Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4946/05.1TTLSB-C.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS A CARGO DO RECORRENTE
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Data do Acordão: 11/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA PRINCIPAL DO AUTOR. CONCEDIDA A REVISTA SUBORDINADA DA RÉ
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / REALIZAÇÃO COACTIVA DA PRESTAÇÃO / EXECUÇÃO ESPECÍFICA / SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA.
Doutrina:
- Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª edição, p. 509.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 640.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E C).
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 829.º-A, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 18-02-2018, PROCESSO N.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1;
- DE 16-05-2018, PROCESSO N.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

- DE 29-11-2010, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas também, e sobretudo, definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto deve o recorrente nelas indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração.

II - Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso.

III – Quando o recorrente se limite nas conclusões a consignar, em obediência ao disposto na alínea c) do n.º1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil um juízo de natureza jurídica que pressupõe uma globalidade de factos, sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpre o estabelecido naquele dispositivo, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte.

IV – A sanção pecuniária compulsória, prevista no n.º 1 do artigo do 829.º -A Código Civil, constitui um meio intimidatório de pressão sobre o devedor, por forma a que este cumpra a obrigação a que está onerado, não sendo devida quando não se demonstre o incumprimento por parte do devedor da obrigação que motiva a sua aplicação.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

AA, BB, CC, DD e EE deduziram contra FF, S.A., incidente de liquidação para fixação do valor ilíquido em que a Ré foi condenada nos presentes autos, por acórdão desta Secção, de 3 de março de 2016, na parte em que decidiu:

«3.1.4. Condenar a ré FF, S.A., a pagar a cada um dos autores a quantia correspondente ao valor das retribuições que cada um deixou de auferir desde trinta dias antes da propositura da ação – 09 de novembro de 2005 – até ao trânsito da sentença, deduzida das importâncias que cada um tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, sendo o montante de subsídio de desemprego que os autores eventualmente tenham auferido a entregar pela ré à Segurança Social, acrescidas aquelas quantias de juros de mora à taxa legal desde a data de vencimento até integral pagamento, acrescidos de juros mora à taxa legal de 5% ano a título de sanção pecuniária compulsória, estes a contar do trânsito em julgado da decisão que julgar a liquidação das remunerações intercalares devidas a cada um dos autores;

3.1.5. Condena-se a ré FF, S.A., a reintegrar os autores no respetivo quadro de pessoal efetivo, como motoristas de veículos pesados de transporte de passageiros, sem prejuízo da respetiva categoria e antiguidade, e a pagar a sanção pecuniária compulsória, no valor de € 50 (cinquenta euros), por cada dia de atraso no cumprimento da reintegração dos autores, após o trânsito em julgado da decisão;

3.1.6. Condena-se a ré FF, S.A., a pagar aos autores AA e DD a quantia de € 350 (trezentos e cinquenta euros) e a pagar aos autores EE, CC e BB a quantia de € 250 (duzentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais, acrescidas tais quantias de juros de mora à taxa legal desde a data da sentença e ainda de juros à taxa de 5% ao ano, a título de sanção pecuniária compulsória, estes a contar do trânsito em julgado da decisão».

No requerimento apresentado, os Autores alegam que a Ré/Requerida ainda não procedeu à sua reintegração como motoristas, nem pagou os montantes em que foi condenada e liquidam a sanção pecuniária compulsória até à data do requerimento inicial, estimando estar em dívida os seguintes valores:

1. AA:

i) ponto 3.1.4 do Acórdão - € 82.538,12, acrescido de juros de mora de € 18.559,57;

ii) ponto 3.1.5 € 7.850,00;

iii) 3.1.6 - € 364,05 (já com juros);

2. BB, CC, e EE:

i) ponto 3.1.4 - € 84.577,56 acrescido de juros de mora de € 19.018,10;

ii) ponto 3.1.5 € 7.850,00;

iii) 3.1.6 - € 260,04 (já com juros);

3. DD:

i) ponto 3.1.4 - € 84.577,56 acrescido de juros de mora de € 19.018,10;

ii) ponto 3.1.5 € 7.850,00;

iii)  3.1.6 - € 364,05 (já com juros).

No que respeita a valores a descontar os Autores/Requerentes indicam os montantes permanecendo o diferencial quanto à retribuição:

1. AA - € 71.538,12. Concluindo por um total de € 98.311,74;

2. EE - € 7.057,02. Concluindo por um total de € 34.185,16;

3. BB - € 61.996,38. Concluindo por um total de € 89.124,52;

4. CC - € 9.653,82. Concluindo por um total de € 36.781,96;

5. DD - € 3.927,50. Concluindo por um total de € 31.159,65.

Os Autores alegam ainda que os vencimentos em causa estão sujeitos a atualização nos termos dos aumentos gerais anuais praticados pela Ré.

Notificada, veio a Ré/Requerida apresentar oposição ao incidente de liquidação, tendo alegado que interpelou cada um dos Autores para se apresentar ao trabalho, por cartas datadas de 13/05/2010, expedidas sob registo postal e com aviso de receção e que as missivas foram recebidas.

Contudo, nenhum dos Autores se apresentou ao trabalho, encontrando-se os mesmos em mora, razão pela qual não deve a Ré ser responsabilizada pelos salários vencidos após a mora, nem é devida a sanção pecuniária compulsória.

A Ré apresentou uma liquidação alternativa considerando a entrada em mora nos termos alegados.

Para além da mora, a Ré alegou circunstâncias com efeitos no cálculo da liquidação, designadamente por trabalho remunerado naquele período, concluindo a Ré que nada tem a pagar a nenhum dos Autores.

Os Autores vieram pronunciar-se quanto à documentação junta, designadamente quanto às missivas enviadas pela Ré para se apresentarem no local de trabalho.

Quanto aos documentos em si, alegam os Autores que “Tais documentos não têm a virtualidade probatória pretendida pela Requerida, impugnando os ora Requerentes a junção aos autos de tais documentos” e alegam que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça só transitou em julgado em 5 de abril de 2016.

Os autos prosseguiram seus termos, vindo a ser proferida sentença, datada de 20 de julho de 2017, que integrou o seguinte dispositivo:

«Decido liquidar a sentença proferida no âmbito destes autos, transitada em julgado, nos seguintes termos;

1. No que respeita à sanção pecuniária compulsória pela reintegração inexiste qualquer valor por liquidar.

2. Quanto ao montante correspondente ao valor das retribuições que cada um deixou de auferir desde trinta dias antes da propositura da ação – 09 de novembro de 2005 – até ao trânsito da sentença, deduzida das importâncias que cada um tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento decide-se :

a) Ao Autor AA fixa-se o valor em € 1964,75 (mil novecentos e sessenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos) acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos à taxa legal e acrescidos de juros mora à taxa legal de 5% ano a título de sanção pecuniária compulsória, estes a contar do trânsito em julgado;

b) Ao Autor BB fixa-se o valor de € 41.143,70 (quarenta e um mil cento e quarenta e três euros e setenta cêntimos) acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos à taxa legal e acrescidos de juros mora à taxa legal de 5% ano a título de sanção pecuniária compulsória, estes a contar do trânsito em julgado;

c) Ao Autor CC fixa-se o valor de € 651,94 (seiscentos e cinquenta e um euros e noventa e quatro cêntimos) acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos à taxa legal e acrescidos de juros mora à taxa legal de 5% ano a título de sanção pecuniária compulsória, estes a contar do trânsito em julgado;

d) Quantos aos demais Autores inexiste qualquer valor por liquidar.

Custas pelos Autores e Rés na proporção do decaimento – artigo 527º, nº 1 e 2 do CPC. »

Inconformados com esta sentença, dela apelaram os Autores e a Ré para o Tribunal da Relação de Lisboa, que veio a conhecer do recurso por acórdão de 5 de julho de 2018, nos seguintes termos:

«IV- Decisão

Em face do exposto, o Tribunal acorda em:

- Julgar parcialmente procedente o recurso dos AA., revogando a sentença recorrida na parte em que considerou cumprido o dever de reintegração e conclui pela inexistência de valores a liquidar a título de sanção pecuniária compulsória pela reintegração;

- Liquidar em € 7850 (sete mil oitocentos e cinquenta euros) a quantia devida em 09.09.2016 a cada um dos autores, a título de sanção pecuniária compulsória pela reintegração;

- Julgar parcialmente procedente o recurso da R., alterando a sentença recorrida quanto ao ponto 2. b) do dispositivo que passará a ter a seguinte redação: Ao Autor BB fixa-se o valor de € 7451,34 (sete mil quatrocentos e cinquenta e um euros e trinta e quatro cêntimos), acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, e acrescido de juros mora, à taxa legal de 5% ano a título de sanção pecuniária compulsória, estes a contar do trânsito em julgado;

- Manter no mais a sentença recorrida.

Custas do recurso dos AA. na proporção do decaimento.

Custas do recurso da R. na proporção do decaimento.

Registe e notifique.»

Irresignados com esta decisão, dela recorreram, agora de revista, para este Supremo Tribunal, os Autores integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«A) O presente recurso tem por fundamento: a) A contradição do acórdão da Relação, ora recorrido, com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa e por um outro, embora proferido no âmbito de ação cível, pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de Direito - Cfr. artigo 672°, n.° 1, al. c) do C. P. Civil; b) A violação por parte do acórdão recorrido da lei do processo, mais precisamente do disposto nos artigos 425° e 651, n.° 1 do C. P. Civil, bem como, no artigo 640°, n.°1, al. c) do C. P. Civil e no artigo 619° do C. P. Civil.

B) O acórdão recorrido alterou parcialmente a decisão do Tribunal de 1.ª Instância, tendo sido proferido com voto de vencido, razão, pela qual, é admissível recurso de revista para esse Alto Tribunal, atento o disposto no n.° 3 do artigo 671° do C. P. Civil e alíneas a) e c) do n.° 1 e n.° 5 do artigo 672° do C. P. Civil.

C) No caso em apreço, um dos fundamentos do recurso de revista é a contradição do acórdão da Relação com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa e de um outro, embora proferido no âmbito de uma ação cível, pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de Direito - Cfr. artigo 672º, n.º 1, al. c) do C. P. Civil,

D) Pois que, no entender dos Recorrentes, o recurso interposto pela Requerida da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância não deveria ter sido admitido, uma vez que foi apresentado para além do prazo de 10 dias.

E) O incidente de liquidação nos autos em referência foi apresentado em 6 de setembro de 2016, tendo a sentença sido proferida em 20 de julho de 2017, ou seja, logo após a entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, razão, pela qual, o formalismo do recurso interposto desta decisão segue as regras do Código do Processo Civil, com as alterações da Lei n.º 41/2013. É o que resulta do artigo 7º, n.º 1 do C. P. Civil.

F) A propósito desta mesma questão, o Tribunal da Relação de Lisboa, pelo seu acórdão de 16-03-2016, proferido no processo com o n.º 3436/07.2TTLSB-A.L1-4, publicado em www.dgsi.pt, decidiu que:

«I - A liquidação da sentença em condenação genérica que não dependa de simples cálculo aritmético efetua-se em incidente da ação declarativa e não da ação executiva, antes e depois da reforma do CPC (art°s 47°, n.°5 do CPC de 1995 e 704° °, n.° 6 do CPC de 2013).

II - Assim, o prazo para a parte recorrer da decisão final nele proferida em processo laboral é de 10 e não de 30 dias, ex vi dos art.°s 79.º-A, n.° 2, al. i) e 80° do CPT e 644°.°, n.° 1, al. a) do CPC de 2013 (não sendo aplicável o art° 98°A do CPT e 638° °, 1 do CPC de 2013)» - Cfr. Doc. 1 que se anexa para o efeito do disposto na al. c) do n.º 2 do art.º 672º do CP. Civil.

G) Também o Supremo Tribunal de Justiça sobre questão idêntica, no âmbito do processo sob o n.º 44/1999-A.E2.S1, pelo seu acórdão de 21-05-2014, publicado em www.dgsi.pt, decidiu que: «I - O novo regime dos recursos, constante do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, aplica-se a todas as decisões proferidas após 01-09-2013, independentemente da data da propositura da ação.

II - O objetivo do art. 7.º, n.º 1, da Lei 41/2013 - ao estabelecer o princípio da aplicabilidade imediata - foi o de uniformizar regimes de recurso, excluindo apenas o obstáculo da dupla conforme à admissibilidade do recurso de revista.

III - Sendo a ação anterior a 01-01-2008 e a decisão recorrida posterior a 01-09-2013, é de 30 dias o prazo para apresentação do requerimento de interposição de recurso, o qual já deveria conter a própria alegação.» -Cfr. Doc. 2 que se anexa para o efeito do disposto na al. c) do n.º 2 do art.º 672º do CP. Civil.

H) Nesta conformidade, o Tribunal da Relação de Lisboa errou ao admitir o recurso interposto pela Requerida, o qual, ao contrário, deveria ter rejeitado por ter sido interposto para além do prazo de 10 dias a que alude os artigos 80º, n.º 2 e 79º-A, n.º 2, al. i) do C.P. do Trabalho.

I) Caso Vossas Excelências entendam que deve ser admitido o recurso apresentado pela Requerida, o que se admite por mera necessidade de raciocínio, coloca-se, desde logo, a questão de saber se deveria ter sido admitido o documento de fls. 1022 apresentado com as alegações do recurso da Requerida.

J) No caso dos autos, a junção do documento de fls. 1022, embora referente à tradução do documento de fls. 667, não se integra em nenhuma das exceções contemplados pelos artigos 425º e 651º do C. P. Civil, razão, pela qual, a sua junção não devia ter sido admitida.

K) No caso em apreço, um dos fundamentos do recurso de revista é também a violação por parte do acórdão recorrido do disposto no artigo 640º, n.º 1, al. c) do C.P. Civil, pois que, no entender dos ora Recorrentes, contrariamente ao decidido pelo Tribunal da Relação, cumpriram com tal disposição legal, ou seja, indicaram qual a decisão que no seu entender deveria ter sido proferida.

L) Na verdade, se os Venerandos Desembargadores tivessem atentado na conclusão QQ), certamente teriam proferido decisão diferente.

M) Com efeito, “sob a conclusão N) referem os recorrentes que «impugnam a decisão recorrida sobre a matéria de facto, na parte da mesma, em que e em síntese, concluiu que:

«a) Resulta dos factos provados que, no ano de 2010, a Ré comunicou aos Autores que aceitava a reintegração notificando-os para comparecerem nas suas instalações» - Cfr. “Item C. Fundamentação de Direito” da sentença recorrida»,

N) Tendo sob a conclusão QQ), concluído o seguinte: «consequentemente e, assim se julgando, como se espera, ter-se-á de incluir nos factos provados, que a Ré não reintegrou os Autores, ora Alegantes».

O) Ora, os Recorrentes na referida conclusão QQ) cumpriram com o disposto na al. c) do n.º1 do artigo 640º do C. P. Civil, ou seja, propugnaram qual a decisão que no seu entender deveria ser proferida quanto a esta questão.

P) Ao assim não ter julgado, o Tribunal da Relação de Lisboa, fez uma errada aplicação da lei do processo, a qual, em todo o caso, se revestiu de especialíssima importância na apreciação e decisão da causa, pois que, teve como consequência gravíssima, o facto do Tribunal da Relação não ter conhecido da matéria de facto.

Q) Acresceu que o Tribunal da Relação de Lisboa, a pág.s 51 do seu douto acórdão, decidiu que: «uma vez que a decisão inicial que condenou na reintegração foi anulada e substituída, posteriormente, por indemnização a favor dos AA e face à data do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nos autos principais (03.03.2016) que determinou a reintegração dos AA., a notificação da R. (efetuada em 2010) não deve ser considerada cumprimento desta decisão, sendo necessária nova comunicação. (.)

Desde o trânsito em julgado do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (5.4.2016) até à data da liquidação efetuada no requerimento inicial do presente incidente (09.09.2016) é devido a cada A./Recorrente o montante pelos mesmos indicado: € 7850.

Procede, assim, parcialmente o recurso interposto pelos autores».

R) Ora, tendo em conta a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, cujo excerto se deixa transcrito supra, no sentido de que a reintegração não tinha sido cumprida, sendo necessária nova comunicação, o montante devido a título de sanção pecuniária compulsória pelo cumprimento da reintegração deverá ser calculado até à data da nova comunicação/ reintegração e não até à data da interposição do incidente de liquidação, como determinado pelo acórdão ora recorrido.

S) Com efeito, é isso que resulta da decisão do STJ, transitada em julgado em 5/4/2016, que condenou a Ré FF a «reintegrar os autores no respetivo quadro de pessoal efetivo, como motoristas de veículos pesados de transporte de passageiros, sem prejuízo da respetiva categoria e antiguidade, e a pagar a sanção pecuniária compulsória, no valor de € 50 (cinquenta euros), por cada dia de atraso no cumprimento da reintegração dos autores, após o transito em julgado da decisão»,

T) Razão, pela qual, como será óbvio, o montante devido a título de sanção pecuniária compulsória deverá ser calculado até ao cumprimento da obrigação de reintegrar e não até à data da propositura do incidente de liquidação.

U) Ou seja: o Tribunal da Relação, atento o Acórdão do STJ que se deixou referido e tendo em conta os seus poderes de modificar o julgamento de facto proferido pelo Tribunal de 1ª Instância e que se encontram elencados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 662º do C. P. Civil, podia e devia ter proferido decisão no sentido de ser devido, a cada um dos Autores, o montante de 50,00 € diários, a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reintegrar os ora Alegantes até à data em que vier a ser cumprido o dever por parte da Ré de reintegrar os Autores, ora Alegantes,

V) O Tribunal da Relação, ao não ter tido em conta o decidido pelo referido Acórdão do STJ, violou o princípio do caso julgado, porque não respeitou quanto a essa questão o anteriormente decidido pelo referido acórdão do STJ, entretanto já transitado em julgado, o qual, por força do disposto no artigo 619º, n.º 1 do C. P. Civil, tem força obrigatória no processo.

W) Saber se o Tribunal da Relação deveria ter procedido ao cálculo do  montante   devido   a   título   de   sanção pecuniária compulsória até à data em que proferiu decisão, bem como e para além disso, determinar que a mesma é devida até à data em que for cumprida a comunicação/reintegração, é uma questão, cuja apreciação por esse Alto Tribunal e pela sua relevância jurídica é claramente necessária para garantir uma melhor aplicação do Direito, ou seja, no caso em apreço, dos n.ºs 1 e 2 do artigo 662º do C. P. Civil.

X) Salvo o devido respeito, o acórdão de que ora se recorre, errou ao admitir as alegações de recurso apresentadas pela Ré e ao admitir a junção de um documento, bem como errou ao não conhecer de facto o recurso apresentado pelos autores e ao ter fixado como limite para o cálculo do montante devido a título de sanção pecuniária compulsória a data da interposição do incidente de liquidação.

Y) A decisão deveria ter sido no sentido da não admissão das alegações de recurso apresentadas pela Ré e da não admissão do documento junto aos mesmos pela Ré nas alegações de recurso.

Z) Ao não ter julgado assim, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 79º-A, n.º 2, al. i) e 80º, n.º 2 do CPT, artigos 7º e 644º, n.º 1, al. a) do C. P. Civil, bem como o artigo 425º e 651º, n.º 1 do C. P. Civil.

AA) Para além disso, o Acórdão recorrido errou ao não ter conhecido do recurso de facto apresentado pelos Autores

BB) E fez uma errada aplicação da Lei do processo, pois que, tendo doutamente decidido que não foi cumprida a obrigação de reintegração, podia e devia ter proferido decisão no sentido de ser devido a cada um dos Autores, o montante de 50,00€ diários, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reintegrar os ora Alegantes até à data em que vier a ser cumprido o dever por parte da Ré de reintegrar os Autores, como, aliás, havia sido decidido pelo STJ.

CC) Não o tendo feito, violou o princípio do caso julgado – artigo 619º, n.º 1 do C. P. Civil – bem como o disposto no artigo 662º, n.º 1 e 2 do C. P. Civil.

Assim julgando como se espera, farão Vossas Excelências a habitual

Justiça!»

A Ré FF respondeu ao recurso dos Autores, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«A) Os autores litigam numa situação de coligação ativa, o que significa que as ações, embora conexas, não perdem a sua individualidade;

B) A apelação interposta pela ré da sentença que julgou o incidente de liquidação abrangia, apenas, a decisão respeitante ao autor BB, com exclusão dos demais autores, pelo que a decisão de mérito e/ou quaisquer decisões interlocutórias proferidas nesse recurso em nada prejudicariam, mesmo indireta, reflexa ou mediatamente, os autores não recorridos;

C) À luz do disposto no artigo 631° CPC os autores AA, DD, EE e CC não têm legitimidade para recorrer das decisões proferidas pelo Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito da apelação da ré, respeitantes, uma, à admissão do recurso e, a outra, à admissão do documento que faz fls. 1022;

D) Por seu turno, o autor BB não deduziu qualquer pretensão, fosse no sentido de o recurso de apelação interposto pela ré não ser recebido, designadamente por ser intempestivo, fosse pugnando peia inadmissibilidade da Junção do documento de fls. 1022;

E) O autor BB não foi diretamente afetado pelas decisões sindicadas; nem pela da admissão do recurso, nem pela da admissão do documento de fls. 1022, Foi prejudicado, sim, mas pela decisão de mérito que foi proferida, que julgou parcialmente procedente a pretensão da ré apelante e alterou em conformidade a sentença recorrida;

F) Relativamente à junção do documento que faz fls. 1022, que é uma tradução do documento de fls. 667, apresentado pelo autor e que, para efeitos probatórios, não pode deixar de consubstanciar uma confissão, sujeita ao regime dos artigos 352°, 366° e 358* do Código Civil e 465° CPC, não se vê em que medida possa ter prejudicado o autor, tanto mais que, como o Acórdão recorrido refere expressamente, a tradução sempre poderia ter sido ordenada pelo tribunal "ad quem";

G) Assim, não tendo deduzido qualquer pretensão, podendo tê-lo feito e não tendo, também, sido diretamente afetado pelas mesmas, não parece que ao autor BB deva ser reconhecida a qualidade de parte vencida nas decisões que foram tomadas sobre a admissão da apelação da ré e sobre a junção do documento que faz fls. 1022 (tradução de documento já incorporado nos autos), não se verificando, por isso, o pressuposto da legitimidade recursiva, tal qual esta vem definida no artigo 631° CPC;

Sem prescindir,

H) Embora O Acórdão recorrido e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 16/03/2016, no processo 3436/07.2TTLSB-A.L1.4 (Acórdão fundamento), tenham em vista a mesma questão de direito - o prazo aplicável à interposição de apelação da sentença proferida em incidente de liquidação no processo laboral após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil -. não pode, contudo, afirmar-se que tenham sido proferidos no domínio da mesma legislação;

i) E isto porque o Acórdão recorrido decidiu no quadro normativo anterior à reforma do regime de recursos laborais operada pelo Dec. Lei n.º n.º 295/2009, de 13 de Outubro, recusando a aplicação do novo regime de recursos com fundamento no disposto no artigo 6° deste diploma (a instância declarativa tinha iniciado em data anterior a 01/01/2010), ao passo que o Acórdão de 16/03/2016 (Acórdão fundamento) aplicou o regime de recursos resultante da reforma de 2009, que entrou em vigor em 01/01/2010, sem ter ponderado sequer a data da instauração da ação declarativa;

J) Em bom rigor, não pode afiançar-se, sequer, que a situação de facto é a mesma nos dois Acórdãos, pois o Acórdão de 16/03/2016 (Acórdão fundamento) nada refere quanto a data da Instauração da ação declarativa, nomeadamente se foi anterior a 01/01/2010;

K) A norma transitória do artigo 7.° da Lei n° 41/2013, de 26 de Junho, visa as ações intentadas antes de 1/1/2008, com sentença prolatada depois de 1/9/2013, não sendo aplicável às ações laborais, mas unicamente aos processos civis nascidos no âmbito da lei processual comum;

L) Por ser assim, não pode dizer-se que o Acórdão recorrido e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/05/2014 tenham sido proferidos uno domínio da mesma legislação" e daí que, também em relação a estes dois arestos, não se verifique a propalada contradição de julgados.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Excias. Doutamente proverão, o recurso interposto pelos autores deverá ser julgado improcedente, mantendo-se o Acórdão recorrido na parte impugnada.

Com o que se fará justiça.»

Ainda inconformada com o acórdão do Tribunal da Relação, do mesmo recorre a Ré de revista, de forma subordinada, para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«A) A interpelação que a ré fez a cada um dos autores pelas cartas registadas datadas 13/05/2010 e expedidas sob registo postal e com aviso de receção no dia 17 do mesmo mês, cujo teor está reproduzido nos pontos 10 a 14 da factualidade provada e que foram recebidas pelos respetivos destinatários nas datas mencionadas nos pontos 15 a 19 dos factos provados, constitui uma  execução  da decisão de reintegração dos autores, resultante da sentença de 03/03/2010, a qual, ao tempo, estava pendente de recurso, com efeito meramente devolutivo;

B) Tal interpelação, uma vez recebida pelo destinatário, é válida e eficaz pois numa situação de efeito devolutivo do recurso pode a entidade empregadora optar por tomar a iniciativa da imediata reintegração;

C) Ao contrário do decidido no Acórdão recorrido, o trânsito em julgado do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/03/2016 não impunha à ré que interpelasse novamente cada um dos autores, indicando-lhes o dia, a hora e o local para se efetivar a respetiva reintegração, pois a declaração recetícia oportuna e validamente emitida pela ré em maio de 2010 não foi revogada por este acórdão do Supremo Tribunal de Justiça;

D) Quando receberam a comunicação da ré de maio de 2010 os autores estavam vinculados definitiva e irrevogavelmente à reintegração, não lhes assistindo já o direito de optarem pela indemnização substitutiva, sendo certo que, conforme o decidido no referido Acórdão de 03/03/2016, a irrevogabilidade da opção dos autores em nada foi afetada pela anulação da primitiva sentença;

E) E se a irrevogabilidade da opção não foi afetada pela anulação da primitiva sentença, então a validade da declaração/interpelação de reintegração que a ré endereçou a cada um dos autores na sequência da prolação dessa sentença também não foi atingida pela dita anulação;

F) O fim da sanção pecuniária “não é o de indemnizar os danos sofridos pelo credor com a mora, mas o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência”;

G) No que respeita à questão da reintegração dos autores a posição da Ré tem sido de grande coerência ao longo dos autos, sempre se mostrando pronta para proceder à reintegração: foi assim na contestação oferecida em 31/01/2006, também na tentativa de conciliação de 20/04/2006, igualmente nas cartas que remeteu aos autores em 17/05/2010 e, em geral nos demais atos processuais praticados em que essa questão foi discutida ou aflorada;

H) Aliás, resulta dos autos que se os autores não foram já reintegrados foi porque não quiseram e não porque a ré tivesse obstado à reintegração ou porque não tivesse praticado os atos necessários para o efeito;

I) Ao considerar irrelevante a interpelação que a ré fez aos autores em Maio de 2010 para efeitos do cumprimento do dever de reintegração, impondo a repetição da mesma após o trânsito em julgado do acórdão do STJ de 03/03/2016 e ao decidir a aplicação da sanção pecuniária compulsória no concreto circunstancialismo dos autos, o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 762º nº 1 CC (que estipula que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado) e não teve em consideração a finalidade da sanção pecuniária compulsiva, assim violando, também, o disposto no artigo 829º-A nº 1 CC; Por outro lado,

J) Como se referiu, a ré não teve, nem tem de ser compelida a reintegrar os autores. Pelo contrário, sempre se mostrou disponível para os aceitar nos respetivos postos de trabalho, chegando, mesmo, a interpelá-los para o efeito;

K) A exigência dos autores em verem aplicada a sanção pecuniária compulsória nas concretas circunstâncias dos autos excede “visível, manifesta e clamorosamente” os limites impostos pelo fim económico e social do direito, que não prescinde da inércia ou da oposição do devedor para a aplicação da sanção, inércia ou oposição que, repete-se, no caso inexiste de todo;

L) Ao acolher a pretensão dos autores, que configura uma situação de autêntico abuso de direito, o Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 334º do CC.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exc.ªs doutamente proverão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverá o Acórdão recorrido ser revogado.

Com o que se fará justiça.»

Neste Tribunal, a Exm.ª Procuradora Geral Adjunta proferiu parecer, nos termos do n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo de Trabalho, pronunciando-se, em síntese, no sentido de que deve ser concedida a revista dos Autores relativamente à impugnação da matéria de facto, devendo os autos baixar ao tribunal recorrido para ser apreciada a impugnação da matéria de facto.

Por despacho do relator de 27 de março de 2019, delimitaram-se as questões decorrentes das alegações do recurso dos autores – recurso principal – e da Ré – recurso subordinado -, nos seguintes termos:

«Analisadas as alegações de recurso apresentadas pelos Autores constata-se que se insurgem:

a) – Contra a decisão recorrida invocando contradição do acórdão agora recorrido com outro do Tribunal da Relação e outro do Supremo Tribunal de Justiça relativamente ao prazo de recurso em sede de incidente de liquidação, invocando os AA. que relativamente a esta matéria recorrem ao abrigo do disposto no art. 672.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil (isto é, revista excecional);

b) – Contra a decisão do Tribunal da Relação que admitiu a junção aos autos da página da tradução de um documento que já havia sido previamente junto, porquanto, no entendimento dos AA., a junção de tal documento não integrou nenhuma das exceções previstas nos arts. 425.º e 651.º do Código de Processo Civil, pelo que, não devia ter sido admitida tal junção;

c) Contra a decisão do Tribunal da Relação que rejeitou a apreciação da matéria de facto relativamente a um dos factos, por considerar que os AA. não tinham observado o ónus previsto no art. 640.º, n.º 1, al. c), invocando estes que o fizeram na conclusão “QQ)”, ao afirmarem: “consequentemente e, assim se julgando, como se espera, ter-se-á de incluir nos factos provados, que a R. não reintegrou os AA., ora Alegantes”, considerando os AA. que o Tribunal da Relação fez assim uma errada aplicação da lei de processo;

d) Contra a decisão do Tribunal da Relação na parte em que calcula a sanção pecuniária compulsória desde a data do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nos autos principais até à interposição do incidente de liquidação, em vez de ser a data da nova comunicação;

e) Referindo que, por não ter atendido ao determinado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, o Tribunal da Relação terá incorrido em violação de caso julgado, nos termos do art. 619.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Por sua vez, na revista subordinada, a Ré insurge-se contra a decisão recorrida não se conformando que o Tribunal da Relação tenha considerado:

a) - Que aquela não havia cumprido a obrigação de reintegração dos AA., exigindo que a R. a voltasse a fazer após o trânsito em julgado do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, aplicando a sanção pecuniária compulsória, o que no entender da recorrente é uma interpretação claramente violadora do art. 762.º, n.º 1 do Código Civil, bem como da finalidade da sanção pecuniária compulsória prevista no art. 829.º-A, n.º 1 do Código Civil;

b) – Que a pretensão dos AA. não configura uma situação de abuso de direito (art. 334.º do Código Civil).» 

Por despacho relator de 6 de maio de 2019, foi definido o objeto do recurso interposto pelos autores nos seguintes termos:

«Nestes termos, admite-se o recurso interposto relativamente a todos os Autores, no que se refere à matéria das alíneas c) e d) daquele despacho e no que se refere à matéria da alínea b), relativamente ao autor BB.

Não se admite, pois, a parte restante do recurso interposto pelos Autores, relativamente à matéria da alínea a) daquele despacho, e no que se refere à matéria da alínea b), relativamente aos restantes autores».

Nesse despacho admitiu-se igualmente a revista subordinada interposta pela Ré, a fls.1241.

Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa no presente recurso saber:

Na revista principal:

a) Se a junção aos autos da página da tradução de um documento que já havia sido previamente junto, viola o disposto nos arts. 425.º e 651.º do Código de Processo Civil;

b) se os recorrentes cumpriram integralmente os ónus decorrentes do artigo 640.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil relativamente ao facto discriminado na Conclusão QQ das alegações do recurso;

c) Se a sanção pecuniária compulsória em que a Ré foi condenada deve ser calculada desde a data do trânsito em julgado do acórdão desta Secção, até à data de nova comunicação da Ré aos Autores relativa à sua reintegração, ou até à interposição do incidente de liquidação, como se considerou na decisão recorrida.

Na revista subordinada:

a) Se a Ré para cumprir a obrigação de reintegração dos Autores que a onerava devia comunicar-lhes a sua intenção de os reintegrar após o trânsito em julgado do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça;

b) Se a pretensão dos AA. configura uma situação de abuso de direito nos termos do artigo 334.º do Código Civil. 


II

As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:

1. Os autos principais de impugnação de despedimento foram instaurados pelos Autores em 9 de dezembro de 2005.

2. A fls. 316 dos autos, foi proferido o seguinte despacho: “considerando a possibilidade de poder ser proferido despacho saneador/sentença quanto aos pedidos emergentes do alegado despedimento dos AA., deverão os mesmos, no prazo de 10 dias, declarar se optam pela reintegração ou pela indemnização substitutiva da mesma, sendo certo que caso nada digam, se entenderá que optam pela reintegração uma vez que a indemnização tem natureza substantiva”.

3. Os Autores recorreram de tal despacho, tendo o recurso sido admitido com subida diferida.

4. Em 3 de março de 2010 foi proferida sentença que decidiu:

 “IV- Decisão

Pelo exposto, julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência:

a. declara-se nula a cláusula quinta aposta nos contratos celebrados pelos autores a 1/04/1999; 15/02/1999; 01/02/1999; 01/03/1999 e 01/09/1999;

b. declara-se nulas as declarações de rescisão contidas nas cartas de 14/01/2002; 18/01/2002; 12/01/2002 e 11/01/2002;

c. declara-se ilícito o despedimento dos autores ocorrido a 14/02/2005 e em consequência condena-se a ré:

c.a. a pagar aos autores a importância das retribuições (incluindo diuturnidades, subsídio de almoço, subsídio de férias e de Natal) devidas desde 20/02/2006 até à data do trânsito em julgado da decisão. A tal valor deve ser deduzido o montante das importâncias atinentes a rendimentos de trabalho auferido pelo trabalhador em atividades iniciadas posteriormente ao despedimento e ainda o montante do subsídio de desemprego;

c.b. a pagar aos autores AA e DD a quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros) e a pagar aos autores EE; CC e BB a quantia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais;

c.c. a pagar aos autores juros sobre as quantias referidas em c.a., desde a data de vencimento de cada uma das retribuições até integral pagamento, à taxa legal supletiva em vigor, e que é atualmente de 4% ao ano, acrescidos de juros de mora à taxa de 5% ao ano, a título de sanção pecuniária compulsória, estes a contar do trânsito em julgado da sentença;

c.d. a pagar aos autores juros sobre as quantias referidas em c.b., desde 03/03/2010 (data da sentença) até integral pagamento, à taxa legal supletiva em vigor, e que é atualmente de 4% ao ano e ainda de juros à taxa de 5% ao ano, a título de sanção pecuniária compulsória, estes a contar do trânsito em julgado da sentença;

c.e. por cada dia de incumprimento da obrigação de reintegração dos autores após a data do trânsito em julgado da decisão, a pagar a sanção pecuniária compulsória, no valor de € 50,00 (cinquenta euros).”

5. A Ré apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual em 2 de novembro de 2011, proferiu acórdão que julgou improcedente o recurso de agravo dos Autores e procedente o recurso de apelação da Ré, anulando «a decisão da 1ª instância e subsequentes termos processuais, bem como a repetição do julgamento em ordem ao apuramento da (…) matéria de facto atinente às funções que os Autores exerciam à data do despedimento (14.2.2005)», “aditando que a repetição do julgamento” «não abrangerá a parte da decisão que não se mostra viciada, podendo (…) o Tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão»

6. Efetuado novo julgamento, foram aditados à matéria de facto os itens 2.1.54) a 2.1.60), tendo-se proferido sentença em 23 de maio de 2014, nos termos seguintes:

«3. Decisão

3.1. Nos termos e fundamentos expostos e atentas as disposições legais citadas, julga-se a ação parcialmente procedente, e, em consequência decide-se:

3.1.1. Declarar nula a cláusula quinta aposta nos contratos celebrados pelos autores a 01.04.1999, 15.02.1999, 01.02.1999, 01.03.1999 e 01.09.1999;

3.1.2. Declarar nulas as declarações de rescisão contidas nas cartas de 14.01.2002, 18.01.2002, 12.01.2002 e 11.01.2002;

3.1.3. Declarar ilícito o despedimento dos autores ocorrido a 14.02.2005 e, em consequência, condena-se a ré a pagar a cada um dos autores as seguintes quantias:

3.1.4. Condenar a ré FF, SA a pagar a cada um dos autores a quantia correspondente ao valor das retribuições que cada um deixou de auferir desde trinta dias antes da propositura da ação – 09 de Novembro de 2005 – até ao trânsito da sentença, deduzida das importâncias que cada um tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, sendo o montante de subsidio de desemprego que os autores eventualmente tenham auferido a entregar pela ré à segurança social, acrescidas aquelas quantias de juros de mora à taxa legal desde a data de vencimento até integral e efetivo pagamento, acrescidos de juros de mora à taxa de 5% ao ano, a título de sanção pecuniária compulsória, estes a contar do trânsito em julgado da decisão;

3.1.5. Condena-se a ré FF, SA a pagar a cada um dos autores a título de indemnização em substituição da reintegração uma retribuição base, por cada ano completo ou fração de antiguidade, contada desde a data de admissão de cada um até ao trânsito em julgado, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da sentença até integral e efetivo pagamento.

3.1.6. Condena-se a ré FF, SA a pagar aos autores AA e DD a quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros) e a pagar aos autores EE, CC e BB a quantia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais, acrescidas tais quantias de juros de mora à taxa legal desde a data da sentença e ainda de juros à taxa de 5% ao ano, a título de sanção pecuniária compulsória, estes a contar do trânsito em julgado da decisão»

7. Após confirmação da sentença de primeira instância pelo Tribunal da Relação a Ré interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual veio a proferir acórdão nos seguintes termos: «Nesta conformidade, decide-se conceder parcialmente a revista e revogar o acórdão recorrido, nos termos e com os fundamentos acima expostos, alterando-se o dispositivo da sentença exarada pelo tribunal de 1.ª instância, como segue:

«3.1. Nos termos e fundamentos expostos e atentas as disposições legais citadas, julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência decide-se:

3.1.1. Declarar nulas a cláusula quinta aposta nos contratos celebrados pelos autores a 01.04.1999, 15.02.1999, 01.02.1999, 01.03.1999 e 01.09.1999;

3.1.2. Declarar nulas as declarações de rescisão contidas nas cartas de 14.01.2002, 18.01.2002, 12.01.2002 e 11.01.2002;

3.1.3. Declarar ilícito o despedimento dos autores ocorrido a 14.02.2005 e, em consequência, condena-se a ré a pagar a cada um dos autores as seguintes quantias:

3.1.4. Condenar a ré FF, S.A., a pagar a cada um dos autores a quantia correspondente ao valor das retribuições que cada um deixou de auferir desde trinta dias antes da propositura da ação – 09 de Novembro de 2005 – até ao trânsito da sentença, deduzida das importâncias que cada um tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, sendo o montante de subsídio de desemprego que os autores eventualmente tenham auferido a entregar pela ré à Segurança Social, acrescidas aquelas quantias de juros de mora à taxa legal desde a data de vencimento até integral e efetivo pagamento, acrescidos de juros de mora à taxa de 5% ao ano, a título de sanção pecuniária compulsória, estes a contar do trânsito em julgado da decisão que julgar a liquidação das remunerações intercalares devidas a cada um dos autores;

3.1.5. Condena-se a ré FF,S.A., a reintegrar os autores no respetivo quadro de pessoal efetivo, como motoristas de veículos pesados de transporte de passageiros, sem prejuízo da respetiva categoria e antiguidade, e a pagar a sanção pecuniária compulsória, no valor de € 50 (cinquenta euros), por cada dia de atraso no cumprimento da reintegração dos autores, após o trânsito em julgado da decisão;

3.1.6. Condena-se a ré FF, S.A., a pagar aos autores AA e DD a quantia de € 350 (trezentos e cinquenta euros) e a pagar aos autores EE, CC e BB a quantia de € 250 (duzentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais, acrescidas tais quantias de juros de mora à taxa legal desde a data da sentença e ainda de juros à taxa de 5% ao ano, a título de sanção pecuniária compulsória, estes a contar do trânsito em julgado da decisão;»

8. O Acórdão transitou em julgado em 05-04-2016.

9. A Ré remeteu cartas as Autores datadas de 13/05/2010, expedidas sob registo postal e com aviso de receção no dia 17/05/2010.

10. Ao Autor AA, a R. endereçou a carta com o seguinte teor: 

 “Assunto: Reintegração

Tribunal do Trabalho de Lisboa, 3º Juízo, 1ª Secção,

Proc. 4946/05.1TTLSB

Exmo. senhor,

Por sentença proferida na ação em referência foi a FF S.A. condenada, além do mais, em reintegrá-lo no posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.

A sentença ainda não transitou em julgado, sendo, por isso, suscetível de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

A FF, porém, não pretende recorrer da sentença na parte que a condenou na aludida reintegração.

Assim sendo, fica por esta forma notificado para se apresentar ao trabalho no próximo dia 24 de Maio de 2010, pelas 09.00 horas, nas instalações desta empresa sitas na Rua ..., letras … em ....

Sem outro assunto de momento, apresentamos os nossos cumprimentos,”

11. A Ré enviou ao Autor BB, carta com o seguinte teor:

 “Assunto: Reintegração

Tribunal do Trabalho de Lisboa, 3º Juízo, 1ª Secção,

Proc. 4946/05.1TTLSB

Exmo. senhor,

Por sentença proferida na ação em referência foi a FF S.A. condenada, além do mais, em reintegrá-lo no posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.

A sentença ainda não transitou em julgado, sendo, por isso, suscetível de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

A FF, porém, não pretende recorrer da sentença na parte que a condenou na aludida reintegração.

Assim sendo, fica por esta forma notificado para se apresentar ao trabalho no próximo dia 24 de Maio de 2010, pelas 10.00 horas, nas instalações desta empresa sitas na Rua ..., letras … em ....

Sem outro assunto de momento, apresentamos os nossos cumprimentos,”

12. A Ré enviou ao Autor DD carta com o seguinte teor:

“Assunto: Reintegração

Tribunal do Trabalho de Lisboa, 3º Juízo, 1ª Secção,

Proc. 4946/05.1TTLSB

Exmo. senhor,

Por sentença proferida na ação em referência foi a FF S.A. condenada, além do mais, em reintegrá-lo no posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.

A sentença ainda não transitou em julgado, sendo, por isso, suscetível de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

A FF, porém, não pretende recorrer da sentença na parte que a condenou na aludida reintegração.

Assim sendo, fica por esta forma notificado para se apresentar ao trabalho no próximo dia 31 de Maio de 2010, pelas 09.00 horas, nas instalações desta empresa sitas na Rua ..., letras … em ....

Sem outro assunto de momento, apresentamos os nossos cumprimentos,”

13. A Ré enviou ao Autor GG enviou carta com o seguinte teor:

 “Assunto: Reintegração

Tribunal do Trabalho de Lisboa, 3º Juízo, 1ª Secção,

Proc. 4946/05.1TTLSB

Exmo. senhor,

Por sentença proferida na ação em referência foi a FF S.A. condenada, além do mais, em reintegrá-lo no posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.

A sentença ainda não transitou em julgado, sendo, por isso, suscetível de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

A FF, porém, não pretende recorrer da sentença na parte que a condenou na aludida reintegração.

Assim sendo, fica por esta forma notificado para se apresentar ao trabalho no próximo dia 27 de Maio de 2010, pelas 09.00 horas, nas instalações desta empresa sitas na Rua ..., letras … em ....

Sem outro assunto de momento, apresentamos os nossos cumprimentos,”

14. A Ré enviou ao Autor EE a carta com o seguinte teor:

 “Assunto: Reintegração

Tribunal do Trabalho de Lisboa, 3º Juízo, 1ª Secção,

Proc. 4946/05.1TTLSB

Exmo. senhor,

Por sentença proferida na ação em referência foi a FF S.A. condenada, além do mais, em reintegrá-lo no posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.

A sentença ainda não transitou em julgado, sendo, por isso, suscetível de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

A FF, porém, não pretende recorrer da sentença na parte que a condenou na aludida reintegração.

Assim sendo, fica por esta forma notificado para se apresentar ao trabalho no próximo dia 28 de Maio de 2010, pelas 09.00 horas, nas instalações desta empresa sitas na Rua ..., letras … em ....

Sem outro assunto de momento, apresentamos os nossos cumprimentos,”

15. A carta endereçada para o A. AA foi recebida no dia 20/05/2010.

16. A carta endereçada para o A. BB foi recebida no dia 21/05/2010.

17. A carta endereçada para o A. DD foi recebida no dia 19/05/2010.

18. A carta endereçada para o A. CC foi recebida no dia 20/10/2010.

19. A carta endereçada para o A. EE foi recebida no dia 19/05/2010.

20. Nenhum dos Autores se apresentou nas instalações da Ré para retomar o seu trabalho.

21. Se os Autores tivessem estado ao serviço da Ré teriam auferido a seguinte remuneração mensal:

i) remuneração no período de 01/11/2005 a 28/02/2006: € 579,71;

ii) no período de 01/03/2006 a 28/02/2007: € 587.92;

iii) no período de 01/03/2007 a 28/02/2008: € 596,51;

iv) no período de 01/03/2008 a 28/02/2009: € 605,22;

v) no período de 01/03/2009 a 30/06/2011: € 612,29;

vi) no período de 01/07/2011 a 28/02/2014: € 619,71;

vii) no período de 01/03/2014 a 30/11/2015: € 634,71;

viii) no período de 01/12/2015 a 28/02/2016: € 644,14;

ix) no período de 01/03/2016 a Abril de 2016 : € 650,71.

22. O Autor EE, no período entre novembro de 2005 e Abril de 2016, auferiu os montantes salariais elencados no requerimento inicial na tabela que antecede o art. 29.º, que se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

23. O Autor CC, no período entre novembro de 2005 e abril de 2016, auferiu os montantes salariais elencados no requerimento inicial na tabela que antecede o art. 34.º, que se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

24. O Autor DD, no período entre novembro de 2005 e abril de 2016, auferiu os montantes salariais elencados no requerimento inicial na tabela que antecede o art. 36.º, que se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

25. O Autor AA, no período entre novembro de 2005 e abril de 2016, auferiu os montantes salariais elencados no requerimento inicial na tabela que antecede o art. 25.º, que se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

26. Para além das retribuições supra mencionados no número anterior o Autor auferiu ainda os seguintes montantes salariais:

2007

Junho € 1375,35

Julho € 2119,62

Agosto € 1290,27

Setembro € 1234,91

Outubro € 793,55

Novembro € 1384,79

Dezembro € 1086,32

2011

Março € 396,88

Abril € 1.480,68

Maio € 2.230,57

Junho € 3.603,18

Julho € 3.420,94

Agosto € 3.691,16

Setembro € 4.866,02

Outubro € 1.859,68

Novembro € 6.377,35

Dezembro € 1.618,80

2014

Janeiro € 4.014,18

Fevereiro € 2.164,09

Março € 2.959,05

Abril € 3.623,66

Maio € 2.037,72

Junho € 3.012,25

Julho € 2.935,17

Agosto € 1.476,64

Setembro € 3.664,68

Outubro € 3.865,68

Novembro € 3.947,18

Dezembro € 2.641,55

2016

Março € 1.078,38

Abril € 1.420,03

27. O Autor BB, no período entre novembro de 2005 e abril de 2016, auferiu os montantes salariais elencados no requerimento inicial na tabela que antecede o art. 32º, que se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

28. Para além das retribuições supra mencionados no número anterior o Autor auferiu ainda os seguintes montantes salariais:

2006

Fevereiro € 2.292,34

Maio € 2.762,27

2007

Fevereiro € 4792,37

Junho € 2.057,29

Julho € 1.358,24

Setembro € 1.367,89

Novembro € 1.168,24

Maio de 2010 - € 2904,26

Junho de 2010 - €1638, 18

Maio de 2011 - € 2267,62

Junho de 2011 - € 1686,25 

Ano de 2012: € 4.007,00

Ano de 2013: € 4.355,00

Ano de 2014: € 7.050,00

Ano de 2015: € 13.693,00

Março de 2016 - € 1820 

Abril de 2016 - € 2780»


III

1 – Nas conclusões I) e J) das alegações da revista insurgem-se os Autores contra a decisão recorrida na parte em que decidiu admitir nos autos o documento de fls. 1022, junto pela Ré com base no requerimento de fls. 1020 e 1021.

O Autor BB havia deduzido oposição à junção daquele documento, conforme resulta de fls. 1027.

Na decisão recorrida o Tribunal admitiu o documento com a seguinte fundamentação:

«Vejamos, agora, se deve ser admitido o documento apresentado com as alegações do recurso da R..

A fls. 1020 a 1021, a R/ recorrente justificou do seguinte modo a junção do documento: «a certificação da tradução do documento respeitante aos rendimentos auferidos em 2015 pelo autor BB que a aqui exponente juntou aos autos pela apresentação (…) de 17/05/2017 não contém o ato certificado, i.e., a tradução (…) Tal omissão deveu-se a um erro na digitalização do documento (…) Verificando agora que o documento não está completo, a exponente vem suprir a omissão, entregando a página em falta, que requer fique incorporada nos autos.»          

Verificamos que o documento de fls. 1022 é a tradução do documento de fls. 667.

Uma vez que o documento em causa fora previamente apresentado e a respetiva tradução (pela primeira instância) poderia ser ainda ser determinada pelo Tribunal ad quem, admite-se a junção aos autos.»

Entende o recorrente que a admissão do documento em causa viola o disposto nos artigos 425.º e 651.º do Código de Processo Civil.

Contudo, o documento em causa é uma mera tradução para língua portuguesa do documento que se encontra a fls. 667 dos autos, não tendo autonomia relativamente a este documento.

Carece, assim, de sentido a pretensão do recorrente no sentido de que a junção do documento em causa colide com os referidos dispositivos do Código de Processo Civil.

2 – Nas conclusões K) a P) da revista insurgem-se os Autores contra a decisão recorrida na parte em que não tomou conhecimento do recurso em matéria de facto por eles interposto, com fundamento no não cumprimento dos ónus decorrentes do artigo 640.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil, relativamente ao facto discriminado na Conclusão QQ das alegações do recurso.

Referem, como fundamento dessa crítica, que «se os Venerandos Desembargadores tivessem atentado na conclusão QQ), certamente teriam proferido decisão diferente» porque «sob a conclusão N) referem os recorrentes que «impugnam a decisão recorrida sobre a matéria de facto, na parte da mesma, em que e em síntese, concluiu que: «a) Resulta dos factos provados que, no ano de 2010, a Ré comunicou aos Autores que aceitava a reintegração notificando-os para comparecerem nas suas instalações» - Cfr. “Item C. Fundamentação de Direito” da sentença recorrida» e que terminaram «sob a conclusão QQ), concluído o seguinte: «consequentemente e, assim se julgando, como se espera, ter-se-á de incluir nos factos provados, que a Ré não reintegrou os Autores, ora Alegantes».

Realçam assim que «na referida conclusão QQ) cumpriram com o disposto na al. c) do n.º1 do artigo 640º do C. P. Civil, ou seja, propugnaram qual a decisão que no seu entender deveria ser proferida quanto a esta questão».

2.1 - O Tribunal da Relação rejeitou tomar conhecimento do recurso em matéria de facto na parte ora impugnada com os seguintes fundamentos:

«Sob a conclusão N) referem os recorrentes que «impugnam a decisão recorrida sobre a matéria de facto, na parte da mesma, em que e em síntese, concluiu que: «a) Resulta dos factos provados que, no ano de 2010, a Ré comunicou aos Autores que aceitava a reintegração notificando-os para comparecerem nas suas instalações» - Cfr. “Item C. Fundamentação de Direito” da sentença recorrida».

Ora, quanto a este aspeto os recorrentes não cumpriram nas conclusões o ónus previsto na alínea c) do nº 1 do art. 640º do CPC, em virtude não terem especificado a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida sobre a questão de facto em apreço.

Assim e quanto a esta matéria, não se admite o recurso quanto à matéria de facto.»

2.2 - A matéria de facto fixada na sentença proferida em 1.ª instância não integra qualquer facto em que expressamente se assuma que a Ré comunicou aos Autores que aceitava a sua reintegração, notificando-os para comparecem nas suas instalações.

Na verdade, o que decorre da matéria de facto dada como provada na sentença proferida é a remessa das cartas referidas nos pontos n.ºs 9 a 14 e respetivo conteúdo; a receção nas condições descritas nos pontos n.º s 15 a 19.º e a não apresentação dos Autores referida no ponto n.º 20.

A partir destes factos, o tribunal, em sede fundamentação do julgamento de facto, veio a dar como provado que essas cartas foram recebidas pelos Autores, tendo-se aí consignado como fundamento do decidido que «o conteúdo, expedição e receção das missivas (…) resultou provado pelos documentos juntos com a oposição de fls. 231 a 245. Sendo certo que genuinidade de tais documentos não foi impugnada. Os autores pronunciaram-‑se quanto aos documentos mas, em caso algum, foi alegado que as missivas não foram recebidas. Neste particular não pode deixar de se fazer menção à prova testemunhal (…)» que o Tribunal seguidamente analisou.

Foi a partir daqui que o Tribunal de 1.ª instância deu como provado que a Ré comunicou aos Autores a sua intenção de os reintegrar e os notificou para comparecerem nas suas instalações.

No recurso de apelação que interpuseram, os Autores insurgiram-se contra a receção das cartas em que a Ré lhes comunicava aquelas suas intenções, conforme se alcança das conclusões C) a P) das alegações que apresentaram.

Está em causa saber se o fizeram de forma a que se possa considerar que deram cumprimento aos ónus estabelecidos no artigo 640.º n.º 1, do Código de Processo Civil.

Na decisão recorrida considerou-se que os Autores não deram cumprimento ao disposto na alínea c) daquele dispositivo, ou seja não concretizaram «a decisão que em seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».

No recurso referem os recorrentes que deram cumprimento a essa exigência porque na conclusão QQ referiram que «consequentemente e, assim se julgando, como se espera ter-se-á de incluir nos factos provados, que a Ré não reintegrou os Autores, ora Alegantes».

As exigências de natureza formal relativas ao recurso em matéria de facto que emergem do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, tem sido objeto de múltiplas pronúncias nesta Secção[1].

Referiu-se com efeito no acórdão desta Secção proferido na revista n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1, de 16 de maio de 2018, o seguinte:

«Como resulta da transcrita fundamentação, a Relação escusou-se de conhecer do recurso no que tange à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, porque a recorrente não indicou nas alegações os factos que devem ser considerados provados, ou seja, não indicou “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”, como estipulado na al. c) do nº 1 do art. 640º.

Vem sendo entendimento deste Supremo Tribunal e nomeadamente desta 4ª Secção que o cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC não pode “redundar na adoção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação, e que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, maxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica” (.).

E se é certo que este Supremo Tribunal vem sufragando um formalismo algo mitigado relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC, vem todavia impondo como fronteira a possibilidade do tribunal de recurso conhecer, sem esforço acrescido, a pretensão do recorrente, ou seja, de apreender o objeto do recurso sem ter que se substituir ao recorrente nessa tarefa que sobre si impende.

E se não oferece dúvidas de que as alegações stricto sensu têm que conter aquelas indicações, também as conclusões as devem observar, na medida em que não só constituem a síntese das alegações como são elas, como referido, que definem o objeto do recurso e o âmbito do conhecimento do tribunal.»[2]

No caso dos autos, é manifesto que a conclusão indicada pelos recorrentes como suscetível de satisfazer as exigências que o Tribunal da Relação considerou em falta, não integra sequer matéria de facto, mas sim um claro juízo de natureza conclusiva sobre factualidade que não é concretizada pelos recorrentes.

A reintegração é um efeito jurídico decorrente do restabelecimento de uma relação de trabalho, no caso na sequência de um despedimento do trabalhador.

Não pode assim considerar-se como facto a dar como provada na base da reapreciação da prova nos termos do recurso em matéria de facto que «a Ré não reintegrou os Autores, ora apelantes».

Não merece, pois, qualquer censura a decisão, quando deu como assente o incumprimento dos ónus estabelecido na alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil.

Na verdade, os recorrentes não concretizaram o facto ou factos que pretendiam que o Tribunal da Relação desse como provado, na sequência da pedida reapreciação da matéria de facto dada fixada pela 1.ª instância.

3 – Nas conclusões Q) a V) insurgem-se os recorrentes contra a decisão recorrida na parte em que fixou a sanção pecuniária compulsória até à data do pedido de liquidação apresentado.

Entendem os recorrentes que a sanção é devida até que, em cumprimento do acórdão do STJ em execução, a Ré lhes dirija nova comunicação da sua intenção de os reintegrar.

Referem que «tendo em conta a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, cujo excerto se deixa transcrito supra, no sentido de que a reintegração não tinha sido cumprida, sendo necessária nova comunicação, o montante devido a título de sanção pecuniária compulsória pelo cumprimento da reintegração deverá ser calculado até à data da nova comunicação/ reintegração e não até à data da interposição do incidente de liquidação, como determinado pelo acórdão ora recorrido».

Destacam que «o montante devido a título de sanção pecuniária compulsória deverá ser calculado até ao cumprimento da obrigação de reintegrar e não até à data da propositura do incidente de liquidação», pelo que «o Tribunal da Relação, atento o Acórdão do STJ que se deixou referido (…) podia e devia ter proferido decisão no sentido de ser devido, a cada um dos Autores, o montante de 50,00 € diários, a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reintegrar os ora Alegantes até à data em que vier a ser cumprido o dever por parte da Ré de reintegrar os Autores, ora Alegantes».

Está em causa pois saber se o montante liquidado da sanção pecuniária compulsória em que a Ré foi condenada deve ser calculado desde a data do trânsito em julgado do acórdão desta Secção, até à data de nova comunicação da Ré aos Autores relativa à sua reintegração, ou até à instauração do incidente de liquidação, como se considerou na decisão recorrida.

3.1 – O Tribunal da Relação debruçou-se sobre esta questão afastando-se da decisão proferida pela 1.ª instância, que negou a existência de qualquer direito à sanção pecuniária compulsória e veio a responder em sentido afirmativo à pretensão dos Autores, embora limitada ao período que decorre entre o trânsito em julgado do acórdão desta Secção em execução e a data do pedido de liquidação formulado pelos autores.

Fundamentou o decidido nos seguintes termos:

[Após a referida comunicação da R. aos autores, foi proferido Acórdão de 2.11.2011 que anulou a decisão da 1ª instância. Foi, posteriormente, proferida decisão pela 1ª instância que condenou a R. no pagamento aos AA. de uma indemnização em substituição da reintegração. Esta decisão foi confirmada por Acórdão desta Relação. Apenas em 03.03.2016 foi proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça que condenou «a ré FF, S.A., a reintegrar os autores no respetivo quadro de pessoal efetivo, como motoristas de veículos pesados de transporte de passageiros, sem prejuízo da respetiva categoria e antiguidade, e a pagar a sanção pecuniária compulsória, no valor de € 50 (cinquenta euros), por cada dia de atraso no cumprimento da reintegração dos autores, após o trânsito em julgado da decisão».

Conforme refere Pedro Furtado Martins in “Cessação do Contrato de Trabalho”, 4ª edição, pág. 509, «a manutenção do contrato de trabalho pressupõe que o empregador pratique os atos materiais indispensáveis para que o vínculo possa ser normalmente executado.»

E, conforme refere o Acórdão da Relação do Porto, de 29.11.2010- www.dgsi.pt: «A condenação do empregador na reintegração do trabalhador despedido ilicitamente traduz-se numa obrigação “de facere”, a cargo da entidade patronal, que só por ela pode ser cumprida. Na verdade, se a entidade patronal, na vigência do contrato de trabalho, declarou ao trabalhador a cessação da relação laboral – invocando justa causa – e se este fundamento não foi considerado judicialmente válido, então terá a mesma (a entidade patronal), de igual forma, proferir declaração no sentido pugnado pela sentença, ou seja, convocar o trabalhador para ser reintegrado.

E se a obrigação de reintegrar o trabalhador recai sobre o empregador – por isso é que ele foi condenado a reintegrar – então, tem ele de praticar todos os atos que conduzam ao cumprimento dessa obrigação, nomeadamente convocar o trabalhador a apresentar-se na empresa para trabalhar, indicando-lhe o dia ou o prazo em que o deve fazer».

Uma vez que a decisão inicial que condenou na reintegração foi anulada e substituída, posteriormente, por indemnização a favor dos AA. e face à data do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nos autos principais (3.3.2016) que determinou a reintegração dos AA., a notificação da R. (efetuada em 2010) não deve ser considerada cumprimento desta decisão, sendo necessária nova comunicação.

Desde o trânsito em julgado do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (5.4.2016) até à data da liquidação efetuada no requerimento inicial do presente incidente (09.09.2016) é devido a cada A./Recorrente o montante pelos mesmos indicado: € 7850.

Procede, assim, parcialmente o recurso interposto pelo autores.]

À luz da matéria de facto fixada pela 1.ª instância, não posta em causa, neste ponto, pela intervenção do Tribunal da Relação, a Ré dirigiu aos Autores as comunicações transcritas nos autos de que estes tomaram conhecimento – facto que decorre da fundamentação do juízo de facto e que o tribunal de 1.ª instância alcançou com base nos elementos que ali refere.

Essas comunicações têm implícita uma clara intenção de reintegração dos respetivos destinatários.

Tal comunicação decorre da sentença proferida em 3 de março de 2010, sintetizada no acórdão desta Secção de nos seguintes termos:

[Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 3 de março de 2010, que decidiu configurar-se transação quanto à reintegração dos autores e ao pagamento dos salários intercalares até à notificação da contestação, e condenou «as partes a observá-la nos seus precisos termos, designadamente a ré GG Transportes, S. A., a reintegrar os autores no quadro de pessoal efetivo, colocando-os a exercer funções como motoristas da frota de autocarros de turismo, e a pagar aos autores as retribuições (…)», e, por outro lado, julgou a ação parcialmente procedente, nos termos seguintes: a) (…)»; b) declarou nulas (…); c) declarou «ilícito o despedimento dos autores ocorrido a 14/02/2005», condenando, assim, a ré: (…); e, ainda, c.e.) «por cada dia de incumprimento da obrigação de reintegração dos autores após a data do trânsito em julgado da decisão, a pagar a sanção pecuniária compulsória, no valor de € 50,00 […] euros», absolvendo a ré do mais peticionado.

Os autores requereram a aclaração da sentença sobre os termos em que seria feita a reintegração e acerca da capitalização dos juros de mora, e a ré respondeu, tendo sido proferido despacho que esclareceu que a reintegração estava aceite por transação, cuja homologação acolheu o peticionado pelos autores, e no respeitante à sanção pecuniária compulsória sustentou os exatos termos da condenação exarada.]

A Ré apelou desta sentença e foi na sequência deste recurso que o Tribunal da Relação veio a anular aquela sentença, por acórdão de 2 de novembro de 2011.

A anulação ordenada, tal como resulta do acórdão desta Secção acima citado, visava «a anulação da decisão proferida em 1.ª instância e subsequentes termos processuais, bem como a repetição do julgamento em ordem ao apuramento da […] matéria de facto atinente às funções que os Autores exerciam à data do despedimento (14.2.2005)», aditando que a repetição do julgamento «não abrangerá a parte da decisão que não se mostra viciada, podendo […] o Tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão».

Tal como decorre do acórdão desta Secção já citado, [As partes conformaram-se com a aludida deliberação, sendo que os autores, em 9 de novembro de 2011, requereram que fossem «autorizados a optarem entre a reintegração e a indemnização, posto que o façam até à sentença final que há de resultar da repetição do julgamento» e, subsidiariamente, declararam que, caso não tomassem aquela opção até à sentença final, aceitavam «que o seu silêncio [fosse] entendido como uma opção pela indemnização por antiguidade (portanto, como renúncia à reintegração)», tendo a ré sustentado o indeferimento desse requerimento, aduzindo, para tanto, que «a repetição ordenada pelo Douto Acórdão da Relação de Lisboa visará apenas, conforme consta expressamente do dispositivo, ‘o apuramento […] da matéria de facto atinente às funções que os autores exerciam à data do despedimento’ e ‘não abrangerá a parte da decisão que não se mostra viciada’», além de que «a reintegração dos AA. em consequência do despedimento ilícito proferido pela R., decretada pela sentença proferida em primeira instância, é uma decisão que transitou em julgado, pelo que não poderá agora ser modificada».

Tal requerimento não foi objeto de apreciação até à prolação da sentença e veio a ser objeto do referido acórdão deste Tribunal tendo-se concluído que «Tudo para concluir que, tendo sido fixado o regime de subida diferida, com efeito meramente devolutivo, ao recurso interposto relativamente ao despacho de fls. 316, o que implicou a vinculatividade da decisão recorrida no tocante à obrigação de opção entre reintegração e indemnização e ao valor do silêncio assumido, não tendo os autores optado entre a reintegração e a indemnização até à sentença primitiva, esse silêncio deve ser entendido como opção pela reintegração, segundo o determinado no assinalado despacho, opção que é irrevogável, termos em que não podiam voltar a optar entre a reintegração e a indemnização após a prolação da primitiva sentença, apesar de esta ter sido anulada por acórdão de 2 de novembro de 2011.]

Desta decisão veio a decorrer a condenação da Ré a reintegrar os Autores, nos termos consignados no dispositivo daquele acórdão, que estabeleceu a sanção pecuniária compulsória relativamente a esta reintegração, nestes termos: «Os autores peticionaram que seja fixada uma sanção pecuniária compulsória no respeitante ao cumprimento da obrigação de reintegração; assim, face ao disposto no n.º 1 do artigo 829.º-A do Código Civil e atentas as circunstâncias do caso, fixa-se a mencionada sanção no montante de € 50 (cinquenta euros) por cada dia de atraso no cumprimento da decidida reintegração dos autores.»

Mau grado este Tribunal tenha considerado que na data em que os Autores apresentaram o requerimento acima referido, já não podiam optar entre a indemnização em substituição da reintegração e esta, condenando a Ré a reintegrá-los, a verdade é que o circunstancialismo em que esta reintegração surge coloca a questão em análise de saber se a Ré devia desencadear os mecanismos necessários à reintegração dos Autores, nomeadamente, fazer-lhes nova comunicação no sentido da reintegração e se a não realização dessa comunicação implica o incumprimento da obrigação de reintegração e o pagamento da sanção pecuniária em causa.

O Tribunal da Relação considerou que tal comunicação era necessária dada a anulação da sentença de que resultava a comunicação inicialmente feita pela Ré e nesse pressuposto condenou a Ré a pagar aos Autores a mencionada sanção pecuniária compulsória. Limitou, contudo, a condenação aos valores consignados pelos requerentes na petição inicial da presente liquidação, nada tendo decidido relativamente aos quantitativos que se vencessem na pendência do presente processo.

Entendem os recorrentes que a sanção é devida até que haja uma nova comunicação da Ré relativa à reintegração dos Autores.

No contexto dos autos a pretensão dos Autores carece de fundamento válido.

Se é certo que incumbia à Ré, enquanto empregador desencadear as diligências necessárias no sentido de dar cumprimento ao acórdão deste Tribunal, o que esta omitiu, a verdade é que os Autores já tinham declarado que, em caso de silêncio, optavam pela indemnização em substituição, o que é suscetível de evidenciar o desinteresse daqueles pela reintegração.

A atitude da Ré em aguardar uma tomada de posição dos Autores, depois de inicialmente lhes ter comunicado a sua intenção de os reintegrar, não pode ser entendida como incumprimento do dever de reintegração que emerge do acórdão desta Secção e como fundamento da obrigação de pagamento da sanção pecuniária compulsória.

Carece, deste modo, de fundamento a pretensão dos Autores de, para além dos quantitativos que lhes foram reconhecidos pelo Tribunal da Relação, a título de sanção pecuniária compulsória, ainda obterem os quantitativos que se viessem a vencer até uma nova comunicação por parte da Ré relativa à intenção de os reintegrar, o que eles, no contexto dos autos, declararam não pretender.

Por outro lado, a decisão recorrida moveu-se no quadro da liquidação deduzida pelos Autores através do requerimento que deu origem ao presente procedimento de liquidação em que se limitaram a pedir os montantes da sanção pecuniária que entendiam estar em dívida, nada pedindo relativamente aos quantitativos que se viessem a vencer na pendência destes autos.

Ora, a liquidação da sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 1 do artigo 829.º - A, do Código Civil, depende de impulso processual do credor, conforme decorre expressamente dessa norma.

Se este se limita a liquidar os quantitativos em dívida na data em que formula o pedido e nada diz relativamente a quantitativos que se venham a vencer posteriormente, o Tribunal não pode oficiosamente ir para além do pedido formulado.

Na verdade, há que distinguir a sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 1 do artigo 829.º-A do Código Civil, sujeita em toda a sua dimensão ao princípio do pedido, da prevista no n.º 4 do mesmo artigo, esta sim de natureza oficiosa.

Nenhuma censura merece, pois, a decisão recorrida na parte em que se manteve dentro dos limites do pedido formulado pelos autores.

3.2 - Acresce que carece de sentido a afirmação dos Autores de que a decisão recorrida viola o acórdão proferido por esta Secção em 3 de março de 2016, nomeadamente na medida que do mesmo decorreria a condenação da Ré no pagamento da sanção pecuniária até nova comunicação aos Autores da intenção de reintegrar.

Na verdade, a decisão recorrida acatou na fixação da sanção pecuniária compulsória o concreto pedido formulado pelos Autores, sendo certo que o acórdão em causa, na sequência do ali decidido quanto à reintegração dos autores manteve a condenação da Ré no pagamento da sanção pecuniária compulsória.

Nada foi decidido naquele acórdão desta Secção sobre a execução dessa obrigação imposta à Ré, nomeadamente, sobre as circunstâncias que já derivavam do processo e que condicionavam a execução da mesma, ou seja sobre o reflexo da comunicação que a Ré fez aos Autores da sua intenção de os reintegrar e sobre a atitude destes acima referida no sentido de que uma falta de opção dos mesmos fosse interpretada como com intenção de renúncia à reintegração.

Realce-se que o pagamento da sanção pecuniária só é devido se houver efetivo incumprimento da obrigação que motiva a aplicação da sanção em causa e nada resulta daquele acórdão sobre um facto futuro que seria o incumprimento da obrigação de reintegração ali concretizada.

Improcedem, deste modo, as conclusões Q) a V) da revista do Autores.

4 – Nas conclusões da revista subordinada que interpôs insurge-se a Ré contra a decisão recorrida na parte em que a mesma considerou que a Ré deveria ter feito uma nova comunicação aos Autores da sua intenção de os reintegrar, na sequência do acórdão desta Secção de 3 de março de 2016

Referiu com efeito que «A interpelação que a ré fez a cada um dos autores pelas cartas registadas datadas 13/05/2010 e expedidas sob registo postal e com aviso de receção no dia 17 do mesmo mês, cujo teor está reproduzido nos pontos 10 a 14 da factualidade provada e que foram recebidas pelos respetivos destinatários nas datas mencionadas nos pontos 15 a 19 dos factos provados, constitui uma execução da decisão de reintegração dos autores, resultante da sentença de 03/03/2010, a qual, ao tempo, estava pendente de recurso, com efeito meramente devolutivo».

Destaca que «Ao contrário do decidido no Acórdão recorrido, o trânsito em julgado do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/03/2016 não impunha à ré que interpelasse novamente cada um dos autores, indicando-lhes o dia, a hora e o local para se efetivar a respetiva reintegração, pois a declaração recetícia oportuna e validamente emitida pela ré em Maio de 2010 não foi revogada por este acórdão do Supremo Tribunal de Justiça».

Por outro lado, refere que «O fim da sanção pecuniária “não é o de indemnizar os danos sofridos pelo credor com a mora, mas o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência”» e no «que respeita à questão da reintegração dos autores a posição da Ré tem sido de grande coerência ao longo dos autos, sempre se mostrando pronta para proceder à reintegração: foi assim na contestação oferecida em 31/01/2006, também na tentativa de conciliação de 20/04/2006, igualmente nas cartas que remeteu aos autores em 17/05/2010 e, em geral nos demais atos processuais praticados em que essa questão foi discutida ou aflorada».

Termina referindo que «se os autores não foram já reintegrados foi porque não quiseram e não porque a ré tivesse obstado à reintegração ou porque não tivesse praticado os atos necessários para o efeito» e que «Ao considerar irrelevante a interpelação que a ré fez aos autores em Maio de 2010 para efeitos do cumprimento do dever de reintegração, impondo a repetição da mesma após o trânsito em julgado do acórdão do STJ de 03/03/2016 e ao decidir a aplicação da sanção pecuniária compulsória no concreto circunstancialismo dos autos, o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 762º nº 1 CC (que estipula que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado) e não teve em consideração a finalidade da sanção pecuniária compulsiva, assim violando, também, o disposto no artigo 829º-A nº 1 CC».

Tal como acima se referiu, mau grado este Tribunal tenha considerado que na data em que os Autores apresentaram o requerimento acima referido relativo ao exercício do direito de opção, já não podiam optar entre a indemnização em substituição da reintegração e esta reintegração, condenando a Ré a reintegrá-los, a verdade é que o circunstancialismo em que esta reintegração surge coloca a questão de saber se a Ré devia desencadear de novo os mecanismos necessários à reintegração dos Autores, nomeadamente, fazer-lhes nova comunicação em que expressasse a sua intenção de os reintegrar.

O Tribunal da Relação considerou que tal comunicação era necessária dada a anulação da sentença de que resultava a comunicação inicialmente feita pela Ré e nesse pressuposto condenou a Ré a pagar aos Autores a mencionada sanção pecuniária compulsória.

Não podemos subscrever esse segmento da decisão recorrida.

4.1 - Na verdade, se é certo que incumbia à Ré, enquanto empregador, desencadear as diligências necessárias no sentido de dar cumprimento ao acórdão deste Tribunal, o que esta omitiu, a verdade é que os Autores já tinham declarado que, em caso de silêncio, optavam pela indemnização em substituição da reintegração, o que evidencia o desinteresse pela reintegração.

A atitude da Ré em aguardar uma tomada de posição dos Autores, depois de inicialmente lhes ter comunicado a sua intenção de os reintegrar, não pode, só por si, ser entendida como incumprimento do dever de reintegração que emerge do acórdão desta Secção e como fundamento da obrigação de pagamento da sanção pecuniária compulsória.

De facto, a Ré tinha comunicado aos Autores a sua intenção de os reintegrar, intenção que tinha mantido ao longo do processo e exprimido em várias situações.

Estes, no contexto acima referido, já tinham expresso a possibilidade de opção pela indemnização em substituição da reintegração, o que não pode ser esquecido quando se pretende saber se há incumprimento do dever de reintegração e se é devida a sanção pecuniária compulsória.

Por outro lado, a reintegração entendida como retoma da situação emergente do contrato de trabalho que ligava os Autores à Ré, não dependia exclusivamente desta, mas também do interesse dos Autores e do concurso dos mesmos.

Se é certo que a Ré, em abstrato, devia tomar a iniciativa de abordar os Autores no sentido de esclarecerem a sua posição definitiva, não pode entender-se, no contexto dos autos, a omissão de uma concreta atuação nesse sentido como violadora do dever de reintegração que emerge do acórdão desta Secção de 3 de março de 2016 e fundamento legítimo para que os Autores sejam neste contexto credores da sanção pecuniária em causa.

Procede, pois, a revista subordinada da Ré, neste segmento.

5 – Nas conclusões K) e L) refere a Ré recorrente que «A exigência dos autores em verem aplicada a sanção pecuniária compulsória nas concretas circunstâncias dos autos excede “visível, manifesta e clamorosamente” os limites impostos pelo fim económico e social do direito, que não prescinde da inércia ou da oposição do devedor para a aplicação da sanção, inércia ou oposição que, repete-se, no caso inexiste de todo» e que a atuação dos Autores neste contexto configura uma situação de abuso do direito.

A situação de abuso do direito pressupõe o reconhecimento do direito em cujo exercício o seu titular ultrapassa os limites decorrentes do artigo 334.º do Código Civil.

No caso dos autos, tal como acima se referiu, não foi reconhecido o direito dos Autores à sanção pecuniária compulsória que reclamavam.

Mostra-se, pois, prejudicado o conhecimento da questão suscitada pela Recorrente, nos termos do n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, pelo que dela se não conhece.


IV

Em face do exposto, acorda-se:

a) Em negar a revista dos Autores; 

b) Em conceder a revista subordinada interposta pela Ré, revogando a decisão recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar aos Autores a sanção pecuniária compulsória pela reintegração, repristinando nesse segmento a sentença proferida pela 1.ª instância; e

c) Em confirmar no mais a decisão recorrida.

Custas pelos Autores, quer da revista principal, quer da subordinada.

Junta-se sumário do acórdão.

Lisboa, 13 de novembro de 2019

António Leones Dantas (Relator)

Júlio Gomes

Ribeiro Cardoso

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[1] Cfr. revista n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1 de 18 de fevereiro de 2018.
[2] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.