, o que se considera, não é a liberdade sexual, “sino (antes) el interés jurídico en la protección del desarrollo de la personalidade se tales menores, en su dimensión sexual, plasmando-se un interés estatal, por decir así, en la tutela de la intangibilidad e indemnidad de los mismos. Como se há dicho, lo mismo cabe decir ahora de los menores de dieciséis años.” [[37]]   
A incriminação deste tipo de acções ilícitas comporta uma necessidade social-pessoal de defesa de indivíduos que, pela sua percepção racional e intelectiva incipiente e não valorizada de determinados comportamentos humanos, não são totalmente capazes de aceder ao verdadeiro sentido de actos que sofrem na sua esfera pessoal. A lei presume que na míngua desse cabal e pleno entendimento importa acautelar e sancionar de forma eficaz as acções que venham a ter que suportar no domínio da sua ineficaz e desinformada vontade.
Não se questiona, nem perpassa pelo espirito de uma pessoa adequadamente formada e arrimada com valores de respeito pelo outrem e de maneira especial por pessoas não totalmente capazes de reagir perante agressões de pessoas que, avonde, possuem sobre elas um grau de ascendência desarmante, a gravidade do tipo de agressões e, consequencialmente, das gravosas sequelas e eventuais perversões na formação da personalidade, que representam para um menor ter de suportar a intrusão abusiva e desapiedada de uma pessoa na sua esfera de intimidade, de recato e reserva absoluta. 
Constitui um acquis socialmente enraizado que a prática de actos sexuais com menores, quando perpetrada por maiores, se induz, se reportadas a estes, de personalidades desviadas e desconformadas com valores substanciados numa necessidade máxima de protecção de indivíduos socialmente tributários de cuidados e preservação de respeito e atenção decorrentes de um incipiente entendimento e sentido perceptivo da realidade e carentes de auxilio e amparo no modo de se comprometer socialmente e construir a sua personalidade.
O arguido é um senecto de setenta e tal anos que utilizou a sua ascendência pessoal e quase familiar para induzir a menor à prática de relações sexuais, não só vaginais como orais. Acresce que, é possível realçar uma reiteração de actos sexuais praticados na residência dos pais da menor e quando esta se encontrava sozinha, o que revela uma propensão e premeditação para a consumação desses actos a resguardo de intromissões dos pais da menor que sabia não estarem em casa à hora em que perpetrava os actos antijurídicos.

O tribunal, figurou para o caso em apreço que seriam de ponderar para a escolha e determinação da pena a impor ao arguido, as seguintes parâmetros pragmático-conceptu-ais (sic): “(…) O crime de abuso sexual previsto no art. 171.º/1 e 2 do Código Penal é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos,

Uma vez fixada a moldura penal que cabe em abstracto ao caso, há que encontrar o quantum da pena que vai constar da condenação (a medida da pena em sentido estrito). Para o efeito, há que recorrer ao critério global do art.º 71.º, n.º 1 do Código Penal, nos termos do qual “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”. Culpa e prevenção são, assim, os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo de medida da pena.

Afastadas que sejam as concepções retributivas dos fins das penas, a finalidade primordial agora visada há-de ser a da tutela do bem jurídico-penal que é, no caso concreto, a propriedade. Esta tutela há-de fazer-se “não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um crime já verificado, mas com um sentido prospectivo” (Figueiredo Dias, “Temas Básicos da Doutrina Penal”, Coimbra, 2001, pág. 105), tendo em vista a célebre formulação de Jakobs segundo a qual a finalidade primária da pena reside “na estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada”. Um significado que perpassa, no fundo, a ideia da prevenção geral positiva de integração.

E como limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, eis que surge a culpa e o princípio indeclinável em qualquer Estado de Direito de que “não há pena sem culpa e a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa”, sendo este o seu limite absolutamente intransponível.

Finalmente, ainda dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva de integração, actuarão pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que, em última análise, determinarão verdadeiramente a medida da pena.

Ora, há que atender ao facto de a necessidade de tutela de bens jurídicos não ser dada “como um ponto exacto da pena, mas como uma espécie de moldura de prevenção; moldura cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do quantum de pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias” (Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, 1993, pág. 242).

Comecemos pois por determinar a medida da pena do arguido, dentro das molduras penais aplicadas à sua situação.

No caso em apreço é elevada a culpa e ilicitude do arguido relativamente aos factos consubstanciadores do crime de abuso sexual de menores, sendo também elevadíssimas as exigências de prevenção geral nestes casos.

Com efeito, a culpa e ilicitude dos factos é muito intensa, aquilatada não só pelo modo de execução dos factos e pelo tempo em que foram praticados, de Setembro de 2013 a Fevereiro de 2014, numa altura em que a menor tinha 12-13 anos de idade, demonstrando uma indiferença incompreensível pelos mais basilares direitos de qualquer ser humano, a que acresce que o mesmo tinha relativamente a esta criança um acrescido dever de protecção e respeito que foram totalmente ignorados, na medida em que a conhecia desde há longa data, privando com o agregado familiar desde longa data. Por outro lado, há que atender às nefastas consequências que a conduta do arguido teve, tem e terá na vítima. Os efeitos a longo prazo dos abusos sexuais em crianças têm sido estudados pela psicologia, constatando tais estudos uma correlação entre tais abusos e o aumento dos níveis de depressão, sentimento de culpa e auto-punição, vergonha, desordens alimentares, ansiedade, comportamentos disruptivos, problemas sexuais e de relação com os outros verificados na idade adulta.

O arguido não demonstrou arrependimento da prática dos factos, negando-os, pese embora tenha sido praticamente apanhado em flagrante, pelo irmão da vítima.

No caso vertente são elevadas as exigências de prevenção geral perante o alarmante número de crimes deste tipo cometidos na nossa sociedade, sendo imperioso censurá-los de modo firme.

O arguido não tem antecedentes criminais, tendo actualmente 74 anos de idade. Por isso assume menor relevo as exigências de prevenção especial. Agiu sempre com dolo directo.

Por fim, a gravidade dos factos é, dentro do grau de ilicitude pressuposto pelo tipo de crime em apreço, de relevante gravidade, atenta a natureza dos actos praticados, sua pluralidade, o decurso do tempo em que foram praticados, a especial vulnerabilidade da vítima, atenta a idade e o relacionamento interpessoal que mantinha com o agressor.

Inexistem elementos que demonstrem que o arguido voltou a reincidir na sua conduta, estando aparentemente inserido socialmente, não sendo negativamente conotado na sua zona de residência.

Tendo presente estes elementos, entende o tribunal justo proporcional e adequado aplicar a pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão pelo crime de abuso sexual de menor, previsto e punido pelo art. 171.º/1 e 2, do Código Penal.”

A culpa enquanto medida e limite inultrapassável da medida da pena surge elemento axial do seu doseamento – mais do que na determinação e escolha da pena. Na verdade, o grau de culpabilidade [[38]] e as exigências de prevenção, na medida em que a definimos supra parecem justificar a pena concreta que foi impostas a cada um dos arguidos.

Já se deixou vincado supra, mas não será de mais iterá-lo, que nada exculpa ou merma a intensidade e gravame pessoal que a conduta antijurídica do arguido comporta, no entanto a idade que vence e a ameaça de cumprimento da pena, bem com ao injunção de pagamento de uma indemnização à menor, como condição de uma clemente suspensão da execução da pena pensamos, tal como pondera o Ministério Público, uma adequada sanção para a conduta ilícita do arguido.  
A suspensão da pena assume-se como uma verdadeira pena de substituição [[39]] com uma natureza e um alcance jurídico-pragmático completamente diverso das penas privativas de liberdade. Nos pressupostos materiais apontados [[40]] para a opção por esta pena de substituição elencam-se a prognose favorável relativamente ao comportamento do agente e fins de politica criminal [[41]/[42]].
À luz do que deixamos dito, e antecipando e valorando padrões e pressupostos da prevenção e desvalor social das acções praticadas, impõe que lhe seja imposta uma sanção penal substitutiva da pena privativa de liberdade, ou seja uma pena de prisão que deverá ser suspensa na sua execução.

A suspensão, porém, irá acompanhada por uma injunção indemnizatória que se ditará e quantificará infra.  

II.B.3. – IINDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS.

O recorrente pugna por uma redução do quantitativo condenatório em que foi condenado pela ofensa à liberdade, indemnidade e autonomia sexual da ofendida – cfr. artigo 70º do Código Civil (“a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa á sua personalidade física ou moral”).

Para o arguido a indemnização deveria quedar-se por um quantitativo equivalente a € 10.000,00.

O tribunal recorrido justificou o quantum indemnizatur atribuído à ofendida com o sequente argumentário (sic): “Como se sabe, nos termos do Art. 129º do Código Penal, “A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”, remetendo-se, assim, para as disposições gerais do Código Civil relativas a essa matéria.

De facto, a responsabilidade civil extra-contratual, dita aquiliana, encontra se prevista nos Arts. 483º e ss. do Código Civil, assentando num dos três iuris praecepta de Ulpiano: alterum non laedere, não prejudicar ninguém. Na sua base está, pois, um princípio básico de direito natural, prescrevendo que quem causa um dano a outrem, deve ser obrigado a repará-lo e a repor a situação anterior (reconstituição natural) ou, quando tal não seja possível, a indemnizá-lo em função do dano causado. Em cumprimento desta directriz, o Art. 483º, n.º 1 do Código Civil, dispõe que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

A doutrina tem vindo a sistematizar os pressupostos da responsabilidade civil constantes do Código Civil, v.g., em acto ilícito e prejuízo reparável (PESSOA JORGE, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, reimpressão, Coimbra, 1995, p. 53 e ss.), ou, mais especificadamente, em facto, ilicitude, imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (neste sentido, paradigmaticamente, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral I, 8ª Edição, Coimbra, 1994, p. 533).

In casu, cumpre, prima facie, apreciar se a conduta do demandado preenche todos estes pressupostos da responsabilidade civil extra contratual por factos ilícitos.

Em primeiro lugar, temos um facto voluntário do demandado, um comportamento (os abusos sexuais) que resulta da sua vontade, que foi controlado e querido por este, existindo também ilicitude na sua primeira modalidade (violação de direito de outrem - Art. 483º, n.º 1 do Código Civil), desde logo porque foi violado um direito subjectivo do queixoso, o seu direito à intimidade sexual, autodeterminação sexual em face da sua menoridade. Por outro lado, claro é também que o arguido agiu dolosamente (Art. 483º, n.º 1 do Código Civil), o que fundamentou a sua condenação no crime em questão e permite imputar-lhe a lesão do bem jurídico protegido, que foi causada pela sua actuação.

Cabe, pois, ao demandado, enquanto responsável civil, “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (Art. 562º do Código Civil), o que, sendo a reconstituição natural impossível, acaba por corresponder à atribuição de uma indemnização à ofendida (Art. 566º, n.º 1 do mesmo diploma legal).

Vinham peticionados danos de natureza não patrimonial. Serão considerados os incómodos sofridos e o transtorno emocional da menor decorrente da actuação do arguido, merecendo ser atendidos dada a sua efectiva gravidade em termos objectivos (Art. 496º, n.º 1 do Código Civil).

Quanto ao montante da indemnização por danos não patrimoniais, este será fixado pelo tribunal segundo o que entender ser equitativo e de acordo com o “grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (Art. 496º, n.º 3 do Código Civil, que remete para o Art. 494º), concedendo “ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada adequada a proporcionar-lhe alegria ou satisfação que de algum modo contrabalancem as dores, desilusões, desgostos ou outros sofrimentos que o ofensor lhe tenha provocado” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de  16 de Abril de 1991, BMJ n.º 406, p. 618).

In casu, é manifesto que que a menor sofreu, como consequência directa e necessária imputável à conduta ilícita e culposa do arguido, danos não patrimoniais, como já salientámos.

A demandante AA veio peticionar a quantia de 50.000,00 Euros.

No que respeita à indemnização deste tipo de danos importa tecer algumas considerações.

Nomeadamente que “ em relação à personalidade humana, e uma vez que esta não integra propriamente o património do lesado, sucede que o acto lesivo produz "directa e principalmente danos não patrimoniais ou morais, isto é, prejuízos de interesse de ordem biológica, espiritual, ideal e moral, não patrimonial, que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados, que não exactamente indemnizados, com a obrigação pecuniária imposta ao agente”  

No mesmo sentido, escreveu Vaz Serra que “ a satisfação ou compensação dos danos morais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um equivalente do dano, isto é, de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão.

Trata-se de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que esta, sendo ofensa moral, não é susceptível de equivalente.

Com efeito, a gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, embora atendendo às particularidades de cada caso, e não à luz de factores subjectivos (como uma sensibilidade exacerbada ou requintada), e tudo segundo critérios de equidade, devendo ter-se ainda em conta a comparação com situações análogas decididas em outras decisões judiciais e que a indemnização a arbitrar tem uma natureza mista: a de compensar esses danos e a de reprovar ou castigar, no plano civilístico, a conduta do agente. Neste sentido, a lei remete a fixação do seu montante para juízos de equidade, tendo em atenção o referido no art. 494º do C.C (grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e quaisquer outras circunstâncias).

Ora dos factos provados (no que ao pedido civil respeita), resultou apurado que a menor ficou fortemente abalada em virtude da conduta do arguido. Considerando que a menor foi vítima dos abusos sexuais numa fase de pré-adolescência, tal poderá traduzir-se no futuro e ao longo da sua vida em transtornos emocionais que exigirão sempre um especial acompanhamento sob pena de a mesma vir a padecer de graves distúrbios emocionais e psicológicos. Do relatório pericial que consta nos autos, a fls. 454 a 459, de caracterização psicológica, resulta que a menor apresenta indicadores de perturbação psicológica, está assente em traços de introversão e forte instabilidade emocional, com níveis excessivos de ansiedade, com sintomatologia depressiva bastante significativa (merecedora de atenção clínica), revelando-se na actualidade uma jovem reservada, pouco comunicativa, instável, ansiosa, tímida, complexada, inquieta, emotiva. Pela gravidade dos factos, por um período de cerca de 6 meses, não pode o Tribunal deixar de reflectir tais danos no montante de indemnização, tanto mais que o arguido é pessoa de condição económica confortável.

Tendo em conta os critérios supra referidos, bem como os princípios legais a este respeito consagrados, de acordo com um critério de equidade e atendendo à culpa do arguido e à sua condição económica, afigura-se adequado fixar em 22.000,00 Euros a indemnização a pagar à menor AA a título de danos não patrimoniais, a que acrescerá juros de mora à taxa legal desde a presente decisão e até integral pagamento.”

A obrigação de indemnizar constitui-se como um modo de reparação de prejuízos ou danos que uma acção externa à esfera individual de um sujeito provoca no ambiente existente no momento em que a acção foi desencadeada.

Na génese da obrigação de indemnizar induzida, ou fundada, na produção de um evento que altere/modifique ou transforme a realidade existente na esfera (patrimonial ou imaterial) de uma pessoa [[43]] está a ideia de procurar restabelecer o bem jurídico violado no estado em que se encontrava antes da consumação do evento danoso, e, caso o restabelecimento não seja possível in natura, deverá a reparação ser realizada economicamente, na medida da diferença entre o estado anterior aquele em que o bem jurídico violado ou lesado se encontrava se não tivesse ocorrido a produção do resultado danoso – teoria da diferença (artigo 562.º e 566.º do Código Civil).

A vulneração de um direito ou de uma disposição legal protectora de interesses alheios, exige um conjunto de pressupostos de que a lei faz depender a obrigação de indemnizar - cfr. Artigo 483.º do Código Civil.

A doutrina, como dá nota o Professor Pessoa Jorge [[44]], não se mostra unânime quanto à elencagem dos pressupostos de que a lei faz depender a ocorrência ou a verificação da responsabilidade civil por factos ou actos ilícitos. Pensamos, no entanto, colher melhor sufrágio a solução adoptada por Antunes Varela [[45]], de que para que se mostrem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil se torna necessário: a) a ocorrência de um facto; b) que esse facto deve ser considerado ilícito; c) que o facto ilícito possa ser imputado a um determinado sujeito; d) que por virtude desse facto ilícito praticado por uma pessoa ocorra um dano, patrimonial ou não patrimonial, na esfera jurídica de outrem; e) e que exista um nexo de causalidade entre o facto e o dano. [[46]]
Em visualização expandida e explicitada poder-se-ia dizer que os pressupostos da responsabilidade aquiliana, se reconduzem nos sequentes elementos lógico-materiais e de verificação ou produção natural e físico-psicológicos: i) – o facto voluntário, consubstanciado numa conduta comissiva ou omissiva de um agente traduzido, naturalisticamente, numa alteração ou modificação da realidade existente ante; ii) – a ilicitude, traduzida na violação de normas legais ou de direitos (absolutos) consolidados na esfera individual ou colectiva e infractores dessas normas ou direitos; iii) – a culpa, como nexo de imputação ético-jurídico, de feição e natureza censurável ou reprovável, à luz dos valores eticamente prevalentes numa sociedade historicamente situada; iv) – o dano, lesão ou prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica de terceiros; v) – e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Supõe e importa, portanto, a responsabilidade civil, a imposição de medidas reparadoras destinadas a compensar um dano, moral ou patrimonial, ocasionados pela prática por parte de alguém de um uma conduta, ilícita e culposa, susceptível de violar direitos alheios ou disposição legal destinada a proteger interesses de terceiros. A perfeição da instituto da responsabilidade pressupõe a prática de um facto humano e material – comissão por via de acção ou omissão -; que esse facto se revele e planteie como contrário à ordem jurídica; que se exponha como reprovável e censurável, no plano imputação subjectiva a um determinado sujeito; que esse facto seja imputável ao um sujeito determinado; que o resultado produzido por esse facto produza uma modificação, material-objectiva ou moral-subjectiva, na esfera jurídica do sujeito que sofre os efeitos da acção ou da omissão, e que seja possível imputar o facto ao resultado danoso ocasionado. Para que se configure o dever de indemnizar, com base na responsabilidade civil, deverá, portanto, ser possível conexionar a conduta do agente ao dano provocado por essa conduta, ou seja, deve existir um nexo de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e a conduta do agente.

Em regra a responsabilidade civil e a obrigação de reparar o dano surge da conduta ilícita do agente que lhe deu causa, ou seja de uma conduta violadora de normas gerais e de direitos de outrem. [[47]]

O primeiro dos pressupostos de que a lei faz derivar a obrigação de indemnizar, com base na responsabilidade civil, é a realização de um facto - acção ou conduta humana, que se traduz na modificação de um estado de coisas existente antes da acção – por alguém que está adstrito, por imposição legal ou convencional, a observar determinadas regras de comportamento, e a fazê-lo utilizando cuidados e regras técnicas e de perícia correspondentes á tarefa a realizar. Trata-se, assim, de um acto humano, comissivo ou omissivo - a comissão vem a ser a prática de um acto que se deveria efectivar, e a omissão, a não-observância de um dever de agir ou da prática de certo acto que deveria realizar-se -, de natureza voluntária e que deve, ou pode ser, objectivamente imputável, a uma determinada pessoa. Esse facto, pela sua feição ilícita, ou lícita [[48]], deve ter actuado e agido por forma a causar na esfera do lesado um prejuízo. Esta lesão de um direito de outrem ou de um interesse particular protegido por disposição legal, quando resultante da acção de um agente lesante, desencadeia a obrigação de indemnizar, a cargo do autor da lesão. 

O facto do agente, consubstanciado num comportamento ou numa conduta humana, deve assumir um carácter voluntário e poder ser dominável e controlável pela vontade. Revestindo o facto do agente uma atitude positiva denomina-se acção, sendo que revestindo uma atitude negativa se constitui numa omissão. Neste caso, a não prática do facto ou acto que o agente, por imposição de um dever jurídico, estava compelido a praticar, desencadeia a obrigação e indemnizar com base na responsabilidade civil.

A culpa pode revestir as modalidades de dolo, ou mera culpa, ou negligência, que são, nas situações de responsabilidade civil, as mais frequentes. A par da negligência, consubstanciada na omissão de um dever de cuidado, que uma atenta consideração da situação poderia e deveria ter prevenido, ocorrem a imprudência ou imperícia, sendo que a primeira ocorrerá quando o agente age por precipitação, por falta de previdência, de atenção no cumprimento de determinado acto, e a imperícia quando o agente acredita estar apto e possuir conhecimentos suficientes pratica acto para o qual não está preparado por falta de conhecimento aptidão capacidade e competência. [[49]]

A culpa (subjectiva, também designada “culpa penal”) revela-se e traduz-se numa imputação psicológica feita a uma pessoa e conleva um juízo de censura ético-jurídica dirigida a uma conduta humana portadora, ou a que se agrega, uma vontade livremente determinada e liberta de condicionalismos perturbadores da assumpção de um sentido querido e orientado da vontade individual.    

O juízo de culpabilidade geradora de responsabilidade civil assume uma feição objectiva, por referida a um padrão normativo eleito pela ordem jurídica, como mediador ou referência de imputação valorativa ético-normativa. A censura opera-se, para este fim, pela referência prudencial ou avisada que todo o individuo deve assumir, na gestão da sua vivência societária, onde o feixe de riscos e de situações passiveis de gerar perigos é constrangedor da assumpção de uma atitude de cautela, ponderação e razoabilidade. A previsão ou prognose de situações potenciadoras de um risco ou de factores exógenos que se perfilam como geradores de perigo devem ser cautelarmente avaliados e prefigurados, intelectivamente, de modo a que o agente assuma perante essa situação concreta um comportamento conducente a evitar a violação de direitos pessoais ou patrimoniais ou regras legais impostas para evitar a consumação de danos na esfera de outrem. [[50]]

À míngua de o juiz poder, numa reconstrução/avaliação a posteriori dos actos submetidos à sua decisão, colocar-se na representação das coisas que sucederam durante o desenvolvimento do próprio comportamento “enjuiciado” na posição do agente, deverá, na avaliação do comportamento, eventualmente culposo ou violador de uma norma legal utilizar um critério comparativo abstracto, qual seja o comportamento de um “homem recto e seguro dos seus actos”, do “homem razoável e prudente”, em definitivo do “bom pai de família” (“sem que isso impeça a atenção às circunstâncias de cada caso enjuizado, que em muito casos incidem poderosamente na valoração da conduta”). [[51]]   

Na avaliação de um comportamento violador de regras ou comandos legais deverá ter-se como padrão aferidor um nível de diligência, prudência ou cautela que um indivíduo razoável, ponderado e prevenido colocado numa situação similar assumiria. [[52]]

Para além da culpa, torna-se necessário que o facto possa/deva ser imputável ao agente e que possa/deva ser estabelecido um nexo causal, ou a relação de causalidade (adequada), entre o facto e o dano ocorrido. A relação de causalidade constitui-se, assim, como o elo de ligação entre o acto lesivo do agente e o dano ou prejuízo sofrido pela vítima. O conceito de nexo causal, ou relação de causalidade decorre de leis naturais. Apura-se pela conexão objectiva e subjectiva que é possível estabelecer entre a conduta do agente e o dano.
O nexo de causalidade é um pressuposto da responsabilidade civil que consiste na interacção causa/efeito, de ligação positiva entre a lesão e o dano, através da previsibilidade deste em face daquele, a ponto de poder afirmar-se que o lesado não teria sofrido tal dano se não fosse a lesão (art. 563º do Código Civil).
De acordo com o preceituado no art. 563º do Código Civil a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, com que se consagra a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, proposta por Ennecerus-Lehman, segundo a qual a condição deixará de ser causa do dano sempre que ela seja de todo indiferente para a produção do mesmo, e só se tenha tornado condição dele em virtude de outras circunstâncias, sendo pois inadequada à sua produção.
À luz desta teoria, não serão ressarcíveis todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto causador do resultado danoso, mas tão só os que ele tenha realmente ocasionado, ou seja, aqueles cuja ocorrência com ele esteja numa relação de adequação causal.
Por outras palavras, dir-se-á que o juízo de adequação causal tem que assentar numa relação intrínseca entre o facto e o dano, de modo que este decorra como consequência normal e típica daquele, ou seja, que corresponda a uma decorrência adequada do mesmo.
Preceitua o art. 563.º do Código Civil que «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».
A formulação normativa prefigura algum grau de equivocidade, na medida em que parece fazer ressaltar, uma assumpção da teoria da equivalência das condições, ou teoria da conditio sine qua non, segundo a qual seriam indemnizáveis todos os prejuízos que não se teriam verificado se não fosse o acto ilícito – a indemnização existiria em relação a todos os danos causalmente provocados pelo facto gerador da obrigação de indemnizar –, ainda que inculcando a ideia, ou impressivamente se conduza no sentido, de que só serão indemnizáveis aqueles danos que, numa relação de probabilidade entre o facto ilícito e o resultado danoso, não teriam ocorrido se o facto lesivo não tivesse ocorrido. A interpretação histórica, v. g. os trabalhos preparatórios do Código Civil, inculcam, ou asseveram a convicção lógico-racional, de o legislador quis e adoptou a teoria da causalidade adequada. [[53]]
Neste eito interpretativo e teleológico, tanto a doutrina, como a jurisprudência, tem vindo entender que este art. 563.º pretendeu consagrar a teoria da causalidade adequada. [[54]]
Com este perfil teleológico e lógico-dedutivo, um condicionalismo abstracto, desarreigado e despegado da realidade e substrato material actuante, não poderá tornar-se ou devir causa de um resultado danoso, quando, «segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano». [[55]]
À luz desta assumpção da teoria do facto ou acção causante, o nexo de causalidade entre o facto e o dano pode assumir uma feição indirecta, isto é, tornar possível a subsistência de um nexo de causalidade quando o facto ilícito não produz ele mesmo o dano, mas é causa adequada de outro facto que o produz, na medida em que este facto posterior tiver sido especialmente favorecido por aquele primeiro facto ou seja provável segundo o curso normal dos acontecimentos. [[56]]

A verificação da existência de nexo de causalidade é matéria que escapa à sindicância deste Supremo Tribunal de Justiça, [[57]/[58]] se perspectivada na sua feição naturalística. [[59]/[60]] Na verdade, se abordada no plano meramente naturalístico, o nexo de causalidade inclui matéria de direito probatório cuja sindicância escapa a este Supremo Tribunal, na afirmação do que vem disposto nos artigos 774.º e 682.º, n.º 2, ambos do Código Processo Civil. A ausência de prova quanto a este pressuposto e não a indagação de se “(…) o facto concreto apurado seja, em abstracto e em geral, apropriado para provar o dano”, como se  escreveu no douto acórdão de 01-07-2003, não cabe dentro dos poderes de reapreciação deste Supremo Tribunal, pelo ao repristiná-lo neste sede importa o seu desmerecimento.   

Numa inovadora e aliciante perspectiva da categoria jurídica do nexo de causalidade – crismado de nexo de imputação ou nexo de ilicitude – Ana Mafalda Castanheira Neves, refere que o lesado tem de provar “a existência de uma tessitura que, uma vez desenhada, justifique a assimilação do seu âmbito de relevância pelo âmbito de relevância do sistema. Isto é, tem de provar a edificação de uma esfera de risco e a existência de um evento lesivo. O juízo acerca da pertença deste aquela esfera traduzir-se-á numa dimensão normativa da realização judicativo-decisória do direito que convocará o sentido último da pessoalidade e um ideia de risco lido à luz daquela. Pelo que, em última instância, ficamos libertos das dificuldades que tradicionalmente agrilhoam o decidente e o levam a procurar soluções que vão desde as presunções de causalidade, o alívio do ónus da prova dos caos de dolo e situações especialmente perigosas, as presunções prima facie, a regra id quo plerumque accidit, a regra res ipsa loquitur, o alívio das exigências em termos de probabilidades, o recurso a categorias como a perda de chance.” [[61]]           

Seja numa perspectiva de assimilação/assumpção do nexo de causalidade como imputação objectiva [[62]], defendida pela autora citada, seja numa perspectiva de nexo de causalidade assumida como dimensão normativa-positival, de causalidade adequada, [[63]/[64]] o estabelecimento do nexo de causalidade fundamentadora da responsabilidade, por banda do responsável de uma conduta que, por ser ético-axiologicamente censurável e reprovável, radica na imputação, objectiva e subjectiva, da acção viária do sujeito obrigado ao pagamento de uma indemnização. Vale dizer, que, neste caso, o nexo que tem de ser averiguado, determinado e estabelecido é entre uma conduta que está legalmente vedada ao sujeito que assume a responsabilidade de conduzir um veículo na via pública e a concreta produção de um evento lesivo, que não fora a desatenção e o sentido violador das normas de cuidado, prudência e sentido de diligência, não teria acaecido. [[65]]

Numa perspectiva jurídico-processual, como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Fevereiro de 2009, relatado pelo Conselheiro Santos Bernardino, “(…) tem sido entendido pela jurisprudência que o estabelecimento do nexo de causalidade entre a conduta ilícita e o dano consubstancia matéria de facto da competência das instâncias e, portanto, insindicável pelo STJ. Como se decidiu em recente acórdão deste Tribunal, “o nexo de causalidade apenas pode ser apreciado pelo Supremo na sua vertente jurídica – a questão da adequação, ou normalidade, desse nexo –”, logo se acrescentando que “o nexo material de causalidade, como questão respeitante aos factos que ainda é, escapa à sindicância do STJ. Por isso, afirmando as instâncias a falta de prova do nexo material, nada poderá este STJ fazer para modificar tal asserção” - Ac. de 15.11.2007, desta 2.ª Secção, no Proc. 07B2998, disponível em www.dgsi.pt. Cfr. ainda os Acs. de 23.01.2007, no Proc. 06A4417, também disponível em www.dgsi.pt, e de 20.06.2000, na revista n.º 1703/00, da 6ª Secção.

(…) Na verdade, não estando provado, numa perspectiva naturalística ou fáctica, o nexo de causalidade, não há sequer suporte factual para avançar para a apreciação no plano jurídico, isto é, para a apreciação da adequação causal (entre o facto e o dano). Dizendo de outro modo: não estando provada, no plano fáctico, a existência do nexo de causalidade, não pode obviamente afirmar-se, no plano jurídico, que o facto é causa adequada do dano.
“Em sentido amplo, é a causalidade que justifica a responsabilidade de outrem por um dano ocorrido na esfera jurídica de alguém.” [[66]]    

Não basta que ocorra um dano, é preciso que esta lesão passe a existir a partir do acto ou acção de um agente que tenha tido a intenção de lesar um direito ou interesse, pessoal ou real/patrimonial de outrem, para que surja o dever de reparação. É imprescindível o estabelecimento da entre o acto omissivo ou comissivo do agente e o dano de tal forma que o acto do agente seja considerado como causa do dano.

Para que alguém fique constituído na obrigação de indemnizar é, pois, mister que tenha preenchido o condicionalismo, objectivo e subjectivo, que se deixou apontado.

A jurisprudência dominante vai no sentido de que a imputação de um facto a um agente deve conter-se num plano de objectividade e, em nosso juízo, é a que deve ser assumida e acatada, por ser a que melhor se adequa, em nosso juízo, à doutrina da imputação (objectiva) [[67]/[68]] de uma conduta a um agente. [[69]]

Para os casos em que a causa de um evento danoso se apresente como único, “o problema causal consistirá, fundamentalmente, em dilucidar se a conduta ou actividade do sujeito, eventualmente, responsável teve a suficiente entidade (idoneidade) para que o resultado danoso tivesse sido provocado, assim como decidir se todos os danos que foram consequência desse facto poderiam ser-lhe imputados. (…) Quer dizer, se de um determinado facto causal se seguem consequências lesivas, que por circunstâncias extraordinárias alcançam uma intensidade desproporcionada em relação com as que normalmente derivariam de factos idênticos ou análogos.” [[70]

Para aferição do direito à indemnização pelos danos não patrimoniais convocar-se-á o que vem estatuído no artigo 496º do Código Civil, onde se preceitua que: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.

3. Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes.

4. O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.”

Constitui jurisprudência firme e doutrina inconcussa [[71]] que apenas são passiveis de ressarcimento ou compensação os aleijões psicológicos e espirituais-sentimentais que pela sua relevância, pertinência e repercussão na vida do lesado se tornem, espelhem e projectem num estado de ânimo depreciativo de um viver salutar e conforme a um padrão de vida ausente de compressão e angústia intelectual.  (“Os danos não patrimoniais podem consistir em sofrimento ou dor, física ou moral, provocados por ofensas à integridade física ou moral duma pessoa, podendo concretizar-se, por exemplo, em dores físicas, desgostos por perda de capacidades físicas ou intelectuais, vexames, sentimentos de vergonha ou desgosto decorrentes de má imagem perante outrem, estados de angústia, etc..
A avaliação da sua gravidade tem de aferir-se segundo um padrão objectivo, e não á luz de factores subjectivos (A. VARELA, “Obrigações em Geral”, I, 9ª ed., 628), sendo, nessa linha, orientação consolidada na jurisprudência, “com algum apoio na lei”, que as simples contrariedades ou incómodos apresentam “um nível de gravidade objectiva insuficiente para os efeitos do n.º 1 do art. 496º” (ac. STJ, 11/5/98, Proc. 98A1262 ITIJ).
Assim sendo, o passo seguinte consistirá em proceder á valoração dos factos provados, como consequências da conduta do lesante, servindo como linha de fronteira a separação entre aquelas que se situam ao nível das contrariedades e incómodos irrelevantes para efeitos indemnizatórios e as que se apresentam num patamar de gravidade superior e suficiente para reclamar compensação.
Depois, como se tem entendido, dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação” – ac. de 5/6/79, CJ IV-3-892.” [[72]]
O dano não patrimonial reporta-se, assim, a uma depreciação e abatimento das condições psicológicas e subjectivas da pessoa humana, por virtude de factores externos susceptíveis de afectar um estado subjectivo liberto de constrangimentos, preocupações e alterações das condições de vida que normalmente o afectado conduz. Representa, assim, uma ofensa objectiva de bens que repercutem uma mazela no conspecto subjectivo da pessoa afectada, traduzindo-se em estados de sofrimentos, de natureza espiritual e/ou física. Esta incidência negativa e malsã na vivência e estabilidade psíquica e/ou física do ser humano, não sendo mensurável no plano patrimonial, deve, na medida em que afecta a personalidade do individuo, na sua dimensão espiritual e/ou física, ser passível de indemnização pecuniária. Não para reparar uma dano quantificável, mas compensar ou satisfazer em bens materiais males infligidos pela acção imputável ao lesante. Esta satisfação, não possui, pois, a dimensão de uma verdadeira indemnização, no sentido de um equivalente do dano, ou seja, um montante que deva ser quantificado, por equivalente aquele que haja sido o prejuízo (quantificado) pelo lesado. Vale por dizer, pelo equivalente a um valor que reponha as coisas no estado anterior à lesão. Pretende-se, outrossim, como já se deixou dito supra, atribuir ao lesado uma compensação pelas alterações da estabilidade emocional, psicológica e espiritual do lesado.
Na ponderação e valoração do que poderá ser qualificado e classificado como um dano não patrimonial relevante e passível de poder ser ressarcível, haverá que inferir da factualidade provada aquela situação que reproduza ou ressume um estado que derivando de uma conduta do lesante configurem ou atinjam uma dimensão que permita separar aquelas situações que se situam ao nível das contrariedades e incómodos irrelevantes para efeitos indemnizatórios e as que se apresentam num patamar de gravidade superior e suficiente para reclamar compensação.
Depois, como se tem entendido, dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação” – ac. de 5/6/79, CJ IV-3-892.” [[73]]
Na atribuição da indemnização, deverá atender-se à gravidade dos efeitos da acção desvalorativa do lesante, pois só a afectação grave e desproporcionada do estado emocional, psicológico e /ou físico do lesado é passível de obter um grau de valoração ético-jurídica reconhecida pela ordem jurídica e por ela tutelada e protegida. No montante a atribuir, o tribunal deverá usar de critérios de equidade, como factores de ponderação e de equação socialmente relevantes, fazendo intervir os elementos ético-socialmente censuráveis e reprováveis inerentes ao desvalor das acções lesivas. Haverá, assim, que atender, na atribuição do quantitativo pecuniário compensatório ao grau de culpabilidade do lesante, ao modo como a acção lesiva foi consumada e/ou reiterada, aos efeitos e consequências que essa acção provocou no lesado e nas perturbações/alterações que provocaram na vivência e nos estados psicológicos, emotivos e/ou físico do lesado.             

Representando os danos morais, ou não patrimoniais, sequelas de estados e inflicções no plano da subjectividade são, por isso mesmo, insusceptíveis de avaliação pecuniária, perfilando-se, outrossim, como veículo ou meio de reparação que visam proporcionar ao lesado uma compensação que lhe proporcione algumas satisfações decorrentes da utilização de uma soma pecuniária [[74]].

Relembrando, a obrigação de indemnização neste âmbito decorre do disposto no art. 496.º, nº 1 do Código Civil que estabelece que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, e o critério da sua fixação é a equidade (nº 3, do mesmo artigo, devendo ser “proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” [[75]].

Como escreveu Vaz Serra, “a satisfação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto não ser um equivalente do dano, um valor que reponha as coisas no estado anterior à lesão, tratando-se antes de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação do dano, que não é susceptível de equivalente.

É, assim, razoável, que no seu cálculo, se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselhe sejam tomadas em consideração e, em especial, a situação patrimonial das partes e o grau de culpa do lesante” [[76]].

Tal compensação deverá, então, ser significativa e não meramente simbólica. A prática deste Supremo Tribunal vem cada vez mais acentuando a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais.

Tem vindo a ser advogado em diversos arestos deste Supremo Tribunal que a intervenção deste alto Tribunal só deverá ocorrer quando os montantes fixados se revelem em notória colisão com os critérios jurisprudenciais que vêm sendo adoptados. Como se afirma no Acórdão deste Supremo de 7/10/10, Proc. nº 457/07.9TCGMR.G1.S1, disponível no IGFEJ, “Assentando o cálculo da indemnização destinada a compensar o lesado por danos não patrimoniais essencialmente num juízo de equidade, ao Supremo não compete a determinação exacta do valor a arbitrar, já que a aplicação da equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se move o referido juízo equitativo a formular pelas instâncias face à individualidade do caso concreto «sub juditio” [[77]].

De facto, não se trata aqui de aplicação de critérios normativos a que a um recurso que visa tão só a reavaliação e reparação de desvios ou não adequada aplicação do Direito, pelo que, naturalmente, se não ocorrer uma dessas situações deverá ter-se por justo que o julgador se situou na margem da discricionariedade que lhe é consentida, a ponderação casuística das circunstancias do caso deve ser mantida.

Ainda, como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de 17/04/12, Proc. nº 4797/07.9TVLSB.L2.S1, desta Secção, disponível no IGFEJ, “(...) não podem ser postergados, como critério de valoração, os referidos valores de igualdade de tratamento e de segurança jurídica, transpondo, na medida do possível, os indicadores fornecidos pelas situações mais próximas conhecidas.

É, de resto, a este nível que colhe justificação a intervenção do STJ, como Tribunal de revista, pois que como já se escreveu nos acórdãos de 28/10/2010 e de 05/11/2009 (proc. 272/06.7TBMTR.P1.S1 e 381-2009.S1), respectivamente, “quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, ao Supremo não compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar em função da ponderação das circunstâncias concretas do caso, - já que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», - mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação da individualidade do caso concreto «sub juditio»”, sendo que esse “juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos - deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade“.

Tendo sido, porém, posta em crise a quantia fixada pelo tribunal de primeira (1ª) instância haverá que reponderar se a quantia que foi fixada, a título de compensação pela acção deletéria e perniciosa do arguido, se encontra dentro desse critério ou margem de discricionariedade que é consentida ao julgador dentro ou no perímetro da ponderação casuística das circunstancias do caso deve ser mantida.

Em nosso juízo, o juízo ponderativo a que o tribunal se alcandorou confina-se dentro dessa margem de discricionariedade que o caso permite e, coonestando-o, não vemos razão para procedermos à sua critica.

Mantém-se, pois, para indemnização atribuída pelo tribunal de primeira (1ª) dos danos não patrimoniais sofridos pela menor em virtude do comportamento ilícito e antijurídico do arguido.  

III. – DECISÃO.

Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente:

a) – Condenar o arguido, pela prática do ilícito de que vinha acusado – crime de abuso sexual de menor do artigo 171º, nº 1 e 2 do Código Penal – na pena de cinco anos de prisão;

b) – Pelas razões expendidas supra suspender a pena imposta pelo mesmo período de tempo (cinco (5) anos);

c) – Condicionar a execução da suspensão da pena à obrigação de satisfação da indemnização fixada, no prazo máximo de um (1) ano;

d) – Sem custas – artigo 513º, nº 1 do Código Processo Penal

        Lisboa, 28 de Junho de 2017   

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[1] É avonde a jurisprudência do nosso mais alto tribunal (Supremo Tribunal de Justiça) quanto a esta matéria – vícios da decisão, por erro notório na apreciação da prova, insuficiência da matéria de facto para a decisão e contradição insanável entre a fundamentação e a decisão. Por todos: Acórdãos do STJ de 1.10.1997; 22.10.1997; 27.11.1997; 4.12.1997; 14.6.1998; 20.1.1998;28.10.1998; 2.12.1999 14.3.2002; proferidos nos processos nºs 8/97; 612/97; 1127/96; 1018/97; 725/98; 690/97; 1098/98; 1046/98; 3261/01; 1748/02. Respigando (e somente quanto ao invocado vício que foi alegado pela recorrente) daqueles que nos parecem mais significativos (sem desprimor para os demais, como é óbvio), escreveu-se no Ac.de 27.11.1997 que: ”A contradição insanável da fundamentação dá-se quando, analisando a matéria de facto dada como provada e não provada, se chega a conclusões contraditórias, irredutíveis, que não podem ser ultrapassadas recorrendo-se ao contexto da decisão no seu todo e com recurso às regras de experiência comum”; ou no Ac. de 4.12.1997: “só pode falar-se no vício da contradição insanável da fundamentação quando determinado facto provado seja logicamente contraditório com outro dado factual que serviu de base à decisão final, ou quando, segundo um raciocínio lógico, é de concluir que a fundamentação justifica precisamente a decisão contrária ou que a decisão não fica suficientemente esclarecida por haver colisão entre os fundamentos”; ou, finalmente o Ac. de 2.12.1999: “A contradição insanável da fundamentação, vicio previsto no art. 410º, nº 2, al. b) do CPP, verifica-se quando se dá como provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição se estabelece entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão. II – O apontado vício tem de resultar do próprio texto da decisão recorrido, por si ou conjugada com as regras de experiência comum”; ou ainda, por fim, o Ac.de 3.7.2002,”I.- (…).II – O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, previsto na al. b) do nº2 do art. 410º do CPP, verifica-se quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribunal”.Por lidimo exemplar da situação que vem suscitada no presente processo pedimos vénia para transcrição do sumário (da parte interessante) do douto acórdão do STJ, de 18.3.2004, proferido no processo nº 3566/03-5ª secção, e de que foi relator o Exmo. Conselheiro Simas Santos: “IV. – A insuficiência a que alude a al. A) do nº2 do art. 410º do CPP decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão. V. – Ocorre este vicio quando a factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição. VI. – Daí que aquela alínea se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não á insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do principio da livre apreciação da prova (art.127º) que é insindicável em reexame da matéria de direito. VII. – A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, apenas se verificará quando, analisada a matéria de facto, se chegue à conclusões irredutíveis entre si e que não possam ser ultrapassadas ainda que com recorrência ao contexto da decisão no seu todo ou às regras de experiência comum. VIII. – O erro notório na apreciação da prova unicamente é prefigurável quando se depara ter sido usado um processo racional e lógico mas, retirando-se, contudo, de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irrazoável, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum, bem como das regras que impõem prova tarifada para determinados factos. X. – O principio in dubio pro reo encerra uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa, pelo que a sua violação exige que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido XI. – Saber se, perante a prova produzida (e que não foi documentada), o tribunal deveria ter ficado em estado de dúvida, é uma questão de facto que não cabe num recurso restrito á matéria de direito, mesmo que de revista alargada. XII. – O STJ só pode sindicar a aplicação do principio in dubio pro reo quando da decisão recorrida resulta que o tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Não se verificando esta hipótese, resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art. 127º do CPP que escapa ao poder de censura do STJ, enquanto tribunal de revista”.       
  
[2] Disponível em www.dgsi.pt.
[3] Disponível em www.dgsi.pt.
[4] Os acórdãos citados nas notas 4 a 10 correspondem à jurisprudência citada no acórdão extractado com as respectivas menções de origem de publicação.
Assim: “Acórdão STJ de 2006.04.20, Proc. nº 06P363.”
[5]Cfr Acórdão citado
[6] CJ STJ 3/99, pag. 184.
[7] Acórdão STJ de 2013.07.04 (e jurisprudência aí citada), proc 1243/10.4PAALM.L1.S1.

[8] AFJ 10/2005, DR Série I-A, de 2005.12.07.
[9] Cfr. sobre os limites de intervenção do STJ no plano fáctico e especificamente sobre a verificação dos vícios do art. 410º, nº 2 o Acórdão STJ de 2012.07.12 em que além do mais é feita abundante recensão da jurisprudência. pertinente

[10] Citado Acórdão de 2013.07.04.
[11] Ver quanto ao sentido de denotação João Branquinho e Desidério Murcho, Enciclopédia de Termos Lógico-filosóficos, Gradiva, pág. 235. “Podemos seguir aquela politica terminológica inspirada em Bertrand Russel e reservar o termo «denotação» para cobrir aquela relação que se verifica entre uma descrição definida tomada em uso ATRIBUTIVO, e um certo objecto quando esse objecto e só ele satisfaz os predicados que compõem a descrição.”
Vide ainda para o termo »conotação» Nicola Abbagnamo “Dicionário de Filosofia”, Martins Fonte, S. Paulo, 2003, pág. 185. “Os nomes dos atributos são conotativas, porque a palavra »branco» não denota objectos brancos, mas conota o atributo de brancura.”  
[12] “El autor ha determinado y ejecutado su conducta sin consideración de la vigência del Derecho. En la medida en que implique la afirmación de que la norma no te vincula, se le contradisse a través de la la pena (ese es el significado de la pena).” Também na concepção de Lampe “a pena estabelece (a) a oposição polar ao delito, produz (b) a manutenção do ordenamento jurídico («caracter dominante»), concretamente, através da prevenção geral, assim como (c) previsão no sentido da prevenção especial.” – vide Günther Jakobs, “La Pena estatal: Significado e Finalidade”, Thomson e Civitas, Cuadernos Civitas, Editorial Aranzadi, Cizar Menor; Navarra, págs. 142 e 141.   
[13] “la pena es legitima cuando, sin rebasar el limites que derivan del principio de proporcionalidad, resulta eficaz desde el punto de vista preventivo; mas concretamente, cuando proporciona la máxima efecacia preventiva, atendendo tanto a su eficácia preventiva general, como a su eficácia preventiva especial, y a los distintos cauces a través de los cuales a la pena puede producir um efecto preventivo(función preventiva limitada por el principio de proporcionalidade.” – Sergi Cardenal Montraveta, in Eficacia Preventiva General Intimidatoria de la Pena, Revista Electrónica de Ciência Penal e Criminologia, 17-18, 2015, pág. 3.      
[14] Cfr. Günther Jakobs, in Estudios de Derecho Penal”, UAM Ediciones e Civitas, 1997, “El Principio de Culpabilidad”, págs. 365 a 393.

[15]A tarefa que se deve consignar à pena é manter a vigência de certas normas indispensáveis, necessárias ou essenciais para a pervivencia da sociedade, buscando assentar as bases da confiança da população na sua validade (validez) como modelos de orientação. Não se trata de um conceito formal de validade (validez) ou vigência, mas sim de um conceito material que tem que ver com a eficácia das normas para orientar a vida social. Trata-se, pois, de entender a validade (validez) em sentido sociológico ou prático como a existência de um sistema jurídico que efectivamente orienta a vida social. O que danifica ou contraria o delito é essa situação fáctica conforme ao Direito.

Enquanto que JAKOBS voltou a manter uma concepção da prevenção geral positiva dirigida a exercer a fidelidade no Direito, eu prefiro nos meus últimos trabalhos sobre a pena incidir no papel que tem a pena para ajudar a manter a confiança dos cidadãos na vigência da norma, concepção que creio que permite uma visão mais normativa da prevenção geral positiva. A pena não pretende incidir directamente em condutas futuras (nem do delinquente nem de potenciais delinquentes nem de outras pessoas), mas tão só confirmar quais são as normas que continuam vigentes. A confiança que se busca é uma situação social (confiança no sentido normativo) e não uma prestação psicológica dos cidadãos ou da população. A vida social, tal e como a concebemos, existe graças a um substrato (“trasfondo”) normativo que se assume como evidente. O delito nega a dita evidência ela pena tem que recompor esse elemento estrutural da vida cotidiana.

A confiança não se deve entender, pois, num sentido formal e abstracto como a confiança da sociedade no seu sistema jurídico-penal, mas sim em sentido realista e vivo como um elemento básico das relações interpessoais e do funcionamento da vida social. Sem confiança a realidade social sofre um cambio qualitativo. Não se trata, portanto, de fomentar a confiança como fenómeno psicológico-social, já que se cada cidadão decide ou não confiar é uma questão particular, mas sim de assentar de cara no futuro as bases institucionais numa confiança racional nas normas como modelos de orientação de conduta. A pena é um instrumento de orientação da vida social e dos cidadãos, que pretende evitar a anomia.

Mediante a posição exposta rechaço a visão sociopsicologicista da prevenção geral positiva, de acordo com a qual o que pretenderia a pena não seria mais do que exercitar certas disposições internas dos indivíduos a obedecer ou respeitar as normas. De acordo com este tipo de concepções a pena não reagiria simbolicamente frente à lesão da juridicidade, mas sim, ao invés, à atitude normativa d autor. Independentemente ninguém saber como influi o ordenamento jurídico-penal nessa «caixa negra» que é a mente e de que é impossível constatar a incidência ou irritação dos delitos das penas nas consciências pessoais, os cidadãos são os únicos competentes e responsáveis pela dita disposição (são eles que processam a incidência que o delito e a pena pode ter para eles). Como seres definidos juridicamente como auto-responsáveis é uma questão particular se se deixam ou não «corromper» na sua disposição normativa. É uma questão particular de cada cidadão como se deixa influir pelas normas penais, as suas infracções e pelas penas que reagem às ditas infracções. A pena não pode ter como tarefa mitigar o perigo de corrupção do delito para cidadãos responsáveis nem pode exercitar ou desenvolver fidelidades normativas. A legitimidade da pena tem que ser alheia a essa disposição individual de respeitar as normas por parte dos que não delinqúem se realmente a dita disposição é um assunto individual com que se tem que preocupar cada um num sistema de liberdades próprio de um Estado democrático. A pena só tem que manter a vigência das directrizes irrenunciáveis de conduta que regem a vida social para que o cidadão as possa continuar  a ter em conta. E isso fá-lo incidindo comunicativamente na manutenção  da vigência ou da eficácia da norma, mas não nos motivos pelos quais os indivíduos respeitam as normas. Os delinquentes podem ser feitos responsáveis da erosão da vigência da norma, mas não das disposições internas dos outros membros da sociedade e, por isso só se lhes pode impor a pena necessária para manter comunicativamente a dita vigência, mas não para neutralizar instrumentalmente as tendências dos outros. Creio que JAKOBS, com a sua última versão da prevenção geral positiva, não acabou de superar estes inconvenientes e, por isso, ocupou um lugar central a ideia do sofrimento. Por esta razão os aspectos comunicativos têm que ver mais com o seu conceito funcional de retribuição, enquanto que a prevenção general positiva como prevenção da erosão geral da norma só se pode conseguir, segundo JAKOBS, instrumentalmente mediante a dor que inflige a pena. Na minha opinião, não é legítimo (para além de impraticável) determinar a pena não em relação ao que o cidadão tenha feito (fez), mas sim utilizando como critério o mal ou sofrimento necessários para conseguir a fidelidade normativa dos cidadãos que actuam como espectadores do processo punitivo. A teoria da prevenção geral positiva de JAKOBS acaba incorrendo no mesmo defeito de todas as teorias preventivo-instrumentais da prevenção geral: numa sociedade de cidadãos facilmente corrompíveis a pena tenderia a ser muito superior à de uma sociedade na qual existem de forma dominante cidadãos que não se deixam corromper; desta maneira se evidencia como a pena perde a necessária proporção comunicativa com o facto.

Se a função da pena é demostrar o vantajoso da obediência ao Direito, carregando o infractor com custos que demonstram que a falta de fidelidade não é um «negocio rentável», se acaba descuidando um aspecto essencial do delito: a sua lesividade social. Por isso a gravidade da pena não deve estar orientada a conseguir fidelidade normativa, mas sim a responder adequadamente à lesividade social do facto delitivo, o qual depende da gravidade desse facto para a ordem social. A pena não pode mais que restabelecer ou reparar o dano à juridicidade produzido pelo facto delitivo (a estabilização normativa é o que conleva seguridade cognitiva para os cidadãos).

(…) Toda a ordem configurada mediante normas é basicamente una ordem simbólica e isso tem que ver com a função de estabilização normativa característica da pena estatal.

Os partidários das teorias preventivo-instrumentais objectam de forma equivocada que uma teoria comunicativa da pena deveria dar lugar a respostas meramente simbólicas sem nenhum tipo de efeitos práticos. Sem embargo constatar a dimensão comunicativa da pena não implica negar que conceptualmente a pena seja sempre um mal (senão não se poderia falar de pena mas sim de outra coisa), mas sim negar que o dito mal tenha basicamente uma mera dimensão instrumental de atemorização (ainda que possa ter esses efeitos latentes). Não só se comunica com palavras, mas também, por exemplo, com gestos ou acções.

A pena não é uma comunicação à qual se vincula um mal mas antes que o mal é o específico da comunicação penal (ainda que às vezes o mal fique em suspenso). A pena é o mal necessário para que a comunicação social ou interpessoal contra determinados factos delitivos seja possível. Determinados factos graves não permitem outro tipo de comunicação (pelo menos no contexto das sociedades que conhecemos).

O autor tem que suportar todo o que seja necessário (ainda que não mais) para compensar o dano que produziu à vigência de la norma como realidade social. A necessidade do mal tem que ver com a intervenção estatal necessária para que a vida social siga sendo cotidianamente uma vida conforme ao Direito, não para que conceptualmente se saiba o que é ou não conforme ao Direito (nesse caso bastaria realmente com uma declaração). A norma não é só um símbolo abstracto que possa ser protegida sem mais com declarações abstractas, outrossim é um instrumento de configuração da vida e das relações sociais que a pena deve seguir mantendo como realidade social. O delito não só pôs em entredito a norma em sentido abstracto, mas também afectou uma determinada relação interpessoal (no caso de delitos contra bens jurídicos individuais) ou a outro âmbito de organização (no caso de delitos contra bens jurídicos colectivos) e, o que é especialmente importante, com isso afectou a liberdade geral como realidade social.

O infractor não só atentou contra um conceito, mas também contra uma realidade social conforme ao Direito e desgastou (“erosionou”) ou colaborou em deteriorar (“erosionar”) as condições existentes para o desenvolvimento geral da liberdade na vida cotidiana. Não comparto com JAKOBS a ideia de que a vigência da norma só se vê afectada pela manifestação da falta de fidelidade. Na minha opinião, a disposição jurídica é um elemento do facto (por isso não faz falta impor males quando o autor cometeu o injusto apesar de uma disposição jurídica mínima), mas a execução do feito delitivo descrito numa norma penal também é um elemento importante do mesmo. Por isso tem que ser mais castigado num suposto de falta de disposição jurídica equivalente aquele que infringe uma norma mais importante para a sobrevivência (“pervivenda”) da sociedade. Desde a minha perspectiva a dimensão comunicativa do facto resulta na obra de JAKOBS demasiado unilateral ao quedar absorbida em exclusivo pela fidelidade ao Direito.” – Cfr. Bernardo Feijoo e Manuel Cancio Mellia, “
[16] Cfr. Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualização judicial da Pena”, Ediciones Universidade Salamanca, p.54
[17] Cfr. Gunther Jakobs, Derecho Penal, Parte General, Fundamentos y Teoria de la Imputación, 2ª edición, Marcial Pons, Barcelona, pag. 8
[18] Bernardo Feijoo Sánchez, Individualización de la pena y teoria de la pena proporcional al hecho, InDret, Barcelona, Janeiro de 2007, pág. 6. Esta corrente intenta combater a ideia de que a medida da pena se possa ver incrementada em função de prognósticos que se possam fazer sobre sucessos e evoluções futuras, o que concederia, na hora da determinação judicial da pena, “uma discricionariedade excessiva que estava conduzindo a uma aplicação desigual do ordenamento jurídico-penal e a um tratemento  discriminatório de determinados indivíduos ou tipo de indivíduos”. – cfr. pág. 6- 
[19] Bernado Feijoo Sánchez, loc. cit. pág. 9.
[20] Antes de atinarmos com sistema de determinação concreta da pena estatuído no ordenamento jurídico-penal português, e porque o nosso legislador não prima pela originalidade, antes se limita a ser um prosélito de afectividades cediças, procuraremos conferir as teorias mais marcantes que se têm debruçado sobre a problemática da determinação concreta da pena, de forma geral. Para o efeito, lançaremos mão da monografia que nos tem vindo a servir de guião, qual seja a “Prevención General e Individualización Judicial de la Pena”, bem como dos ensinamentos recolhidos na obra já citada supra de Gunther Jakobs, de Winfried Hassemer, in “Fundamentos del Derecho Penal”, de Claus Roxin, in “Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal” e Anabela Miranda Rodrigues, in “A Determinação da Pena Privativa de Liberdade” 
[21] cfr. Eduardo Crespo, op. loc.cit., pag. 121.
[22] Cfr. Günther Jakobs, in loc.cit. supra, pag. 13.
[23] Cfr. Jesús-Maria Silva Sáchez, La teoria de la Determinación de la Pena como Sistema (dogmático): un primero esbozo”, InDret, Revista para el Analisis del Derecho, Barcelona, Abril de 2007, págs. 5 e 6. 
[24] Cfr. Américo Taipa de Carvalho, “Prevenção, Culpa e Pena – Um concepção preventivo-ética do direito penal”, in Liber Discipulorum, Coimbra Editora, pag.317 e segs.
[25] Amériço Taipa de Carvalho, op. loc. cit.,pag. 327
[26] “Merecimiento de Pena y Necessidad de Tutela Penal como Referencias de una Doctrina Teleológico-Racional del Delito”, in Fundamentos de un Sistema Europeo del Derecho Penal, Libro-Homenage a Claus Roxin, organizado por J.M. Siva Sanchez, sob a coordenação de B.Schunemann e J. Figueiredo Dias, J.M. Bosch Editor, Barcelona, 1995, pag.157 e segs.
[27] Vide Günther Jakobs, “Derecho Penal – Parte General. Fundamentos y teoria de la Imputación”, marcial Pons, Madrid. 1997, p. 8.
[28] Op. loc. cit. pag. 14.
[29] Cfr. Américo Taipa de Carvalho, op. loc. cit., pag. 83.
[30] Cfr. Américo Taipa de Carvalho, op. loc. cit., p. 86.
[31] Daniel Rodrigez Horcado, “Comportamiento humano y pena estatal: disuasión, cooperación y equidad”, Marcial Pons, Madrid, 2016, pág. 308.  
[32] Cfr. Günther Jakobs, in Estúdios de Derecho Penal”, UAM Ediciones e Civitas, 1997, “El Principio de Culpabilidad”, pág. 393
[33] Disponível em www.dgsi.pt.

[34] Quanto ao principio da proporcionalidade salienta-se o que ficou escrito no  acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Outubro de 2004, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar.

O princípio da proporcionalidade dos crimes e das penas não tem, como refere o acórdão recorrido, consagração directa e expressa na Constituição, nem em instrumentos internacionais operativos sobre direitos fundamentais (v. g. a Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos), embora seja expresso no artigo 49.º, n.º 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que, todavia, constitui um documento político, sem força jurídica vinculativa, a não ser por via dos princípios fundamentais estruturantes e comummente aceites como princípios gerais de direito que formalmente assume e inscreve.

O princípio da proporcionalidade, que é sobretudo proibição de excesso, e que se desdobra nos sub-princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito (ponderação razoável entre meios e fins), constitui um princípio operativo que intervém como teste ou reactivo da intensidade da intervenção das autoridades públicas sobre a esfera dos indivíduos, especialmente, mas não apenas, no que respeite a intervenções invasivas sobre direitos fundamentais; a proporcionalidade, neste sentido, é a medida razoável da concordância prática entre direitos e valores em conflito, públicos e da esfera dos indivíduos.

Mas, como conceito e princípio operativo, a proporcionalidade intervém na ponderação sobre ingerências das autoridades públicas no desenvolvimento e aplicação de normas, e não na formulação e edição das próprias normas.

Neste domínio, o princípio situa-se em uma outra dimensão, não já operativa, mas de vinculação do legislador, e por isso, não directamente sindicável no plano jurisdicional, sabida a liberdade de conformação do legislador na definição das grandes opções e, especialmente, na definição dos crimes e das respectivas concretizações típicas em direito penal. A proporcionalidade dos crimes e das penas significa que o legislador pode usar o direito penal como meio de tutela de valores e interesses fundamentais ou decisivamente relevantes da comunidade, definindo os comportamentos que afectem tais valores e sancionando a respectiva violação com as correspondentes sanções, adequadas à intensidade dos valores protegidos e à gravidade da respectiva violação.

Na dimensão do princípio como injunção ao legislador, os critérios de proporcionalidade assumidos nas definições legislativas não são directamente sindicáveis, salvo no que puderem contender com outros princípios federadores com dimensão operativa, como pode ser, em certos limites, o princípio da dignidade da pessoa humana.

Na definição dos crimes e das penas, a proporcionalidade exigirá que os limites das penas aplicáveis a determinado crime não sejam estabelecidas em feição exclusivamente utilitarista intimidatória, mas, dentro da moldura considerada adequada, respeitem o princípio da culpa como limite inultrapassável de outras imposições ou exigências.

Não tem, pois, sentido a invocação que faz o recorrente; por isso, se interpreta a motivação como tendo por objecto a discussão sobre a aplicação dos critérios para a determinação da medida concreta da pena, à sombra de uma leitura pessoal do princípio da proporcionalidade.

A determinação da medida da pena pressupõe, porém - e mesmo oficiosamente, à margem do modelo de impugnação do recorrente - , a integração dos factos provados na definição dos crimes que for a adequada e das consequentes molduras penais.
[35] Disponível em www.dgsi.pt.
[36] “(…) enquanto qualificado como de trato sucessivo, se  ficcione, uma unidade resolutiva, abrangida por um único dolo inicial, que a realidade e as leis da psicologia desmentem, apontando para um dolo fraccionado, uma renovação da vontade criminosa, visível nos separados actos  de consumação distanciados por  visíveis  hiatos  temporais.
A aplicação do trato sucessivo quando, como sucede nos crimes de abuso sexual de menores, estão em causa bens eminentemente pessoais é igualmente rejeitada no muito recente acórdão deste Supremo Tribunal, de 25 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 27/14.5.JAPTM.S1, «pelas mesmas razões por que se não aceita a configuração do crime continuado» em tais situações. 
No acórdão deste Supremo Tribunal, de 12 de Julho de 2012 (Proc. n.º 1718/02.9.JOLSB), foi mantida a condenação do aí arguido pelo concurso de vários crimes de natureza sexual praticados contra o mesmo ofendido, referindo-se, então, após exaustivo levantamento doutrinal, que o comportamento do arguido evidenciava «uma persistente, e renovada, vontade de violar a lei e aviltar as vítimas e que, «em cada um dos actos sexuais praticados, e em relação a cada uma das vítimas, consumou-se uma decisão, uma opção de vontade, perfeitamente delimitada na sua autonomia em relação a todas as outras».
X. A questão da qualificação jurídica não foi colocada às instâncias de recurso, mas a matéria de facto comprovada  permite concluir que, por ex.º, em relação à ofendida CC, filha da sua companheira,  o abuso se consumou mediante cópula,   por, pelo menos,  20 vezes, ao longo dos anos de  2007 ( antes do Natal )  a 2011, entre os seus 10  e 16 anos ( nasceu em ... )  e em relação à filha BB, nascida em...,  mediante actos  sexuais de relevo, como esfregar-lhe  a zona da vulva desta, ou, terminado  o banho, o insistir em ser ele a  espalhar creme pelo   corpo,  todo nu, tocando lhe no peito, nas pernas, na vagina, na vulva, nas nádegas, beijando-lhe os lábios, acordando  com o arguido a seu lado a massajar-lhe o peito e a vagina sem, no entanto, introduzir os dedos nela,  isto por  7 vezes, pelo menos, entre 2003 e 2006, ou seja entre os 10 e 13 anos,   apontaria para um concurso efectivo e real de infracções prejudicial ao arguido, redundando essa mutação em “ reformatio in pejus “, não consentida.
 Cada um dos vários actos do arguido foi levado a cabo num diverso contexto situacional, necessariamente comandado por uma diversa resolução e traduziu-se numa autónoma lesão do bem jurídico protegido. Deve por isso entender-se que, referentemente a cada grupo de actos, existe, usando palavras de Figueiredo Dias, «pluralidade de sentidos de ilicitude típica» e, portanto, de crimes.
No acórdão deste Supremo Tribunal, de 17 de Setembro de 2014 (Proc. n.º 595/12.6TASLV.E1.S1), num caso em que o aí arguido fora condenado, em concurso efectivo, pela prática de vários crimes de abuso sexual de criança (sua enteada) e reivindicava a sua condenação pela prática de um crime de trato sucessivo de abuso sexual, entendeu-se:
«O crime de trato sucessivo, embora englobe a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico executado por forma essencialmente homogénea, é unificado pela mesma resolução criminosa, bastando a prática de qualquer das condutas para que fique preenchido o tipo legal de crime.»
No caso aí tratado, pode ler-se que  «as acções adequadas à produção do resultado, ainda que de forma sucessiva, não se encontram interligadas de forma a que só possam produzir o resultado numa adequação conjunta de todas elas. Outrossim, cada acção produz o consequente resultado», inexistindo uma «unidade típica de acção». A renovação de acção criminosa reiteradamente desenvolvida produz, lê-se no mesmo aresto, o consequente e adequado resultado. Embora se verifique homogeneidade na violação do mesmo bem jurídico, há uma pluralidade de resolução criminosa na produção do resultado que desencadeia e que se autonomiza como tal, pelo que inexiste o crime de trato sucessivo.  ” 
E outras decisões deste Supremo Tribunal se podem convocar no sentido de que, no caso do crime de abuso sexual de crianças, o entendimento é o da integração da pluralidade de condutas à figura do concurso efectivo de crimes, afastando-se a possibilidade de subsunção a outras figuras, designadamente ao crime de trato sucessivo.  Neste sentido, de entre outros, acórdãos de 13-07-2011 (Proc. n.º 451/05.4JABRG.G1.S1-3.ª secção); de 2-09-2012 (Proc. n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª secção); de 22-01-2013 (Proc. n.º 182/10.3TAVPV.L1.S1-3.ª secção); de 17-09-2014 (Proc. n.º 595/12.6TASLV.E1.S1-3.ª secção); de 17-09-2014 (Proc. n.º 67/12.9JAPDL.L1.S1-3.ª secção); e de 22-04-2015 (Proc. n.º 45/13.0JASTB.L1.S1-3.ª secção).
Sendo que o tipo penal do crime de abuso sexual de crianças não é compaginável com tal figura jurídica, uma vez que, a específica configuração do crime de abuso sexual de crianças exige, pressupõe, a afirmação de uma pluralidade de resoluções criminosas na produção do resultado que desencadeiam e que, portanto, se autonomizam como tal.” – Cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Janeiro de 2016, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro, in www.dgsi.pt.
[37] Javier Boix Reig, Derecho Penal, Parte Especial, Volumen I. La protección penal de los intereses jurídicos personales”, iustel, 2016, 390.
[38]O dolo, tanto o do Direito comum anterior como o do actual, deve definir-se como a vontade de um sujeito capaz de acção, dirigida para a produção de um concreto tipo de delito, conhecendo todos os elementos delitivos, e especificamente sendo consciente da antijuridicidade dessa acção concreta.” – Karl Binding, La Culpabilidad en Derecho Penal, editorial Bdef, Buenos Aires, 2009, pág. 42    
[39] Neste sentido Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Noticias, 1993, pag.337 e segs.
[40] Cfr. op. loc. cit. pag. 343.
[41] Incisivamente pronunciou-se, neste sentido, o Ac. do STJ, de 19.12.2002, prolatado no processo nº4421/02, onde se escreveu: “I - A suspensão da execução da pena insere-se num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda de liberdade física, importa sempre uma intromissão, mais ou menos profunda, na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, como uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos”; III – A suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades a punição, deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá, no futuro, nenhum crime”.          
[42] Cfr. ainda quanto à natureza da pena de prisão suspensa na sua execução o recente Ac. do Tribunal Constitucional nº3/2006/ T. Const., prolatado do processo nº904/2205, publicado do DR – IIª Série, nº27, de 7 .2.2006.
[43] “La sanción jurídica de la conduta lesiva responde a una elemental exigência ética y constituye una verdadera constante histórica: el autor del daño responde de él, esto es, se halla sujeto a responsabilidad. Este vocábulo sugiere, incluso antes de cualquier reflexión jurídica, la idea de que la persona está sometida a la necesidad de soportar las consequências de sus actos. Y la expressión más cabal de esa «necesidad» es la obligación de indemnizar o reparar los perjuicios causados a la vitima.” – Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo 1, Bosch, 2ª edición, 2008, 14.      
[44] Cfr. Pessoa Jorge, Fernando, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil, Almedina, 1995, pág. 53 a 57. Para este autor os pressupostos da responsabilidade civil reduzem-se a dois: acto ilícito e prejuízo reparável. 
[45] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 495.
[46] “Estos pressupuestos son: em primer lugar, una conduta, bien sea positiva (acción), bien sea de inactividad (omissión). En segundo término, esa conduta, según el criterio de imputación de responsabilidad del Código Civil (distinto es el de alguno de los «regímenes especiales», debe ser subjetivamente atribuible o reprochabale al agente, esto es, ha de ser una actuación caracterizada por la culpabilidad. En tercer lugar, el comportamiento en cuestión tiene que revestir caracteres de antijuridicidad o ilicitud o, dicho de otro modo, injusticia. Además ha de existir un resultado lesivo, esto es, un daño debe mediar una relación de causalidad bastante para que ese daño pueda ser atribuible al autor de la conduta sobre cuya responsabilidad se trata.” - Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo 1, Bosch, 2ª edición, 2008, 219-220.        
[47] Sinde Monteiro, Jorge, in “Responsabilidade Civil”, Revista de Direito e Economia, Ano IV, n.º 2, Julho/Dezembro, 1978, doutrina que “[estamos] em presença de responsabilidade civil por factos ilícitos quando a ordem jurídica coloca como pressuposto da obrigação de reparar um dano causado a outrem a exigência da verificação de um facto ilícito e a possibilidade de afirmação de um nexo de imputação subjectivo do facto ao agente, i. é, que tenha procedido com culpa. Fundamento da responsabilidade é aqui a culpa, ou, se preferirmos, o juízo de reprovação que a conduta do agente suscita, verificando-se uma aproximação entre os juízos de censura moral e do direito”. - pág. 317.      
[48] Para o autor citado na nota anterior, a responsabilidade por factos lícitos, ocorre “[nas]hipóteses em que a lei, atendendo ao interesse preponderante de um particular ou da colectividade, permite uma intervenção na esfera jurídica alheia em detrimento de um direito que em principio goza de uma protecção absoluta (impondo correspondentemente ao titular deste um dever de tolerar essa intervenção negando-lhe o direito de defesa que de outro modo lhe é concedido) estabelecendo, todavia, a cargo do titular do direito ou do interesse supra-ordenado a obrigação de reparar os danos sofridos pelo «sacrificado» (exemplo: art. 339.º).”       
[49] Para um esclarecedor e detalhado desenvolvimento sobre os aspectos jurídico-ontológicos que a culpa pode assumir no conspecto da responsabilidade civil: – colpa civile e colpa penale; la colpa per violazione di norme giuridiche; la colpa per violazione di norme di comune prudenza; la diligenza come parametro di determinazione della condotta dovuta e come criterio di responsabiltà.I contenuti della diligenza; la prevedibilità; la colpa comissiva e colpa omissiva; la colpa lieve e la colpa grave – veja-se Laura Mancini, “Responsabilità Civile. La Colpa nella Responsabilità Civile”, Giuffrè Editore, 2015, ps. 25 a 55.  
[50] “Para determinar se a acção ou omissão não dolosa, mas realizada com infracção de um dever objectivo de cuidado, que possa ser reprovado ao sujeito, a título de culpa ou negligência, como exige o artigo 1.902, o decisivo não é a previsão objectiva do juiz, mas sim, unicamente, o juízo prévio de que o agente, no uso das suas faculdades, se tivesse podido formar à vista das circunstâncias que configuravam concretamente o caso, de ter observado o cuidado pessoalmente possível para ele …” – Cfr. Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, in Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo I, Bosch, 2008, Barcelona, p. 222.         
[51] Cfr. Ignacio de la Cuesta, op. loc. cit., p. 223. 
[52] “(…) de manera que el canon de diligencia debe venir representado por la que guarda el hombre médio, sin deber ser exgible una diligencia extraordinária. En el âmbito de la actividad empresarial o profissional esto se traduciria en la aplicación de un principio de rpoporcionalidad, según el qual el deber de diligencia tiene su limite allí doonde exista uuna desproporción apreciable entre el coste de adopción de determinadas medidas de prevención y probabilidad de que se produzca un daño de alcance relevante. Sin embargo, lo cierto es que en este âmbito, la jurisprudencia  sólo reconoce el canon clásico de la «diligencia exactíssima». - cfr. Reglero Campos, Fernando, “Tratado de Responsabilidad Civil, Aranzadi, Thomson, 2002,
[53] Cfr. Vaz Serra, em Boletim do Ministério da Justiça n.º 84, página 284, e n.º 100, página 127.
[54] Cfr. – Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6.ª edição, páginas 870-871; Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 3.ª edição, página 369; Rui Alarcão, Direito das Obrigações, 1983, página 281; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3.ª edição, páginas 521-522; e Jorge Ribeiro Faria, Direito das Obrigações, volume I, página 505.
[55] Cfr. – Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6.ª edição, páginas 861, nota 2.
[56] cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de28-11-94, proferido no recurso n.º 87187, publicado na Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano III, tomo III, página 74, e no Boletim do Ministério da Justiça n.º 450, página 403.
A doutrina nacional também se tem pronunciado neste sentido, como pode ver-se em – Vaz Serra, em Boletim do Ministério da Justiça n.º 84, página 41; – Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, páginas 352, 353 e 357; – Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 503; – Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6.ª edição, página 868; – Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3.ª edição, página 520; – Rui de Alarcão, Direito das Obrigações, 1983, página 286; e Jorge Ribeiro Faria, Direito das Obrigações, volume I, página 507.

[57] cfr. a este propósito o douto acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 11-01-2011, in www.dgsi.pt, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas, em que se escreveu: “O juízo de causalidade numa perspectiva meramente naturalística de apuramento da relação causa-efeito, insere-se no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 729.º, n.º 1 e 722.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. 10) Assente esse nexo naturalístico, pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade, que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil. 11) O artigo 563.º do Código Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias. 12) De acordo com essa doutrina, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis.
[58] Cf. a este propósito o aresto deste Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Janeiro de 2016, relatado ela Conselheira Maria da Graça Trigo, em que se escreveu: “O juízo de causalidade é tanto um juízo de facto como de direito. Não cabe a este Supremo Tribunal sindicar o juízo de facto feito pela Relação, mas apenas pronunciar-se acerca do respeito pelo critério normativo da causalidade (cfr., a respeito da responsabilidade por actos médicos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 2013, proc. 6297/06.5TVLSB.L1.S1, www.dgsi.pt; em geral, ver, por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 2010, proc. nº 2164/06.OTVPRT.P1, de 6 de Maio de 2010, proc. nº 11/2002.P1.S1, e de 15 de Novembro de 2007, proc. nº 07B2998, todos em www.dgsi.pt).
(…) Reafirme-se que o juízo positivo de relação causal no plano fáctico não pode ser reapreciado pelo Supremo. Dá-se como assente que, durante a cirurgia, foi causada a lesão na medula da A., ainda que não esteja dado como provado qual foi a conduta concreta que a causou e, portanto, quem foi o autor da mesma lesão. Mas, por definição, sabe-se que foi um ou mais dos agentes que intervieram na cirurgia.
No plano do juízo normativo de causalidade, que compete a este Supremo Tribunal, há que ter em conta que os RR. alegam não ter sido feita prova do nexo causal entre a cirurgia e os danos sofridos pela A., designadamente por não bastar, para o efeito, utilizar o critério da causalidade adequada na sua formulação negativa.
Recorrendo-se à teoria da causalidade adequada, aceite pela jurisprudência deste Tribunal (cfr., por exemplo, os acórdãos de 25 de Novembro de 2010, proc. nº 896/06.2TBPVR.P1.S1, de 15 de Novembro de 2007, cit., e de 1 de Julho de 2010, cit., todos em www.dgsi.pt) na interpretação do art. 563º do CC, “É necessário, portanto, não só que o facto tenha sido, em concreto, condição ‘sina qua non’ do dano, mas também que constitua, em abstracto, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção” (Almeida Costa. Direito das Obrigações. 2009, pág. 763).
[59] Cfr. a este propósito o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 01-07-2003, relatado pelo Conselheiro Azevedo Ramos. “(…)“Nexo de causalidade: A teoria da causalidade adequada, recebida no art. 563.º do C.C., comporta dois momentos. Num primeiro momento, um nexo naturalístico, consistente na existência de um facto condicionante de um dano, para que haja reparação desse dano sofrido. Ultrapassado aquele primeiro momento, pela positiva, impõe-se um segundo momento, um nexo de adequação, isto é, que o facto concreto apurado seja, em abstracto e em geral, apropriado para provar o dano. Enquanto o nexo naturalístico constitui matéria de facto, cujo apuramento incumbe às instâncias, já o nexo de adequação envolve matéria de direito, de que é lícito ao Supremo conhecer.”
[60] No mesmo sentido da jurisprudência portuguesa segue a jurisprudência do mais alto Tribunal espanhol, como o atesta a sentença do Tribunal Supremo, de 24 de Maio de 2004, citada por Fernando Reglero Campos, pág 727-728, onde se faz a destrinça entre o aspecto puramente fáctico e a dimensão jurídica que engolfa a questão do nexo de causalidade. Refere esta sentença que: “o juízo de causalidade “jurídica” se visualiza em duas sequências, a primeira das quais faz referência à causalidade material ou física, que se apresenta no processo como um problema eminentemente fáctico, e, por ende, como thema probandi, alheia aos preceitos substantivos como os artigos 1902 y 1903 do CC que servem de fundamento de cassação “casacional” motivado, pelo que somente mediante denúncia de erro na valoração probatória na forma adequada cabe uma verificação deste recurso. A segunda sequência – esta sim controlável em sede de cassação – faz referência ao juízo sobre a adequação ou eficiência da causa física ou material para gerar o nexo com o resultado danoso, cuja indemnização se pretende na demanda.” Para mais desenvolvimentos sobre as diversas teorias que informam esta problemática veja-se o Autor citado, na obra que vimos citando, a páginas           
[61] Cfr. Miranda Barbosa, Ana Mafalda, in “Responsabilidade Civil Extracontratual – Novas Perspectivas em Matéria de Nexo de Causalidade” Princípia Editora, Cascais, 2014, pgs. 196.
[62] Cfr. Miranda Barbosa, Ana Mafalda, in op. loc. cit., pgs. 33 e sgs.
[63] Constitui jurisprudência e doutrina assente que a lei – cfr. artigo 563.º do Código Civil – consagrou a teoria da causalidade adequada, segundo a qual, “para que um dano possa ser imputado, causalmente ao agente, o único que se exige é que o nexo causal não haja sido interrompido pela interferência de outra serie causal alheia à anterior.” – cfr. Fernando Reglero Campos, in op. loc. cit. pág. 733.  
[64] Na formulação de Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, in “Tratado de Responsabilidad Civil”, Tomo I, Bosch, Barcelona, 2008, pag. 415, “(…) nem todos os acontecimentos que precedem um dano (sendo, por assim dizer, as causas da sua produção) têm a mesma relevância. O dano tem de se associar aquele antecedente que, segundo o curso normal dos acontecimentos, tenha sido a sua causa directa e imediata. Todos os demais são periféricos e, portanto, irrelevantes para efeitos de atribuição da responsabilidade. Por isso, uma pessoa responde pelo dano produzido só no caso de que a sua conduta culposa tenha tido esse carácter de causa adequada ou causa normalmente geradora do resultado.” Segundo este tratadista ocorre uma tendência doutrinal de matizar esta doutrina, privilegiando uma imputação subjectiva ou uma imputação objectiva. De acordo com esta última doutrina, constituem-se critérios excludentes da imputação objectiva: 1.º - o risco geral da vida; 2.º - a proibição de regresso (segundo o qual não deve imputar-se objectivamente a quem pôs em marcha um curso normal que conduz a um resultado danoso, quando neste intervém, supervenientemente, a conduta dolosa ou gravemente imprudente de um terceiro; 3.º - o critério da provocação; 4.º - o fim da protecção da norma (não podem ser objectivamente imputados à conduta do autor aqueles resultados danosos que caiam fora do âmbito da finalidade da protecção da norma sobre a qual pretenda fundamentar-se a responsabilidade do demandado; 5.º - o critério denominado do incremento do risco ou da conduta alternativa (não pode imputar-se uma determinada conduta um concreto evento danoso, se, suprimida idealmente aquela conduta, o evento danoso na sua configuração totalmente concreta se tivesse produzido também, com segurança ou probabilidade razoável em certeza, e se a conduta não incrementou o risco de que se haja produzido o evento danoso); 6.º - as supostas competências da vitima (se na configuração concreta de um contacto social, o controle da situação corresponde à vitima, é a ela a quem devam imputar-se as consequências lesivas e não ao comportamento do autor imediato).          
[65] “Assim, no nexo de causalidade entre o facto e o dano, a ligação é feita, em último termo, mediante um nexo de adequação do resultado danoso à conduta, nexo de que este Supremo pode conhecer, por ser questão de direito. (Ac. S.T.J. de 11-5-2000, Bol. 497-350; Ac. S.T.J. de 30-11-2000, Col. Ac. S.T.J., VIII, 3º, 150; Ac. S.T.J. de 21-6-2001, Col. Ac. S.T.J., IX, 2º, 127; Ac. S.T.J. de 15-1-2002, Col. Ac. S.T.J., X, 1º, 36)” – Cfr. Ac. do STJ de 01-07-2003, relatado pelo Conselheiro Azevedo Ramos.
Escreveu-se, a propósito da formulação negativa da teoria da causalidade adequada, no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 15-03-2012, in www.dgsi.pt, relatado pelo Conselheiro Hélder Roque, que: “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado, provavelmente, não teria sofrido se não fosse a lesão, de acordo com a doutrina da causalidade adequada, na sua vertente negativa, consagrada pelo artigo 563º, do CC, segundo a qual um facto é causal de um dano quando é um de entre as várias condições sem as quais aquele se não teria produzido.
É que nem todos os danos sobrevindos ao facto ilícito estão incluídos na responsabilidade do agente, mas apenas os que resultam do facto constitutivo da responsabilidade, na medida em que se exige entre o facto e o dano indemnizável um nexo mais apertado do que a simples sucessão cronológica - cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 429 e 641.
Para que possa reclamar-se o ressarcimento de certo dano, é necessário, mas não suficiente, que o acto seja condição dele, porquanto se exige, igualmente, que o mesmo, provavelmente, não teria acontecido se não fosse a lesão, o que reconduz a questão da causalidade a uma questão de probabilidade, sendo, então, causa adequada aquela que, agravando o risco de produção do prejuízo, o torna mais provável – cfr. Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª edição, revista e actualizada, 1997, 409 -, e não aquela que, de acordo com a natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para o produzir, mas que só aconteceu devido a uma circunstância extraordinária – cfr. Vaz Serra, Obrigação de Indemnização, BMJ nº 84, nº 5, 29.     
[66] Cfr. Manuel Carneiro Frada, Direito Civil. Responsabilidade Civil. O Método do Caso. Almedina, 2010, (Reimpressão), p. 100.
[67] cfr. Miranda Barbosa, Ana Mafalda, in “Responsabilidade Civil Extracontratual – Novas Perspectivas em Matéria de Nexo de Causalidade” Princípia Editora, Cascais, 2014, pgs. 23 a 26.    
[68] Quanto à necessidade de distinção entre imputação objectiva e relação causal (numa perspectiva jurídico-penal), veja-se Fernando Reglero Campos, in “Tratado de Responsabilidad Civil”, Tomo I, Parte General, Thomson-Arandazi, 2008, Cizur Menor (Navarra), pags. 730 e 731.
[69] Numa perspectiva mais actualista, Fernando Reglero Santos, in op. loc. cit. pags. 721 a 780, refere que para que uma conduta se possa imputar, ou ser causal de um evento danoso, “é suficiente que o prejuízo se haja produzido dentro de um determinado âmbito, o da aplicação da norma especial, para que seja imputável ao sujeito por ela designado, ou ainda que o tenha sido no seio de uma determinada actividade para que a imputação possa ser dirigida contra quem resulte ser o seu titular.” “A determinação de se uma conduta ou actividade se integra na etiologia do facto danoso não constitui tanto um fenómeno que possa ser ubicado dentro de certos critérios axiomáticos ou jurídico-dogmáticos, enquanto uma questão de direito que deva ser resolvida pelo juiz atendendo mais do que a elementos empíricos a critérios puramente subjectivos dirigidos, no caso concreto, à consecução de um resultado justo e equitativo.” (tradução nossa).     
[70] cfr. Fernando Reglero Santos, op. loc. cit. pág. 726.
[71] Cfr. por todos Antunes Varela, Das obrigações em Geral, Coimbra, 1989, Vol. I, ps. 572-578. “A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em conta as circunstâncias do caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.” (p. 576)   
[72] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Maio de 2007, relatado pelo Conselheiro Alves Velho, no Processo nº 07ª1187. Vejam-se ainda a título meramente exemplificativo os acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 04-03-2004, relatado pelo Conselheiro Moitinho de Almeida e de 9-10-2004, relatado pelo Conselheiro Nuno Cameira, no Processo 2897/2004. 
[73] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Maio de 2007, relatado pelo Conselheiro Alves Velho, no Processo nº 07ª1187. Vejam-se ainda a título meramente exemplificativo os acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 04-03-2004, relatado pelo Conselheiro Moitinho de Almeida e de 9-10-2004, relatado pelo Conselheiro Nuno Cameira, no Processo 2897/2004. 
[74] Segundo Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, 9ª ed., Vol. I, pág. 630, tal indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.
[75] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª ed., vol. I, pág. 501.
[76] Na RLJ, Ano 113º, pág. 104.
[77] Cfr. no mesmo sentido, os Acs. de 5/11/09, Proc. nº nº 381-2002-S1, 16/12/10, Proc. nº 270/06.0TBLSD.P1.S, e de 20/10/11, Proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1, no IGFEJ.