Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
20403/16.8T8SLB.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: MARIA OLINDA GARCIA
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
APLICAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
INCUMPRIMENTO
ILICITUDE
CULPA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Data do Acordão: 09/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR.
Doutrina:
-Antunes Varela, Das Obrigações Em Geral, Volume I, 10.ª Edição, p. 521, 522 e 894; Volume II, 7.ª Edição, p. 94;
-Fátima Gomes, Contratos de Intermediação Financeira, Sumário Alargado, in Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio Almeida Costa, UCP Editora, 2002;
-Fazenda Martins, Deveres dos Intermediários Financeiros, em Especial, os Deveres para com os Clientes e o Mercado; Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, N.º 7, 2000;
-Gonçalo Castilho dos Santos, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, Almedina, 2008;
-José Engrácia Antunes, Os princípios gerais da atividade de intermediação financeira, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, N.º 56, 2017;
-Menezes Cordeiro, Responsabilidade bancária, deveres acessórios e nexo de causalidade, in Estudos de Direito Bancário, Volume I, Almedina, 2018;
-Menezes Leitão, Actividades de Intermediação e Responsabilidade dos Intermediários Financeiros, in Direito dos Valores Mobiliários, Volume II, Coimbra Editora, 2000;
-Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 3.ª Edição, 2016;
-Rui Pinto Duarte, Contratos de Intermediação Financeira no Código dos Valores Mobiliários, Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, N.º 7, 2000.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 635.º, N.º 4 E 639.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 344.º, 483.º, 562.º, 563.º, 566.º, 798.º E 799.º.
CÓDIGO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CMVM): - ARTIGO 312.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 06-06-2013, RELATOR ABRANTES GERALDES;
-DE 12-01-2017, RELATOR OLINDO GERALDES;
-DE10-04-2018, RELATOR FONSECA RAMOS, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - O cumprimento ou incumprimento dos deveres de informação que o art.312.° do CMVM impõe ao intermediário financeiro, só ao nível do caso concreto pode ser efetivamente determinado, tendo por base o perfil do cliente e as específicas circunstâncias da contratação.

II - Concluindo-se que o intermediário financeiro violou ilícita e culposamente os deveres de informação que lhe eram impostos, torna-se responsável pelos prejuízos imputáveis à sua conduta.
Decisão Texto Integral:

I. RELATÓRIO

           AA propôs ação de condenação, em 05.08.2016, contra o Banco BB, S.A., peticionando a condenação do Réu a restituir-lhe a quantia de €169.644,96 (cento e sessenta e nove mil seiscentos e quarenta e quatro euros e noventa e seis cêntimos), acrescida de juros à taxa supletiva legal para as operações comerciais, contados desde a data da citação até integral e efetivo pagamento.

            O Autor alegou, em síntese:

- que era, há mais de 12 anos, cliente do Banco CC, S.A. (CC), através da agência de ...;

- que em 11.11.2008, seduzido pela conversa do Gerente do balcão com quem lidava, o qual lhe garantira que se tratava de um produto sucedâneo de um mero depósito a prazo, com garantia de reembolso do capital dada pelo próprio Banco e melhor remuneração, o Autor subscreveu a compra de três “Obrigações ... Rendimento Mais 2006”, no valor nominal de €50.000,00 (cinquenta mil euros), cada uma;

- que para concretização da compra de tal produto, em 05.11.2008, o referido gerente da agência procedera, já sem autorização do Autor, ao resgate do Fundo de Investimento Imobiliário, denominado “CC IMO”, em que tinha aplicada a quantia de €327.324,49, transferindo este valor para a conta de depósitos à ordem do Autor e com data-valor de 10.11.2008, debitou a referida conta à ordem, no montante de €150.000,00, para a aquisição das três obrigações ... 2006. Contudo, no mesmo dia, foi feito o estorno de tal operação. Porém, no dia 11.11.2008, obtida ardilosamente a assinatura do Autor, consumou-se a operação e com data-valor desse mesmo dia foi debitada da referida conta à ordem a quantia de €150.000,00 para a aquisição das três obrigações ... 2006.

           Alegou também que só adquiriu as referidas obrigações com base na confiança que tinha na relação bancária estabelecida com os funcionários do CC, sendo que se soubesse que perdia o controlo do dinheiro, que só poderia ser reembolsado a partir de 8 de Maio de 2016 e se lhe tivessem sido explicadas as características do produto e, sobretudo, se lhe tivesse sido mostrado o documento n.7, nomeadamente os capítulos "REEMBOLSO ANTECIPADO", "LIQUIDEZ E SUBORDINAÇÃO", bem como a ausência de garantia do Banco à subscrição, nunca teria efetuado essa operação.

           Alegou ainda que a "... — DD, SGPS S.A.", hoje denominada "EE, SGPS, S.A." não pagou as obrigações na data do seu vencimento, em 8 de Maio de 2016, apenas tendo pago os juros semestrais até 30 de Abril de 2015, tendo o Autor entretanto tomado conhecimento que a entidade emitente "... — DD, SGPS. S.A.", apresentou no Tribunal de Comércio da Comarca de Lisboa um Processo Especial de Revitalização e que a "EE, SGPS, S.A." foi, entretanto, declarada insolvente, por sentença de 29.06.2016, proferida no âmbito do processo n.23449/15.0T8LSB, que corre termos na 1a Secção de Comércio — J4, da Comarca de Lisboa.
Pretende, assim, ser ressarcido dos prejuízos sofridos por força da atividade do CC/Réu como entidade bancária e intermediário financeiro, nos termos dos artigos 73°, 74°, 75° e 78° do Regime Geral das Instituições Financeiras e Sociedades de Crédito (RGIFSC), aprovado pelo DL n.298/1992, de 31 de Dezembro, e dos artigos 304°, 7°, n. 1 e 312°, n.1, do Código dos Valores Mobiliários (CVM), aprovado pelo DL n. 486/99, de 13 de Novembro.

2. O Réu contestou, por exceção e por impugnação.
Por exceção, invocou: (i) a ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade da causa de pedir; (ii) a prescrição de qualquer direito que pudesse assistir ao Autor, argumentando que este tem conhecimento da suposta subscrição abusiva da Obrigação ... R M 2006 desde a nacionalização do CC, em Novembro de 2008, pelo que o prazo de dois anos previsto no artigo 342° do CVM para o demandar por ato praticado como intermediário financeiro, já se encontrava prescrito quando a ação deu entra em juízo (05/08/2016); e (iii) o abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, atendendo à propositura da presente ação decorridos cerca de oito anos após a nacionalização do CC e porque o Autor se conformou com a transação, não se tendo inibido de auferir o respetivo rendimento durante dez anos.  
Por impugnação, contrapôs, em substância, que foi o Autor quem deu instruções para a subscrição das três obrigações ... 2006, com perfeito conhecimento da natureza e condições de remuneração, reembolso e liquidez, características que lhe foram explicadas, bem sabendo que não estava a contratar um DP ou qualquer produto equivalente a tal, mas antes dívida da sociedade-mãe do CC, com a segurança inerente a tal condição.
Termos em que concluiu pela improcedência da ação e consequente absolvição do Réu do pedido contra si formulado.

3. Na audiência prévia, o Autor respondeu às exceções da ineptidão da petição inicial e da prescrição, argumentando, em síntese, que a ineptidão da petição inicial não pode ser julgada procedente por se verificar, a partir da contestação apresentada pelo Réu, que este, apesar de arguir a ineptidão, compreendeu e interpretou convenientemente a petição inicial. Quanto à prescrição, esta não se verifica porque na petição inicial são reportados factos que traduzem culpa grave do Banco Réu, pelo que o prazo de prescrição não é de dois anos, conforme dispõe o n.2 do artigo 324° do Código dos Valores Mobiliários (doravante CVM), mas o prazo ordinário de 20 anos.
4. Foi elaborado despacho saneador que julgou improcedente a exceção dilatório de ineptidão da petição inicial arguida e relegou para a decisão final o conhecimento da exceção perentória da prescrição.

5. Em 21.04.2017, procedeu-se à audiência de julgamento, com registo das declarações orais nela prestadas, e em 03.06.2017, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, por não provada, absolvendo o Réu do pedido.

6. Não se conformando com esta decisão, o Autor apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa.
7. O Tribunal da Relação de Lisboa, em 15 de março de 2018, proferiu a decisão que se transcreve:
«Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a sentença recorrida, que substituem pelo presente acórdão, que julga a acção parcialmente procedente e provada, condenando o Réu Banco BB, S.A. a restituir ao Autor a quantia de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa Euribor+1,5%, em vigor entre 30/04/2015 e 08/05/2016 e à taxa de 4% ao ano, desde 09/05/2016 até efectivo e integral pagamento.
Custas da acção e da apelação por ambas as partes, na proporção de 3% para o Autor/Recorrente e de 97% para o Réu/Recorrido»

8. O Réu interpôs o presente recurso de revista, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. «A decisão recorrida, tendo revisto a decisão sobre a matéria de facto quanto a 13 dos factos não provados na primeira instância, vem depois a condenar o Banco-R por responsabilidade civil na qualidade de intermediário financeiro, por prestação de informação falsa, concretamente a constante de parte daqueles factos, na colocação de instrumento financeiro junto dos AA. 
2. Para tanto, o douto aresto verifica o cumprimento dos gerais pressupostos da responsabilidade civil, e concretamente a ilicitude – que identifica com a dita falsidade de informação -, a culpa – que se presume nos termos gerais do art.799º do CC e 314º do CVM - e o dano – correspondente ao valor da prestação não cumprida pela entidade emitente!
3. Já quanto ao nexo de causalidade, o douto acórdão, caracterizando esta como uma responsabilidade contratual, limita-se a invocar a sua presunção, por extensão da presunção de culpa do art.799º, aliás, a par da presunção também da ilicitude – na esteira de posição do Prof. Menezes Cordeiro.
4. Olvida o Tribunal recorrido que tal posição doutrinária assenta na aproximação à solução histórica francesa da faute, quando o sistema acolhido no nosso Código Civil tem origem germânica, e, portanto, em pouco toca aqueloutro.
Mais,
5. Do texto do art.799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade. E, de resto, nos termos do disposto no art.344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!
6. E não se alcançam razões (que o acórdão recorrido também não adianta...) que justifiquem que a presunção própria da censura ético-jurídica da conduta do agente deva ser estendida à relação consequencial entre o facto e o dano.
Ainda que se admitisse a solução de extensão de presunção de culpa à causalidade,
7. A verdade é que uma tal solução não é adequada aos casos de incumprimento de prestações contratuais acessórias, apesar do cumprimento da prestação principal.
8. Prestação principal será aquela que é típica de um contrato, que o define enquanto figura contratual.
9. No âmbito do contrato de execução de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem, a prestação principal não pode deixar de ser só a boa recepção da ordem e sua retransmissão a fim de ser executada nos termos ordenados – é este o único conteúdo típico essencial do contrato.
10. A prestação de informação exaustiva, suficiente, clara sobre o produto em causa constitui já uma prestação daquela secundária, destinada a complementar ou tornar perfeita aquela prestação principal.
11. De todo o modo, no âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!
Acresce que,
Mesmo que se admitisse a dita presunção,
12. A douta decisão recorrida afirma que “quando na presença de acordo entre o banqueiro e o seu cliente [caso em que a «falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade»] a mera falta de informação responsabiliza, automaticamente, o obrigado (...)”
13. Estamos perante uma situação em que se configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato.
14. Fica por determinar, de forma expressa, qual o resultado normativamente prefigurado a que se refere no caso, a douta decisão sob recurso.
15. O único resultado relevante será o referente ao reembolso do investimento efectuado. Mas neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da subscrição de emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira, aliás, há muito cumprido.
16. Todavia, não pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato!
17. Vale isto por dizer que o incumprimento alegado não é apto a desencadear a tão desejada presunção!
De todo o modo,
18. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!
19. A prestação de informação falsa (ou a falta de prestação de informação) está umbilicalmente ligada ao regime do erro, no que diz respeito ao nexo de causalidade.

Ou seja,
20. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.
21. E nada disto foi feito!
22. Ou o Autor alegava e provava que se tivesse sido cumprido o dever de informação, não teria realizado o investimento, ou então, tem que arcar com as normais consequências de um investimento que se tornou ruinoso, pois não há forma de corrigir a titularidade do risco, pela responsabilidade — the risk lies where it falls!
23. O Tribunal a quo violou, portanto, por errónea interpretação e aplicação, o disposto nos artºs 344º, 563º e 799º todos do Código Civil!
Termos em que se conclui pela procedência do presente recurso e por via dele pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Réu do pedido, assim se fazendo JUSTIÇA!»
9. Com as suas alegações, o Reu/Recorrente juntou dois pareceres assinados por professores de Direito.
10. O Autor contra alegou, defendendo, em síntese, a manutenção da decisão recorrida.

II. APRECIAÇÃO DO RECURSO E DECISÃO
1. Objeto do recurso
 Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente (artigos 608º, n.2, 635º, n.4 e 639º do CPC), delas se extraem as seguintes questões:
- Saber se o Banco Reu cumpriu ou não os deveres de informação a que estava vinculado, no âmbito do contrato de intermediação financeira celebrado, em 2008, com o Autor;
- E se, consequentemente, se tornou ou não responsável pela perda dos 150.000 Euros que o Autor investiu nas Obrigações ... 2006[1].

2. A factualidade relevante:
 A primeira instância deu como provados os seguintes factos:
«1- Antes da nacionalização do CC - Banco CC, S.A., o capital deste era totalmente detido pela CC SGPS, S.A. e o capital deste era totalmente detido por ... - DD, SGPS, S.A.
2 - O A. era titular de conta bancária no CC.
3 - O A. era pessoa conservadora na aplicação que fazia das poupanças.
4 - A operação obrigações ... 2006 foi lançada em abril/ maio de 2006.
5 - O A. tinha participações no fundo de investimento imobiliário CC IMO que foram resgatadas pelo valor de C 327.324,49 a 5 de novembro de 2008.
6 - O A. assinou comunicação datada de 5 de novembro de 2008 pela qual era solicitada a "subscrição" de obrigações ... 2006 no total de C 150.000,00.
7 - O gerente da agência da ... do CC apresentou ao A. as obrigações ... 2006 como produto de capital garantido e com liquidez por endosso.
8 - Não explicou ao A. que se tratava de obrigação subordinada.
9 - A ... pagou os juros referentes às obrigações ... 2006 até abril de 2015

          Após reapreciação da prova produzida, a segunda instância considerou parcialmente procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e deu como provados os seguintes factos:
«10. O CC deu instruções aos seus funcionários para venderem as obrigações ... 2006 como sucedâneo do depósito e para não entregarem nem mostrarem aos clientes a nota informativa.
11. O funcionário do CC FF afiançou ao Autor que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio banco.
12. O funcionário do CC FF disse ao Autor que se tratava de um produto sem qualquer risco.
13. O CC comprometeu-se a recomprar a obrigação subscrita pelo A. na data acordada, pelo valor da compra.
14. O CC não informou o Autor qual era a exacta intervenção daquele na operação.

 A segunda instância alterou também o ponto n.6 dos factos não provados, o qual passou a ter a seguinte redação:
  «O funcionário do CC, FF, disse que as obrigações podiam ser resgatas em qualquer altura, apenas com penalização nos juros, como nos depósitos a prazo.»

A segunda instância decidiu ainda aditar à decisão da matéria de facto provada os seguintes pontos:

«15. O Autor é pessoa de humilde condição social, com pouca instrução escolar e já completou oitenta e oito anos de idade.

16. Até à entrada em vigor da Lei n. 62-A/2008, de 11/11 — pela qual o Estado Português procedeu à nacionalização da totalidade das acções por que se encontrava representado e repartido o seu capital social - o CC era, além de uma sociedade comercial dotada de personalidade jurídica — uma vez que tinha por objecto a prática de actos de comércio (operações de Banco - artigos 362.° e ss. do Código Comercial) ­havia adoptado o tipo de sociedade anónima (artigo 1.°, n.° 2 do C.S.C.) e tinha o contrato pelo qual foi constituída definitivamente registado na Conservatória do Registo Comercial sob o n.° de matrícula … (artigo 5.° do C.S.C.) — uma instituição de crédito da espécie Banco, estando para tanto autorizada a exercer a sua actividade pelo Banco de Portugal (artigos 16°, n.1 e 2° a 4° do Regulamento Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-lei n. 298/92, de 31-12.
17. A "... — DD, SGPS, S.A." e o "CC — Banco CC, S.A.", à data dos factos relatados neste processo, tinham por Presidente do Conselho de Administração a mesma pessoa, GG.
18. O A autor não tinha realizado no CC quaisquer "operações de volume significativo nos mercados de valores mobiliários, com a frequência média de, pelo menos, 10 operações por trimestre ao longo dos últimos 4 trimestres", nem tinha "uma carteira de valores mobiliários de montante superior a €500.000,00", nem tinha, por último, "prestado funções, pelo menos durante 1 ano, no setor financeiro, numa posição profissional em que seja exigível o conhecimento do investimento em valores mobiliários".

19. O Autor era um simples aforrador que tinha um depósito a prazo e participações no fundo imobiliário referido no ponto 5.

20. Pelo menos em Fevereiro de 2006 foi gizado um plano pelas administrações do CC e da ..., SGPS, S.A., com vista ao reforço de fundos próprios do Grupo ..., através da captação, pelo CC, de grande parte das quantias que os seus clientes, como

o Autor, ainda ali tinham depositadas.

21. Plano que foi transmitido aos Directores de Zona que, por sua vez, o transmitiram aos gerentes de cada um dos balcões distribuídos de norte a sul do país, designadamente através de acções formativas, da Nota Informativa junta como Doc. 6, da petição inicial e do Argumentário junto como Doc. 7, da petição inicial.

22. O plano assentava em três pilares fundamentais:

1.° Captação, pela "... — DD, SGPS, S.A.", de cinquenta milhões de euros através de um empréstimo obrigacionista, denominado "... 2006", por "emissão de 1.000 obrigações subordinadas, sob forma escritura) e ao portador, com o valor nominal de €50.000,00 cada";
2.° Emissão de obrigações a dez anos, a amortizar, ao par, de uma só vez, em 08/05/2016;
3.° Instruções rigorosas a todos os funcionários do Banco, nomeadamente aos gerentes e aos gestores de conta, para seduzirem os depositantes do Banco para o novo produto, que devia ser vendido como um sucedâneo de um mero depósito a prazo.
23. Vigorava, na altura, a Instrução de Serviço (IS) n.19/01, de 05-02-2003, cujo tema é, precisamente, "Mercado de Capitais e Papel Comercial", a qual determinava que a entidade que garantia a solvabilidade do papel comercial emitido era o CC.
24. Alguns dos funcionários do balcão de ... onde o Autor tinha depositadas as suas poupanças estavam de boa-fé e acreditavam que os produtos que vendiam eram seguros e que não ofereciam risco para os subscritores.

25. O e-mail junto como Doc. 8, da petição inicial, datados de 26/07/2008, a propósito do papel comercial da "... Valor, SGPS, S.A.", enviado antes da nacionalização por um elemento da Direcção Coordenadora de Empresas Centro às chefias do CC (Dr. HH), referia que "chegou o momento de colocarmos em evidência e à vista de todos (Administração, acionistas e restantes colegas), tudo aquilo por que temos vindo nestes últimos dois anos, a lutar, ou seja, PROFISSIONALISMO, ATITUDE, e fundamentalmente, HONESTIDADE PROFISSIONAL (....)".
26. E mais adiante, continuava: "relembro que a ... VALOR é a maior acionista da ... SGPS (31%), que por sua vez detém 100% do CC, ou seja, na prática, estamos a "vender" o equivalente a um DP, com uma excelente taxa (..). Quando o cliente efetua um DP no RPN está a comprar "risco" CC. Não vejo diferenças".
27. Depois da derrocada do Banco, foi enviado, por um grupo de funcionários do "CC", a todos os funcionários do Banco, o e-mail que constitui o doc. 9, junto com a petição inicial.
28. Neste e-mail, os funcionários do Banco lamentavam a leviandade e o desprezo com que a nova Administração do Banco e o Governo da República, que decretara a nacionalização, tratavam os subscritores de papel comercial aos balcões do CC.
29. Refere o sobredito e-mail:
"Chegou a hora de resolver o problema ou, pelo menos, minimizar as consequências para a nossa integridade física e psicológica, bem como, da nossa credibilidade junto dos clientes.
Pelo que temos visto esta Administração nada tem feito para nos ajudar a encontrar uma solução, pelo contrário, empurra-nos para a .... Tudo o que fizemos (vender papel comercial e obrigações do Grupo ...) foi com orientação da Administração e Direções à data, em que claramente era assumido, internamente e junto dos clientes, a segurança dos produtos (idêntica à de um depósito a prazo).
Nunca quisemos enganar ninguém, muito menos os nossos clientes!
Mas nada melhor para confirmar o que dizemos, como o mail que anexamos, de um Diretor à data e atualmente Administrador do CC. Dr. HH.

Foi nesta base que vendemos os produtos da .... E agora ninguém quer saber (?) A ... que resolva?!?
Já percebemos que a Administração nada vai fazer para solucionar esta situação.

O único caminho que nos resta é salvaguardar a nossa posição:

De forma anónima e confidencial imprimam os mails que temos enviado, principalmente este, e enviem para todos os vossos clientes que têm os produtos (papel comercial e obrigações) do Grupo .... Nós já o fizemos! ! !
Dessa forma os nossos clientes ficam com elementos que qualquer tribunal não terá dúvidas em lhes dar razão. Em paralelo os clientes terão a certeza que somos nós, os Trabalhadores do CC, os únicos que queremos resolver a situação".

30. Em Novembro de 2008, o denominado "CC IMO", do qual o Autor tinha participações no valor global de €327.324,49, era considerada uma aplicação totalmente segura.

31. O autor só aceitou subscrever a compra de três obrigações ... 2006 por que lhe foi afiançado pelo gerente do CC, FF, que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características.

32. Isto porque o Autor, para além de pretender especificamente, que as aplicações não comportassem qualquer risco, pretendia, também, que a recuperação dos valores fosse segura a 100%.

33. Estes factos eram do pleno conhecimento de todos os funcionários do CC que com ele lidavam e, concretamente, do gerente.

 34. De facto, todos os funcionários do CC — Agência de ... que lidavam com o Autor, a começar pelo gerente, sabiam que este não tinha por hábito investir na Bolsa, nunca tinha adquirido a qualquer Banco qualquer produto diverso de depósitos a prazo e nunca havia comprado ou vendido obrigações.

35. E também tinham perfeita consciência de que o Autor, devidamente informado, nunca, em circunstância alguma, aceitaria subscrever um produto como aquele que está em causa nestes autos.

36. O Autor tinha plena confiança nos seus interlocutores do CC, por achar que eram pessoas íntegras e de palavra, que se preocupavam com os interesses dos clientes do Banco e que, especialmente no que toca ao seu gestor de conta, lhe prestavam aconselhamento profissional quanto à gestão das suas poupanças.

37. Nunca o autor se teria conformado com a subscrição de três obrigações ... 2006 se lhe tivessem sido bem explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido e, sobretudo, se lhe tivesse sido mostrado o documento n.7, nomeadamente nos capítulos "REEMBOLSO ANTECIPADO", "LIQUIDEZ" e "SUBORDINAÇÃO", bem como se lhe tivesse sido informada a ausência de garantia do banco à subscrição


3. O direito aplicável:
Tendo por base a factualidade provada, importa convocar as normas aplicáveis aos problemas suscitados pelo Recorrente (nas conclusões das suas alegações), e concluir se o acórdão recorrido fez a correta aplicação do direito pertinente.
3.1. Cumpriu o Reu/Recorrente os deveres de informação lhe eram legalmente impostos?
3.1.1. Tendo as partes celebrado um contrato de intermediação financeira [artigo 289º e seguintes, e art.321º do Código dos Valores Mobiliários], como foi entendimento das instâncias, o regime legal convocável, em matéria de deveres de informação, é o especificamente previsto no Código dos Valores Mobiliários. 
Releva, particularmente, o disposto nas seguintes normas:
- Artigo (Qualidade da informação)
1. A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita. (…)

- Artigo 312º (Deveres de informação)
“1. O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada (…)
2. A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (…)”.

- Artigo 312º-E (Informação relativa aos instrumentos financeiros)
1. O intermediário financeiro deve informar os investidores da natureza e dos riscos dos instrumentos financeiros, explicitando, com um grau suficiente de pormenorização, a natureza e os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.
(…)

3.1.2. A temática dos deveres de informação do intermediário financeiro e das consequências do seu incumprimento tem sido objeto de múltiplas publicações doutrinais (umas de pendor mais dogmático, outras de sentido mais pedagógico-expositivo), que têm contribuído para o debate geral sobre uma matéria que, nos últimos anos, ganhou significativa importância jurídica (bem como visibilidade social) mercê dos múltiplos conflitos que têm chegado aos tribunais[2].  
3.1.3. Independentemente das construções teóricas potencialmente convocáveis para a delimitação do âmbito dos deveres de informação, só ao nível do caso concreto, com base na factualidade provada, se poderá concluir se um intermediário financeiro forneceu toda a informação que lhe era possível e exigível fornecer, face ao perfil do cliente e às suas necessidades informacionais (como se extrai do art.312º do CVM). Assim se justifica que em certos casos respeitantes ao cumprimento dos deveres de informação, em contratos de intermediação financeira, se conclua pela não responsabilização do intermediário[3] e noutros casos se conclua de modo diverso[4].
3.1.4. A factualidade do caso concreto, nomeadamente a que consta do ponto 15 e dos pontos 31 a 37 dos factos provados, demonstra que o comportamento do Réu/Recorrente esteve, inequivocamente, longe de preencher os critérios ético-normativos decorrentes das normas do CVM supra referidas.
Efetivamente, face à idade do Autor/Recorrido (88 anos, à data da celebração do contrato), ao seu baixo nível de literacia e à falta de experiência na subscrição de produtos de risco, ao Banco Reu cabia o dever de o ter informado, de modo objetivo e transparente, sobre as caraterísticas das Obrigações ... 2006, especificamente quanto ao momento em que poderia reaver o montante aplicado e ao potencial risco de perda inerente à natureza desse produto. Ora, como se encontra provado, o Reu informou o Autor de que aquele produto não comportava qualquer risco, era equivalente a um depósito a prazo e melhor remunerado, o que bem sabia não corresponder à verdade. E disse-lhe ainda que podia resgatar as obrigações em qualquer altura.
Conclui-se, assim, que o acórdão recorrido entendeu, de forma correta, que o Reu não cumpriu os deveres de informação que legalmente lhe eram impostos.

3.2. O incumprimento dos deveres de informação teve como consequência a responsabilidade civil do Réu/Recorrente?
No acórdão recorrido entendeu-se que o Banco Reu é civilmente responsável pelos danos sofridos pelo Autor. Vejamos se essa foi a decisão correta.

3.2.1. A responsabilidade civil do intermediário financeiro convoca, especificamente, as seguintes normas do CVM:
- Art.304º (Princípios)
1. Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
           2. Nas relações com todos os intervenientes no mercado,
os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
(…)



- Art.304º-A (Responsabilidade civil)
1. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

3.2.2. Dado que estas normas do CVM não dispõem expressamente sobre todos os requisitos de responsabilização civil, impõe-se a convocação das normas gerais sobre responsabilidade contratual (art.798º do CC) e/ou extracontratual (art.483ºdo CC), bem como as regras comuns a estas duas variantes da responsabilidade civil sobre obrigação de indemnizar (art.563º e segs).

3.2.3. No acórdão recorrido entendeu-se responsabilizar civilmente o Banco Reu seguindo-se a via da responsabilidade contratual. Esta é uma das vias teoricamente possíveis, a par da responsabilidade extracontratual, para se concluir pela existência de uma obrigação de indemnizar. E poderá mesmo acontecer que, em certos casos, se verifiquem, simultaneamente, os requisitos das duas modalidades de responsabilidade civil.
Como afirmou Antunes Varela: “Apesar da nítida distinção conceitual existente entre as duas variantes da responsabilidade civil (uma, assente na violação de deveres gerais de abstenção, omissão ou não ingerência, correspondentes aos direitos absolutos; a outra, resultante do não cumprimento, lato sensu, dos deveres relativos próprios das obrigações, incluindo os deveres assessórios de conduta, ainda que impostos por lei, no seio da complexa relação obrigacional), a verdade é que elas não constituem, sobretudo na vida prática, compartimentos estanques. Pode mesmo dizer-se que, sob vários aspetos, responsabilidade contratual e extracontratual funcionam como verdadeiros vasos comunicantes.
Por um lado, elas podem nascer do mesmo facto e transitar-se facilmente do domínio de uma para a esfera normativa própria da outra (…)[5]”.
E acrescentou ainda: “ (…) é bem possível que o mesmo facto envolva para o agente (ou o omitente), simultaneamente, responsabilidade contratual (por violação de uma obrigação) e responsabilidade extracontratual (por infringir ao mesmo tempo um dever geral de abstenção ou o direito absoluto correspondente (…)[6].  

3.2.4. Nas suas alegações de recurso, o Recorrente entende que o acórdão recorrido teria feito errada interpretação dos artigos 344º, 483º e 799º do CC no apuramento dos requisitos da responsabilidade do Reu, discordando, especificamente, da existência de presunções de ilicitude ou de causalidade.
Todavia, a factualidade que se deu como provada assentou na observância das regras gerais em matéria probatória, previstas no art.342º do CC. Diferentemente do alegado pelo Recorrente, não houve, assim, violação do art.344º do CC. Acresce que, ao nível do apuramento dos requisitos da responsabilidade civil, o tribunal se ocupa autonomamente de qualificações jurídicas de factos provados, observadas que foram as regras jurídicas sobre o julgamento da matéria de facto.
Na realidade, a única presunção que expressamente se prevê neste domínio é a presunção de culpa do intermediário financeiro, no art.304º-A, n.2 do CVM. Presunção esta que, como resulta da matéria de facto provada, o Reu não conseguiu ilidir. 

3.2.5. Quanto aos demais pressupostos, quer se siga a variante da responsabilidade contratual quer da extracontratual, no caso concreto, nenhuma necessidade existe de se aventarem (discutíveis) presunções de ilicitude ou de causalidade, pois da factualidade provada resulta, inequivocamente, que estes requisitos se encontram expressamente demonstrados.
Quanto ao pressuposto da ilicitude:
- Caso se siga a variante da responsabilidade contratual, entendendo-se que os deveres de informação integram o núcleo essencial do programa debitório do Banco Reu, tendo-se concluído que este teve um comportamento inequivocamente contrário ao que lhe era imposto pelo art.312º do CVM, não cumprindo os deveres a que estava vinculado, dúvidas não restam de que o seu comportamento foi ilícito. Acresce que o Reu não demonstrou a existência de qualquer razão que justificasse tal incumprimento, e que consequentemente pudesse excluir a ilicitude.
A este propósito, importa ter presente o ensinamento de Antunes Varela: “A ilicitude resulta, no domínio da responsabilidade contratual, da relação de desconformidade entre a conduta devida (a prestação debitória) e o comportamento observado[7].
É fácil perceber que o programa debitório do intermediário financeiro não se pode reduzir à receção e retransmissão de ordens dos clientes (como o Reu/Recorrente defende). Se assim fosse, o intermediário nunca seria responsabilizado pelo incumprimento de deveres de informação e as normas do CVM sobre tais deveres seriam letra morta. 

- Caso se entenda que a variante da responsabilidade civil tecnicamente mais apropriada seria a extracontratual, também o requisito da ilicitude, como configurado pelo art.483º, se encontraria verificado.
Assim, poderá entender-se que se trata de uma hipótese da denominada segunda modalidade da ilicitude, ou seja, a violação de normas (particularmente o art.312º do CVM) que protege os investidores financeiros e, em particular, os investidores não qualificados.


3.2.6. Quanto ao requisito do dano:
Não tendo havido restituição dos 150.000 Euros, correspondentes ao valor das três Obrigações ... 2006, na data em que, segundo o regime dessas obrigações, tal devia ter acontecido, ou seja, 08.05.2016, e tendo a entidade que as devia restituir sido declarada insolvente (em 29.06.2016), tornando improvável o recebimento do montante entregue, materializou-se na esfera jurídica do Autor um dano de 150.000 Euros.

3.2.7. Quanto à causalidade:
Da matéria de facto provada, nomeadamente nos pontos 35 a 37, resulta claramente demonstrado que o Autor nunca teria subscrito as Obrigações ... 2006 se o Reu tivesse cumprido os seus deveres de informação, esclarecendo-o sobre as caraterísticas daquele produto.
 O comportamento omissivo do Reu deu, assim, causa ao dano que o Autor veio a sofrer. E trata-se de um comportamento que, pela sua natureza, se pode considerar adequado à produção do tipo de dano que o Autor sofreu, pois o risco de perda do capital investido nas Obrigações ... 2006 era um risco próprio dessa espécie de produto. O Reu tinha a obrigação de conhecer esse risco, mas não informou o Autor de que ele podia verificar-se.
Como ensinou Antunes Varela: “Desde que o devedor ou o lesante praticou um facto ilícito, e este atuou como condição de certo dano, (…) se justifica que o prejuízo (embora devido a caso furtuito ou, em certos termos, à conduta de terceiro) recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano[8]
Acresce que entre os propósitos das normas do CVM que impõem ao intermediário financeiro o cumprimento dos deveres de informar e esclarecer os seus clientes estão certamente preocupações legislativas de que estes não venham a sofrer danos ou, no mínimo, que sejam livres (porque informados) de decidir quais os riscos que querem correr. 
Dúvidas não restam de que no caso concreto se encontra preenchida a previsão normativa do art.563º do CC.


3.2.8. Verificados os pressupostos da responsabilidade civil, emerge para o Reu a obrigação de indemnizar o Autor pelos danos sofridos, como resulta dos artigos 562 e 566º do CC.

4. Conclui-se, assim, que independentemente de, em alguns pontos, se poder adotar uma fundamentação técnica parcialmente diferente, a decisão recorrida nenhuma censura merece, pois fez correta aplicação da lei, consagrando o direito justo.

Acresce que o acórdão em revista se inscreve na linha do entendimento que tem sido seguido pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça em casos equiparáveis, como o do Ac. do STJ, de 10 de abril de 2018 (relator Fonseca Ramos)[9].

DECISÃO: Pelo exposto, decide-se pela improcedência da revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas na revista: a cargo do Recorrente.

Lisboa, 18 de setembro de 2018

Maria Olinda Garcia (Relatora)
Catarina Serra
Salreta Pereira

_____________________


[1] Importa notar que, como resulta das normas supra referidas, este tribunal apenas se pronuncia sobre questões jurídicas controvertidas, e não sobre meras opiniões ou construções teóricas gerais do Recorrente ou do Recorrido.
[2] Sobre o tema, apontam-se, a título exemplificativo: Menezes Cordeiro, Responsabilidade bancária, deveres acessórios e nexo de causalidade, in Estudos de Direito Bancário, Vol. I (Almedina, 2018); José Engrácia Antunes, “Os princípios gerais da atividade de intermediação financeira”, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.56 (2017); Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 3ª ed (2016); Gonçalo Castilho dos Santos, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente (Almedina, 2008); Fátima Gomes, Contratos de Intermediação Financeira, Sumário Alargado: in Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio Almeida Costa (UCP Editora, 2002); Menezes Leitão, Actividades de Intermediação e Responsabilidade dos Intermediários Financeiros, in Direito dos Valores Mobiliários, Volume II, (Coimbra Editora, 2000); Rui Pinto Duarte, Contratos de Intermediação Financeira no Código dos Valores Mobiliários, Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, n.7 (2000); Fazenda Martins, Deveres dos Intermediários Financeiros, em Especial, os Deveres para com os Clientes e o Mercado; in Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, n. 7 (2000).
[3] Assim, neste sentido, veja-se:
 Ac. do STJ, de 06.06.2013 (relator Abrantes Geraldes):
 http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/358081C75CFC8AF080257B82005747DE Ac. do STJ de 12.01.2017 (relator Olindo Geraldes:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b- 980256b5f003fa814/1e1306b7d2892a7f802580a7004fd562?OpenDocument Ac. do STJ de 19.06.2018 (relatora Maria Olinda Garcia):
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1ee8b1bd6891d5af802582b3003ec434?OpenDocument 
[4] Num caso muito semelhante ao dos presentes autos, vd. Ac. do STJ de 10.04.2018 (relator Fonseca Ramos):
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2e019f1d8087204b8025826b0047fb85?OpenDocument 
[5] Das Obrigações Em Geral, Vol. I, 10º ed., pág.521 e 522.
[6] Op. cit. pág.522.
[7] Das Obrigações Em Geral, Vol. II, 7ª ed., pág.94.
[8] Das Obrigações Em Geral, Vol. I, 10º ed., pág.894.
[9http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2e019f1d8087204b8025826b0047fb85?OpenDocument